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Revista Internacional CONSINTER de Direito - Publicação Oficial do Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação

versão impressa ISSN 2183-6396versão On-line ISSN 2183-9522

Revista Internacional CONSINTER de Direito  no.12 Vila Nova de Gaia jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.19135/revista.consinter.00012.11 

Artigos Originais

SOBERANIA VERSUS FRATERNIDADE

SOVEREIGNTY VERSUS FRATERNITY

Carmen Luiza Dias de Azambuja1
http://orcid.org/0000-0001-5490-1275


Resumo

A Lei somente é obedecida se aceita pela população. O Estado não pode mais impor direitos fundamentais como meras regras ante a aplicação de sua Soberania, forçando sua obediência. Igualdade e Liberdade dependem de sua implementação ativa pelo Estado. Com isso, somente a partir da consideração de um direito fundamental como a paz como transcendente ao Estado, quando todos os Estados e todos os cidadãos comungarem essa noção, haverá sua condição interna e externa. Então, os direitos fundamentais como a fraternidade/paz, como princípios, serão aceitos e verdadeiros em efetividade. Assim, fazer aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito terá vigência prática. Esta é a essência da Fraternidade, como direito fundamental à Paz de 5ª geração.

Palavras-chaves: Estado, soberania; direitos fundamentais; paz, efetividade dos direitos fundamentais; fraternidade.

Abstract

Law is only obeyed if accepted by the population. State can not force human rights as simple rules and the enforcement is do to Sovereignty and execution. Equality and Liberty depend on their active implementation by the State. As such, only considering peace as a fundamental right, we can transcend the State. All the States and citizens must have the same notion. That will be its internal and external conditions. Therefore, fundamental rights as fraternity/peace, like principles, will be consider and true for effectiveness. Thus, make to the others what we want to be made to us. It is the real effectiveness. That is the base (essence) of the fraternity, like a fundamental right of peace as the fifth generation of de human rights.

Keywords: State, sovereignty; fundamental rights; effetiveness of the fundamental rights; Fraternity

WHY LAW IS BINDING? JUST BECAUSE WE OBEY IT.

Esta pergunta foi feita em classe faz muitos anos pelo Professor Parry, em Boston, Estados Unidos, como introdução a um curso de Direito Internacional Público. Ela retrata exatamente a essência da recepção e aceitação da lei promulgada pelo Estado. Assim, não há como falar em vinculação à lei, sem que a mesma seja introjetada e honrada pela própria população a quem é destinada. Lei sem cumprimento é o mesmo que Estado sem lei.

Essa questão foi-me rememorada em uma palestra do Dr. Carlos Vieira Von Adamek, desembargador de São Paulo, com o título ‘O princípio jurídico da Fraternidade e os movimentos migratórios’. Nela, o Dr. Von Adamek, aludindo a Humberto Eco, faz a diferença entre imigração e migração. Na primeira, há o controle do Estado e a autorização por ele, nos seus termos, enquanto na migração ela não tem parâmetro, sem qualquer intervenção ou possibilidade de estabelecimento de regras pelo Estado. Diante disso, como na rede social, a individualidade prepondera. Não há como impedir tais expressões individuais em qualquer lugar do mundo e de qualquer lugar do mundo para outro. Com isso, não qualquer possibilidade real de obediência da lei e da soberania de cada Estado sem o assentimento efetivo pelos seus cidadãos.

É neste sentido que o desembargador palestrante menciona a necessidade de transcender a noção limitada da soberania do Estado para a de fraternidade. A partir disso, a missão do Estado poderá atender os três itens já propostos pela Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Deve-se, portanto, revisitar o que esses três elementos representam.

O primeiro aspecto, o da liberdade, este é o ponto inicial e primordial do ser humano. É um direito natural, pelo que incontrolável pelo Estado e de obrigação deste ao dever prestar atendimento a todo cidadão dessa garantia fundamental para terceiros e até contra ele mesmo em alguma ilegalidade na sua atuação.

Além disso, a liberdade, como ínsita ao ser humano, não é passível de limitação, exceto por ele mesmo. Cabe, por isso, ao Estado, com exclusividade, a punição em caso de ofensa desse direito por outrem e por ele mesmo na sua condução. Surgiram, então, duas vertentes da legitimidade dessa constrição da liberdade pelo Estado de acordo com Rousseau e Locke. Rousseau defendia que a liberdade inata é somente contida por um contrato social fonte do Estado. Essa permissão externa pelo contrato é que garantiria a atuação do Estado para a proteção da própria liberdade contra outro. Na medida em que a liberdade seria permitida na sua plenitude, a sua restrição deveria ser pactuada pela maioria. Assim o proibido deveria seria impedido pela delegação ao Estado da proteção e punição à transgressão. Para Locke, ao contrário, como anotado pelo Professor Parry, não há que falar em poder do Estado, quando o sujeito passivo do Estado não aceitar a proibição por ele imposta. O que o cidadão não tem como consenso interior, ele não se sente obrigado a cumprir mesmo face à proibição e sanção estatal.

Este ponto evidencia a necessidade de evolução da população e do próprio Estado. Sem que se estruture um arcabouço legal e institucional internalizado pelos seus cidadãos e sem um Estado que efetivamente assegure os direitos fundamentais de liberdade e exercício de sua diversidade sem conflitos internos e externos, não há real liberdade e obediência à regra.

No tocante à Igualdade, há duas formas de sua estruturação pelo Estado e esperados pela população. A inicialmente pensada pelo Estado, após a Revolução Francesa e base do ordenamento jurídico francês, foi o da legalidade. Esta resume-se no princípio da igualdade formal, com base de igualdade de todos perante a lei. É uma visão ideal assente em sua abstração e sua generalidade. No entanto, os cidadãos são individualidades com suas peculiaridades. Com isso, seus interesses e liberdade levam a uma desigualdade material de condições de cada um ter o mesmo acesso aos seus direitos. O Estado, então, foi chamado a cumprir essa missão constitucional, sem que ele tenha condições disso assegurar. É neste momento que surgem os conflitos sociais e a descrença e ineficiência do Estado. Segurança vem da assecuração de direitos pelo Estado. Sem isso, não há que se falar em Direito, muito menos direitos fundamentais.

Está-se exatamente neste momento conjetural. A falta de estrutura e de condições do Estado de garantir os direitos fundamentais de liberdade e igualdade fazem com que o Estado seja ineficiente, inexistente como instituição. Isto leva também que a lei não seja atendida, pelo desatendimento das garantias básicas do ser humano. Volta-se, assim, a uma lei das selvas e do mais forte e não da lei.

Como se pode falar, portanto, em FRATERNIDADE, último item da revolução francesa?

A Fraternidade pressupõe liberdade com razão internalizada pregada por Locke, bem como igualdade material existente. Esta igualdade, porém, depende do Estado, mas essencialmente do próprio cidadão. Na medida em que o cidadão racionaliza a sua liberdade e as restrições inerentes ao seu exercício em respeito à liberdade do outro. Ela também propõe o uso da igualdade de formal para material. Nesta, O Estado deve garantir a diversidade da visão de Direito de cada um. O direito, assim, assume uma dimensão transcendental de fazer ao outro o que gostaríamos que nos fosse feito.

Diante disso, não se está mais a falar em garantia desses direitos naturais pelo Estado. O Direito e o respeito ao outro já é feita naturalmente pela consciência de cada cidadão, somente nesse andar haverá a concretização do princípio da fraternidade.

A partir de então surge o seguinte questionamento: Onde ficam a soberania e o Estado frente à Fraternidade.

