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Revista Internacional CONSINTER de Direito - Publicação Oficial do Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação

versão impressa ISSN 2183-6396versão On-line ISSN 2183-9522

Revista Internacional CONSINTER de Direito  no.11 Vila Nova de Gaia dez. 2020  Epub 18-Dez-2020

https://doi.org/10.19135/revista.consinter.00011.29 

Artigos Originais

A RESPONSABILIDADE CIVIL E A RECORRENTE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE E AO MEIO AMBIENTE POR GRANDES CORPORAÇÕES

THE CIVIL RESPONSIBILITY AND THE RECURRENT INFRINGEMENT OF PERSONALITY RIGHTS AND ENVIRONMENT BY GREAT CORPORATIONS


Resumo

Em tempos de incertezas e mudanças constantes, a questão dos danos punitivos por lesão aos direitos de personalidade e ao meio ambiente, praticados por grandes corporações, conduz a uma necessidade de repensar os institutos, integrando o ordenamento jurídico pátrio em um contexto global. A presente pesquisa inseriu na investigação as questões inerentes aos direitos de personalidade e direitos humanos, bem como, os institutos da responsabilidade civil e a autonomia da pena civil perante o instituto de danos morais e seus desdobramentos, face à sociedade do século XXI. Neste contexto, buscou-se compreender o direito e seus possíveis novos papéis, em especial no ordenamento jurídico pátrio, apontando alterações necessárias à sua evolução com a finalidade de coibir a reincidência de condutas lesivas por parte das grandes corporações.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Astreintes; Pena Civil; Disgorgement; Meio ambiente.

Abstract

In times of uncertainty and constant changes, the matter of the punitive damages for injury to the personality rights and environment, caused by great corporations, leads to a necessity of representing the institutes, integrating the national legal system in a international context. The presente research insert in the ivertigation the matters inherent to the personality rights and human rights, as well as, the institutes of the civil responsability and the autonomy of the civil penalty before the institute of the moral damage and it's unfoldings, in face of the XXI century society. In this context, sought to comprehend the Law and it's possible new roles, in special in the national legal system, pointing necessary alterations to it's evolution with the finalty of restraining the recurrence of harmful conduct by the great corporations.

Keywords: Civil responsability; Astreintes; Civil penalty; Disgorgement; Environment.

INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea tem demandado novos contornos à responsabilidade civil, diante da atual limitação do alcance das leis de proteção a direitos fundamentais, relacionados à personalidade e ao meio ambiente, e das recorrentes violações a esses direitos praticadas por grandes corporações. Devido a isto, torna-se importante a compreensão do processo histórico social que ocasionou essas constantes violações, tanto no âmbito nacional quanto internacional.

Ante a constatação da evolução científica e tecnológica que marcaram o século anterior e continuado à luz do século XXI, o empresariado da contemporaneidade não pode mais isolar-se dessa realidade, a única “mola propulsora” do desenvolvimento econômico. Ao contrário, se a empresa deseja perseguir a lucratividade como meta principal de suas atividades, deve refletir a respeito de suas responsabilidades, nos planos ambientais, sociais e humanitários, pensando numa economia global possível a médio e longo prazos.

A sociedade denominada “pós-moderna” (LATOUR, 1994), no momento presente, traz consigo muitas questões do passado que não foram resolvidas a contento, entre elas a busca pelo equilíbrio que, sem dúvida alguma, deve se amparar no instituto da responsabilidade civil, visando conter abusos e práticas ilícitas tanto locais quanto globais.

Ao englobar tamanho patrimônio doutrinário, é possível perceber o quanto o instituto da responsabilidade civil tem sido objeto de transformação através dos tempos, ganhando na atualidade novos contornos, os quais remetem a reflexões e a uma nova forma de se pensar o referido instituto em face da sua eficácia.

Em constante modificação, a responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, merece sempre especial atenção, bem como, a observância de suas alterações e questões que permeiam estes mecanismos.

A demanda social é crescente sob a luz da contemporaneidade recheada de incertezas, em meio à necessidade de atender as exigências da classe empresarial ciente de seu poder na movimentação, diante da “evolução” e do “crescimento econômico”.

A proposta da presente pesquisa, tem como objetivo geral refletir e colocar questões inerentes à sociedade moderna, situando o ordenamento jurídico pátrio num aspecto amplo, inserido em um contexto global e nas particularidades desta sociedade emergente.

Como objetivo específico, se procura conhecer os institutos presentes no ordenamento jurídico pátrio, bem como, de que maneira eles comungam os pressupostos constitucionais no sentido de garantir proteção à cidadania, à dignidade da pessoa humana e, especialmente, de que maneira cada um desses institutos fundamentais poderão coibir a reincidência de abusos e violações recorrentes aos direitos básicos.

É importante ressaltar que os questionamentos apontados não se esgotam nas questões ora apresentadas, mas somente levam-nos a entender os instrumentos jurídicos disponíveis e neles encontrar possíveis lacunas que permitam violações de direitos já conquistados, insertos nas codificações e consagrados na Constituição Federal de 1988.

A pesquisa iniciar-se-á com levantamento bibliográfico, não apenas na ótica doutrinária, mas, também, através de artigos e livros assinados por doutrinadores consagrados na área jurídica, como igualmente com aportes inestimáveis da Sociologia, da Antropologia, da História e da Economia.

