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Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes

versão impressa ISSN 2184-0180versão On-line ISSN 1646-9054

Revista Convergências vol.14 no.28 Castelo Branco nov. 2021  Epub 31-Nov-2021

https://doi.org/10.53681/c1514225187514391s.28.106 

Review Papers

Cor como elemento crucial da obra de arte: Técnicas e pigmentos na criação artística

Color as Crucial Element of the Artwork: Techniques and pigments in artistic creation

Ilda M. A. Monteiro Nogueira1 

1Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação, Centro de Estudos em Educação, Tecnologias e Saúde (CI&DETS), Viseu, Portugal


Resumo

O presente estudo de natureza teórica e descritiva visa sobretudo o conhecimento e a mestria na manipulação dos diversos materiais pictóricos, fundamentais para a atuação dos pintores. A partir de meados do século XX, alguns artistas procuraram explorar as potencialidades da cor no que diz respeito à materialidade, caráter concreto, e a fisicalidade do seu meio, propiciando o desenvolvimento de singularidades nas conceções de pintura e inovação nas relações cromáticas e espaciais dos objetos pictóricos. Os artistas desenvolveram trabalhos que partem de premissas diferentes: cada um pondera e formaliza as questões da materialidade cromática de maneira diferente, chegando a resultados plásticos muito distintos. O potencial significado das cores pode contribuir para expressar ideias partilhadas ou códigos convencionados, mas também ideias pessoais e idiossincráticas, particular a cada um, manifestando-se a cor como uma metáfora para a tradução e criação de novos significados, ideias, sensações ou lugares, conforme os objetivos da obra. Este estudo pretende demonstrar que a cor é um elemento fundamental da obra de arte, e pode ser utilizada nas várias fases do processo criativo não apenas em fases de comunicação, mas também no processo conceptual e formal do pensamento.

Palavras chave: Cor; pigmento; técnicas; criatividade; pictórico

Abstrat

This theoretical and descriptive study aims above all at knowledge and mastery in the manipulation of various pictorial materials, which are fundamental for the work of painters. From the mid-twentieth century, some artists sought to explore the potential of color with regard to the materiality, concrete character, and physicality of its environment, providing the development of singularities in painting conceptions and innovation in the chromatic and spatial relations of the pictorial objects. The artists developed works that start from different premises: each one ponders and formalizes the issues of chromatic materiality in a different way, reaching very different plastic results. The potential meaning of colors can contribute to expressing shared ideas or agreed codes, but also personal and idiosyncratic ideas, particular to each one, manifesting color as a metaphor for the translation and creation of new meanings, ideas, sensations or places, according to the objectives of the work. This study intends to demonstrate that color is a fundamental element of the work of art, and can be used in the various stages of the creative process, not only in communication stages, but also in the conceptual and formal process of thinking.

Kewords: Color; pigment; techniques; creativity; pictorial

1. Introdução

Consideramos que a utilização da cor potencia relações entre os sinais gráficos, marcas ou ideias, e a sua interação dentro do esquema cromático, é potencialmente significante. Quando existe atribuição de cor a qualquer elemento, marca ou sinal gráfico, esta pode influenciar o que é representado e, por consequência, interfere no processo criativo de duas formas: pela cor em si e pelas relações estabelecidas. Ao contrário da linha que constrange, limita, circunscreve e prende a forma, a cor liberta, expande, ultrapassa limites, é instável e energética. Na maior parte das vezes a cor tem um papel meramente decorativo ou de preenchimento das formas, ou então é referenciada como um elemento plástico disponível para os artistas, mas sem explicação. Remeter a cor para fases da comunicação, implica que esta fica subordinada às necessidades ilustrativas e geralmente isto parece corresponder à construção de uma imagem com semelhança naturalística que procura servir-se delas para descrever qualidades cromáticas, mas também estabelecer uma relação cordial com o observador/fruidor da obra, aproveitando o potencial das cores.