Como o trabalho enfrenta a questão do estado e sua soberania diante dos princípios de sua estruturação a partir da revolução francesa, isto é, liberdade, igualdade e fraternidade, não há razão para o uso do termo solidariedade cunhado modernamente. A noção de fraternidade é mais ampla que solidariedade e induz um conceito de irmandade e de comunhão de valores de todos os paises e não somente uma atitude de auxílio como é o termo solidariedade.

Assim, é esta a razão de mantermos ainda vivos os princípios da revolução francesa que parametrizaram a instituição do estado moderno e respectivas soberanias. O estado clássico e sua soberania estão ultrapassados por não atingirem os seus objetivos quer internamente de liberdade e igualdade, muito menos o amplo de fraternidade: frater como todos irmãos independemente de seu estado e soberania iniciais como seus cidadãos.

Frater não é somente solidariedade. Ela importa em uma concepção de comunhão total de direitos e deveres e não apenas como auxílio dentro das desigualdades. Com isso, não estamos frente a uma solidariedade, mas sim efetivamente a promulgada fraternidade da revolução francesa.

O Estado atual definido a partir de território, povo e soberania poderia conduzir à Fraternidade?

Como deveria ser a concepção de Estado para ser compatível com a consecução da Fraternidade?

O artigo, então, examinará essas ponderações em dois momentos: No primeiro, a Teoria do Estado compatível com a busca da Fraternidade; e o segundo, como A Fraternidade (Paz) é um direito fundamental de quinta geração e noção de princípio e não de regra para a sua efetividade.

1 TEORIA DO ESTADO E A BUSCA DA FRATERNIDADE

É na teoria do Estado que se embasa a noção de soberania e de ordenamento jurídico. Em razão disso, deve-se iniciar o estudo da soberania pela própria teoria do Estado e sua evolução.

Para fazer-se isso, três nomes sobressaem para essa análise. Ihering, na sua obra da Luta pelo Direito, evidencia a necessidade do Estado exatamente pelo egoísmo do homem e o uso desmedido da sua liberdade. Com isso, o Estado seria o instrumento legal para a organização da vida em sociedade e sua harmonização. A seu turno, Hauriou gera o Estado, como Instituição, acima do interesse pessoal-individual, invocando a ideia de bem comum, a sua impessoalidade e abstração, pelo que poderia persistir além dos seus criadores. É a busca da igualdade formal pela pura aplicação da lei a que o Estado se obrigava a cumprir. Por fim, Duguit, em sua obra de direito administrativo, eleva a concepção do Estado para uma idealização mais transcendente do próprio Estado. É a substituição da lei, do Estado, por uma versão pragmática e finalística do Estado como um serviço público à disposição da população a quem deve servir. Com isso, não haveria a soberania, mas sim a solidariedade, viés da Fraternidade.

Nota-se, portanto, que os três autores demonstram que o conceito de Estado tem em sua base os três ideais da Revolução Francesa: Liberdade, igualdade e fraternidade. O empecilho para que o Estado cumpra é a sua fixação no conceito de soberania e território, sem atentar que o povo deve se tornar Nação para a obediência da Lei. A supremacia da ideia de soberania, porém, desaparece na visão de Duguit de Estado. Duguit descreve o Estado como o prestador de um serviço público e de solidariedade. Neste ponto, a população transcende e supera a instituição Estado. Isto faz com que o Estado venha a servir ao povo e não ao contrário, como nas duas concepções anteriores de Ihering e de Hauriou.

Urge revisitar, então, esses três autores para entender melhor como eles alinharam tais considerações.

1.1 Estado como Garantidor da Liberdade em Ihering

Rudolf Von Ihering escreveu Luta pelo Direito. Nesta obra, o que mais impressiona é a verdade e a realidade de que o Direito foi objeto de construção. Ihering propunha que a partir da luta do homem contra o homem, em razão de seu egoísmo, pela expressão plena de sua liberdade, surgiu a necessidade do Estado como contenção desse conflito entre indivíduos.

A Liberdade humana é um elemento inerente ao ser. Ele, por isso, deve ser educado para o respeito à liberdade do outro. Não há diferença e nem superioridade entre liberdades individuais. Só o respeito e a lei contêm as liberdades plenas individuais.

Há, contudo, duas versões para a contenção da Liberdade: Rousseau e Locke. Rousseau estrutura a sua noção de contrato social em razão da necessidade de avença humana em relação a um bem incontrolável. Somente a própria vontade e a razão restringem a liberdade. Locke, a seu turno, contradiz Rousseau, explicando que uma limitação simplesmente racional, externa, pelo contrato, não é capaz a impedir o próprio ser a abrir mão de sua liberdade em virtude do limite e respeito à liberdade do outro. Haveria, sim, a necessidade de uma constrição voluntária interna do próprio ser, pela sua educação elaborada dos seus sentimentos, para respeito ao outro naturalmente. Com isso, a lei seria o espelho do próprio desejo do ser.

A construção e a constrição da liberdade pelo ser através do Direito são, pois, uma luta para a paz, paz da convivência harmoniosa de todos. Isso decorre das diversidades de concepções de uso da sua liberdade individual em detrimento ao coletivo.

Assim, a luta pelo Direito é uma luta pela paz.

Para revisar e relembrar as lições de Ihering ainda vivas na modernidade, utiliza-se o artigo de Arnoldo Godoy, livre-docente pela USP, com o título O jurista alemão Rudolf Von Ihering e a luta pelo Direito, em <https://www.conjur.com.br/2014-ago-31/embargos-culturais-rodolf-von-ihering-luta-direito>.

Luta e firmeza são condições para a construção e a manutenção de direitos, que não são dados espontaneamente pela natureza; direitos são duramente conquistados e mais duramente ainda mantidos: Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta; todas as regras importantes do direito devem ser tido, na origem, arrancadas àquelas que a elas se opunham, e todo o direito, direito de um povo ou direito de um particular, faz-se presumir que se esteja decidido a mantê-lo com firmeza. O Direito não se teoriza, se vive, é alcançado mediante a força viva. É também de Ihering mais uma referência à conhecida metáfora da balança da justiça, no sentido de que; ...A justiça sustenta numa das mãos a balança e que pesa o Direito, e na outra a espada de que se serve para defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do Direito.

É o grau de civilidade e de civilização que levam a uma construção de uma estrutura de Direito e de Justiça melhores. A vivência é a construção de uma pacificação natural dos seres em uma estrutura comum, mas que urge estar acima de seus interesses individuais conflitantes, para impor uma pacificação mediante a estrutura estatal. Sem esse poder de coerção, o Estado não consegue isso. A espada não se evidencia a ponto de se fazer presente o Direito acima das vontades e interesses individuais sempre em luta. O Direito deve ser superior e mais forte do que essa força humana natural de discórdia e egoísmo.

Ihering ainda contestava as visões históricas de Savigny e de Putcha do Direito como uma marcha evolutiva normal e lenta como a linguagem. Ele acreditava que não havia uma construção normal, lenta e suave. A Lei precisava ser imposta e conhecida de todos com poder de contenção real-efetivo, para poder ter valia.

Para Ihering, nenhuma mudança radical de posicionamento social e evolução de direito ocorre sem ferir muitos interesses, pelo que somente vinga na luta. Ele ainda acrescenta que a vida ou o amor de seu povo ao seu direito decorre de como isso foi objeto de luta para desabrochar como uma graça. É semelhante à ideia inicial de que a lei é válida por nós nela acreditarmos e respeitarmos. Para tanto, ela deve estar internalizada em nós, levando a que seja cumprida, por querida e objeto de uma conquista e não somente de uma concessão.