Desta maneira, a temática central da pesquisa terá como foco a investigação da incidência dos danos punitivos e sua aplicabilidade no Brasil, levando-se em conta questões muitas vezes contraditórias na doutrina e jurisprudência buscando-se, ainda, compreender interpretações que afetam a aplicação do instituto, uma visão desdobrada da responsabilidade civil em seu amplo espectro, considerando as alterações que a permeiam.

Para tanto, será adotado o método dedutivo/indutivo, pelas razões já apontadas, sendo este o meio mais adequado ao desenvolvimento do presente trabalho, tendo em vista o tema atual e suas consequentes interpretações e discussões sob os mais diversos enfoques.

1 A COMPLEXIDADE DA SOCIEDADE ATUAL E A RECORRENTE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE E AO MEIO AMBIENTE POR GRANDES CORPORAÇÕES

Diante do processo de globalização, novas fronteiras e paradigmas foram criadas em relação à defesa dos direitos humanos fundamentais. É tema que vem sendo amplamente debatido, desde o final da Segunda Guerra Mundial, por organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) (Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948), Organizações Não-Governamentais Internacionais (ONG’s Internacionais) e a sociedade civil internacional de modo geral. A discussão, também, influenciou o ordenamento jurídico pátrio, tendo como foco principal a Constituição Federal de 1988, inaugurando, no plano da dogmática jurídica, o paradigma do Estado Social e o princípio da Dignidade da pessoa Humana. E, outras normas infraconstitucionais que mais tarde exerceram expressiva influência na disciplina dos Direitos de Personalidade prescritos no Código Civil de 2002.

Mesmo com a positivação da proteção destes direitos, uma visão panorâmica da sociedade brasileira demonstra frequentes violações de direitos fundamentais praticadas por grandes corporações. Tais circunstâncias, nos induzem a refletir sobre qual deve ser o papel do Direito diante da dinamicidade das estruturas sociais e qual o significado ou a função que a responsabilidade civil deve ocupar para melhor proteção das novas demandas sociais.

As empresas, muitas vezes, alegam o não cumprimento das normas jurídicas que impactam sobre os direitos de personalidade e do meio ambiente, ao argumento das dificuldades econômicas em atender a todas as exigências governamentais e legislativas. Porém, tais argumentos se tornam frágeis e se esgotam quando se trata do uso do bem comum, dos quais depende a sobrevivência de toda a humanidade.

A questão ambiental, enquanto ponto crucial para a evolução econômica e desenvolvimento geral da sociedade, possui grande relevância e preocupação, motivo pelo qual é imprescindível delinear de que forma será possível conduzir os debates às lideranças das grandes corporações. As discussões possuem a finalidade de contribuir para alterar o modo de pensar e agir, através do viés humanitário, que sejam ao menos visualizadas na direção de um futuro sustentável em curto espaço temporal, sob pena de perder o objeto central de sua existência consistente na lucratividade.

A partir de uma contextualização histórica e sociológica, pode-se traçar um perfil da sociedade atual, com análise de alguns institutos que a compõem, incluindo uma visão econômica inovadora. Mesmo constatando a evolução do ordenamento jurídico na tentativa de equilibrar interesses tão diversos, pode-se perceber a recorrente violação de direitos, em especial dos direitos de personalidade por parte das grandes empresas.

Fato incontestável é que a organização social vem passando por transformações, significativas que denotam uma ruptura com a fase inicial que foi a característica das sociedades modernas. Essas diferenças são notadas pelo filósofo Gilles Lipovetsky (2016, p.7):

Trata-se de uma mutação global em curso, de uma criação histórica, da combinação sinérgica de organizações e de significações, de ações e de valores que se esboça a partir dos anos vinte - apenas as esferas artísticas e psicanalíticas a anteciparam em alguns decênios - e cujos efeitos não pararam de se amplificar a partir da Segunda Guerra Mundial.

Nesse contexto de mudanças, absorver as transformações, reconhecer um novo tipo de demanda próxima do “instantâneo”, abala não apenas as relações sociais como um todo, mas também os alicerces que as regulam, aumentando a necessidade de adequar as normas às novas demandas que surgem. Esta adequação tem o intuito preventivo de antecipar e evitar danos. Compreender essa dinâmica sujeita às transformações cada vez mais velozes é uma tarefa árdua dada à fragilidade dos sistemas sociais e de seus, até então, imutáveis ordenamentos jurídicos.

Para tanto, se torna imperioso redefinir aspectos fundamentais de ordenamentos jurídicos e acordos internacionais no tocante a direitos humanos e direitos de personalidade. Direitos estes, consolidados no século XX, mais precisamente a partir da Segunda Guerra Mundial, quando de acordo com os teóricos, deu-se início às mudanças sociais profundas que se refletem nos dias presentes.

Diante dessas realidades, compreender a recorrente violação de direitos de personalidade por parte de grandes empresas requer não apenas a contextualização mas, procurar soluções para identificar de que modo esse tipo de delito prevalece e qual é a forma adequada para combatê-lo.

