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Revista Internacional CONSINTER de Direito - Publicação Oficial do Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação

Print version ISSN 2183-6396On-line version ISSN 2183-9522

Revista Internacional CONSINTER de Direito  no.11 Vila Nova de Gaia Dec. 2020  Epub Dec 18, 2020

https://doi.org/10.19135/revista.consinter.00011.14 

Artigos Originais

EXECUÇÃO PENAL 4.0

PENAL EXECUTION 4.0

Fabrício Bittencourt da Cruz1
http://orcid.org/0000-0003-0538-9193

Matheus de Quadros2
http://orcid.org/0000-0001-7971-3799


Resumo

Este artigo objetiva analisar as funcionalidades e as perspectivas do Sistema Eletrônico de Execução Unificada (SEEU), definido como sistema padrão da Execução Penal no Brasil pelo Conselho Nacional de Justiça e em vias de ser instalado em todos os tribunais do país. Utilizou-se o método hipotético dedutivo no que diz respeito aos efeitos do SEEU a partir de suas funcionalidades atuais e futuras. Para a consecução dos fins do trabalho foi realizada pesquisa de cunho qualitativo e descritivo, tendo sido usados meios de pesquisa majoritariamente documentais, correspondentes às resoluções, leis e relatórios que embasam a experiência de implementação do SEEU. Conclui-se que o SEEU viabiliza uma nova realidade na Execução Penal brasileira, fortemente caracterizada pela gestão das informações endoprocessuais em tempo real, com o efetivo asseguramento de direitos a partir da inovação tecnológica.

Palavras-chave: Execução Penal; SEEU; Inovação; Inovação em Direito; Direito e tecnologia.

Abstract

This article aims to analyze the functionalities and perspectives of the Electronic System of Unified Execution (SEEU, in portuguese), defined as the standard system of Penal Execution in Brazil by the National Council of Justice and in the process of being installed in all courts in the country. For this, the present work will use the hypothetico-deductive method, from which the effects of the the Electronic System of Unified Execution in the Brazilian reality will be verified from the present and future functionalities of the system and their consequences. In addition, to achieve the purposes of the present work, a qualitative and descriptive research will be carried out, using mostly documentary research means, corresponding to the resolutions, laws and reports that support the experience of implementing the the Electronic System of Unified Execution. It is concluded that the treated system constitutes a new phase of the Brazilian Penal Execution, with greater presence of the State within the chaotic national prison system and with the assurance of rights based on technological innovations, with growing perspectives in relation to these.

Keywords: Penal Execution; Electronic System of Unified Execution; Innovation; Innovation in Law; Law and Technology.

INTRODUÇÃO

Da análise histórica do surgimento da pena de prisão como ponto chave do Direito Penal, tem-se que essa significou a consubstanciação da mudança da finalidade e principalmente do modus operandi do Direito Penal.

Com a institucionalização da pena de prisão, o Direito Penal passa concomitantemente, a partir da ascensão do Iluminismo, para uma concepção preventiva da pena, face à visão retributiva que dominou os períodos históricos anteriores desse ramo do Direito3.

Enquanto as penas corporais buscavam a humilhação do apenado, a prisão busca o controle do corpo do detento; enquanto as penas corporais faziam da punição algo público, a pena de prisão concretiza a punição de forma discreta, afastada da multidão; enquanto as penas corporais priorizavam a vingança, a pena de prisão prioriza prevenção e reabilitação.

Para Foucault, a prisão deve ser um aparelho de disciplina exaustiva e incessante para o alcance dos seus fins4, visando à reestruturação comportamental do apenado, o que ele denomina como fabricação de corpos dóceis5.

Desde sua institucionalização como principal pena criminal, a prisão sempre teve como ponto essencial o controle, primordial para a concretização de uma vigilância permanente do Estado e consequentemente para a consecução dos fins da pena de prisão.

Entretanto, essa não é a realidade observada na Execução Penal brasileira, que acomoda de forma precária o crescente quantitativo de presos condenados e provisórios6.

Nesse sentido, menciona-se a preocupação constante de órgãos nacionais e internacionais sobre a situação do sistema prisional brasileiro, conforme se afere de relatórios de organizações como a Human Rights Watch7 e a ONU8.

Segundo o relatório de 2019 da Human Rights Watch, “a superlotação e a falta de pessoal tornam impossível que as autoridades prisionais mantenham o controle de muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência e ao recrutamento por facções9.

Conforme pontuou o Min. Dias Toffoli, presidente do Conselho Nacional de Justiça, em 2019, ainda não havia sequer conhecimento de quantos processos de Execução Penal estavam tramitando no Brasil ou em que fase eles se encontravam10.

Menciona-se ainda que, em sede do julgamento da ADPF 347, o Min. Marco Aurélio, ao decidir sobre o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário nacional, notou a ausência de controle do Estado sobre as próprias condições de regime privativo de liberdade imposto por esse:

A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual11. (grifo nosso)

Sendo esse o contexto do sistema carcerário brasileiro, mostra-se imprescindível o direcionamento de ações em prol de maior e efetivo controle dos rumos da Execução Penal e do ambiente prisional, porquanto o controle eficiente do Estado consiste em pressuposto dos fins da pena prisão.