Igualmente menciona que toda decisão importa em um sacrifício. O direito sacrificado à paz, bem como a paz sacrificada a direito. Na conjuntura de qual deles deve prevalecer, é estabelecida a regra individual de conflito de cada caso. Nele, o ideal maior da paz e da harmonia entre o Direito, na visão individual, e o da Paz, no geral e harmonização social, devem ser contemporizados a fim de que a melhor realização da justiça seja efetivada (direito e espada da força da paz).

É interessante, também, observar que Ihering trazia neste contexto de direito e de força a questão econômica de custo e benefício da decisão, muito próximo à visão econômica do Direito atualmente por Posner e a linha jurídica do Direito e sua repercussão econômica de Chicago.

Assim, Ihering já fazia como o jus natural da liberdade interferia e importava para a construção de uma pacificação social que exigia do Estado uma coerção forte para contrapor ao desinteresse incito do homem à contenção do Direito. Este, porém, seria fruto igualmente do Estado e a que ele serviria, sua estrutura social e econômica e uso do Direito para sua efetivação e efetividade.

Há, porém, mormente nos dias de hoje, um desgaste e cálculo de custo e benefício muito maior que é o psíquico. O quanto internamente os contendores estarão satisfeitos com essa decisão. É a noção freudiana da necessidade de uma contenção do ego (eu) harmoniosa a fim de que não cause maior frustração, agressividade do que solução-pacificação. Foi bem o seu alerta na obra Mal estar da Civilização. As migrações e os conflitos internos nos países estão igualmente nos mostrando como não é somente o ordenamento social, mas sua equalização e efetivação e não somente a coesão estatal que fazem prevalecer a concepção de Ihering da luta pelo Direito.

A sua aceitação importa um elemento mais amplo de civilização e harmonização individual como noticiava Locke.

Assim, chega-se à ideia de Estado. No entanto, a mesma foi desenvolvida na França, através do Direito Administrativo, sob dois aspectos: O Estado como instituição e poder através de Hauriou, cristalizando a igualdade formal pela lei abstrata e geral para todos; bem como existe também a visão do Estado como prestação de um serviço público através do Estado, sem a sua primazia como ente, levando à teoria finalística do mesmo por Duguit.

São essas duas concepções de Estado que serão analisadas.

1.2 Estado como Poder e Símbolo da Igualdade Formal em Hauriou

Maurice Hauriou foi o grande criador da noção do Estado como uma instituição; isto é, a impessoalidade do Estado e de sua administração, a fim de que simbolizasse algo maior que seus cidadãos e interesses personalizados.

A obra clássica de Hauriou, Maurice, Précis de Droit Administratif e de Droit Public, 6 edição, J.B. Sirey, de 1097-2018.

Ao lado da concepção do Estado como instituição em Hauriou, gerou-se ainda a noção do direito administrativo e do serviço público.

Hauriou compreendeu o Estado como um bem maior e superior aos interesses privados. Diante disso, ele superaria ao homem e sua personalização no poder temporal. Não obstante isso, o Estado se consolidaria como um poder, a fim de assegurar o cumprimento de sua estrutura e da lei como igual para todos.

Para comentar a teoria de Hauriou, refiro artigo de Eric Millard, os discípulos administrativistas de Maurice Hauriou. <https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00125708>.

Inicialmente, há o questionamento entre a correlação da concepção do Estado como Instituição em Hauriou e seu conteúdo de poder do seu Direito Administrativo.

A versão de Hauriou sobre Instituição é de ordem Sociológica, na medida em que a França com seu contratualismo. Ele aceita a noção de Rousseau da liberdade incita e total do ser humano. Com isso, a sua contenção pode ocorrer somente com seu aspecto exterior, por acordo.

Com isso, a criação por avença de um instituto superior aos interesses individuais seria o suficiente para garantir a liberdade de todos e de cada um dentro de parâmetros legais, gerais, comuns e abstratos. A ideia de lei e da igualdade formal, trouxe a mera prescrição legal do Direito à Liberdade como substituto do exercido da liberdade e do direito garantidos anteriormente pela força física.

A necessidade do Estado, agora sob a forma de Instituição socialmente aceita, por isso da sociologia, é o primeiro patamar da teoria de Hauirou. A partir, porém, da Instituição, nasce concorrentemente uma concepção de poder público a ser exercido pelo Estado, para que este possa cumprir essa missão de assegurar os direitos fundamentais da liberdade a todos.

A construção do Direito e do poder de constrição pela lei, pela generalidade e pela abstração, fez com que o Estado igualmente usasse o seu poder para o cumprimento da própria lei. É nesse sentido que Hauriou assenta sua teoria do direito administrativo, a contar da noção do Estado como Instituição, pelo uso do poder público e da executoriedade de suas ordens (leis).

Como poder público, nada mais é do que a substituição da força dos cidadãos pela força do Estado como instituição, impessoal, para que todos sejam por ele protegidos nas suas diferenças. Com isso, não se fala de sua unilateralidade ou imposição indevida. A lei e sua legitimação estão apoiadas dentro da assembleia legislativa como expressão geral do povo.

Com esse aval, caberia, então, ao Estado impor a lei e garantir a igualdade formal de todos perante esta nova estrutura, como Instituição.

Sabe-se que a legitimidade e o tipo de gestão do Estado, por seus representantes, provêm de como esses são escolhidos e como agem em nome da população. Por isso, não há heresia na versão de Hauriou do Estado como instituição, sendo administrado como forma de exercício do poder público para tanto. O problema ou a inconformidade restringe-se quanto à sua gestão peculiar aos ocupantes momentâneos ou não desse exercício de poder.

Como executoriedade dos seus atos, deve-se entender a força ou poder do Estado de fazer valer o contrato social e suas regras. Assim, não se está mencionando um ato unilateral ou arbitrário, mas sim uma possibilidade real e efetiva de fazer valer o Direito posto.

Nenhum Estado, mesmo como instituição, não poderá proteger a mesma, se não puder fazer valer a lei contra seus transgressores. Como a contenção em Hauriou, como em Rousseau, é externa. O Estado tem necessidade de poder de exercer de forma efetiva dessa contenção, considerando que internamente ela não é feita pelo próprio cidadão.

Volta-se, então, à questão inicial ou o motivo de ser uma lei obedecida. Ou temos uma contenção interna, ou necessitamos de uma restrição externa. Sem isso, ela não se efetiva, prevalecendo a vontade individual.

A lei é feita para impor medidas proibitivas de atos, pelo que essas medidas devem ser cumpridas compulsoriamente para a convivência mais harmoniosa.

Assim, mesmo que tenham discutido e contestado essas ponderações de Hauriou, na visão do direito administrativo finalístico como serviço público, não há como negar a realidade posta por Hauriou ao Estado como protetor do bem social. Para isso, há um primeiro requisito o poder e a contenção com a execução obrigatória da lei.

Os elementos constitutivos do Estado, com isso, são postos: soberania, território e povo. Soberania, posto que sem o respeito ao Estado como ente e como poder público perante os seus cidadãos e demais estados, não haveria como fazer prevalecer a lei posta; território, na medida em que, a contar da formação dos Estados Modernos, contemporânea a estes estudos, o espaço do exercício desse poder e desse ordenamento jurídico tivesse sua executoriedade; por fim, a ideia de povo importa a aceitação da diversidade de interesses e de forças de cada um dos seus cidadãos, pelo que o Estado deveria ser supremo e superior a essas vontades individuais.

O conjunto da desigualdade e da desarmonia é que gera o Estado, sua força como poder público e executoriedade ou imposição obrigatória da lei.