Conciliar interesses tão diversos fica cada vez mais difícil e a já complexa estrutura social tem seus alicerces abalados. Vive-se em tempos de individualismo. O que se constata é a satisfação de anseios meramente individuais, a obtenção de bens materiais com o propósito de causar um bem-estar momentâneo que será substituído por outro e assim por diante. Por vezes, para atingir tais objetivos, o indivíduo não hesita em ultrapassar limites que acabam violando direitos do próximo.

O reflexo dessa assertiva acorre com frequência nas relações de poder dentro das grandes corporações, apesar de todo um ordenamento jurídico reconhecer os direitos fundamentais, bem como, os direitos de personalidade referendados pela Constituição de Federal de 1988.

O reconhecimento de direitos, em especial dos direitos humanos fundamentais, passa também pelo reconhecimento do Direito Público Internacional, considerando a série de acordos que ao longo do tempo foram acrescidos de novas abordagens que absorveram as novas necessidades de garantias individuais. Segundo Lipovetsky (2016, p. 1), vive-se a “era do vazio” ou a perda da essencialidade, que significa um esgotamento de princípios axiológicos e objetivos, o que contribui para uma mudança radical dos ordenamentos e comportamentos sociais:

(...) considerando, com efeito, que o universo dos objectos, das imagens, da informação e dos valores hedonistas, permissivos e psicologistas que lhe estão ligados geraram ao mesmo tempo que uma nova forma de controle dos comportamentos, uma diversificação incomparável dos modos de vida, uma flutuação sistemática da esfera priva da, das crenças e dos papéis, ou, por outras palavras, uma nova fase na história do individualismo ocidental. O nosso tempo só logrou evacuar a escatologia revolucionária levando a cabo uma revolução permanente do quotidiano e do próprio indivíduo: privatização alargada, erosão das identidades sociais, desafecção ideológica e política, desestabilização acelerada das personalidades, eis-nos vivendo uma segunda revolução individualista. Uma ideia central governa as análises que se seguem: à medida que as sociedades democráticas se devem a sua inteligibilidade revela-se à luz de uma lógica nova, a que chamamos aqui o processo de personalização.

A recognição de que o coletivo começa a perder importância em detrimento do indivíduo não só denota o risco de uma falência também do capitalismo, mas de toda uma forma de pensar que acompanhou a evolução da humanidade ao longo de milhares de anos. O descompromisso com a ideologia e com a política dá lugar a uma forma de ver e se posicionar cada vez mais distante do coletivo, o que gera o risco de se perder a noção de que o indivíduo, para sobreviver, necessita que as demais pessoas sobrevivam, preferencialmente de maneira digna.

Essa sociedade voltada para o individualismo, à beira de um colapso, revela uma ruptura com o modus vivendi coletivo, conhecido até então. Uma série de transformações se desencadeiam no chamado tempo real, acelerando o já frenético ritmo que impulsiona os avanços da civilização.

No direito internacional, são reconhecidos os direitos humanos fundamentais e admitidas punições aos crimes de guerra. No ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no Código Civil, são reconhecidos os direitos de personalidade e os direitos humanos fundamentais e, ambas as categorias estão presentes na Constituição Federal de 1988, garantindo a dignidade da pessoa humana, seus direitos básicos e a integridade física e moral do ser humano como valores fundamentais.

A sociedade contemporânea exige uma “reconstrução” ou, segundo o pensamento de Anthony Giddens (1991, p. 8) exige um “reencaixe” para que os conceitos como dano moral e danos punitivos nela possam se reinserir. Ensina que essa “(...) “modernidade” refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência.”

Isto significa desconstruir conceitos anteriormente considerados imutáveis e, substituí-los por outros mais condizentes com as mudanças sociais e suas aceleradas demandas. Esse “deslocamento” que tem um fluxo contínuo, obriga a uma reformulação geral incluindo a organização social completamente. Nessa “nova ordem”, todos os segmentos, entre eles a Ciência do Direito, passam a merecer novos contornos, e se necessário, para alterar enunciados e adaptá-los aos novos tempos.

Nesse panorama, a problemática da recorrente violação de direitos de personalidade e direitos fundamentais por parte das grandes corporações, começou a tomar vulto a partir da década de 1970, quando a temática obteve a atenção de movimentos sociais, organizações da sociedade civil, alguns centros acadêmicos, especialmente na Europa e pelas Nações Unidas - ONU.

Tal fato se deve ao crescente reconhecimento das empresas, notadamente transacionais, como importantes violadores de Direitos Humanos, com destaque a sua atuação nos territórios do chamado Sul global. Entretanto, a luta pela responsabilização das empresas por violações de Direitos Humanos enfrenta diversos obstáculos que dizem respeito, tanto à onda de globalização dominante, especialmente na década de 1990, que pouco espaço concede às perspectivas críticas ao capital, quanto ao marco institucional de debate e negociação sobre o tema no âmbito das Nações Unidas, a qual sofre com a captura corporativa. (HOMA, 2017, p.8).

A atenção da sociedade civil para tais violações foi, sem dúvida alguma, o ponto de partida necessário para que o ordenamento jurídico e sua aplicabilidade buscassem nova direção para atender as inúmeras demandas, no sentido de responsabilizar as empresas em face da prática de atos ilícitos.

