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Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes

versão impressa ISSN 2184-0180versão On-line ISSN 1646-9054

Revista Convergências vol.13 no.26 Castelo Branco nov. 2020  Epub 30-Nov-2020

https://doi.org/10.53681/c1514225187514391s.26.36 

Case Reports

Publicidade de Rua como agente da Identidade Local: Estudo de Caso nas Cidades Japonesas de Kyoto, Osaka e Tokyo

Outdoor Advertising as an Agent of Local Identity A Case Study in the Japanese Cities of Kyoto, Osaka and Tokyo

Ana Clara Ferreira Seixosa1  2 
http://orcid.org/0000-0002-6967-5941

Maria Cadarso1  2 
http://orcid.org/0000-0002-7343-0592

1IADE, Universidade Europeia, Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação, Lisboa, Portugal

2 UNIDCOM/IADE, Unidade de Investigação em Design e Comunicação, Lisboa, Portugal


Resumo

O presente estudo demonstra uma possível solução à crescente homogeneização do conceito de “lugar”, no que concerne às marcas e à sua publicidade exterior. Na perspetiva, aqui discutida, as marcas poderiam adotar elementos idiossincráticos da cultura das cidades nas suas campanhas, como forma de se integrarem no “lugar” onde estarão disponíveis, contribuindo para uma melhoria da experiência urbana. Esta abordagem é fundamentada através de uma investigação aplicada, realizada em três cidades japonesas (Kyoto, Osaka e Tokyo), e onde foram analisados aspetos sociológicos, culturais e estéticos da sociedade japonesa. Através de um estudo de campo com base em visual research, foram constituídas amostras distintas para cada cidade, compostas por 180 objetos cada, e examinadas em três fases sequenciais: análise descritiva, análise de conteúdo e análise interpretativa. Os resultados encontrados corroboram as hipóteses levantadas relativas à existência de preferências culturais divergentes na publicidade de rua de cada uma destas três cidades.

Palavras-chave: Identidade local; Publicidade de rua; Preferências culturais; Preferências estéticas

Abstract

The present study demonstrates a possible solution to the growing homogenization of the concept of “place”, with regard to brands and their outdoor advertising. From the perspective discussed here, brands could adopt idiosyncratic elements of the culture of cities in their campaigns, as a way to integrate themselves in the “place” where they will be available, contributing to an improvement in the urban experience. This approach is substantiated through applied research, carried out in three Japanese cities (Kyoto, Osaka and Tokyo), where sociological, cultural and aesthetic aspects of Japanese society were analyzed. Through a field study based on visual research, different samples were created for each city, composed of 180 objects each, and examined in three sequential phases: descriptive analysis, content analysis and interpretative analysis. The results found corroborate the hypotheses raised regarding the existence of divergent cultural preferences in street advertising in each of these three cities.

Keyword: Local identity; Outdoor advertising; Cultural preferences; Aesthetic preferences

1. Introdução

Considerando a publicidade parte integrante do mundo urbanístico, pretende-se demonstrar que a adaptação da publicidade de rua à cultura de diferentes cidades será capaz de auxiliar a identidade local. Este objetivo passará por evidenciar a existência de diferentes padrões culturais dentro da sociedade japonesa a partir de um contexto social e histórico; expor os fatores determinantes para a adaptação da publicidade de rua às variações socioculturais de Kyoto, Osaka e Tokyo; e propor uma base para a uma compreensão aprofundada do Mercado e Cultura Japonesa, informando uma leitura ocidental, por vezes, demasiado estereotipada.

1.1 Definição do Problema

A chegada da era digital possibilitou a divulgação de uma cultura global, onde se enfatiza a mobilidade e progresso económico acima do “lugar” (McClay & McAllister, 2014). De natureza igual, a constante disputa entre as marcas ocasionou uma carência na prevalência de elementos que suportem a identidade local, onde a publicidade de rua massiva levou a uma crescente banalização e consequente rejeição da publicidade por parte dos habitantes (Mahdawi, 2015). Não obstante, a importância do lugar manifesta-se, cada vez mais, no movimento de valorização da identidade local, onde as cidades proclamam as suas diferenças e enfatizam os aspetos que as tornam únicas e que, tradicionalmente, resultam em melhores índices de turismo.

