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Revista Internacional CONSINTER de Direito - Publicação Oficial do Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação

Print version ISSN 2183-6396On-line version ISSN 2183-9522

Revista Internacional CONSINTER de Direito  no.12 Vila Nova de Gaia June 2021  Epub June 30, 2021

https://doi.org/10.19135/revista.consinter.00012.14 

Artigos Originais

A RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES DE COMPETÊNCIA MEDIANTE AGRAVO DE INSTRUMENTO1: FUNDAMENTOS

THE APPEAL OF JURISDICTIONAL DECISIONS BY INTERLOCUTORY APPEAL ALSO KNOWN AS“AGRAVO DE INSTRUMENTO”: GROUNDS

Antônio César Bochenek2
http://orcid.org/0000-0001-6173-9368

Vinícius Dalazoana3
http://orcid.org/0000-0003-4038-8145

Matheus Schimilouski Duvoisin4
http://orcid.org/0000-0003-3030-071X


Resumo

O presente artigo é um aperfeiçoamento e ampliação das ideias iniciais a respeito da possibilidade de interposição do recurso de agravo de instrumento no Código de Processo Civil de 2015, em face da inovação e da taxatividade das suas hipóteses. Após os debates iniciais, a jurisprudência dos Tribunais avançou e definiu alguns rumos novos ao tema. Neste texto, centram-se as ideias na possibilidade ou não da interposição desde recurso nos casos de decisões sobre a competência e outras matérias que não foram abordadas pelo legislador quando da edição do Novo Código de Processo Civil brasileiro. A base da atualização proposta para o presente trabalho está centrada no fato de que, no ano de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), atribuiu novo entendimento para o recurso de agravo de instrumento, ampliando a possibilidade da interposição desse recurso, bem como propondo grandes debates acadêmicos, doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.

Palavras-Chave: Agravo de Instrumento; Rol Taxativo; Rol Mitigado; Superior Tribunal de Justiça

Abstract

This article is a refinement and expansion of the initial ideas regarding the possibility of interpose the "agravo de instrumento" in the Civil Procedure Code of 2015, in view of the innovation and taxativeness of its hypotheses. After the initial debates, the jurisprudence of the Courts advanced and defined some new directions for the topic. In this text, the ideas are centered on the possibility or not of filing this appeal in cases of decisions on jurisdiction and other matters that were not addressed by the legislator when the new Brazilian Civil Procedure Code was issued. The basis of the proposed update for the present work is centered on the fact that, in 2019, the Superior Court of Justice (STJ) attributed a new understanding to the resource under discussion, expanding the possibility of interposing it, as well as proposing great academic, doctrinal and jurisprudential debates on the topic.

Keywords: Taxative Role; Mitigated Rol; Superior Justice Tribunal

1 INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil de 2015 nada dispõe acerca do recurso cabível em face da decisão concernente ao tema da competência. A observação é relevante, tendo em vista que, no sistema processual atual, as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento foram concebidas para serem taxativamente previstas no art. 1.015 do CPC, ao menos no que respeita ao denominado processo de conhecimento.

A taxatividade, nos termos do parágrafo único do mencionado artigo, não se aplica às fases de liquidação e cumprimento de sentença, tampouco à execução de título extrajudicial e ao processo de inventário. Contudo, as questões a respeito da competência estão, na maioria das vezes, ligadas ao procedimento comum e aos juizados especiais, na primeira fase do processo judicial, com extensão às respectivas esferas recursais.

Deste modo, a regra estabelecida para o processo civil brasileiro é que as decisões em relação às quais não se possa interpor agravo de instrumento, em razão da ausência de previsão no art. 1.015 do Código de Processo Civil, são impugnáveis apenas em sede de apelação. Excepcionalmente, em caso de arbitrariedade e ilegalidade é cabível o mandado de segurança, consoante previsão constitucional como uma das garantias fundamentais.

Na nova sistemática processual, as decisões não alcançadas pelas hipóteses do artigo 1.015 do CPC estariam livres de preclusão até a prolação da sentença, podendo ser discutidas em preliminar de apelação ou contrarrazões de apelação (§1º, art. 1.009). De acordo com esse raciocínio, a primeira conclusão a que se poderia chegar é que as decisões que versem sobre competência somente poderiam ser impugnadas em sede de apelação e não de agravo de instrumento.