A questão do meio ambiente é um dos temas de maior relevância na atualidade, onde o Direito Ambiental vem obtendo destaque como um importante segmento da ordem normativa. Tendo em vista que nas últimas décadas, observa-se a tomada de consciência da “esgotabilidade” dos recursos naturais e sustentáveis, o que acarretou novos paradigmas na Ciência do Direito, com o propósito de proteção desse bem imaterial com o máximo de eficiência possível.

A responsabilidade civil em matéria ambiental merece análise não somente no âmbito patrimonial, como também no seu aspecto extrapatrimonial, que são as duas modalidades de reparação civil admitidas em lei.

Nas lições de Canotilho (LEITE, 2004, p. 5) é indicado, como um dos elementos essenciais à efetivação do Estado constitucional ecológico, a criação de uma política global:

(...) a proteção do ambiente não deve ser feita a nível de sistemas jurídicos isolados (estatais ou não) mas sim, a nível de sistemas jurídico-políticos, internacionais e supranacionais, de forma a que se alcance um standard ecológico ambiental razoável em nível planetário e, ao mesmo tempo, se estruture uma responsabilidade global (de estados, organizações, grupos) quanto às exigências de sustentabilidade ambiental.

Quando se trata de meio ambiente, dada sua importância para a sobrevivência da vida em nosso planeta, é importante destacar a Encíclia Laudato Si, que traduzida do latim significa ”Louvado Seja”. A mensagem ambiental do Papa Francisco, que adotou tal nome deixando clara sua simplicidade e profundidade, pode ser considerada a mais importante dos últimos anos.

As palavras do Papa retratadas na Encíclica causam forte impacto nas atividades ligadas a proteção do meio ambiente, tal qual os princípios extraídos do Congresso de Direito Ambiental ocorrido em Estocolmo em 1972, considerado o marco de grandes transformações. Deste documento extrai-se a importância e relevância do tema, tornando as questões ambientais uma preocupação também da Igreja Católica.

Imperioso mencionar, ainda, que no centro decisório das empresas, bem como, entre doutrinadores e legisladores, a questão da responsabilidade civil por danos ambientais tem sido amplamente discutida, levando-se em conta a responsabilidade civil objetiva e solidária dos responsáveis pela degradação ambiental. No âmbito do ordenamento jurídico pátrio, têm-se debatido a extensão do nexo de casualidade. Para Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida (2017, p. 203), a questão tem outros desdobramentos:

(...) é preciso avançar para além do sistema de comando e controles estatais e para além da ótica corretivo - repressiva que inaugurou o combate à poluição e à contaminação do ambiente a partir da década de 1970, cujos marcos representativos são a Conferência de Estocolmo (1972) e, entre nós a instituição da Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA (Lei 6.938/1981).

De acordo com a autora, as instituições financeiras, em especial aquelas que financiam os processos de produção, são diretamente responsáveis na prevenção do dano ambiental, bem como, nas questões sociais ligadas ao tema. Portanto, como previsto na Lei 6.938/1981 (Política Nacional de Meio Ambiente), o financiamento de crédito deve exigir do proponente o cumprimento das normas ambientais, a implementação de controle preventivo e análises de impactos ao meio ambiente, dentre outros requisitos.

Implantar a chamada Economia Verde, proposta da Conferência Rio-92, unem como responsáveis diretos o Estado e as empresas. Não somente na forma indenizatória ou punitiva, mas, especialmente, como ações preventivas para facilitar a parceria em áreas onde a atividade estatal apresenta fragilidade como licenciamento e fiscalização que se tornará maior instrumentalizada em face da parceria.

Desta forma, evidencia-se a contribuição das instituições financeiras no tocante à preservação da qualidade de vida e do meio ambiente, referente às concessões de créditos, vinculando-os à responsabilidade socioambiental.

Por outro lado, na contramão da conduta lesiva, em parâmetro global, existem esforços no sentido de pensarem normas comuns que possam garantir a preservação ambiental como o Iygu (2017) - Conselho Internacional de Ciências Naturais e Ciências Sociais (ISSC), organismo internacional com apoio da ONU, que tem como objetivo promover um melhor entendimento sobre o impacto global das ações locais, estimulando políticas inovadoras que respondam às situações como: mudanças climáticas, a segurança alimentar ou as migrações.

Entretanto, a violação aos direitos de personalidade e aos direitos humanos é recorrente, em especial por parte das grandes corporações, apesar dos mecanismos internos e internacionais que combatem, com suas leis e acordos, tais questões. O instituto da responsabilidade civil é um desses mecanismos, que devem ser acionados para prevenir, coibir e punir tais abusos, mecanismo este, que fazem parte da história e da evolução do ser humano no planeta.

2 O PROCESSO DE ABERTURA E REFORMULAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E O SEU PLURALISMO FUNCIONAL

Para entender a responsabilidade civil no âmbito do Direito é preciso aceitar a conceituação da sua doutrina, tanto de pessoa física quanto jurídica, enquanto responsáveis, respectivamente, pelos danos causados a terceiros que resultam na obrigação de indenizar.

Em latim a palavra “damnum” define o conceito de tudo aquilo que causa prejuízo à terceiro, seja na esfera patrimonial ou extrapatrimonial. Por sua vez, a palavra também de origem latina “moralis” representa a questão social, isto é, que se refere aos costumes.