Obtemos melhor entendimento das consequências deste cenário ao interpretar a atual relação entre a publicidade de rua e a identidade da cidade de Kyoto. Desde o período de estado de guerra no Japão, período Muromachi (1336-1573), a paisagem de Kyoto era designada lugar cênico, contendo apreciações estéticas (Saito, 2002). A modernização da cidade, juntamente com a publicidade disruptiva, transformou completamente esta paisagem, e o medo de perder as suas heranças culturais no futuro próximo fez com que o governo de Kyoto estabelecesse uma série de restrições à publicidade de rua com o intuito de manter a harmonia em relação às características locais (Kyoto City, 2007a, p.39) e promover anúncios de qualidade (Kyoto City, 2007b, p.82).

Assim, esta investigação questiona a aceitação da publicidade de rua partindo da possibilidade da sua adaptação, ou pelo menos, de considerar nas suas várias linguagens a identidade local. Neste sentido, propõem-se descobrir se no universo publicitário de Kyoto, Osaka e Tokyo, pode verificar-se que a publicidade de rua apresenta preferências culturais distintas. Considerando as restrições impostas pelo governo de Kyoto à publicidade de rua, pretende-se ainda verificar se são ou não benéficas para identidade local, investigando se existe uma melhor representação da identidade da cidade de Kyoto em comparação com as outras duas cidades do estudo.

2. Revisão da literatura

O contributo aqui apresentado, é parte de uma tese de Mestrado, onde a revisão da literatura foi extensa e minuciosa. Foram aprofundadas quatro grandes áreas de análise: a sociedade japonesa e as suas variações sociológicas ao longo do tempo; as variações culturais; as variações estéticas inerentes à cultura nipónica; e por fim, a história da publicidade no japão. Para efeitos deste paper são apresentados os resultados mais relevantes para a necessária contextualização teórica.

2.1. Variações sociológicas

Quando pensamos na sociedade japonesa, estamos habituados a considerar uma socie-dade única e homogénea, constantemente repercutida pelo nihonjinhon (teorias de “japonisidade”). Os estilos de vida e valores de certos grupos com maior acesso aos meios de comunicação em massa, adquirem, portanto, um nível de visibilidade desproporcionalmente alto em relação à restante população (Sugimoto, 2010). O Japão deve ser observado como um conglomerado de diferentes províncias, divididas em blocos regionais, onde as pessoas possuem diferentes estilos de vida e mentalidades consoante a região onde residem, denominado de kenmin-sei (caráter da província) (Sugimoto, 2010).

Kyoto. Outrora a capital do país e local de residência do imperador, Kyoto é conhecida por ser uma cidade tradicional. O desenvolvimento da economia local, através do fabrico de diversos produtos de luxo, fez com que os seus habitantes se identificassem com a elegância e refinamento condizentes da corte imperial (Guth, 1998).

Osaka. Após a instauração do governo em Edo (atual Tokyo) em 1603, a cidade passou de local de resistência para o centro das atividades comerciais. Também a divulgação da arte e da cultura para além das elites, fez com que a cultura popular de Osaka fosse apreciada por todo o país. Atualmente, os habitantes mantem um estilo de vida mercantil, com foco na praticidade e informalidade (Sugimoto, 2010).

Tokyo. Originalmente a cidade era composta pela elite política do país, considerada, por isto, a derradeira capital. O encontro de diferentes classes e tradições em Edo deu origem a uma cultura ímpar (Guth, 1998). Atualmente, a população demonstra as marcas de formalidade do regime samurai (Sugimoto, 2010), de igual forma, o “estilo de Edo” descreve o estilo da atual Tokyo, onde conceitos antagónicos podem coexistir.

2.2. Variações culturais

Na cultura popular japonesa identificam-se três grandes categorias: cultura do povo, cultura alternativa, e cultura de massa. Apesar de diferentes regiões possuírem maior apreciação por uma destas categorias (Sugimoto, 2010), cada pessoa, e consequentemente cada uma das cidades retratadas, irá incorporar as três, ainda que, com diferentes graus de prevalência.

Cultura do povo. A cultura do povo é descrita como o tipo de cultura popular que é convencionada no dia-a-dia da população, tendo, por isto, grande dependência na memoria histórica das pessoas sobre as suas próprias regiões (Sugimoto, 2010).

Cultura alternativa. A cultura alternativa é caraterizada pelas formas de dissidência em massa em relação a ordem instituída (Sugimoto, 2010), refletindo o descontentamento de partes da sociedade e a vontade de rebelar-se de alguns grupos.