Todavia, a competência é o primeiro ponto a ser observado pelos advogados ou membros do Ministério Público quando da elaboração de uma petição inicial ou da peça de defesa, bem como o juiz deve apreciar de plano e em primeiro lugar se é ou não competente para processar e julgar uma demanda. Assim, a primeira análise a ser realizada pelos operadores do direito é verificar os fatos, os fundamentos jurídicos e os pedidos, e definir qual juízo é o competente para apreciar e julgar o processo5.

Logo, todos os juízes têm competência para apreciar nos processos que lhe são submetidos o tema relacionado a competência. Se entender que é competente passa a analisar os demais pontos do processo. Caso reconheça a incompetência para processar a demanda é necessária a determinação da remessa dos autos ao juízo competente (processo ordinário consoante o art. 45 do Código de Processo Civil) ou a extinção do processo sem julgamento do mérito (nos juizados especiais)6.

Desta forma, é evidente que os atos processuais praticados por um juiz que não detém competência poderão invalidar todos os atos processuais decisórios subsequentes do processo judicial (art. 64 do Código de Processo Civil). Aqui reside a relevância do estudo do tema, inclusive reconhecida pelo legislador como matéria de ordem pública, apreciável de ofício e em qualquer tempo e grau de jurisdição, quando de caráter absoluto, nos termos do art. 64, § 1º, do CPC/2015.

Ressalte-se que, nos casos de competência relativa, as eventuais normas não suscitadas no momento processual adequado não podem ser alegadas posteriormente e um juízo relativamente incompetente pode se tornar competente. Logo, o presente texto está centrado nas decisões judiciais de primeira instância que têm como fundamento as hipóteses legais de competência absoluta ou relativa recorridas por uma das partes no processo judicial. São matérias sensíveis e merecem atenção especial dos operadores do direito.

Portanto, a decisão que aborda o tema da competência será nula, com reflexos nos demais atos do processo que também serão considerados nulos, caso não revalidados pelo juiz competente, nos termos da previsão do art. 64, §4º, do CPC/20157. Assim, consoante o art. 966, inciso II, do mesmo Código, a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente. Ainda, nos juizados especiais, que não admitem ação rescisória, é possível a qualquer das partes ajuizar ação anulatória no caso de decisão proferida por juízo incompetente8.

Logo, é de suma importância que esta matéria possa efetivamente ser definida no primeiro momento processual possível, para que relações processuais não se prolonguem e impliquem perda de tempo e recursos para as partes e também para o sistema de justiça.

Percebe-se, então, que as decisões que versam sobre a competência jurisdicional ostentam caráter de urgência, sob pena de inefetividade e morosidade, tão combatidas por todos os operadores do direito e um dos vetores da tendência de um sistema judicial de boa governança e práticas9.

Em análise no campo fático e processual, não seria razoável inviabilizar a interposição de agravo de instrumento em face das decisões que tratam do tema da competência, seja pelas razões acima detalhadas, seja pela lógica processual e procedimental que deve orientar as normas, ou seja, não é a melhor técnica inviabilizar a via recursal do agravo de instrumento para sanar decisões a respeito de competência e esperar que este julgamento apenas ocorra após a interposição de apelação, muito tempo depois e com eventuais perdas e atrasos.

Neste caso, o tempo decorrido e os prejuízos podem ser enormes e não justificáveis, sem contar os desperdícios de recursos estruturais e financeiros para os envolvidos e também para os agentes e instituições do sistema de justiça. Ademais, o reconhecimento da incompetência absoluta, matéria de ordem pública, como acima referido, é passível de ação rescisória nos termos do art. 966, II, do Código de Processo Civil, em face da relevância dada pelo legislador e das respectivas repercussões no mundo jurídico.

Na doutrina, Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha defenderam e demonstraram a plausibilidade de interpretação que inclua a decisão de competência nas hipóteses de cabimento de agravo de instrumento10.

Segundo sustentaram os autores, a taxatividade do elenco estabelecido pelo art. 1.015 do CPC/2015 não seria incompatível com a interpretação extensiva de cada uma das hipóteses previstas. Consoante a explicação dos autores, a interpretação extensiva “é um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra11. Miguel Reale, ao diferenciá-la da analogia, explica que na interpretação extensiva parte-se da admissão de que a norma existe, sendo suscetível de ser aplicada ao caso concreto, “desde que estendido o seu entendimento além do que usualmente se faz. É a razão pela qual se diz que entre uma e outra há um grau a mais na amplitude do processo integrativo12.