O recente surgimento do Sistema Eletrônico de Execução Unificada (SEEU) constitui um passo relevante rumo à efetiva presença do Estado na Execução Penal.

Instituído em 2016 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir da Resolução 223 de 27.05.2016, o SEEU foi criado “como sistema padrão de processamento de informações e da prática de atos processuais relativos à Execução Penal” (art. 1°).

Em termos práticos, o SEEU é um sistema eletrônico que além de permitir a padronização da Execução Penal em todo o território brasileiro, viabiliza o registro, o controle e a execução de atos processuais referentes à execução da pena.

Com a implementação e o uso do SEEU, o acompanhamento dos processos de execução penal passa a ser lastreado não mais em meros registros dos atos processuais, inerentes ao processo físico em papel e decorrentes de práticas burocráticas típicas de séculos passados, mas na gestão da informação Disponível em: tempo real, gerando eficiência e evitando os indesejáveis delays em relação à análise de questões importantes como a progressão de regime prisional.

Trata-se de verdadeira quebra de paradigma e, como em qualquer ruptura dessa magnitude, hoje se tem à disposição diversas funcionalidades impensáveis no processo físico.

O cálculo automático das penas e da concessão de benefícios, a gestão e compilação dos dados de todos os processos de Execução Penal do país e a integração de toda a Execução Penal brasileira são três dessas funcionalidades.

Mas qual é o impacto da implementação do SEEU no Brasil? Quais são os impactos das funcionalidades mencionadas em relação às deficiências do Poder Judiciário brasileiro? Qual é o futuro do SEEU e da Execução Penal brasileira a partir dessa nova realidade?

Em busca de respostas a esses questionamentos, neste trabalho é utilizado o método hipotético dedutivo para aferir os efeitos do SEEU na realidade brasileira a partir das funcionalidades presentes e futuras desse sistema.

A pesquisa desenvolveu-se de forma qualitativa e descritiva no que diz respeito à observação e à descrição do sistema, tendo também sido realizada investigação majoritariamente documental devido à ausência de relevantes análises doutrinário-acadêmicas sobre as resoluções, leis e relatórios que embasam a experiência de implementação do SEEU.

No primeiro capítulo é abordado o surgimento do SEEU e seu processo de implementação em todo o território nacional. O segundo capítulo destina-se à exploração de possíveis resultantes do uso do SEEU no que diz respeito à realidade da execução penal no Brasil. No terceiro capítulo, de índole tipicamente indutiva, são vislumbradas perspectivas futuras para o SEEU e seu uso na execução penal.

As considerações finais giram em torno da plena capacidade do SEEU não apenas como mero instrumento eletrônico a serviço da Execução Penal tradicional, mas como ente catalizador de uma verdadeira revolução no trâmite dos processos de Execução Penal, na forma como são tratadas e utilizadas as informações da execução penal e especialmente no modo como o Estado brasileiro conduz as políticas públicas de atenção aos detentos.

1 SURGIMENTO OPERACIONAL E INSTITUCIONAL DO SEEU

A primeira inovação legislativa sobre a gestão eletrônica de processos judiciais no Brasil é relativamente recente.

A Lei 11.419/2006 dispôs sobre a informatização do processo judicial no país, sendo este o primeiro passo da revolução digital do Judiciário do país:

Art. 8º. Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas.

Desde então, iniciou-se uma revolução tecnológica do judiciário brasileiro com a instituição dos diversos sistemas de informação judiciais brasileiros, como o e-proc, o Projudi e o PJe.

Já em um primeiro momento foram nítidos os avanços em celeridade e eficiência na prestação do serviço judicial brasileiro:

A expectativa, com a chegada do novo, era a desejada celeridade. Dentre as maiores promessas, residia a eliminação das chamadas “fases mortas” do processo como, por exemplo, o tempo de espera entre a tomada de determinada decisão judicial e a efetiva comunicação às partes interessadas. Tal expectativa foi definitivamente alcançada. (…) Em média, no contexto da Justiça Federal da Quarta Região, o tempo de tramitação de processos entre a data de protocolo da petição inicial e a data em que publicada sentença de primeira instância, no período compreendido entre 2010 e 2011, reduziu 83,38%12.

O Brasil foi inclusive pioneiro ao permitir a adoção, em todo o território nacional, de processos com feição eletrônica do início ao fim13.

Contudo, a Execução Penal brasileira não foi instantaneamente contemplada. Em 2016 praticamente nenhum estado da federação dispunha de um sistema eletrônico especialmente projetado para a Execução Penal14.

Em termos normativos especificamente em relação à execução penal, a Lei 12.106/2009, ao criar Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), estipulou que caberia a esse órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “acompanhar a implantação e o funcionamento de sistema de gestão eletrônica da execução penal e de mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias” (art. 1º, VII).