O significado de uma cor varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa, está intimamente ligado com tendências e modas, mas também aspetos pessoais e idiossincráticos de cada indivíduo. A mesma cor pode ter significados diferentes e até antagónicos entre culturas e pessoas, o que faz dela um fator instável na comunicação afastando a cor de processos que necessitam de rigor, regra e comunicação clara e métrica. Cada cor possui uma vibração sensorial no indivíduo e as suas preferências de escolha baseiam-se nas associações da sua vivência, com estímulos psicológicos, atinge a sensibilidade humana e influencia nos seres humanos, reações e sentimentos (Heller, 2013). Gérard (1970, apud. Farina, 1990, p.109) diz que a memória é a modificação do comportamento pela experiência, significa que as interpretações dos meios se dão pela acumulação de memórias experimentais e que definem o indivíduo, fazendo-o agir de maneiras específicas no decorrer da sua vida. Existem experiências envolvendo as cores que estimulam diversas ações nos seres humanos através do sistema nervoso, Lüscher (1923-2017, apud. Farina, 1990, p.107). Heller (2013) explica isso dizendo que ao associar sentimentos a cores, pode-se concluir que a cor está inserida na vida do ser humano desde muito cedo.

2. Enquadramento metodológico

Este trabalho de investigação é um estudo de revisão de literatura cujo objetivo consiste em demonstrar a relação entre o processo de criação e a cor, designadamente na identificação e argumentos teóricos que permitem aplicar a cor na ação criativa e encontrar as relações causais entre dado visual, perceção e comunicação, de modo a explicar as funções operativas da cor na imagem. Esses argumentos decorrem em parte das propriedades da cor e, também, da experiência prática documentada por autores.

Os argumentos elaborados poderão fundamentar uma prática ou modos de utilização, designadamente na versão simbólica, organizadora, expressiva, plástica ou decorativa. No contexto desta temática existem várias formas de comunicação e representatividade acerca do potencial significado da cor.

Como forma de contextualizar estes resultados foi imperativo formalizar algumas questões ao longo do desenvolvimento do trabalho tendo em conta a importância da cor nas artes plásticas.

3. Questões de partida

Qual o papel das cores na arte e os fatores culturais que se relacionam com o potencial significado da cor?

A escolha do material pictórico pode influenciar o significado da cor?

A valorização da cor pode afetar a perceção do espaço e da forma como é apresentada?

De que forma a cor pode afetar a sensibilidade humana?

4. Revisão da Literatura

4.1. Conceito de cor

O conceito de cor pode ser abordado em diversas perspetivas e sob diferentes disciplinas que introduzem distintos aspetos da multidimensionalidade da cor, como a psicologia, a fisiologia, a história, a antropologia, a teoria da cor, que podem fornecer dados para a compreensão do uso da cor na arte. Para definir cor é necessário incidir sobre aspetos fundamentais que caracterizam a organização (círculo cromático), as dimensões e a inter-relação entre cores, e simultaneamente perceber como é que acontece a perceção de cor e que aspetos estão envolvidos na experiência cromática, levando ao estudo da visão cromática e as suas funções, à perceção e aos significados que esta poderá ter na arte.

A cor é uma sensação criada no cérebro, que altera pela simples introdução de uma cor associada, com dificuldade em controlar ou prever o seu comportamento, exige experiência e conhecimento aprofundado, o que afasta a sua aplicação. Porém, é por ser tão difícil de controlar que é importante aprender a lidar com cores, aprender com a experiência e com a prática com o contacto, com a cor em todas as fases de modo a evitar surpresas.

Josef Albers propõe um curso teórico-prático para estudar e desenvolver um “olho” para a cor, com o objetivo de ampliar a observação e a articulação entre cores e as capacidades visuais e a sensibilidade para lidar com a cor e dela usufruir. Este pintor revela-nos uma compreensão da cor como um fenómeno complexo cuja perceção é perturbada constantemente pelas suas vizinhas, afetada pela qualidade, quantidade ou definição de forma, o que a torna relativa, ilusória e pessoal, contudo explica que esta se dá a conhecer pela prática e não pela teoria. “Aprendemos que a sua ordem, frequentemente bela, dá-se mais a conhecer e torna-se mais apreciável quando - depois de exercícios produtivos - olhos e mentes se encontram mais bem preparados e mais recetivos. “Esta descrição define que a experiência é o mais importante, sem ambição desmesurada de um conhecimento abrangente de muitas teorias.” (Albers, 2009 [1963], p. 88). Há também fatores relativos a uma forte tradição da arte visual desligada da cor, tomando esta um papel secundário, procurando representar aspetos formais ou métricos, para posterior aplicação a modelação a claro-escuro, e finalmente introduzindo a cor, (ver figura nº1) como elemento expressivo na produção artística, começar com a ideia abstrata, formalizar e modelar e, finalmente, utilizar as cores no trabalho idealizado.