Antes da instituição do Estado, a regulação e punição eram estabelecidas pela Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”, quando o ofendido reagia à ofensa com seu próprio esforço físico, o que de fato não resolvia a questão, pelo contrário, era objeto de agravamento dos conflitos diante das conturbadas ilicitudes.

Com o surgimento do Estado romano, a noção de responsabilidade civil é extraída da Lex Aquilia de Damno, resultado de um plebiscito aprovado entre o final dos séculos III e II a.C., que deu a possibilidade de atribuir-se ao ofendido um pagamento em dinheiro daquele que houvesse destruído ou danificado seus bens. Centralizada na ideia de culpa, essa forma de reparação se traduz no dolo, na imperícia, imprudência ou negligência. Através da chamada Lei Aquiliana, o Estado passou a intervir nos conflitos privados, fixando monetariamente o valor a ser pago. A distinção entre a Lei civil e penal se dá apenas a partir da Idade Média. (VENOSA, 2004, p. 18-19).

A França protagonizou a noção de responsabilidade civil, aperfeiçoando e generalizando o princípio aquiliano, considerando “In Lege Aquilia et levissima culpa venit”, em outras palavras, a obrigação de indenização é um pressuposto ligado à uma culpa caracterizada sem importar com a sua gravidade. A concepção moderna e o modelo da legislação atual é de 1804, quando o Código de Napoleão sistematizou e fez a distinção entre culpa contratual e culpa extracontratual.

No Brasil Colônia o que vigorava era o ordenamento do Reino e à época não havia distinção entre reparação, pena e multa. Entretanto, em 1830 é adotado o Código Criminal, que tem preceitos que foram sendo aprimorados ao longo dos tempos e contribuíram para diversas formulações presentes no Código Civil e Penal brasileiros.

O que parecia estar estabilizado e controlado pelo ordenamento jurídico começa a ser questionado de várias maneiras, e o conflito a emergir com violência manifesta, faz lembrar Michel Foucault (1987, p. 288) em sua obra “Vigiar e Punir”. Em uma análise social a partir do dilema do prisioneiro, o autor demonstra que todos os seres humanos estão condenados a viver prisioneiros de si mesmos, acuados, temendo o outro ser humano, o que acabou por tornar-se uma ameaça real e virtual, vivenciado com maior intensidade no século XXI, na chamada sociedade pós-moderna.

Para melhor compreender, tanto a questão da responsabilidade civil, quanto as transformações sociais no chamado “tempo real”, é necessário um acompanhamento das demandas sociais por parte do instrumental jurídico, entendendo que todos esses institutos, que se encontram de certa forma interligados e com objetivos bastante semelhantes, existem em benefício da pessoa humana e de sua integridade física e moral.

O Direito, tendo como um dos seus grandes princípios e finalidades a proteção da pessoa e a procura do equilíbrio entre interesses diferenciados, deve buscar se integrar a outras disciplinas que integram o sistema normativo, de forma a questionar o mesmo tipo de indagação em busca de soluções que possam propiciar a pacificação da turbulência presentes nas relações sociais.

Sem dúvida alguma, não é tarefa fácil analisar os institutos do Direito à luz da sociedade atual e das suas novas demandas. Isto em razão das complexidades que necessitam de novos regramentos e, principalmente, de novas interpretações e adaptações para que o próprio direito não perca sua razão de ser diante do novo momento histórico e transitório da sociedade humana.

A técnica reparatória tradicional da responsabilidade civil vem sendo um estímulo à prática de diversos tipos de ilícitos civis. Pois o causador do dano já sabe previamente que o lucro resultante da ilicitude será, em muitos casos, superior à eventual indenização que precisará pagar ao lesionado. Esse uso de uma racionalidade econômica ardilosa, analisando o custo-benefício de arcar com uma sanção legal, ocorre de forma reiterada em casos relacionados à violação dos direitos fundamentais da personalidade.

Considerando as novas demandas sociais e à mutabilidade da responsabilidade civil ao longo da história da nossa sociedade, alguns doutrinadores têm criticado fortemente a função reparatória clássica, e ainda dominante, da responsabilidade civil. Acompanhou-se o entendimento de Nelson Rosenvald (2017), de que vivemos um momento em que é relevante a substituição da técnica da neutralidade pela ética da efetividade. Referida efetividade do direito é diretamente subordinada à indagação sobre a realidade social que confere conteúdo e substância à ordem jurídica. Nesse sentido, como forma de inibir condutas reprováveis e indesejadas pelo nosso sistema, qualificadas pela malícia e pelo ardil, deve-se propor uma função da responsabilidade civil para uma função com caráter punitivo, a exemplo do instituto dos danos exemplary damages presentes nos países da common low.

O Direito, nas palavras de Miguel Reale (1978, p. 52), “não pode deixar de ser estável, sem ser estático; e deve ser dinâmico, sem ser frenético”. A sociedade pós-moderna exige nova dinâmica do Direito, a partir da análise de quais modificações vêm ocorrendo no âmago da sociedade desde a Segunda Grande Guerra, oportunidade em que foram reconhecidos, a nível global, os chamados Direitos Humanos Fundamentais, que têm evoluído e conquistado novos contornos através dos tempos. Por isso, o instrumental fornecido pelo Direito deve buscar, cada vez mais, a multidisciplinaridade para cumprir eficazmente com o seu papel principal de resolver conflitos e, dentro da medida do possível, antecipar-se por meio de regramentos reconhecíveis e adaptáveis a uma realidade social em constante mudança.