Na mesma linha, o CNJ estipulou a adoção de sistema de processamento eletrônico a ser utilizado pelo Poder Judiciário na execução das penas e medidas alternativas (art. 3° da Resolução CNJ 101/2009).

Estes são os fundamentos normativos da Execução Penal Eletrônica no Brasil.

Para tornar realidade a execução penal eletrônica em âmbito nacional o DMF realizou a avaliação dos sistemas já existentes nos tribunais do país, durante o I Encontro dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização (GMFs) em maio de 2015.

Na ocasião o sistema desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ PR) foi escolhido por ser considerado como o mais completo e adequado aos fins almejados15.

Criado em 2013 a partir da Instrução Normativa Conjunta 02/2013 do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), da Corregedoria-Geral da Justiça do Paraná (CGJ PR), do Ministério Público do Paraná (MP PR), da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado do Paraná (SEJU PR) e da Secretaria da Segurança Pública do Estado do Paraná (SESP PR), o sistema, à época chamado de Projudi da Execução Penal, desde sua gênese já continha diversas funcionalidades pensadas para aperfeiçoar a rotina dos processos de Execução Penal no contexto de processos eletrônicos.

Vale dizer: o Projudi da Execução Penal constituía um sistema já operacional que em muito contemplava as necessidades de uma Execução Penal moderna, eficiente e lastreada em meio eletrônico, servindo de suporte adequado à materialização do disposto na Lei Federal 12.106/2009 e na Resolução CNJ 101/2009.

Por essa razão, deliberou-se na 230ª Sessão Ordinária do CNJ, a partir do Termo de Cooperação Técnica 002/2016, firmado entre o CNJ e o TJPR, proposta de Resolução estipulando a criação de um sistema eletrônico de execução único, baseado no sistema já existente no tribunal paranaense, o qual viria a se tornar o SEEU, sem qualquer criação de despesa com recursos de Tecnologia da Informação. A proposta foi acolhida à unanimidade, tendo se editado a Resolução CNJ 223, de 27.05.201616.

A Resolução CNJ 223/2016 instituiu o “Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) como sistema de processamento de informações e práticas de atos processuais relativos à Execução Penal” (art. 1°).

Como nessa resolução não foi estipulado prazo para a efetiva implantação do sistema, editou-se posteriormente a Resolução CNJ 280, de 09.04.2019 do CNJ, determinando o obrigatório trâmite via SEEU de todos os processos de Execução Penal nos tribunais brasileiros a partir de 31.12.2019 (art. 3°).

Em paralelo e tendo por escopo a célere implantação do sistema em todos os tribunais do Brasil, o SEEU tornou-se um dos pilares do programa Justiça Presente, instaurado em janeiro de 2019 a partir de esforços conjuntos do CNJ e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e com o apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública17.

Em decorrência das opções normativas e dos esforços institucionais e inter-institucionais realizados, em 2019 houve considerável aceleração do processo de implantação nas comarcas do país. Ao fim desse ano mais de um milhão de processos já estavam tramitando via SEEU, cuja instalação já havia sido efetivada em 25 Tribunais de Justiça e em 4 Tribunais Regionais Federais18. Esse quantitativo é bem superior ao do total de 9 tribunais que adotavam a sistemática de processo eletrônico para a Execução Penal em 201619.

Na 302ª Sessão Ordinária do CNJ, o Presidente Dias Toffoli narrou dificuldades em algumas comarcas no tocante à digitalização de processos físicos existentes e à consequente migração para o SEEU, motivo pelo qual o Plenário resolveu postergar a data limite da efetiva implantação do sistema para 30.06.2020 (Resolução CNJ 304, de 17.12.2019)20.

A narrativa baseou-se em relatório realizado pelo CNJ com as seguintes informações:

Ocorre que, durante o processo de implantação e utilização do sistema, várias foram as reclamações relatadas, de forma que alguns impasses devem ser resolvidos, sobretudo quando se trata de um sistema único envolvendo regiões distintas, com métodos e fluxos de trabalho diversos. É dizer: a heterogeneidade entre os diversos Tribunais demanda adaptações no sistema inicialmente concebido.

A integração do SEEU com os atuais sistemas eletrônicos existentes nos estados é uma dificuldade que se apresentou em todos os Tribunais onde o sistema foi implantado, a exemplo da interoperabilidade para emissão de certidões negativas e a alimentação do Banco Nacional de Mandados de Prisão - BNMP, além da comunicação com os sistemas dos Estados que controlam o pagamento das diligências realizadas pelos oficiais de justiça (o que ocorre no Tribunal de Justiça de Minas Gerais).

Isso evidencia a importância do envolvimento da equipe de Tecnologia da Informação - TI de cada Tribunal no projeto e a troca de informações com as equipes de TI deste Conselho, a exemplo do que ocorre com o desenvolvimento do sistema PJe.