Cultura de massa. Orientada para o consumidor, a cultura de massa propaga-se maioritariamente através de meios de comunicação em massa, a sua proliferação dependente do seu valor no mercado (Sugimoto, 2010).

2.3. Variações estéticas

Tradicionalmente, são identificados nove princípios estéticos japoneses, sendo estes: wabi-sabi; shibui; yūgen; iki; miyabi; geidō; ensō; jo-ha-kyu; e kawaii.

Wabi-sabi. Este princípio dá valor a tudo o que é imperfeito, onde a pátina torna os objetos mais agradáveis (Koren, 2008). Assim, a impermanência dos objetos alude para uma profundidade e significado que transpõe aspetos físicos.

Shibui. Exprime uma beleza discreta, bem trabalhada, porém não demasiado cativante (Graham, 2014). Shibui mistura a elegância com o rústico, onde a simplicidade e contenção são apreciados (De Mente, 2006).

Yūgen. Pode significar “mistério” ou “subtileza”, utilizado para referir-se à beleza escondida sob a superfície ou a algo que é apenas sugerido, porém que está ausente em termos visuais (De Mente, 2006).

Iki. É composto por três momentos: bitai (coqueteria), ikiji (orgulho e honra), e akirame (resignação) (Kuki, 2008) e pode ser observado nas relações e interações entre as celebridades japonesas e os seus fãs, definidas por uma ligação afetiva, porém limitada.

Miyabi. Atente aquilo que é refinado, eliminando o vulgar para dar lugar à graciosidade e polidez de aparência e dos bons modos (Graham, 2014).

Geidō. Incorpora a disciplina e a ética nas artes tradicionais, valorizando o processo acima da obra.

Ensō. Círculo desenhado à mão, construído através de um único movimento de pincel. Trata-se de um ensinamento representativo da experiência de um artista quando alcança o “vazio absoluto”.

Jo-Ha-Kyu. Descreve um ritmo inerente ao ser humano traduzido em ações que começam devagar, ganham velocidade e acabam rapidamente. Embora constante nas artes tradicionais japonesas, o ritmo jo-ha-kyu pode ser encontrado também na cultura moderna (Oida, 1999), sendo frequente em publicidade.

Kawaii. Incorpora três características básicas: itawashii (lamentável); aisubeki (adorável); e chiisakute utsukushii (pequeno e bonito) (Sato, 2009), remetendo para todo objeto ou pessoa que retém caraterísticas e/ou comportamentos infantis, capazes de desencadear uma resposta protetora e afetiva nas pessoas.

3. Metodologia

Foi estabelecida uma metodologia de investigação com duas etapas: a primeira, de observação, onde foi reunido todo o material de estudo; e uma segunda, de confirmação, baseada no processo de visual research (Muratovski, 2016). A investigação é organizada segundo um desenho metodológico empírico de estudo de caso aplicado as cidades japonesas de Kyoto, Osaka e Tokyo. No decorrer deste processo foram identificadas três hipóteses:

H1: A publicidade de rua em Kyoto apresenta com maior frequência elementos da cultura tradicional;

H2: A publicidade de rua em Osaka apresenta com maior frequência elementos da cultura contemporânea;

H3: A publicidade de rua em Tokyo apresenta com maior frequência elementos da cultura popular absorvidos pela cultura de massa onde os elementos, mais do que valor cultural, sustêm importância no mercado.

Por meio de um método de investigação quantitativa externa, foi recolhido vasto material de estudo relativo às cidades de Kyoto, Osaka e Tokyo durante o período de outubro de 2018 a março de 2019. Uma primeira recolha de material de investigação foi realizada durante esta fase de observação de onde foram retiradas as amostras finais para cada cidade, por isto, classificadas como amostras não-probabilísticas por conveniência.

Tabela 1 Perfil das amostras 

Após a seleção das amostras, foi criada uma ficha de codificação com 13 variáveis (atributos das intervenções publicitárias) divididas em 70 subníveis (variações destes atributos) para descrever categoricamente os objetos de estudo, sendo classificados segundo o componente mais representativo de cada variável. Um segundo avaliador, cujo perfil era compatível com a especificidade desta investigação, procedeu a análise dos objetos de estudo de uma das amostras mediante a codificação criada, permitindo descobrir discrepâncias. O posterior cálculo do coeficiente de kappa apresentou excelentes resultados no nível de concordância entre avaliadores com k > .800 e p < .001 em todas as variáveis ponderadas. Refinada a codificação, deu-se a contabilização dos resultados. Os resultados desta fase confirmatória foram apresentados através das tabelas mais adequadas para o efeito, sendo todos os dados quantitativos obtidos com recurso à ferramenta SPSS. Na terceira e última fase deste estudo, deu-se a interpretação dos resultados, onde reforçaram-se os resultados quantitativos com dados qualitativos, ao interpretá-los no contexto sociocultural.