Os autores demonstram, então, no estudo em comento, que o direito brasileiro admite em mais de um caso a interpretação extensiva de enumerações taxativas.

Primeiramente, citam o exemplo da lista de serviços tributáveis pelo Imposto sobre Serviços, positivada pela Lei Complementar nº 116, que, a despeito de ser considerada como taxativa, admite a interpretação extensiva de cada um de seus itens, a fim de abranger serviços idênticos aos expressamente previstos (entendimento firmado pelo STJ no julgamento do Resp 1.111.234/PR e expresso na Súmula 424 desse Tribunal).

Em segundo lugar, os autores mencionam as hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito no âmbito do processo penal. As hipóteses previstas no art. 581 do Código de Processo Penal são exaustivas, mas nem por isso a doutrina especializada deixa de reconhecer a possibilidade de enquadramento nesse rol de casos similares não expressamente previstos.

Em terceiro lugar, é citado o exemplo das hipóteses de cabimento da ação rescisória na vigência do CPC de 1973: o inciso VIII do art. 485 previa a ação rescisória quando houvesse “fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença”. Entretanto, a doutrina enquadrava nesse dispositivo o caso de reconhecimento da procedência do pedido, além de corrigir a referência à desistência, lendo-a como renúncia ao direito em que se funda a ação.

Ainda, no âmbito dos juizados especiais federais, a interpretação extensiva também é utilizada e referendada pelas Turmas Recursais e Tribunais. Um exemplo é a interpretação do art. 6º da Lei 10.259/01, que amplia as pessoas que podem ser partes no âmbito dos juizados especiais federais, tanto no polo passivo como no ativo. A jurisprudência está repleta de casos que incluem e permitem a atuação nos juizados de pessoas não previstas literalmente no dispositivo legal, como pessoas físicas ou jurídicas no polo passivo, ou, ainda, no polo ativo, as pessoas assemelhadas a microempresas ou empresas de pequeno porte, como os sindicatos, associações, espólios ou condomínio13.

Conforme defendido por Bochenek e Dalazoana em estudo publicado na Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR14, é razoável e possível adotar a posição de que a taxatividade do art. 1015 do Código de Processo Civil admite a interpretação extensiva. Neste sentido, encaminha-se o debate para considerar viável reconhecer que o inciso III, do art. 1015, do Código citado, ao estabelecer o cabimento de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que rejeitarem alegação de convenção de arbitragem, pode ser considerado por extensão interpretativa, por se assemelhar às decisões de competência jurisdicional.

A decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem, com efeito, é decisão que versa, na verdade, sobre competência. De fato, ao rejeitar essa alegação, o juiz está firmando a sua competência para processar e julgar o caso e exclui a possibilidade da decisão ser decida por outro árbitro. Ao acolher a convenção de arbitragem, o juiz está entendendo que o árbitro - que exerce função decisória e jurisdicional - é competente para processar e julgar aquela demanda. Inegavelmente, nos dois casos, é possível dizer que ser trata de uma decisão sobre competência num processo judicial.

A decisão que examina alegação de incompetência - a alegação de convenção de arbitragem é uma espécie dessas decisões - em regra, é interlocutória, pois não determina a extinção do processo, sendo, no máximo, os autos encaminhados ao juízo competente, caso aceita a alegação, nos termos do art. 64 do Código de Processo Civil. A exceção existe apenas nos Juizados Especiais, nos casos relacionadas à declaração de incompetência com o efeito de gerar a extinção do processo sem apreciação do mérito, nos termos do art. 51 da Lei 9.099/95 (juizados especiais estaduais), que se aplica subsidiariamente aos juizados especiais federais e juizados especiais de Fazenda Pública.

Assim, a conclusão do raciocínio esposado pelos autores citados e também pelos autores deste texto não poderia ser diferente: sendo a decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem agravável, também deveriam sê-lo as demais decisões que versem sobre competência. A alegação de convenção de arbitragem e a alegação de incompetência são situações que, pela similitude, deveriam receber tratamento jurídico similar, sob pena de tratar situações semelhantes de formas desiguais. Ambas têm como finalidade afastar o juízo não considerado competente para apreciar e julgar uma demanda consoante as normas processuais previamente estabelecidas e, consequentemente fazer valer o direito fundamental e constitucional do juiz natural.