Com a expansão e utilização do sistema SEEU, as demandas dos estados aumentaram na mesma proporção, o que requer uma equipe de suporte preparada dentro do CNJ para atender essas demandas, inclusive aquelas que envolvem alterações no sistema, fato que sobrecarregar a equipe do Tribunal de Justiça do Paraná que não conseguiu dar suporte a todos os Tribunais onde o SEEU foi implantado21.

Por se tratar de escolha normativa pautada em ruptura de paradigma, inegável que haja resistência por variados motivos, inclusive ideológicos. Isso certamente contribuiu com a postergação da data limite de instauração do SEEU.

De fato, o Tribunal de Justiça do Amazonas22, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina23 e o Tribunal de Justiça de São Paulo foram refratários ao SEEU. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, inclusive, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.259/DF24, sob o argumento de que a implementação do SEEU por determinação do CNJ violaria o princípio federativo e teria usurpado a competência da União e dos estados para legislar sobre Execução Penal25.

O Min. Alexandre de Moraes, Relator da ADI 6.259, concedeu medida liminar em 16.12.2019 “para suspender os efeitos do arts. 2º, 3º, 9º, 12 e 13 da Resolução CNJ 280/2019”, o que na prática inviabiliza a implementação do SEEU nas unidades do judiciário que ainda não o acolheram.

Observa-se, portanto, a existência de consideráveis obstáculos à digitalização completa da Execução Penal brasileira e sua integração em um sistema único.

Apesar desses entraves, o SEEU já constitui realidade operacional em boa parte do país, com a implementação do sistema já realizada por 25 Tribunais de Justiça e 4 Tribunais Regionais Federais.

Daí a relevância de estudo vocacionado à exploração das funcionalidades do sistema e das consequências de sua utilização nos processos de execução penal.

2 FUNCIONALIDADES E IMPACTOS DO SEEU

Desde seu lançamento em 2016, o SEEU tem sido visto com grande expectativa, sendo atualmente um dos principais focos do Programa Justiça Presente, iniciativa do CNJ em busca de soluções a problemas no sistema prisional brasileiro.

Em termos contextuais, importante destacar, como já o fez o Presidente do CNJ em 2019, Min. Dias Toffoli26, o atual desconhecimento do quantitativo de processos relativos a execuções penais no Brasil, bem como sobre a fase em que todos os processos dessa classe se encontram.

O uso do SEEU em todos os tribunais do país, por pressupor o trâmite eletrônico de informações digitalmente estruturadas, possibilitará a busca e o efetivo uso de informações a partir de diversos cortes metodológicos, inclusive dos mais elementares como quantidade de processos e as fases em que se encontram.

Está-se diante de uma enorme ruptura paradigmática. O SEEU proporciona um verdadeiro upgrade: da mera busca artesanal de informações em processos físicos à gestão de informações eletrônicas em tempo real.

De fato, após o cumprimento da meta de instalação do SEEU em todos os tribunais do país, não apenas será possível dimensionar a quantidade de processos de execução no país, mas também em que fase esses se encontram, o que é de imensa importância para a Execução Penal brasileira por diversas razões.

Sob o ponto de vista de políticas públicas, a obtenção de dados fidedignos e detalhados sobre perfis dos detentos, tipos e quantidades de condenações, espécies de crimes, entre outras informações relevantes, é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas lastreadas na realidade empírica.

A título de exemplo, a partir de informações estruturadas no SEEU, aferiu-se que em 2016 havia 11.547 presos provisórios no Estado do Paraná. Desse universo, 4.313 presos ainda aguardavam sentença, sendo que 3.953 estavam encarcerados havia mais de 180 dias27.

O corte metodológico evidencia importantes realidades no que diz respeito ao tempo de instrução nos processos criminais com réus presos. Isso certamente passaria despercebido numa perspectiva tão ampla sem o uso do SEEU.

Considerado o uso de informações estruturadas em sistema eletrônico, a resposta aos critérios de pesquisa é imediata e fiel aos dados inseridos seja por ocasião da implantação dos processos no SEEU ou pela atualização de fases procedimentais diretamente no sistema.

Isso gera ambiente adequado para decisões transcendentes ao microcosmo do processo individual, locus para o protagonismo jurídico-hermenêutico. Em perspectivas mais amplas não é difícil imaginar o cabimento de políticas públicas vocacionadas a um gerenciamento mais adequado do cenário revelado via SEEU, a exemplo da concepção de ferramentas capazes de agilizar a instrução processual penal.

Já sob a perspectiva do gerenciamento das penas de detentos, o próprio sistema realiza os cálculos de pena e concessão de benefícios automaticamente.

Isto porque todas as informações que tenham relevância para a fase de execução da pena privativa de liberdade são extraídas da sentença e inseridas de forma estruturada no SEEU. Além disso, toda e qualquer alteração fática apta a ensejar alguma alteração no quantitativo ou na espécie de pena também deve ser inserida no sistema.