4. Resultados

4.1 Análise de Conteúdo (Resultados Quantitativos)

A realização do estudo de campo nas cidades japonesas de Kyoto, Osaka e Tokyo apresentou amostras realistas que ofereceram uma primeira visão sobre a relação entre os objetos de estudo e o cenário a sua volta. Desta forma, antes mesmo de se verificar tendências e realizar a interpretação destes objetos, a observação dos mesmos no seu cenário natural permitiu desenvolver uma noção, ainda rudimentar, sobre a sociedade e a cultura intrínseca de cada cidade através da perceção de padrões na sua publicidade de rua. A exibição e posterior análise das frequências encontradas para cada variável considerada nas amostras, permitiu reunir uma série de evidências que não só apoiaram as hipóteses levantadas como fundamentaram as respostas às questões de investigação. As Figuras 1, 2 e 3 resumem os pontos mais expressivos dos resultados quantitativos alcançados para cada amostra.

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 1 Diagrama dos resultados quantitativos para a amostra de Kyoto. 

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 2 Diagrama dos resultados quantitativos para a amostra de Osaka. 

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 3 Diagrama dos resultados quantitativos para a amostra de Tokyo. 

A análise dos dados quantitativos possibilitou, ainda, realizar comparações entre cada amostra, o que destacou a relevância de subníveis cuja importância não seria imediatamente visível de modo isolado, porém, que expressaram resultados relevantes destacados na sequente análise interpretativa.

Assim, as tendências encontradas neste estudo servem de suporte para a interpretação dos resultados dentro do contexto sociocultural de cada região, uma vez que, para além de descritas e quantificadas, a metodologia de visual research defende que as imagens e objetos da cultural visual devem ser interpretados.

4.2 Análise Interpretativa (Resultados Qualitativos)

Após concluída a análise de conteúdo, os dados quantitativos gerados foram interpretados com a ajuda do exaustivo mapeamento teórico, levado a cabo com o objetivo de formar a base necessária, para a compreensão dos resultados dentro do contexto sociocultural de cada cidade.

Adaptação da publicidade de rua à uma cultura regional. A investigação patenteou que as três amostras deste estudo possuíam maior afinidade em representar diferentes elementos da cultura japonesa nas suas intervenções publicitárias. Uma marca internacional que parece entender as diferenças regionais e utilizá-las para comunicar de forma eficaz é a fabricante de bebidas não-alcoólicas, The Coca-Cola Company, cujas garrafas da campanha Region-limited Bottles suportavam um design regional exclusivo (Figura 4). Este tipo de campanha regional evidencia as diferenças culturais dentro da sociedade japonesa e as vantagens que a adaptação, da publicidade às regiões, pode trazer quer para a propagação da identidade das cidades quer para a aceitação de uma marca no meio em que se insere.

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 4 Garrafas regionalmente exclusivas, The Coca-Cola Company Japão, 2019. 

Preferências estéticas da publicidade de rua em Kyoto. Como consequência dos resultados obtidos na variável “Paleta Dominante”, encontram-se vários momentos em que a estética shibui se manifesta na amostra. Diversas marcas realizaram adaptações semelhantes à observada para a marca McDonalds (Figura 5), reduzindo elementos visuais e trocando as suas cores habituais por homólogos mais comedidos. Em última análise, a adaptação da publicidade em Kyoto considerando as características das kyo-machiya insinua tais atributos, naturalmente associados à elegância discreta de shibui.

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 5 Reclame lateral da marca McDonalds, Kyoto (esquerda), Osaka (centro) e Tokyo (direita), 2019. 

Também encontramos vestígios da estética geidō na amostra de Kyoto, ao relacionar os resultados obtidos para os subníveis “Preto e Branco” e “Caligrafia”. No meio de comunicação “Reclame lateral” foi observada uma dominância da paleta “Preto e branco” em relação as outras paletas de cor da variável “Paleta dominante” (Figura 6), bem como um maior uso da “Caligrafia” em “Tipo de Técnica” (Figura 7). Este tipo de design parece fazer uma alusão proposital à arte caligráfica japonesa (shodō), que transporta o princípio estético geidō (Parkes & Loughnane, 2005) e que é evidente na Figura 8.