Com a evolução da sociedade, a responsabilidade civil abre novos espaços e funções plurais no ordenamento jurídico brasileiro, bem como, também no cenário internacional, tendo como destaque instrumentos civis com funções preventivas, tais como a pena civil e a multa diária, visando punir e coibir abusos, tendo o disgorgement como uma terceira via do vértice da ampliação do processo indenizatório.

O papel da responsabilidade civil é o de restabelecer a harmonia e o equilíbrio das relações sociais violadas, de tal modo que aquele que prejudicar ou causar dano, ainda que imaterial a outro, ficará obrigado a ressarcir a vítima de forma exemplar, com o propósito de evitar a reincidência do ato ofensivo e lesivo.

O chamado processo de abertura política e redemocratização no País, que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, representou grandes avanços em termos institucionais e de valoração da dignidade do ser humano, com a participação direta da sociedade civil, que passou a ter um papel fundamental no processo de redemocratização do País.

A principal motivação para a abertura política no Brasil ocorreu em um contexto onde a economia estava em crise, nos comércios e nas fábricas, o que acabou por desencadear uma crise política:

A saída da crise apontava para o início de um processo de liberalização da ditadura militar, denominado de abertura política, feito de forma “lenta, gradual e segura” pelos militares liderados por Geisel. A liberalização do país interessava, sobretudo, à burguesia que estava fortalecida pela consolidação do capitalismo possibilitada pela ditadura. A abertura do país substituiria mecanismos da ditadura, porém ainda garantindo que a participação populacional se daria sob controle. A pressão dos movimentos sociais foi fundamental para a abertura do país nesse momento, mas não para garantir que ela seria conduzida de forma democrática, pois isso exigiria profundas reformas nos mecanismos políticos. (SEINO; ALGARVE; GOBBO, 2013 p. 34)

Na década de 1980, quando foi dado o início do chamado processo de abertura política, com o retorno das eleições diretas, a constituinte que resultou na Constituição “Cidadã” de 1988, com a anistia “ampla, geral e irrestrita”, a responsabilidade civil, passou por um processo de reformulação devido aos fatos novos e à transição de um regime de exceção para um regime Democrático.

A partir deste momento, ganharam novos impulsos os direitos de personalidade e os direitos humanos fundamentais, fatos que modificaram o panorama do País, da luta pelos direitos civis e do apoio de organismos internacionais de direitos humanos. Nasciam, no bojo dessas transformações, os movimentos sociais apoiados pelo organismo Anistia Internacional, levando às ruas multidões ávidas por exercer sua cidadania.

Neste cenário, é natural que o sistema jurídico também sofresse alterações profundas e o instituto de responsabilidade civil tivesse ampliado seu raio de atuação. A partir daquele momento, quaisquer atitudes que denotassem preconceito, discriminação, dano ao meio ambiente, entre outros, passaram a ter uma resposta efetiva da Justiça que não só coibia, mas, através de ações afirmativas, protegia as denominadas “minorias”.

O instituto ampliou-se alcançando o âmbito empresarial, atribuindo e consolidando os cuidados com o meio ambiente. O que se chama de responsabilidade ambiental, levando-se em consideração, até então, o indiscriminado uso e desperdício de recursos naturais e comuns.

A contribuição das normas de proteção ambientais foram fundamentais para que os preceitos constitucionais fossem cumpridos. O apelo à responsabilidade social e ambiental foram decisivas para o crescimento econômico do País que, por sua vez, conquistou o respeito e a visibilidade internacional.

3 INSTRUMENTOS CIVIS COM FUNÇÕES PREVENTIVAS: AS ASTREINTES, A PENA CIVIL E O DISGORGEMENT

Historicamente, no sistema jurídico brasileiro, o Direito Civil se distanciou do Direito Penal pelas funções atribuídas a cada um desses subsistemas. Enquanto no Direito Penal prevalece a função preventiva de ilícitos, visando desencorajar o ofensor específico e outros possíveis ofensores, possuindo a missão de contenção de comportamentos, já em sede de responsabilidade civil, o foco é a contenção de danos e a recomposição do equilíbrio patrimonial do ofendido.

Todavia, tem-se constatado uma tendência global, de parte das funções de desestímulo de condutas ilícitas tradicionalmente atribuídas ao Estado, também serem agora destinadas à Justiça civil. Notam-se dois instrumentos civilísticos que assumem a função preventiva: a pena civil e a tutela inibitória (astreintes). Ambos os institutos não aderem à lógica da compensação de danos e compartilham da função de dissuadir comportamentos que não devem ser admitidos pelo sistema jurídico. A diferença que esses institutos guardam entre si tem basicamente um viés estrutural. A sanção da pena civil possui natureza de direito material, ao passo que as astreintes possuem natureza processual.

A pena civil não tem como foco o dano sofrido pela vítima ou a recomposição do seu patrimônio. Ela se define pelo seu fundamento pedagógico, ou seja, a de dissuadir o ofensor à prática de condutas socialmente reprováveis (prevenção especial), bem como, desestimular atuações semelhantes de potenciais ofensores como forma de prevenção geral.