Não se está em um mundo ideal, pelo que o Estado representa apenas a substituição da força física individual entre os cidadãos pela força moral e gera da lei-Direito através do Estado.

O Estado, porém, ao longo dos anos, não conseguiu manter essas iniquidades de individualidades de seu povo pela igualdade formal. É neste sentido, que assume uma relevância maior o poder judiciário, desprezado pelo Estado Francês, seguido na Europa Continental. É por isso que o Direito Administrativo não era submetido ao Judiciário, criando-se um Tribunal Administrativo e uma legislação própria do Direito Administrativo, como direito público, sem crivo dos direitos fundamentais atinentes aos julgamentos individuais pelo judiciário.

Diante disso, resta mais evidente a posição de Hauriou e de seus contestadores da conexão de sua teoria administrativa com a sua ideia sociológica do Estado como instituição. A instituição seria algo superior aos cidadãos, a fim de que mantivesse a sua isenção e fosse capaz de, como instituição, realizar a efetiva igualdade e não reverter o Estado como o centro de interesse do povo, como poder, autorizando com isso ao Estado cometer iniquidades em relação ao seu povo em nome de sua manutenção.

A polêmica seria a de que ao se mencionar instituição-Estado estar-se-ia referindo: Estado para os cidadãos ou bem cidadãos para o Estado. Com o Estado como o poder de Hauriou, a imposição de suas regras, ele perderia o seu fim para o povo, podendo conduzir a um regime mais ditatorial ou ilegítimo pelo poder.

Nesse olhar, o Estado tem como elemento preponderante a soberania quer de ordem externa como mormente de ordem interna. Isso vingou em especial por ser a época da formação do próprio Estado Moderno.

Na concepção de Instituição, o povo teria uma noção do Estado como de um serviço público; isto é, efetivamente para o povo. Com isso, O Estado, por si só, não tem poder de forçar nenhuma situação impositivamente ao povo. O Estado deve proceder com o fim do bem comum do povo, e não seu próprio.

Com esse contexto, mesmo num contexto de Estado, a soberania não seria importante. O mote e a razão de existência do Estado, até como Instituição, residiriam na estrutura de serviço público em qualquer organização de propiciar os benefícios pretendidos por sua comunidade e não somente povo a ele submetido. Aqui seria o servir pelo Estado ao cidadão e não o ser servido por ele. Nesse ponto, não haveria limites e poder público acima da população a que deve servir.

Novamente, deve-se lembrar que não há obediência à lei sem que o povo assim o deseje. Não há igualmente de possibilidade de imposição da mesma a todos pelo Estado. A não aceitação da lei produz uma desobediência civil, causada pela defasagem dela com a realidade social.

É neste olhar que assoma a importância de uma visão de igualdade material e da utilização da teoria do Estado e administrativa como uma prestação de serviço público. Como serviço público e não instituição, o Estado não necessita de estrutura formal do Estado e de Soberania. Esta é a visão de Duguit.

1.3 Estado Finalístico de Prestação de Serviço Público Tornou-se o Elemento Universal de Solidariedade-fraternidade em Duguit

Duguit, contemporâneo de Hauriou, forjou a outra escola do Direito Administrativo sob o enfoque o Estado como serviço público. Ela consiste em uma visão finalista de sua existência.

Duguit, Leon, escreveu Fundamentos do Direito, passível ainda de ser encontrado pela Icone, 2006, segunda edição.

Para análise prática das lições de Duguit, há o artigo de Disney Rosseti, A Crise do serviço público e a concepção de Léon Duguit: uma visão finalística. Obtido https://jus.com.br/artigos/228334/a-crise-do-serviço--publico-e-a-concepçao-de-leon-duguit-uma-visao-finalista/2.

Para isso, Duguit lança seus três fundamentos para essa nova concepção do Estado. Ele assenta sua teoria sobre o Estado sobre três pilares: 1. substituição do conceito de soberania pelo conceito de solidariedade; 2. substituição do conceito de poder público pelo conceito de serviço público; 3. substituição do Estado Liberal pelo Estado Social.

Não era uma visão socialista, na concepção atual e ideológica do tema. Ele afirma que o Direito Objetivo na sua concepção é uma regra social fundamentada no fato da solidariedade social que os une como membros da sociedade.

Essa visão mais esclarecida do Direito corresponderia a uma internalização de valores comuns sociais que seriam superiores à própria liberdade inata do homem, como sua maturação natural para uma melhor civilidade e convivência comum. Era o que Locke chamava de racionalização do Direito no exercício de sua própria liberdade. O limite da liberdade assim não seria mais decorrência da imposição pelo poder do Estado como em Hauriou, com base em Rousseau, mas sim por vontade própria. Neste sentido, o poder pelo poder não seria mais necessário. Ponto fundamental é conceder auxílio, serviços comuns, para que todos tivessem mesmas chances e se autodominassem com essa evolução.

Por isso, ele não concebia o Estado como uma pessoa jurídica investida de direito subjetivo de comandar e os governantes sem qualquer direito. Eles exercem, simplesmente, uma função na sociedade, sendo submetidos a uma regra do Direito. Ao aplicarem a força, dispõem da legitimidade do povo para assegurar essas regras de direito. Eles também são limitados pelo próprio Direito. Para implementar a solidariedade, o Estado deve realizar ações concretas.

Não se há que falar em Estado de Direito sem essa inspiração e noção de Estado como serviço público. As Constituições pregam isso. A realidade, porém, de cada Estado com sua soberania e estrutura de poder e legal permanecem na forma passiva e centralizada de Hauriou sem atingir a seus cidadãos. Com isso, os direitos fundamentais como cita Duguit, sua obrigação, ficam somente uma menção legal sem condições de ser exigida contra o próprio Estado pelos seus cidadãos. Cada Estado, dentro de sua soberania e sua organização legal interna é que acaba definindo para o mesmo o que são os direitos fundamentais. Esses, então, perdem a sua condição de direitos natos de qualquer cidadão, de qualquer Estado.

Com a soberania de cada Estado, permanecem os mesmos como Estados da Lei e não do Direito. Em ações passivas de constrição de atos entre seus cidadãos e não atos concretos em favor dos mesmos e de igualdade material entre eles.

Duguit, então, assenta a Teoria do Direito em três eixos básicos: direito objetivo; descentralizado; e serviço público.

O primeiro seria o do Direito Objetivo. Com isso, o Estado seria limitado pelo direito objetivo, mas sua legitimidade estaria assentada em uma base objetiva e não subjetiva. A objetividade estaria não na negação do Estado como ente. Ela estaria na sua finalidade, como um fim social. Seria, então, afastada uma concepção individualista, contratual das partes, baseada na soberania do Estado, passando-se a uma visão de sistema jurídico-político realista, social e solidário. A soberania cederia a uma concepção maior de direito público como serviço público a ser prestado pelo Estado e não em favor do governo.

Essa visão é totalmente compatível com as mudanças do século XX.

O segundo ponto é a descentralização. A representação social está alterada atualmente. Não se tem mais parâmetros definidos de representação. Há uma pulverização da sua forma de realização e de atividade, pelo que os antigos sindicatos geraram formas mais modernas de representação como associações, organizações e mais modernamente as redes sociais. Nestas a pulverização transcende o território de qualquer Estado moderno.

Diante dessa nova postura de agir da população em prol de interesses sociais e não somente individuais, as novas representações ensejam uma nova impulsão do papel político dos cidadãos em direção e impulso do serviço público ou bem de políticas públicas a serem obrigatoriamente implementados pelo Estado. Nisso, acima da noção de soberania para o Estado surge a sua responsabilidade.