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 6 Relação entre Reclame lateral e Paleta dominante para cada cidade. 

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 7 Relação entre Reclame lateral e Tipo de técnica para cada cidade. 

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 8 Reclames laterais de estabelecimentos em Kyoto, 2019. 

No que concerne a variável “Material” esta investigação apontou uma maior frequência na utilização de matérias naturais na amostra de Kyoto (Figura 1). Associada à variável “Canal de Comunicação”, a utilização do “Cartaz” e “Reclame” como canais de comunicação mais observados, aponta para a presença da estética wabi-sabi na amostra, uma vez que acolhem o desgaste como um atributo superior. A Figura 9 ilustra um destes casos, onde a loja Okamoto Orimono Honten mantém o seu reclame de madeira original, apesar do mesmo ter perdido totalmente a legibilidade com o passar dos anos.

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 9 Okamoto Orimono Honten, Kyoto, 2019. 

Preferências estéticas da publicidade de rua em Osaka e Tokyo. No tocante a determinação de frequências que pudessem revelar preferências estéticas distintas às cidades de Osaka e Tokyo, a análise das variáveis “Paleta dominante”, “Tipo de técnica”, “Material” e “Canal de comunicação” não apontou disparidades significativas entre as amostras que pudessem ser traduzidas em divergências estéticas. Contudo, e embora apresentem divergências em “Elementos visuais”, sendo esta uma das variáveis mais dissemelhantes entre as amostras, a publicidade de Osaka e Tokyo utiliza os mesmos princípios estéticos, iki e kawaii, nos seus elementos mais característicos.

As colaborações observadas entre as marcas e a indústria anime na amostra de Osaka, visavam aliciar as pessoas por meio de fanservice, onde elementos não narrativos são desenvolvidos com o propósito de entreter e atrair os fãs (Figura 10). A exploração do vínculo emocional que as pessoas detêm com estes personagens de imagem visa colocar os fãs em um ciclo de procura por uma realização insatisfatória que garante o seu envolvimento.

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 10 Pachinko & Slot Muruhan anuncia diversas parcerias com a indústria anime, Osaka, 2019. 

Na amostra de Tokyo, o uso das celebridades em publicidade tem o mesmo propósito, onde a publicidade é veículo para que a celebridade possa alentar um “relacionamento” afetivo com os fãs (Figura 11). Aqui, as estéticas kawaii e iki são igualmente exploradas, uma vez que o personagens fictícios e celebridades ocupam o mesmo espaço conceitual (Galbraith & Karlin, 2012).

Fonte: Ana Seixosa

Fig. 11 Kanjani8 em campanha para gelado Morinaga, Tokyo, 2019. 

Posto isto, conclui-se que, esteticamente, as amostras de Osaka e de Tokyo não apresentam diferenças significativas. Apesar da distinção em “Elementos visuais” (Figuras 2 e 3), e das preferências culturais descobertas para cada cidade durante a investigação, a absorção dos mesmos, juntamente dos princípios estéticos iki e kawaii, pela publicidade e pelo capitalismo do consumo, impedem a perceção de outras tendências estéticas significativas nas amostras de Osaka e Tokyo. Não tendo as mesmas restrições com que se depara em Kyoto, o foco da publicidade de rua é colocado no que será benéfico para as marcas, não tanto para as cidades. Assim, neste cenário familiar, o objetivo é cativar a atenção do maior número de pessoas através de imeji kyarakuta (personagens de imagem), que garantem a atração do público de massa.

4.3 Discussão dos Resultados

Em resposta a pergunta inicial deste estudo sobre a capacidade da publicidade de rua em adaptar-se ao meio em que se insere, os resultados apresentados sugerem que existem preferências culturais que são expressas na publicidade de rua. Neste sentido, esta investigação oferece diretrizes de boas práticas para as marcas que pretendam entrar no mercado japonês.

Em Kyoto, as marcas poderão comunicar intensamente, deste que o façam de forma benéfica para a cidade, adaptando as suas intervenções segundo as variáveis estudadas. Parcerias com a indústria anime, bem como a conceção de mascotes próprios serão bem recebidas em Osaka, enquanto que a contratação de celebridades em campanhas publicitárias potencializará o seu sucesso em Tokyo.