Portanto, é possível observar, em tempo real e de forma automática - o próprio sistema realiza os cálculos de pena e concessão de benefícios - o adequado cumprimento das penas por todos os atores processuais (juízes, membros do Ministério Público, advogados e defensores públicos) e por qualquer pessoa com a chave identificadora vinculada ao processo da execução.

O uso do SEEU evita a repetição de casos como o ocorrido em 2016 no Estado de São Paulo, quando uma pessoa ficou presa cinco meses a mais que o necessário devido ao fato de a Secretária de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP/SP) não ter noticiado a prisão ao Poder Judiciário28.

Noutro giro, observa-se que a mencionada função de gerenciamento de penas do SEEU transcende previsões legislativas relativamente recentes, como a inclusão do inc. XVI ao art. 41 da Lei de Execução Penal pela Lei 10.713/2003, segundo o qual é direito do preso receber anualmente o atestado de pena a cumprir29.

A inovação legislativa de 2003 foi idealizada no contexto de execuções penais cujo trâmite ocorre em processo físico. Daí a relevância de se estipular a entrega anual do atestado de pena a cumprir.

Contudo, a partir da implementação do SEEU qualquer pessoa que acesse os autos do processo de execução pode verificar de forma detalhada, atualizada e em tempo real a quantia de pena restante e os períodos necessários para a obtenção de todos os benefícios legalmente previstos ao detento.

Diante da natureza eletrônica do SEEU, há também considerável ganho em termos de eficiência no manejo dos processos, em plena harmonia com a Lei 11.419/2006. Eis um relato sobre as dificuldades inerentes à execução penal em meio físico:

Uma das maiores dificuldades de quem tem o primeiro contato com os autos de execução criminal é entender seu funcionamento. Cada unidade federativa tem suas normas de organização judiciária e, portanto, não há um padrão seguido à risca pelos tribunais do país (...).

Basicamente, um processo físico de execução é formado de vários apensos e cada apenso pode vir a ter mais de um volume. Por isso, a depender do número de incidentes e de condenações que o sentenciado possua, os autos de execução criminal podem ser extremamente extensos e de complexa análise (…)30.

Numeração única para todos os processos de execução penal no Brasil, consequência direta do uso do SEEU em todo o território nacional, constitui pressuposto de essência para a gestão de políticas públicas condizentes com a realidade e para a própria efetividade do sistema penal.

A numeração única decorre de uma das principais características do SEEU: o fato de ele ter sido projetado também como um sistema de cadastramento único de todas as execuções penais do país, de modo a proporcionar, por exemplo, a unificação de penas aplicadas a detentos que cometeram crimes em mais de um Estado da Federação.

Atualmente, devido à incomunicabilidade entre os sistemas processuais eletrônicos e físicos em diferentes Estados que ainda não aderiram ao SEEU, não é possível aferir a priori se um detento está sendo processado ou já foi condenado em outra unidade federativa, sendo imprescindível a expedição de carta precatória para cada um dos tribunais em que se deseja saber sobre os antecedentes criminais da pessoa. A escolha não deixa de ser aleatória, normalmente baseada no histórico das residências conhecidas do detento.

Na mesma linha, sem a implantação do SEEU a aferição da existência de mandados de prisão pendentes de cumprimento contra uma pessoa em outro Estado-membro demandava checagem da qualificação dessa pessoa no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), não havendo informação instantânea sobre a situação da pessoa.

No contexto de apresentação do SEEU aos Conselheiros que aprovariam à unanimidade a já referida Resolução CNJ 223, Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, juiz auxiliar da Presidência e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ destacou o seguinte:

Observamos, do diagnóstico dos mutirões carcerários, que as varas de execução penal no país estão em crise, experimentando uma realidade delicada. Por elas tramitam mais de 1,5 milhão de feitos, e temos oito tribunais que não apresentam qualquer sistema operacional para lidar com a execução penal. Os demais ou apresentam sistemas parciais ou ainda estão se valendo de experiências muito embrionárias e pouco sedimentadas, deixando a descoberto muitas das demandas próprias da especificidade da jurisdição de execução penal31.

No SEEU há numeração única para a execução de penas aplicadas a cada indivíduo, sendo concentradas todas as condenações criminais referentes a essa pessoa. Assim, uma vez cadastrada no sistema a primeira condenação, eventuais sentenças condenatórias posteriores estarão necessariamente vinculadas a essa numeração primária, independentemente do Estado em que ocorram tais condenações ou do local onde as penas deverão ser cumpridas.

Também é possível verificar, no momento da formação do processo de execução penal ou de qualquer outro momento processual, os mandados de prisão pendentes de cumprimento. Isso se deve à plena integração do SEEU com o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).

Essas duas características são altamente eficazes contra a impunidade, por ser prática comum e notória, em contexto no qual predomina a ausência de comunicação entre sistemas processuais estaduais, a simples mudança para outro Estado como forma de se evitar o cumprimento de mandados de prisão.