Essa noção de responsabilidade que ensejou a postura concreta e ativa atual do Estado em realmente efetivar as políticas públicas a que se destina e não estão sendo por ele cumpridas. Nasce, assim, o direito da população de reclamar e cobrar monetariamente o descaso do Estado, sua omissão nessa sua atuação agora obrigatória.

O terceiro aspecto é o de serviço público. A jurisprudência francesa a partir dos casos Blanco, Feurty, Terrier e Thérond forçou a que o contencioso administrativo para uma jurisdição administrativa. É típico da jurisdição francesa e que se alastrou por toda a Europa Continental, contando com a linha tradicional da jurisdição italiana, caberia ao juiz comum somente o direito privado, enquanto o direito público e então o administrativo como serviço passar ao Contencioso e Tribunal Administrativo.

Essa divisão e estruturação da jurisdição francesa e enquadramento do direito público da prestação de serviço público pelo Estado ainda causa espécie e equívocos no sistema jurisdicional brasileiro em que todos os casos quer públicos quer privados. No Brasil, como todos os direitos são de direito público, por imposição legal e constitucional, eles são igualmente submetidos todos ao mesmo juiz comum no Brasil essa distinção de público e privado, administrativo e privado, não encontram repercussão. No entanto, na prática, a doutrina e a jurisprudência fazem essa distinção como se estivéssemos em um julgamento do sistema francês dividido.

Essa nuance ou distinção da noção do direito administrativo e seu contencioso francês e da Europa Continental não se aplicam no Brasil. Todo o direito, não importa de disponível ou indisponível provém de Direito posto Público, pelo que devem ser devidamente aplicados pelo mesmo magistrado que tem competência igual para julgamento de qualquer um deles nos processos, sem necessidade de tribunais separados. Para mera divisão do trabalho interno é que se estruturam varas especializadas, mas não tribunais diferenciados e de juízes de competência próprias.

Não se deve esquecer esta distinção para que se possa entender o Estado como serviço público. Como serviço público, todo direito individual ou público é um direito subjetivo público individual como propugna Alexy. A partir disso, ele é passível de pedido individual e direto contra o Estado pelo próprio cidadão, bem como em forma coletiva e distinta da coletiva por pertencimento a todos os cidadãos.

Haveria, também, formas diversas de descentralização do serviço público como sugere também a gestão pública moderna: regional e patrimonial, funcional com a autonomia e papel da direção a funcionários e sindicatos, concessão a particulares sob controle dos governantes. Seriam PPP, concessões, permissões, licitações etc.

É a modernidade da legitimização e concurso de gestão pública pela população a quem se destina.

Como, então, o Estado sem a flexibilização da soberania pode ensejar a paz e a fraternidade?

2 COMO O DIREITO À PAZ PODERIA TRANSCENDER A SOBERANIA

Inicialmente, devem-se entender os elementos do Estado e os tipos de Soberania para que se elucide Estado como serviço público e fraterno acima do Estado Soberano dos direitos de terceira ordem. Para tanto, far-se-á uma revisão do tema através do artigo de André Luiz Lopes, Noções de Teoria Geral do Estado, Belo Horizonte, 2010.

A teoria Geral do Estado é a ciência que vislumbra os princípios fundamentais da sociedade política (Estado), como sua origem, estrutura, formas, finalidade e evolução. Diante disso, tem-se a sua análise sociológica (pela sociedade humana e seus fatos sociais), política e jurídica.

Com isso, os três elementos estão diretamente correlacionados.

O objeto de estudo do Estado é, na realidade, a própria sociedade a quem serve. Com isso, deve-se compreender que a sociedade tem seu aspecto natural, como elementos gregários e políticos, bem como há a teoria contratualista, a partir de Rouseau.

A sociedade, como o Estado, também tem seus elementos característicos. São eles, conforme Dallari: a finalidade social ou valor social, as manifestações de conjunto ordenadas e o poder social.

A finalidade social e o valor social, de concepção de Tomás de Aquino, fundam-se na conscientização da mesma quanto ao fim social e a vida em comum da sociedade. Com isso, o desenvolvimento de condições de vida e sua aceitação para a efetivação integral da personalidade humana de seus cidadãos.

A manifestação de conjunto ordenada como ordem social e jurídica representam os objetivos da sociedade. Para isso, há três requisitos: reiteração, ordem e adequação.

Para que o objetivo seja atingido, todos devem estar conscientes, pelo que a reiteração e a manutenção de hábitos de convivência devem estar presentes na sociedade; além disso, a ordem determina uma harmonização de convivência através de um sistema legal, sem que isso exclua a vontade e a liberdade de cada um. É o conjunto das melhores escolhas para aquela sociedade; a adequação é a flexibilidade dessa própria estrutura, na medida em que a sociedade evolui e seus membros e fatores condicionantes da vida e de suas necessidades. Todos devem se ajustar a isso.

Por fim, a sociedade como poder social é a mobilização das vontades individuais em conjunto.

O poder está limitado a sua legitimação; a vinculação do mesmo à estrutura jurídica que o embasa; a objetivação da vontade dos governados à lei, para a impessoalidade da gestão pública.

Quando os Estados Modernos se estruturam, eles dissociaram a sua vinculação natural com a sociedade a quem deve servir. Com isso, ele se vinculou formalmente a um território, população dele subserviente. Não há olhar para fins maiores e interesses externos ao social global.

Diante disso, o Estado assentou sua força e poder, como soberania, numa ordem jurídica interna, na lei e no poder político prevalecente naquela região.

A partir disso, cada Estado tem direito de fazer sua regra, não estando diretamente ou internacionalmente vinculado aos princípios gerais do Direito ou ao Direito Natural comum a todos os povos.

É em razão disso que nem todo o Estado pode ser dito como Democrático ou de Direito. O Estado como soberano faz o Estado da Lei que lhe convém para sua permanência legal e política contra sua população para sua gestão; O Estado Democrático e o Direito não são soberanos. O Direito, como princípio e garantia de todos os cidadãos, está acima do Estado em sua própria gestão e em estrutura de interesse próprio político e jurídico. Nisso, a ideia de soberania do Estado é flexibilizada.

É nesta linha que Bonavides fala em Direito à Paz como da quinta geração e não da terceira, como tradicionalmente listado.

2.1 Paulo Bonavides e o Direito à Paz: 5ª Geração

Como sabido, a primeira geração de direitos, correspondente à liberdade, era a função proibitiva do Estado contra o Egoísmo e a Força Individual. Assim, o cidadão poderia fazer tudo, exceto o proibido pela lei pelo Estado.

A liberdade individual e os direitos à vida e à propriedade estavam assegurados.

Na segunda geração, o homem precisaria garantir a sua sobrevivência. Assim, as relações sociais e de trabalho correspondem ao sustento material, pelo que foram regulamentados. Era a substituição de uma relação econômica escravocrata por uma relação de trabalho mais sadia.

A questão social foi urgente na desigualdade gerada pela segunda guerra mundial e a recessão econômica-social da época.

Por fim, a terceira geração de direitos visava cultura, consumo, bens de todos. No entanto, para que isso fosse possível, o Estado precisava estabelecer uma atividade positiva de atos e de políticas públicas para que o cidadão pudesse exercitar esse direito. Nisso, o Estado surge também como um prestador de serviço público.

O Estado, porém, combalido pela falta de condições, começou a tratar os direitos sociais e mormente os direitos difusos como passíveis contra os demais e não contra eles. Nisso a criação da teoria de direitos programáticos e não de direitos automaticamente aplicáveis contra o Estado.

Assim, o Estado, acobertado por uma teoria limitativa assegurada pela noção de soberania, num território e com um povo, dizia aos mesmos cidadãos o que se poderia exigir, mesmo que a Constituição e os princípios de direito não fossem para todos.