Considerando a questão relativa ao impacto das restrições impostas pelo governo de Kyoto à publicidade de rua, a investigação concluí que as mesmas limitam a representação de “Elementos Visuais”, e denotam à publicidade características facilmente associadas à princípios estéticos preservados pela cultura do povo e cultura alternativa. Dado o seu passado e o desejo de se manter ligada ao mesmo, a reprodução ou a simples insinuação destes princípios estéticos na publicidade de rua de Kyoto aparenta ser mais conciliadora em relação a identidade da cidade e, neste sentido, as restrições auxiliam a sua comunicação. Nota-se, porém, uma escassez e repetição de tom da comunicação no lugar da adaptação e inovação das técnicas publicitárias que atentariam uma melhoria na experiência urbana, principalmente, nas zonas modernas da cidade onde coincidiria com a sociedade contemporânea.

A falta de restrições relativas à publicidade de rua em Osaka e Tokyo denota-lhe características de princípios estéticos absorvidos pela cultura de massa e, portanto, populares entre a sociedade contemporânea. Contudo, a identidade destas cidades poderia ser melhor representada em publicidade que, atualmente e sem as mesmas restrições, absorve cada vez mais estilos e valores universais.

4.4 Validação das Hipóteses de Investigação

Após contabilizados os dados quantitativos deste estudo, as hipóteses H1, H2 e H3 foram empiricamente apoiadas. A posterior análise interpretativa de alguns dos casos mais pertinentes contidos nas amostras, possibilitou a descoberta de outras preferências culturais refletidas na publicidade de rua que similarmente apoiaram as hipóteses dentro do contexto sociocultural de cada cidade. A junção dos resultados encontrados em cada uma destas análises validou as três hipóteses levantadas.

4.5 Limitações e Investigação Futura

Por fim, identificamos as limitações deste estudo, nomeadamente ao fato de que na sua maioria, as marcas analisadas divergiram entre as amostras, ao desequilíbrio em algumas variáveis da amostra de Kyoto, previsto deste o início devido às restrições impostas, e a escolha de análise do elemento mais característico de cada variável acima da análise do conjunto.

Em investigações futuras, pretende-se corrigir algumas destas limitações ao aprofundar a ficha de codificação criada através do registo de novos aspetos visuais e linguísticos, expandir o estudo da sociedade japonesa investigando novos contextos culturais e estéticos, e realizar uma investigação mais focalizada de uma cidade modelo com vista o fabrico e teste de protótipos experimentais.

5. Conclusões

O presente estudo, tendo por base uma investigação de campo, em três cidades japonesas, permitiu-nos comprovar que quando a publicidade incorpora características especificas, de determinada cidade, a mesma contribui para que os seus habitantes tenham uma fruição do espaço público. A investigação permitiu-nos compreender, a correlação entre as marcas e a sua publicidade, neste caso exterior, e o seu impacto nas cidades. Neste sentido, as marcas ganham ao adaptar a sua publicidade às diferentes cidades e ao contribuir para a melhoria da experiência urbana.

Este estudo subscreve a existência de divergências significativas entre cidade e regiões, sendo seu contributo o reconhecimento de uma identidade local, em publicidade de rua, numa sociedade cada vez mais globalizada. Assim, a identificação dos elementos representados na publicidade de cada cidade analisada, permitiu revelar a natureza das mesmas onde sobressai: o gosto e preservação do tradicional em Kyoto; a preferência pelo lúdico e contemporâneo em Osaka; e a tendência em divulgar elementos da cultura de massa em Tokyo. Alerta-se, porém, a importância do equilíbrio; a necessidade de adaptação da publicidade à comunidade, bem como a própria cidade, que não possui uma única apreciação cultural ou estética. Conclui-se, por fim, que restrições impostas à publicidade de rua podem ser benéficas, salvaguardando que pode existir um potencial positivo na liberdade criativa das marcas.

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Recebido: 03 de Outubro de 2020; Aceito: 04 de Novembro de 2020

Autores Correspondentes: Ana Clara Ferreira Seixosa, Av. Dom Carlos, 4 1200-649 Lisboa, Portugal, acf.seix@gmail.com

Maria Cadarso, Av. Dom Carlos, 4 1200-649 Lisboa, Portugal, maria.cadarso@universidadeeuropeia.pt

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