A astreinte é um meio de execução indireto oriunda da jurisprudência francesa, nos primórdios do século XIX, e que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro sob a égide do CPC de 1973, nos arts. 287, 644 e 645. (ASSIS, 2006, p. 496). É uma sanção indireta ao inadimplemento, um instrumento executivo a serviço do órgão judicante, que consiste na condenação do obrigado ao pagamento periódico (por dia de atraso ou outro interregno) de uma quantia fixada por decisão judicial, a fim de que seja cumprida uma obrigação. (DINAMARCO, 1995, p. 241).

Segundo as lições de João Calvão da Silva (1987, p. 378), o caráter cominatório ou coercitivo da astreinte é inquestionável, pois se trata de um meio indireto de constrangimento incidente sobre os bens do devedor, a fim de compeli-lo a obedecer a uma ordem judicial, em face da realização da obrigação a que está adstrito. Seu objetivo não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas coagi-lo ao cumprimento da obrigação na forma determinada pela ordem judicial. Essa medida coercitiva é um meio de execução indireta, pois não recai diretamente sobre o patrimônio do ofensor.

A fixação de multa cominatória para a hipótese de descumprimento de ordem judicial faz parte do poder geral de cautela do magistrado, isto é, ao juiz é concedida uma vasta discricionariedade para a eleição do meio coercitivo mais adequado para a proteção do direito. Com o propósito de conferir maior efetividade ao processo, o CPC de 2015, no seu art. 139, inc. IV, coloca à disposição do juiz todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetividade no cumprimento das ordens judiciais.

Quando evidenciada a impossibilidade no cumprimento da ordem judicial, o magistrado poderá determinar o fim dessa incidência, fazendo cessar a multa, observado o princípio do contraditório. Há discussão doutrinária sobre as consequências atribuídas ao caso do réu que, por um decurso de tempo continua descumprindo a ordem judicial e o seu cumprimento continua sendo possível. No que se refere à periodicidade das astreintes, vale a observação de que o art. 461, § 4º do CPC de 1973 trazia a nomenclatura de multa “diária”, palavra que foi suprimida na mesma codificação de 2015.

Além de ser imprescindível, a determinação da periodicidade da multa através da análise das circunstâncias do caso concreto, para que seja efetiva, é também necessária a fixação do seu quantum pela análise da capacidade de pressionar psicologicamente o devedor a cumprir a ordem judicial. Como a finalidade precípua das astreintes é compelir o réu ao cumprimento do comando judicial, sempre foi consenso doutrinário e jurisprudencial que o valor da multa cominatória seja expressivo. Diante das peculiaridades do caso concreto, baseando-se nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o magistrado determina o valor tendo como norte a potencialidade suficiente para influenciar a vontade do devedor em adimplir a obrigação. Por isso, caso constatado que o quantum total da astreinte se tornou ínfimo ou excessivo, será possível modificá-lo.

O CPC de 1973, no seu art. 461, § 6º, previa que “o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”. O magistrado, sob a égide do antigo CPC, promovia a redução do valor da astreinte, englobando nela tanto as parcelas vincendas como as já vencidas. O STJ havia consolidado a tese (tema 706)4 de que “a decisão que comina astreintes não preclui, tampouco faz coisa julgada”. Deste modo, a multa cominatória não integrava a coisa julgada, podendo ser cominada, alterada ou suprimida posteriormente, cuja redução do “crédito” total resultante da incidência das astreintes era formalizada em qualquer momento processual e embasada na necessidade de se evitar o enriquecimento indevido do credor.

Todavia, com o advento do CPC de 2015, abriu-se divergência jurisprudencial quanto a possibilidade de a modificação da multa cominatória produzir efeitos ex tunc, atingindo as parcelas já vencidas. Apesar disso, o fato é que a finalidade do instituto da astreinte é, e sempre foi, de consenso doutrinário e jurisprudencial para prevenir o descumprimento das ordens judiciais, de modo que o processo seja efetivo. Ela tem por escopo assegurar a efetividade da prestação jurisdicional, com o propósito de garantir a concreta observância do mens legis.

Todos os mecanismos até aqui apresentados têm a função de observar o novo contorno da responsabilidade civil, na sociedade pós-moderna e, todas as transformações que ela trouxe e que forma o ordenamento jurídico atende à demanda social, em especial, nos casos de lesão a direitos de personalidade e de direitos humanos por parte das grandes corporações.

Na responsabilidade civil brasileira, tal como já exposto na presente pesquisa, existem duas espécies de dano: uma de ordem extrapatrimonial (danos morais) e outra patrimonial (danos materiais). O dano material engloba os danos emergentes e lucros cessantes. Enquanto o primeiro consiste no efetivo prejuízo patrimonial suportado pela vítima, já este é um dano mediato/futuro, que corresponde aquilo que ela razoavelmente deixará de lucrar com a violação do seu direito. Já os danos extrapatrimoniais podem ser danos morais, estéticos, existenciais, perda de uma chance, que não possuem expressão material, mas, abalam significativamente os direitos de personalidade e o foro íntimo da pessoa.

Todavia, nos últimos anos, doutrina e jurisprudência têm iniciado tímida discussão sobre a possibilidade de dilação dessa função compensatória, de modo que sejam dissuadidos comportamentos nocivos sem que isso se configure como aplicação de uma pena civil.