Ademais, o princípio da igualdade, expresso no art. 7º do Código de Processo Civil, proíbe um tratamento discrepante e diferenciado entre partes em situações equivalentes no processo. Nesta linha de intelecção, também para evitar tratamentos distintos quanto às decisões a respeito da competência jurisdicional no âmbito do CPC, é plenamente viável e possível utilizar o método de interpretação extensiva para considerar que as decisões a respeito de competência são impugnáveis mediante agravo de instrumento15.

Esse raciocínio, importa sublinhar, já foi acolhido na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1º Região16:

O art. 1.015 do NCPC passou a trazer em seus incisos um rol exaustivo de decisões interlocutórias das quais caberá o agravo de instrumento, que são as seguintes: tutelas provisórias, mérito do processo, rejeição da alegação de convenção de arbitragem, incidente de desconsideração da personalidade jurídica, rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação, a exibição ou posse de documento ou coisa, exclusão de litisconsorte, rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio, admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros, concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução, redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, §1º, e outros casos expressamente referidos em lei. Além dessas hipóteses, em seu parágrafo único admitiu o uso do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. Conforme se verifica, a decisão declinatória de competência não se insere no rol taxativo do referido dispositivo. Porém, entendo como cabível o presente agravo de instrumento, valendo-me, para tanto, dos bem lançados argumentos da lavra do Exmo. Desembargador Federal Novély Vilanova nos autos do AI 44261-26.2016.4.01.0000 (...).

Este entendimento também evita, sobretudo, que um processo transcorra toda a primeira fase de conhecimento, instrução processual, produção de provas, alegações das partes, prolação de sentença e recurso de apelação, para, somente após este momento, a matéria acerca da competência ser apreciada pelo Tribunal ou Turma Recursal. Nesse caso, a consequência do julgamento do Tribunal ou Turma Recursal, reconhecida a incompetência do juízo que proferiu a decisão, é o encaminhamento do processo, após longo período de tempo, ao juízo competente, com atraso na prestação jurisdicional, quando não restarem caracterizadas outras perdas sensíveis nos direitos das partes envolvidas, para além da movimentação indevida e desnecessária de partes ou interessados no judiciário que não deveria atuar naquele processo.

Vale destacar, ainda, que a interpretação extensiva nos moldes aqui defendidos, para possibilitar a interposição de agravo de instrumento em face de decisões a respeito de competência, também preserva e assegura os princípios da efetividade da prestação da jurisdição, da celeridade e da economia processual, bem como são evitados prejuízos irreparáveis às partes, além da utilização de meios adequados, razoáveis, justos e úteis para a solução das demandas, sem contar a menor onerosidade para os envolvidos no processo e também para o sistema de justiça nas mais diversas frentes de atuação tais como o judiciário, Ministério Público, auxiliares da justiça, advocacia pública, defensoria pública e os demais atores que atuam no judiciário17.

2 ENTENDIMENTO ATUALIZADO - UM OLHAR JURISPRUDENCIAL SOBRE O ASSUNTO

A questão aportou no Superior Tribunal de Justiça, órgão judicial responsável pelo enfrentamento de temas da legislação federal e sua uniformização para o judiciário federal e estadual.

No julgamento do REsp n. 1.695.936/MG, julgado pela Segunda Turma do STJ, o Relator Ministro Herman Benjamin, em 21/11/2017, DJe 19/12/2017, entendeu, por exemplo, que é “inadequada a preclusão prematura da decisão que afasta as prejudiciais de mérito elencadas na contestação, razão pela qual, por meio de interpretação extensiva, deve-se reconhecer a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento nesses casos, ou mesmo por interpretação literal, diante do teor do art. 1.015, II, do CPC”.

Antes de analisar o recurso repetitivo julgado pelo STJ a respeito da matéria, é preciso anotar dois dispositivos do art. 1015 do CPC. Ainda que não sejam explícitos na referência ao cabimento de agravo de instrumento para o tema da competência, indiretamente é possível, de forma reflexa, nas duas hipóteses aqui analisadas, compreender o fenômeno em análise global relacionada à competência de juízo.