Processos eletrônicos são mais céleres em comparação com os processos em meio físico, característica inerente à prática da maioria dos atos processuais:

A expectativa, com a chegada do novo, era a desejada celeridade. Dentre as maiores promessas, residia a eliminação das chamadas “fases mortas” do processo como, por exemplo, o tempo de espera entre a tomada de determinada decisão judicial e a efetiva comunicação às partes interessadas. Tal expectativa foi definitivamente alcançada.

Fenômeno interessante - e que provavelmente será objeto de muitos estudos - consiste na percepção de que, no ambiente virtual, o que sob a ótica do processo físico considerava-se incrivelmente veloz, acaba sendo considerado por seus operadores diários lento, ineficaz. A noção de efetividade, antes contadas aos dias, hoje, na seara virtual, vem sendo contada aos minutos32.

Antes da implementação do SEEU, o cálculo das penas em diversas unidades judiciais era feito manualmente para cada condenação. Além disso, em variados momentos durante a execução penal o cálculo manual tinha de ser novamente realizado em decorrência de incidentes e alterações fáticas posteriores à condenação com impacto na pena ou na espécie de regime de cumprimento.

Nesse sentido, insta salientar declaração dada por Andréa do Carmo Alves, diretora criminal da Central de Processamento Eletrônico do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS):

Diferentemente do SAJ, a sistemática do SEEU é muito automatizada. Não precisaremos mais, por exemplo, de equipes com oito servidores para realizar cálculos de pena. O retorno ao juiz após juntada de documentos também é automática. Podemos focar o tempo e os esforços em outras atividades33.

A referida automatização, com a consequente previsão de benefícios a ser concedidos durante o cumprimento da pena ultrapassa o contexto de otimização da força de trabalho, viabilizando a gestão eficiente das informações disponíveis.

Conforme Relatório Justiça em Números 2019, editado pelo Conselho Nacional de Justiça com base em informações referentes a 2018 enviados por todos os tribunais do país, a maior despesa do Poder Judiciário atualmente corresponde aos gastos com recursos humanos, ocupando 90,8% da despesa total de R$ 97.725.289.276,00 (noventa e sete bilhões, setecentos e vinte e cinco milhões, duzentos e oitenta e nove mil e duzentos e setenta e seis reais)34, a maior porcentagem da série histórica35.

Dentro do supramencionado valor estão inseridas as despesas para cobrir os vencimentos de uma força de trabalho total de mais de 450 mil pessoas36, número consideravelmente superior proporcionalmente a países como Inglaterra, Itália, Colômbia, Chile, Portugal e Alemanha37.

Contudo, apesar da grande força de trabalho do Poder Judiciário brasileiro, a Execução Penal privativa de liberdade apresenta taxa de congestionamento de 88%38/39, percentual próximo dos 72,1% de taxa geral de congestionamento dos processos brasileiros40/41.

Logo, com o SEEU sendo também eficaz na redução de tarefas cotidianas destinadas aos servidores do Judiciário, há também a existência de economia de força de trabalho ao possibilitar que tarefas mecânicas sejam automatizadas com resultados eficientes.

De fato, o SEEU notifica antecipadamente o Juízo sobre a proximidade de eventos importantes em relação a todos os cumprimentos de pena, tais como o direito a benefícios de cada detento, permitindo a concretização de direitos de maneira eficiente. Não há justificativa alguma para que alguém submetido ao cárcere espere mais dos que os interregnos legalmente previstos para a progressão de regime de cumprimento de pena, para a aplicação de quaisquer outros benefícios ou para a concessão da liberdade.

Os sistemáticos delays na análise de benefícios incidentes durante o cumprimento de penas privativa de liberdade42/43, típicos de processos em meio físico, tem o potencial de ser totalmente eliminados com o correto uso do SEEU.

Salienta-se que todas as medidas citadas, efetivas de formas diversas para a melhora do Judiciário brasileiro, atuam conjuntamente também para o incremento da ideia de presença do Estado durante a execução da pena, o que afeta positivamente o cumprimento da execução.

3 PERSPECTIVAS FUTURAS

O SEEU resolve parte dos problemas que anteriormente eram combatidos com os mutirões carcerários44/45, já que o acompanhamento em tempo real das progressões de regime de cumprimento das penas privativas de liberdade, aliado aos alertas inerentes ao sistema, tem o potencial de eliminar a existência do excesso de prazo nas prisões.

Em vez de os mutirões carcerários serem simplesmente abandonados em decorrência da implementação do SEEU, estima-se viável o aprimoramento mediante a prática dos mutirões conjugada com o gerenciamento eletrônico de informações, tornando ainda mais efetivo o controle sobre irregularidades nas prisões dos detentos.

Não por acaso o CNJ lançou o Mutirão Carcerário Eletrônico no âmbito do Programa Justiça Presente. O mutirão eletrônico consiste em um aprimoramento do projeto de mutirões carcerários iniciado em 2008, à medida que doravante a iniciativa estará sedimentada no gerenciamento das informações constantes dos processos eletrônicos de Execução Penal em trâmite no SEEU.

Como os processos em papel demandam manuseio individualizado, a condição elementar dos mutirões carcerários era a presença física de diversos profissionais para a detecção in loco de irregularidades na execução penal.