O Estado limitou, pela lei, esses direitos fundamentais, como se isso fosse possível e legítimo essa restrição pela regra interna.

Não se pode ter vida sem paz. Com isso, o direito à paz é inerente a qualquer ser humano. Nisso ele se torna independente de qualquer Estado e soberania, estando acima do mesmo. O Estado, conforme Duguit, é que deve garanti-lo como serviço público.

Como natural do ser humano, não pode a ordem interna de um Estado limitar o direito, restringindo-o como uma garantia de terceira dimensão dependente das condições do mesmo de efetivá-lo. Ele é autoaplicável e acima do Estado e sua pretensa soberania e ordem legal interna.

É neste sentido que Bonavides refere o direito à paz como um direito de solidariedade e de fraternidade de 5ª dimensão independentemente da soberania de um Estado individualizado. O Estado tem o dever de prestar o serviço público ativo de manter e assegurar os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, a legitimação de quarta geração para possibilitar uma harmonia global total da paz de 5ª geração. Ela é interna e externa, pelo que os Estados devem comungar dos mesmos princípios fundamentais, flexibilizando suas soberanias e erigindo os direitos fundamentais inerentes aos homens como princípios e não suas regras internas de Direito Nacional.

Hoje ainda vive-se na busca de uma segunda e talvez terceira geração por Estados soberanos e limitados em sua legitimação. Dessa forma, essa garantia e efetividade são concedidas nos termos da lei e não os direitos fundamentais de ordem Constitucional maior e geral. A lei, portanto, assoma uma maior importância do que a Constituição e os direitos fundamentais nela inscritos.

As migrações e as redes sociais, porém, importam e implicam uma nova visão de mundo em que os Estados soberanos. Estes começam a ser superados por uma conscientização cada vez maior do cidadão de seus reais direitos fundamentais: vida e paz.

Ante as soberanias, contudo, limitadas, não há uma equalização das legitimações dos governos que tentam manter seu poder e forma de governar por leis restritivas dos direitos fundamentais. Isso acontece mesmo que os direitos fundamentais estejam listados em suas pretensas constituições.

Para que a paz se realize, uma legitimação de poder por valores comuns em todos os povos é necessária. O mundo deve ser uma única nação, não meramente povo, ligada por princípios de respeito e harmonia social. Sem isso, ela não existe, é uma mera abstração.

Atualmente, há várias formas de guerras e disputas e não somente as clássicas pela força. Interesses e questões econômicas e de bens ainda imperam e ainda autorizam uma hierarquização de Estado e de suas imposições legais de tratados.

Qual, porém, a diferença e como a paz, como direito fundamental, sair de uma terceira dimensão para a quinta geração?

Essa discussão encontra amparo na filosofia e na teoria discursiva do Direito. A fim de poder-se trabalhar essa óptica, será utilizado a obra de Robert Alexy, Teoria Discursiva do Direito, organizada por Alexandre Trivisonno. 3ª edição. Forense. Rio de Janeiro. 2019.

2.2 Alexy e a Paz-Fraternidade Como a 5ª Geração de Direito: Princípio ou Regra

O primeiro questionamento é a distinção do Direito Fundamental como um princípio ou uma regra. Capítulo 3, página 131 e segs., Alexy informa que Regras são normas que comandam, proíbem ou permitem algo de forma definitiva. A forma de sua aplicação é a subsunção. As regras podem ser somente cumpridas ou descumpridas. De outra banda, os princípios são normas que comandam a algo que seja realizado na maior medida possível em relação às possibilidades fáticas e jurídicas.

Com isso, há uma relativização dos princípios por meio da ponderação e da proporcionalidade.

Os direitos fundamentais sem ponderação podem ser estruturados quer por uma solução positivista ou não positivista. Se for positivista, seria sem ponderação, enquanto a não positivista seria como essência, ao exemplo do propugnado por Dworkin. Não obstante isso, se ela for construída na forma de regras, haverá inequivocamente restrições aos direitos fundamentais quer sob a forma de reserva de lei ordinária, quer com reservas.

Isso ficou bem claro, quando os direitos sociais foram elencados como direitos fundamentais após guerra. Eles foram elencados, mas regrados internamente de forma condicionada como direito programático. Assim, o Direito Fundamental tornou-se dependente da soberania de cada Estado para sua efetivação. Dessa forma, o direito fundamental vira direito comum legislado e não mais princípio fundamental e inerente ao homem.

Caso o direito fundamental seja princípio, sem regramento interno limitativo, há a máxima da proporcionalidade. Neste ponto, os direitos fundamentais podem ser hierarquizados e conflitantes diante de concorrência dos mesmos entre partes, com o Estado, no caso concreto.

Não se pode esquecer que a aplicação e a incidência do direito acontecem a partir de um direito real a ser aplicado e não ideal meramente posto. Assim, ele está delimitado e condicionado não somente a aspectos jurídicos (como ideais), mas também a pontos fáticos que demandam a sua adoção e jurisdicização.

Esses questionamentos nascem da concepção própria do direito, sua natureza e sua aplicação.

Quanto ao conceito de Direito, conforme Kant, ele seria inflexível, pelo que não sujeito a qualquer dúvida e ponderação de ordem fática ou moral.

Com isso, seu conceito teria ainda seu aspecto coercitivo, como Kelsen, sua adoção automática pelo Estado com poder de sua aplicação sem objeção. Nisso uma supervalorização da soberania e Império do Estado, como Instituição válida por si só.

No pertinente à aplicação do Direito, haveria a sua contestação pela utilização prática e legítima do direito e da autoridade que o impõe. Em razão disso, Dworkin verbaliza a incongruência do Direito, posto que a realidade redefine o mesmo na prática.

Essa separação e desconexão entre o Direito, com seu conceito e sua aplicação, assemelha-se ao que Platão e Aristóteles anotavam. Para Platão, o importante era a Razão como Dever Ser, enquanto Aristóteles com seu Empirismo ou pragmatismo, encontra-se a flexibilização e correspondência do Dever Ser sem esquecer a sua correspondência ao ser no momento de sua concretude.

Dessa forma, num primeiro momento, Alexy deixa bem clara a incorreção de transformar o direito fundamental em uma lei normal do Estado-soberano, ao se tratar um direito fundamental como regra e não como princípio.

Se não houver uma redefinição da concepção do Estado e de sua soberania para um Estado como um prestador de serviço público, os direitos sociais e mormente os direitos coletivos-difusos, como a paz, serão meras regras a serem implementadas ou não pelos Estados individualmente, ao bel prazer de seus governantes. Os direitos assim não serão fundamentais e não haverá a sua concretização para a consecução da paz e da fraternidade tão almejada por todos.

Alexy, além disso, prega essa conexão através da Teoria do Discurso ou da Argumentação para que se possa demonstrar que há um discurso possível para os direitos fundamentais como direitos da fraternidade.

2.3 Alexy e o Discurso de Correção Material para a Construção da Fraternidade

Inicialmente Alexy menciona a construção de um sistema. O discurso pode ser com prazo geral e jurídico, dentre eles o dos direitos fundamentais como teórico e regulamentar; Há, também, o argumento pelo conceito e validade do Direito; bem como existe o de ponderação, como de Aristóteles, na sua concretude.

Alexy, ainda, detalha que o princípio da universalidade do discurso pregada por Hare está sujeita a variantes diante do caso especial ou concreto. Neste, elas devem ser consideradas posições gerais do gênero, sua essência, com as não comuns a alguns. Isso lembra a noção de categoria de Aristóteles e as distinções posteriormente. É a base da generalização e dos precedentes do Direito Anglosaxão, bem como a sua distinção para novo julgamento.