Os incisos VII e IX do art. 1015 do CPC são expressos e consignam, respectivamente, que cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre a exclusão de litisconsorte e a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros. Nestas duas hipóteses é possível, em algumas situações práticas, que a decisão proferida pelo juiz federal para excluir um ente federal com o litisconsorte de uma demanda implique a remessa do processo para o juízo estadual. Desta forma, ainda que a decisão seja de exclusão do litisconsorte, sua consequência será a remessa dos autos de um ramo do judiciário para outro, ou seja, o conteúdo influenciará a competência de juízo para analisar e deliberar a respeito do processo judicial.

Num segundo caso, a decisão de um juiz federal que não admitir como assistente um ente federal na lide e a decisão de juiz estadual que admitir um ente federal como interveniente no processo estão sujeitas ao recurso de agravo de instrumento. Ambas alteram a competência para análise do caso concreto.

Ou seja, ainda que, diretamente, ditas decisões não versem sobre o tema da competência, indiretamente refletem na competência de juízo e são passíveis de interposição do agravo de instrumento nos termos do Código de Processo Civil. Após análise global e sistêmica do tema, portanto, reputam-se relevantes tais situações para defender o posicionamento da importância e necessidade de que é possível interpor agravo de instrumento em face das demais decisões que tratem a respeito da competência.

O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso repetitivo (Tema 988)18, alcançou a mesma conclusão ora defendida, embora com base em fundamentos diferentes.

A Corte, na ocasião, em conformidade com a tese vencedora, pelo voto da maioria dos ministros, encampada pela Ministra Relatora, entendeu que “o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”. Ou seja, embora seja cabível a interposição do agravo de instrumento em casos não previstos expressamente no elenco estabelecido pelo art. 1.015 do Código de Processo Civil, o fundamento não consiste na interpretação extensiva das hipóteses ali listadas, mas em uma cláusula geral de urgência, ínsita a atividade jurisdicional.

Mais ainda, o STJ, em referido acórdão, refutou a tese que admite interpretação extensiva/analógica das hipóteses elencadas no art. 1.015 do CPC/2015. Lê-se da ementa, com efeito, que:

A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.

Interessante é registrar que o voto da Ministra Relatora enfrentou expressamente a tese, o estudo e o exemplo apresentado por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro Cunha, citado acima, com os argumentos de que as decisões interlocutórias que rejeitam a alegação de convenção de arbitragem são ontologicamente distintas das que versam sobre competência, pois se trata, naquelas, de discussão atinente à renúncia da jurisdição estatal, ao passo que nessas se debate aspecto relacionado à divisão interna da própria jurisdição do Estado e de suas normas de competência.

Assim, concluiu a prolatora do voto vencedor ser “mais adequado reconhecer o cabimento do agravo de instrumento sobre controvérsia acerca da competência tendo como base as normas fundamentais do próprio CPC/15, especialmente a urgência de reexame da questão sob pena de inutilidade dos atos processuais já praticados”.

É que, de acordo com a Ministra Nancy Andrighi, a taxatividade estabelecida pelo rol do art. 1.015 do CPC/2015 está em desconformidade com as normas processuais civis, na medida em que situações de urgência que surjam ao longo da instrução, não abarcáveis pelo recurso de agravo de instrumento, estariam prejudicadas por falta de análise tempestiva.

Em síntese, portanto, o ponto de chegada do STJ foi o mesmo já defendido por parte da doutrina desde 2015, vale dizer, as decisões que tratam de competência jurisdicional são passíveis de impugnação mediante agravo de instrumento. O caminho trilhado, porém, afastou-se da tese da interpretação extensiva e se amparou em uma cláusula geral de cabimento de agravo de instrumento, identificada pela urgência. Vale destacar que os fundamentos gerais acima detalhados persistem na essência dos motivos para acatar a possibilidade de interpor o agravo de instrumento nos temas de competência.

Outro ponto merecedor de destaque no acórdão em análise consiste na inexistência de preclusão caso a decisão interlocutória não seja impugnada via agravo de instrumento, mas em apelação ou contrarrazões de apelação, mesmo que, supostamente, tratasse-se de caso urgente.