Já os processos em meio eletrônico estão intimamente relacionados com a estruturação digital de todos os dados relevantes, o que permite prospecção desses dados e sua consequente conversão em informações aptas a ensejar a tomada de decisões mais precisas tanto na perspectiva micro de magistrados e servidores responsáveis pelo trâmite individualizado das execuções penais, quanto em perspectivas mais abrangentes como no âmbito nos mutirões carcerários eletrônicos.

De fato, o uso das informações fornecidas através do SEEU aprimora consideravelmente a eficiência na análise dos processos para fins de mutirão carcerário. A própria seleção de casos relevantes passa a ser mais eficiente a partir da filtragem de informações a partir de critérios específicos46. Afinal, a partir de parâmetros preestabelecidos, será possível que os integrantes dos mutirões verifiquem com precisão e rapidamente o cabimento de benefícios que ainda não foram concedidos aos detentos, sem a necessidade do deslocamento até as sedes das unidades jurisdicionais.

Observa-se que as possibilidades no uso do SEEU já transcendem a função automática de alertar quando um detento alcança os parâmetros de progressão de regime ou outros benefícios semelhantes.

Durante o primeiro Mutirão Carcerário Eletrônico, ocorrido no Estado do Espírito Santo em setembro de 2019, foram analisados cerca de nove mil processos mediante o uso do SEEU aliado a novas metodologias como a soltura qualificada, correspondente ao acompanhamento especial dos egressos47/48.

A partir da junção das evoluções tecnológicas e dos esforços criativos dos integrantes do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, tem-se um passo relevante para o SEEU, que se torna um propulsor de ações ainda não concretizadas isoladamente pela inteligência artificial.

Por essa razão, uma das características relevantes a considerar para o futuro do sistema é sua capacidade de dialogar com outras iniciativas inovadoras, como é o caso dos Mutirões Carcerários Eletrônicos.

A exemplo desse caso, embora ainda não seja possível o sistema detectar sozinho todos os benefícios que os detentos têm direito, o SEEU pode facilitar o acesso e a filtragem das análises a ser realizadas. Logo, superam-se eventuais limitações tecnológicas a partir de outras metodologias para a consecução de seus fins.

A vinculação do SEEU ao Programa Justiça Presente indica interessantes perspectivas quanto a um futuro de aproximação entre diversas frentes que tendem a dialogar em busca de inovação e eficiência à Execução Penal brasileira.

Uma dessas perspectivas de iniciativas intersistêmicas em um futuro próximo é a utilização dos dados coletados pelo SEEU pelos Escritórios Sociais, outra atividade de destaque no Programa Justiça Presente.

Implantado inicialmente em 2016 no Espírito Santo, o Escritório Social é uma instituição resultante da articulação dos Poderes Executivo e Judiciário com a sociedade civil, visando ao retorno dos egressos à sociedade de forma qualificada.

A partir da análise pormenorizada de todo o processo de execução do egresso através do SEEU, os Escritórios Sociais podem utilizar as informações disponíveis para auxiliar o retorno sob medida de cada um dos atendidos, maximizando a inserção dos detentos à sociedade após o fim da pena.

Além do panorama de interação entre sistemas, há um horizonte que pode significar a mais promissora funcionalidade do sistema, capaz de revolucionar em definitivo o cumprimento das penas no Brasil.

Consta no relatório de 2019 do Programa Justiça Presente que foi “contratada consultoria para desenvolver o Módulo de Alternativas Penais para o SEEU visando à criação do Sistema Nacional de Informações das Alternativas Penais e Monitoração Eletrônica49.

Sendo o trecho mencionado acima sobre a eventual criação do chamado Sistema Nacional de Informações das Alternativas Penais e Monitoração Eletrônica a única informação disponível no momento, não é possível tratar com certeza sobre o conteúdo desse sistema.

Todavia, a existência de um projeto de expansão do SEEU para as alternativas penais50 não pode ser ignorada, visto que esse se coaduna perfeitamente com dois dos objetivos da Estratégia Nacional do Judiciário 2015-2020, instituída pela Resolução CNJ 198, de 01.07.2014: a busca de inovações tecnológicas que aumentem a eficiência do Poder Judiciário brasileiro51 e a utilização de penas alternativas à prisão como forma de combate ao atual estado de coisas inconstitucional52.

Tomando como base as aplicabilidades do SEEU quanto à execução da pena de prisão, imagina-se que essas serão adaptadas para o cumprimento das alternativas penais, sendo o sistema basicamente o mesmo do atual SEEU.

Entretanto, as alternativas penais enfrentam problemas diversos da pena de prisão, demandando adaptações para essa nova abordagem.

No cotidiano forense, observa-se que um dos maiores problemas da aplicação das alternativas penais é a fiscalização dessas. Por exemplo, se o apenado é exposto à proibição de frequentar determinados lugares, não há como verificar se essa condição é realmente cumprida se não for determinada a medida da monitoração eletrônica conjuntamente.