Para Alexy, os direitos fundamentais enquadram-se em situações de cunho subjetivo (particular e individual de cada cidadão), assim como são um status. Como Status, podem ser aplicados a todos na mesma situação jurídica. É um direito dúplice de cunho geral como direito fundamental e de aspecto pessoal quando de sua fruição. É por isso que nas ações coletivas as execuções devem ser individualizadas de acordo com as características de cada sujeito de direito. O direito é o mesmo, as fruições, contudo, decorrem das condições particulares de cada um que o detenha.

Há, portanto, 2 pontos comuns: os gerais de qualquer direito fundamental como adequação e necessidade na sua concretização, bem como um parcial que é o da proporcionalidade.

É nessa conjunção dos três elementos que Alexy propõe uma terceira via de análise do Direito Fundamental. Ela não é somente de legitimação autorizativa decorrente da soberania do Estado e sua regulamentação, mas também uma dimensão prática de eficácia social na sua concretude e realidade, além da dimensão de Correção Material criada por ele. Com isso, não haveria uma separação total entre a Dimensão Ideal da regra com a dimensão Real e fática. A adaptação das duas dentro de uma correção do direito à realidade seria o posto como Direito.

A justiça, com isso, estaria acima do Direito posto. Haveria, sim, uma mistura entre Direito e Moral impossível, na medida em que os Direitos Fundamentais estão diretamente vinculados com os direitos inerentes ao homem. Como inatos, eles seriam independentes de seu regramento pelo Estado Soberano.

O Poder Judiciário não cria direito. Contudo, a sua aplicação de acordo com os direitos fundamentais e a Constituição que os assegura baliza a decisão e o discurso acima do direito estatal e da soberania do Estado. Os direitos fundamentais são princípios que norteiam o julgamento e a compatibilidade da decisão acima da regra posta. Não é um ativismo jurídico no sentido pejorativo pregado pelos que o questionamento, mas sim o respeito à Constituição e seus princípios.

Surge, então, como o discurso jurídico nesse caso, Direito como princípio, pode e deve ter consistência e eficiência para ser legítimo.

O discurso é o elemento substancial, então, para que se consiga não somente tratar os direitos fundamentais como um princípio e não regra, bem como se objetiva a sua operacionalidade como concretude desse direito.

Para que se possa compreender como essa estrutura do discurso e suas repercussões acontecem, Alexy novamente apresenta os 4 tipos de discurso conhecidos e como funcionam.

O primeiro é o definitório. Nele está o argumento estruturado como a ocorrência de um fato e sua definição possível de sua consequência legal. É um primeiro degrau da normatividade, sob um viés positivista e muito à semelhança do tatbestand de Pontes de Miranda. Há uma descrição fática e uma imposição de consequência legal. Bem a noção clássica e até física de uma ação e reação, sem discussão da validade, legitimidade e nuances dos fatos e da sua valoração normativa.

Quando se está neste contexto, basta o dado científico, técnico, a comprovação do mero fato, o resultado é a aplicação direta da norma, sem qualquer discussão. O discurso assim fica livre de qualquer questionamento valorativo, moral. Era a intenção inicial do iluminismo e da Revolução Francesa de usar apenas a lei e a igualdade formal, para a obtenção do que nominavam a justiça e igualdade para todos.

Não obstante isso, nenhuma consequência jurídica nasce sem uma valoração moral e sem uma estipulação de interesses e de seus graus a fim de que a comunidade possa viver em paz. O positivismo e a definição pura no discurso gera iniquidade, na medida em que os homens não são iguais, bem como as suas condições morais e pessoais não são também as mesmas para todos.

O segundo é o empírico. Neste a regra de fato é que gera a norma adequada. Neste caso, ao contrário do primeiro, não se trata de uma mera subsunção da norma diante da ocorrência do fato e sua aplicação. É no presente argumento o fato e suas circunstâncias que definem e indicam a norma. A valoração da justiça nasce a partir do caso concreto.

No contexto empírico, está-se frente a uma forma muito vaga para a ciência de definição de uma regra. A Ciência parte da experiência, com isso ela é empírica. No entanto, nasce a partir dela uma definição e uma generalização que enseja a construção de uma regra a ser seguida. Para isso, porém, a experiência deve ser analisada e ensejar a construção em virtude também de uma referência, moral normalmente, para essa idealização e ampliação.

É neste ponto que a Ciência repele o argumento empírico pela dificuldade da sua conferência de validade, legitimidade e generalidade para todos os casos semelhantes.

O terceiro ponto do discurso é o técnico. Resume-se a uma geração de um protocolo e ausência total de valor, posto que, para o técnico, não importa qualquer elemento externo ou interno além da norma.

Ele serve como parâmetro aparentemente equânime, na medida em que não faz distinção pela sua total imparcialidade. Não há o julgamento ou valoração humana do seu aplicador ou do construtor do argumento, alinhando apenas sua correção técnica e não sua legitimidade e real justiça.

É contra esse ponto que Alexy fala em correção na concretude. A técnica é necessária, mas sua adequação ao caso urge para a construção de um julgamento justo para o caso.

O quarto discurso é o da possibilidade de comunicação. Ele consiste em uma reflexão pragmática da transcendentalidade propugnada por Kant.

Nesse discurso, Alexy anota seus 4 passos: O da experiência; a análise lógica; validade da argumentação e atos da fala como diverso do comportamento.

No item da experiência, tem-se que ela não produz por si só o argumento, apesar de ser a base de sua estruturação e de incidência de uma valoração-regra.

No segundo ponto, a análise lógica do mesmo difere da empírica, posto que ela se estrutura com um regramento claro da sua validade e não somente como gerado pelos fatos como na empírica.

Na terceira fase, a validade provém de atos da fala, de sua justificação. O discurso assenta-se em base de comunicação proveniente da fala.

Por fim, no quarto elemento, tem-se que a fala, porém, não é igual ao comportamento.

Dessa forma, todos os elementos são importantes, mas devem estar juntos, sem preponderância: fatos, análise da realidade de forma lógica, fala ou sua justificação teórica, conferência com o comportamento do home social na prática.

Disso resulta que o discurso também não é só teórico.

O discurso teórico pode ter como fundamentos técnicos: hipotético, explicação, ideal, institucionalização.

Se houver um discurso somente hipotético, não haveria discussão e não respeito à realidade, reduzindo-se a uma mera subsunção; se for mera explicação, ter-se-ia o empírico sem qualquer regra, sendo qualquer justificação suficiente para sua adoção; o ideal é totalmente defasado da realidade, uma generalização total que lesa à justiça concreta e desatendendo as iniquidades normais da diversidade do homem e de seus desejos e interesses permitidos pelo próprio direito natural e fundamental; por fim uma institucionalização também não é suficiente. Com a institucionalização, assentada no Estado e na sua Soberania, a normatização pode-se transformar e reduzir o direito fundamental acima do Estado como regra dele defluente. Com isso, o direito como fundamental será desprezado em sua natureza acima de sua institucionalização. Direito fundamental é princípio e não regra institucionalizada.

Dessas postulações que não conferem ao Direito Fundamental e sua aplicação efetiva uma compatibilidade suficiente, Alexy traz uma possível fundamentação pragmática universal, assemelhado ao item 4 do discurso, como uma correção na concretude. Com isso, os direitos fundamentais, em especial, não são somente regras ou princípios teóricos enunciados quer pelo Estado e sua soberania. Eles são incitos ao homem.