De fato, após examinar as três clássicas hipóteses de preclusão no processo civil - temporal, lógica e consumativa - pontuou a Ministra Relatora:

Admitindo-se a possibilidade de impugnar decisões de natureza interlocutória não previstas no rol do art. 1.015, em caráter excepcional, tendo como requisito objetivo a urgência decorrente da inutilidade futura do julgamento diferido da apelação, evidentemente não haverá que se falar em preclusão de qualquer espécie.

Logo, proferida decisão interlocutória cujo conteúdo não está expressamente previsto no rol do art. 1.015 do CPC, a parte não tem o ônus de interpor agravo de instrumento, mesmo que a decisão proferida gere, em tese, uma situação de urgência. Além disso, mesmo que a parte interponha o agravo, se este não for conhecido, não terá havido preclusão consumativa e a matéria poderá ser novamente apreciada em grau recursal.

De rigor registrar, ademais, que a urgência permissiva da interposição do agravo de instrumento em hipóteses estranhas ao elenco previsto no art. 1.015 do CPC/2015 decorre, segundo esclarecido no voto da Ministra Relatora, da “inutilidade futura do julgamento diferido da apelação”, isso é, há urgência quando o provimento jurisdicional reclamado não pode ser retardado para a análise de eventual apelação.

Impende ressalvar, ainda, que o STJ modulou os efeitos temporais da tese fixada, para que se aplicasse apenas às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão, o que ocorreu em 19/12/2018.

Interessante destacar que, em dezembro de 2020, como corolário da interpretação fixada no recurso repetitivo em comento, o STJ entendeu não ser admissível, nem excepcionalmente, a impetração de mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias após a publicação do acórdão em que se fixou a tese referente ao tema repetitivo 988.

De fato, se a decisão interlocutória ostenta urgência que ensejaria, em tese, impetração de mandado de segurança, deve ser impugnada por agravo de instrumento e a ação constitucional, que não é sucedânea de recurso, torna-se incabível.

3 OS VOTOS QUE FORAM CONTRÁRIOS A MUDANÇA DE ENTENDIMENTO

Ainda, no julgamento do recurso repetitivo ora analisado (Recurso Especial 1.704.520) é preciso destacar argumentos dos três votos contrários, que entenderam pela vedação da interpretação extensiva ou de qualquer outra que amplie o rol taxativo das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento.

No primeiro voto divergente, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura sustentou que:

A meu ver, não há dúvida de que não se trata de rol exemplificativo. Com efeito, quando o legislador pretende apenas indicar algumas situações paradigmas, se utiliza de expressões como “entre outras”, “tais como” etc., o que, a toda evidência, não é o caso.

Também comentou que apesar de haver movimento doutrinário e conflito jurisprudencial acerca do cabimento de agravo de instrumento em situações não previstas no rol do art. 1.015 da lei processual civil, é destacado o fato de que inúmeras situações não foram abarcadas pelo legislador quando da redação do artigo em comento, e talvez tais situações tenham escapado da análise do legislador, não sendo inseridas no rol do artigo, de modo a representar uma falha que, contudo, não altera a natureza taxativa do art. 1.015.

Para sustentar seu posicionamento, a Ministra ainda faz menções as Exposições de Motivos do Código de Processo Civil, demonstrando que à época da edição da atual legislação processual, o legislador optou por inserir nas possibilidades das interposições de agravo de instrumento um rol taxativo.

Quanto à possibilidade da utilização de técnica hermenêutica de interpretação extensiva ou analógica, a Ministra deixou claro seu entendimento de que tais técnicas não são possíveis de aplicabilidade em relação à discussão posta, visto que em seu entendimento o legislador não tornou a decisão interlocutória irrecorrível, apenas postergou sua análise, em respeito ao princípio da duração razoável do processo. Em seu entendimento, admitir a possibilidade de utilização de interpretação extensiva ou analógica colocaria em risco a segurança jurídica quanto ao instituto da preclusão.

Finalizou seu voto apontando que a possibilidade de prover ao rol do art. 1.015 da lei processual civil a qualidade de taxativo gerará efeito perverso, vez que por esse entendimento firmado os advogados teriam que interpor agravo de instrumento em relação a toda e qualquer decisão interlocutória sob o pretexto de urgência a fim de impedir que se aplique ao caso concreto o fenômeno da preclusão, deixando o entendimento sobre a questão da urgência a cabo de cada tribunal decidir de acordo com sua convicção.