Da mesma forma, a fiscalização de prestação de serviços à comunidade é geralmente precária, não havendo forma eficiente de fiscalizar se os serviços são cumpridos de forma regular e efetiva sem investir para isso considerável força de trabalho destinada apenas à fiscalização da prestação.

Ainda, soma-se o exposto à precariedade estrutural do sistema penitenciário brasileiro, vez que não há no Brasil as chamadas casas de albergado53, onde deveriam ser cumpridas algumas das alternativas penais, como as de limitação de fim de semana.

Assim, tem-se que o problema principal das alternativas penais não é o de violação aos direitos do preso, mas da inefetividade da aplicação das medidas. Contudo, o SEEU também pode ser útil nesse sentido, trazendo modificações adequadas à realidade brasileira.

Nesse norte, embora seja possível apenas tratar de hipotéticas funcionalidades da nova fase do sistema, a partir da implementação do SEEU destinado às alternativas penais seria possível verificar a viabilidade de um método de fiscalização baseado na validação de credenciais do apenado. Um exemplo seria o ponto eletrônico nos momentos de entrada e saída da prestação do serviço à comunidade ou das atividades de limitação de fim de semana.

Da mesma forma, a partir da instauração do sistema, vislumbrar-se-ia a viabilidade da realização de juntada de certidões no SEEU, baseadas na fiscalização constante do cumprimento das medidas restritivas de direitos e das medidas protetivas de urgência. Demonstrando-se a existência de fiscalização das ordens impostas pelo Juízo, a qual poderá ser observada em tempo real por todos que tenham a efetiva permissão de acesso aos autos.

Assim, seja a partir de medidas intersistêmicas ou da expansão do âmbito de aplicabilidade do SEEU, observa-se que há espaço para incremento de diversas inovações na Execução Penal, independentemente de alterações legislativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Sistema Eletrônico de Execução Penal evidencia plena capacidade não apenas como mero instrumento eletrônico a serviço da Execução Penal tradicional, mas como ente catalizador de uma verdadeira revolução no trâmite dos processos de Execução Penal, na forma como são tratadas e utilizadas as informações da execução penal e especialmente no modo como o Estado brasileiro conduz as políticas públicas de atenção aos detentos.

Primeiramente porque alguns dos recursos trazidos pelo SEEU, como a contagem eletrônica dos prazos e a notificação do Juízo sobre a iminência de benefícios dos apenados, constituem ferramentas essenciais para a garantia do cumprimento da pena privativa de liberdade nos termos estritos da sentença condenatória, tratando-se de conquista importante para assegurar os direitos dos condenados e também para assegurar a limitação do poder estatal.

Outros recursos disponíveis como a possibilidade de agregar e integrar as informações das execuções penais em trâmite em todos os Estados da Federação, incorporando-as ao Banco Nacional de Mandados de Prisão, são mecanismos com aptidão a resolver, em perspectiva ampla, importantes falhas do aparato penal e processual penal brasileiro.

Observou-se, outrossim, que o SEEU carrega em seu cerne o potencial para ser um grande aliado na concepção, na aplicação e no acompanhamento de políticas públicas envolvendo o sistema prisional, por permitir o mapeamento preciso de um cenário que até então era pouco detalhado no país: o das estatísticas de cumprimentos de pena no Brasil em tempo real.

Portanto, o SEEU não corresponde apenas a uma alternativa digital ao processo físico, como inicialmente propugnado na Lei 12.106/2009 e na Lei 11.419/2006. Muito mais que isso, o SEEU nasce como propulsor de várias frentes no combate às deficiências da Execução Penal do Estado brasileiro.

Ademais, o SEEU guarda diversas potencialidades ainda não exploradas, não se tratando de um instrumento já completamente compreendido em sua amplitude, mas de um audacioso projeto em pleno desenvolvimento.

Entre as possíveis potencialidades em inicial exploração observam-se instigantes abordagens através de iniciativas intersistêmicas, como a dos Mutirões Carcerários Eletrônicos; entre potencialidades a explorar sugere-se o possível uso do SEEU no âmbito das alternativas penais: o denominado Sistema Nacional de Informações das Alternativas Penais e Monitoração Eletrônica.

Logo, não parece exagerado nomear a atual conjectura trazida pelo SEEU de Execução Penal 4.0, pois, de pronto, nota-se uma nova configuração Execução Penal brasileira, com maiores presença, vigilância e atuação do Estado no sistema penitenciário nacional, gerando melhor asseguramento de direitos fundamentais.

De fato, com o uso do SEEU há uma inegável tendência de melhora estrutural, permitindo a concretização de direitos há muito positivados na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal.

O objeto de estudo neste artigo descortina um novo paradigma: a inovação como método transformador na Execução Penal. Sendo o SEEU apenas o primeiro passo, caminhemos otimistas rumo à definitiva existência da Execução Penal 4.0.

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Recebido: 17 de Agosto de 2020; Aceito: 09 de Outubro de 2020

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