A sua realização ou efetivação no plano Estatal ou bem Universal, portanto, depende de como a experiência ou base fática está para sua aplicação, de sua conveniência ou via adequada de sua lógica, de sua razão de ser. Nisso passam a uma justificação de base moral e educadora da convivência entre os homens acima dos ditames de cada Estado. Nesse proceder, as iniquidades práticas de sua teorização e aplicação seriam corrigidas e tornados válidos e legítimos no comportamento dos cidadãos. Isso ocorreria dentro da realidade então existente e não somente uma fala ideal de Direito fora da realidade e sem aceitação no real. A correção seria a concretude no Real do Direito posto Ideal.

Somente assim haverá a plenitude dos direitos fundamentais. Eles nascem na sua compreensão e no seu cumprimento dentro de nós mesmos. Eles não podem ser impostos ou meramente institucionalizados. A sua validade e legitimidade não é só externa, mas deve ser em especial interna em cada cidadão do Estado e do Mundo a quem os direitos fundamentais. Estes são elementos comuns de todos e a todos.

O Estado, assim, como um prestador de serviço público, sem a precedência da soberania sobre sua finalidade, tendo os direitos fundamentais como princípios e não como meras regras internas de cada um, chegar-se-á não somente à liberdade, igualdade, mas também à fraternidade (paz).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As palavras Fraternidade e Soberania, através de uma análise por seu acróstico, podem resumir as discussões e a diversidade no tratamento dos direitos fundamentais pelos Estados Soberanos como princípios ou regras.

Soberania: S de superioridade, o de obediência cega, b de benevolência e não direito, e de egoísmo, r de racionalidade pura, impositiva, a de anulação de interesses pessoais, n de nacionalismo exacerbado, i de imposição e com isso iniquidade, a de antagonismo com a vontade geral ou individual ante a vontade da representação e dos seus governantes.

Fraternidade: F de família, R de reconciliação, A de amor, T de tolerância, E de evolução, R de restauração, N de novação, I de indulgência, D de doçura, A de amizade e de atitude positiva em relação ao outro, D de doação e de dedicação, E de educação.

A fraternidade é, pois, um aprendizado do cidadão e não do Estado. Nós todos, como seres humanos, só seremos verdadeiramente sujeitos de direitos subjetivos fundamentais em uma convivência pacífica. Isso independe do Estado e de sua soberania, pelo que devemos ser capazes de uma harmonização. Esta, assim, não é imposta. Ela deve ser sentida como a obediência à lei comum.

É a transformação de um Estado da Lei, para um Estado de Direito, rule of law. Sem isso, a fraternidade é garantidora real e efetiva da liberdade e da igualdade. Sem ela, não há efetiva democracia ou Estado de Direito.

Mesmo que a proposição não tenha cunho evangelizador, a concepção de paz e de fraternidade filosoficamente está vinculada a uma postura moral humanitária.

Assim, encontra-se:

A paz, suprema aspiração da humanidade, não será conseguida na Terra por um decreto de anistia de governantes prepotentes e belicosos. Os antigos romanos assim se expressavam: Si vis pacem, para bellum, assim traduzido: se queres paz, prepara a guerra. Hoje sabemos que a força e a violência jamais trarão a paz. Ela só será seguida quando for plantada em nossos corações. De nossa paz individual depende a paz coletiva. Esta é um trabalho árduo, demorado, que depende de cada um de nós. Lembremos a história do passarinho que, em meio a um grande incêndio na floresta, levava em seu bico uma gotinha de água para apagar o fogo. Façamos como ele; em meio ao incêndio da violência e do desamor que invade o nosso mundo, levemos sempre nos lábios e nas atitudes um sorriso, um gesto de carinho, uma palavra de perdão, um minuto de boa vontade, uma fração de indulgência, para somar-se ao esforço de todos que querem a renovação deste planeta. Uma gota de amor por segundo pode salvar a Terra.

Há, pois, como um Estado, como serviço público, e cidadãos conscientes promoverem Fraternidade.

Neste momento de pandemia, em que todos estamos unidos em termos de conexão, mas enclausurados dentro de nossas casas e Estados, regiões, nada dependeu mais de cada um e de todos que a nossa própria cura e a sobrevivência do Estado. Isso fez com que se levantasse uma outra pergunta: Estaríamos em uma segunda Revolução Francesa?

Quando da formatação, aquisição e implementação dos dois primeiros itens da Revolução Francesa (Liberdade e Igualdade) ficamos dependentes do Estado como instituição, como soberania, a fim de que, à época, como substituto do Poder Feudal, procedesse a negativa de atuação de um cidadão contra o outro. Com isso, uma formação passiva do Estado de intervir somente quando acionado pelo Estado. Ele age como autoridade coercitiva para essa assecuração. O Estado, ainda, deveria promover um ambiente que possibilitasse uma equalização de condições para todos, cabendo a cada um o seu desenvolvimento pleno. No entanto, o Estado falhou em que isso fosse alcançado quer no plano interno, quer no plano global. As iniquidades tornaram-se cada vez mais flagrantes, sendo o Estado e seu poder um mero exemplo de correção ou de frustração do que aconteceu dentro e fora dele. Não se obteve a fraternidade. A soberania, portanto, não serviu como anteparo e sustentação do próprio Estado, ante a frustração e incompetência de sua atividade em relação ao povo a quem deveria servir.

Agora, com a pandemia, apresentou-se uma segunda revolução francesa e efetiva: liberdade e igualdade como o fim da fraternidade. A fraternidade, porém, como visto no artigo, não provém do Estado, mas sim de seu povo. A fraternidade é um valor de cada cidadão e do todo que ensejam uma efetiva liberdade e uma real igualdade. Não se conseguem esses objetivos sem uma noção e compreensão da fraternidade-civilidade. Dessa forma, o Estado é somente um instrumento como um serviço e não um fim.

Não há que se falar, portanto, de soberania para a fraternidade. Esta dispensa a soberania do Estado e a extrapola para o mundo, o todo, como a própria pandemia. Se bem compreendido, há necessidade de cooperação e adequação do Estado e dos Estados aos seus povos na busca de sua unificação de valores. Diante disso, não se poderia obter fraternidade no esquema anterior de Estado como Soberania. Somente com um Estado como prestador de serviço, a serviço e não soberano, será possível a fraternidade, proposição final e objetivo da primeira revolução francesa. Assim, aprendamos todos nós com essa pandemia que o sou também é o nós invertido; isto é, que todos dependemos de todos, pelo que não há uma soberania e sim uma prestação de serviço e uma cooperação, de união.

Devemos, como seres e operadores do Direito, olharmos para essa nova forma de Direito, de Estado, de Instituição e em especial de Soberania, posto que sem fraternidade não teremos verdadeiramente e efetivamente liberdade e igualdade.

Estamos em uma segunda revolução francesa em que persistem os mesmos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Esta, porém, depende de uma integração entre todos os estados, num irmanamento de valores e ações conjuntas para desenvolvimento e evolução das ideias de liberdade e igualdade em todo o planeta. Somente, assim, haverá fraternidade, irmandade entre os povos, independente do estado em que o cidadão esteja. Seremos cidadãos do mundo para que haja paz e harmoniza, bem como desenvolvimento de todos. Para isso, o conceito clássico de soberania outorgado inicialmente ao estado, como instituição limitada, deixa de ter uso e fronteira, ante um conceito de estado como prestador de serviço e não mais só coordenador de atividades de seus cidadãos de forma impositiva. O estado controlador cede a um estado prestador e ativo em benefício de todos os cidadãos.

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Recebido: 20 de Maio de 2020; Aceito: 25 de Janeiro de 2021

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