Na mesma linha de intelecção, o Ministro João Otávio de Noronha também votou no sentindo da tese de que somente cabe agravo de instrumento nas situações expressamente previstas no rol do art. 1.015 do CPC/2015. Concluiu, ainda, seu voto expondo que deve ser afastada possibilidade de interpretação extensiva ou analógica, visto que o uso dessas técnicas hermenêuticas não seria suficiente para abranger todas as situações que surgem no dia a dia da atividade jurídica e que ao ser ver, evidentemente, não podem ser previstas.

O Ministro Og Fernandes também se mostrou contrário à possibilidade de tratar a urgência em cada caso concreto como um eventual pressuposto de admissibilidade do agravo de instrumento. Em linhas gerais, defendeu que o poder de legislar atribuído aos representantes do povo não pode ser ignorado pelo Poder Judiciário sob o pretexto de “achar que é o melhor a ser feito”, e que: “não é papel do Poder Judiciário substituir o Poder Legislativo, escolhendo um sistema que, sob alegação de ser melhor, não seja o idealizado por quem tem a função de legislar”.

Os votos contrários e o voto condutor revelam a complexidade do direito, principalmente ao ser analisado de forma global, sistêmica e interelacional, não apenas na mensagem legislativa, mas também na riqueza teórica e prática seja das relações sociais, seja das correntes interpretativas. Por isso mesmo, cabe, em especial, às Cortes Superiores, fixadoras de interpretação de lei federal e a da Constituição, fixar balizas e apontar a direção interpretativa.

4 CONCLUSÃO

O problema enfrentado pelo STJ e explanado no presente texto cingia-se à seguinte questão: é cabível, e, em caso positivo, em quais hipóteses, o recurso de agravo de instrumento em casos não previstos no art. 1.105 do Código de Processo Civil?

É possível observar nos votos dos ministros que diversos pontos foram analisados, ainda que de forma não exaustiva, em relação a questões como a taxatividade das hipóteses legais, a segurança jurídica, a preclusão, a reserva legislativa, a interpretação extensiva, a urgência da medida e o poder geral de cautela do juiz. Todos os pontos aparecem num ou noutro momento dos votos e do debate acerca da extensão da interpretação do art. 1015 do Código de Processo Civil.

Quanto ao tema da recorribilidade das decisões interlocutórias revestidas de urgência, poderia se cogitar uma análise global de todas as hipóteses que comportariam interpretação extensiva a ser conferida pelo STJ, e não apenas nos temas de competência. Tecnicamente esta seria uma função do legislador. Todavia, é sabido que as leis não conseguem abarcar a riqueza de todas as relações sociais e o julgador acabará por enfrentar situações quando da aplicação e interpretação da lei.

Assim, para além de elencar todas as soluções possíveis, o voto condutor vencedor no julgamento em análise apresenta um caminho e um norte geral, radicados na urgência de decisão interlocutória, decorrente da inutilidade de provimento jurisdicional ofertado apenas em julgamento de apelação. Não se aderiu, assim, à tese da interpretação extensiva, que poderia alargar indevidamente a recorribilidade a outras hipóteses, prejudicando a segurança jurídica.

Em outras palavras, a tese vencedora apresenta um caráter geral de cabimento de agravo de instrumento para preservar a igualdade e a urgência, reduzindo as tensões e flexões do jogo interpretativo e apresentando uma diretriz fundamental para os intérpretes e operadores do direito, ou seja, o STJ realizou a função uniformizadora do direito federal brasileiro.

Deste modo, fixadas as diretrizes no voto condutor vencedor e a observância dos precedentes do art. 927, do Código de Processo Civil, é possível dizer que o rol taxativo do art. 1015 das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento é ampliado a partir da análise do caso concreto sempre que provada a urgência requerida pela apreciação da decisão. Ainda que o precedente não traga uma solução objetiva e final, apresenta, como dito, um norte de caráter abstrato e geral. Aqui, no tema tratado, estabelece a possibilidade de questionar mediante agravo de instrumento uma decisão judicial que enfrenta o tema da competência pelos exaustivos fundamentos apresentados principalmente na primeira metade de texto.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 31 de Agosto de 2020; Aceito: 16 de Março de 2021

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