A realidade dinâmica e complexa da sociedade pós-moderna exige que os institutos do Direito Civil sejam compreendidos como um processo em permanente abertura e reformulação. Diante das lacunas do direito legislado, buscou-se estudar o instituto do common law denominado disgorgement, que se define como uma categoria autônoma de dano em que o quantum debeatur indenizatório é mensurado a partir do lucro do ofensor, obtido com a violação daquele direito. Essa terceira categoria de dano não se enquadra ao conceito de danos morais, mas é aplicada, dentre outros casos, quando a vítima tem afetado seu direito de imagem através de, por exemplo, vinculação não autorizada ou indevida a uma determinada marca, o que gera lucro para quem violou o direito de personalidade.

A priori, percebe-se uma barreira ao enquadramento dogmático do disgorgement em sede de responsabilidade civil, o que nos leva àquelas recorrentes situações em que os lucros com a violação do direito são superiores aos danos experimentados pela vítima, tendo em vista que, mesmo após quantificar a “devida” indenização, o ofensor encontrar-se-á em situação melhor do que estava antes de ter violado aquele direito. Nesse caso, a técnica do disgorgement oferece uma compensação a mais, pois a devolução deverá corresponder a todos os valores (lucros) indevidos obtidos pelo autor do delito com a violação do direito de outrem.

Desta forma, o mecanismo citado promove uma indenização com valor bem acima do estipulado pelo instituto da responsabilidade civil, levando em consideração que a vítima precisa ser devidamente compensada com uma participação nesses lucros obtidos de forma ilícita. E como a compensação será uma via de reparação com a participação nos lucros, o mecanismo deverá funcionar como uma terceira via de culpa, protegendo o indivíduo sob variados aspectos já que aplicação de uma multa não anula a outra.

Algumas questões que foram ganhando dimensão e espaço cada vez mais consolidados especialmente quando se pode observar que há incidência das lesões aos direitos humanos, não importando mais sua classificação, se de personalidade ou simplesmente fundamentais, que persistem na intimidade das empresas, em especial as transnacionais.

Há na jurisprudência brasileira, diversos casos em que a violação aos direitos de personalidade é de certa forma lucrativa ao ofensor, pois os seus lucros são superiores aos valores pagos a título de indenização, a partir da ideia clássica da função meramente ressarcitória da responsabilidade civil e da divisão em danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

A função desse terceiro vértice da culpa, denominado disgorgement, como instrumento preventivo, é o meio mais adequado a ser adotado para materialização de uma reparação integral, devendo ser somada a uma eficácia preventiva de novos ilícitos, com a finalidade de desencorajar a prática ou a reiteração de infrações. (ROSENVALD, 2017, p. 162)

Todos os institutos ora apresentados são instrumentos de efetivação e cumprimento dos propósitos da Responsabilidade Civil e, devem ser considerados quando da análise da conduta lesiva, de forma a ratificar o cumprimento de sua função reparadora, sancionatória e pedagógica. Um novo olhar ao referido instituto passa a ser atribuição de todos os envolvidos no sistema jurídico, quer sejam doutrinadores, operadores do direito, integrantes do Poder Judiciário, entre outros, de forma primordial com o propósito de coibir as condutas lesivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido a complexidade do tema e de seus desdobramentos, cabe ao Direito equilibrar e promover diálogos entre seus institutos, de forma a possibilitar sua operacionalidade. Através do ordenamento jurídico brasileiro se poderá apontar a fragilidade nele contida que permite e corrobora para a atuação das grandes corporações na manipulação e permanência de atitudes de atos lesivos com intuito de produções de baixo custo.

Danos reiterados são causados pelas grandes corporações, inclusive no âmbito daqueles de ordem moral e ambiental, de forma a exigir dos operadores do direito um novo olhar para o instituto da Responsabilidade Civil, fazendo com que este cumpra suas finalidades, especialmente a pedagógica. No que diz respeito ao dano ambiental, somente a finalidade reparatória não seria suficiente a dar cumprimento a responsabilidade social.

Entende-se que o nullum crime, nulla poena sine lege possui aplicabilidade restrita às penas de natureza criminal. A sanção civil, não obstante a finalidade de exercer coerção sobre o autor da ofensa - e atingi-lo em seu patrimônio - afasta-se do universo penal, para atuar em campo delimitado de natureza civil.

Não se vislumbra óbices à finalidade punitiva da Responsabilidade Civil, melhor interpretação do inc. V do art. 5º da Constituição Federal de 1988, justamente pelo fato de a lesão ao atingir o patrimônio moral do ser humano, ofender direitos da personalidade, a integridade psicofísica, os valores mais relevantes que compõem o princípio Constitucional da dignidade do ser humano e o imensurável patrimônio da consciência. A imposição de valor em pecúnia, com finalidade punitiva, no caso analisado se justifica amplamente.

Ao Direito não cabe satisfazer apenas o papel de tornar a vítima indene, sem danos ou de mera recomposição patrimonial, mas sim, cumprir sua função de prevenção, de desestímulo justa, ou seja, com uma função de elevado alcance social.

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Recebido: 03 de Agosto de 2019; Aceito: 21 de Julho de 2020

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