Fig. 1 A cor como elemento expressivo na produção artística Fonte: Ilustração da autora 

4.2. Representação da cor

A Scaglione explora as possibilidades de utilização da cor na relação entre os tradicionais meios de representação e as mais recentes tecnologias de comunicação e informação que determina a cor como um ponto comum entre estes meios, reconhecendo o seu “significado poderoso na troca de ideias”. “[...] o uso da cor, não só como um acabamento liso para as obras, mas também como um poderoso sentido de troca de ideias (Scaglione, 2010, p. 426)

A propósito do desenho do Renzo Piano (1937-) explica que a cor não descreve a realidade, mas é utilizada como um meio de comunicação. A cor ajuda a compreender de modo imediato os conceitos ou ideias expressas através do seu poder narrativo. Como na arte visual não é uma simples transposição do real, ou seja, não é uma representação naturalista, o carácter abstrato da imagem concentra a atenção nos objetivos da obra destacados pelas cores verde e vermelho; neste sentido a cor pode ser um elemento que resulta das necessidades comunicativas e simultaneamente das preferências pessoais do artista. Estas considerações afastam-se da conceção de cor como algo objetivo e racional e que a valoriza como um elemento subjetivo e emocional.

4.3. Processo criativo e as cores

Galen Minah, em Colour as Idea (Minah, 2008), debruça-se diretamente sobre o tema do uso da cor no processo gráfico criativo, apresenta uma proposta de inclusão das cores e caracteriza o modo como estas podem ser exploradas nas distintas etapas do trabalho gráfico, com exemplos práticos. O seu argumento baseia-se no pressuposto de que a cor pode servir como complemento aos tradicionais elementos visuais, constituindo-se como um importante aspeto do processo criativo.

Minah não apresenta estudos ou observações sobre o uso da cor, mas propõe a sua própria estratégia metodológica. Propõe três categorias de utilização das cores que podem estabelecer linhas de exploração prática e hipóteses de análise teórica. Divide o processo gráfico em três fases: conceptual, esquemática ou de formalização e de desenvolvimento do design (Minah, 2008, p. 1). Descreve como a cor pode ser caracterizada ou classificada em cada uma destas fases: “Dinâmica de cores na fase conceitual, tectónica de cores na fase esquemática/ criação de formas e imagens coloridas na fase de desenvolvimento de design.” (Minah, 2008, p. 1), que passaram a ser traduzidas Dinâmica da cor, tectónica da cor e Imaginário da cor.

Na fase conceptual, quando se formulam conceitos e ideias sobre o problema, a cor pode ajudar a clarificar e servir como intérprete para a exploração destes conceitos, estabelecendo relações entre os elementos visuais tratados. Se houver atribuição de cor, os valores de contrastes das cores ou as suas justaposições vão representar relações de contraste ou harmonia nas várias dimensões da cor.

4.4. Interpretação da Cor

Podemos interpretar a cor, segundo as teorias linguísticas relativistas, pela variação no vocabulário das cores que está diretamente relacionada com a cultura, nomeadamente com as suas características sociais ou geográficas. O vocabulário das cores pode variar não apenas na atribuição de nomes associados (preto, branco, vermelho, verde), empregue na cultura ocidental, para construir a terminologia de classificação das cores.

A linguagem modela a forma como vemos o mundo, Benjamin Whorf (1897-1941), um linguista americano, identifica este fenómeno a que chamou relatividade linguística. Segundo esta teoria o modo como se nomeiam as cores parece ter influência nas capacidades percetivas cromáticas, não quer dizer que somos incapazes de ver cores, ou que o sistema visual cromático funciona de maneira diferente, mas que as cores são valorizadas ou qualificadas de modo particular e que se deteta na lógica de organização e valor com que se nomeiam. A linguagem Hanunóo, falada pelos Hangyans das Filipinas, classifica e nomeia as cores não com base das propriedades cromáticas (matiz) visuais, mas em função do seu interesse na vegetação, em relação ao grau de secura ou humidade, organizando as cores numa disposição entre as cores secas e as húmidas, por exemplo, o verde ao molhado e fresco e o amarelo ao morto e seco.

O vocabulário da cor parece ser limitado quando comparado à quantidade de cores que a visão cromática proporciona, levando a que nomes curiosos sejam inventados acrescentando qualidades sonoras das cores e sugerindo a experiência sinestésica que a perceção de cor pode proporcionar. Uma das dificuldades em falar ou escrever sobre cor é que não existe vocabulário, a experiência percetiva da cor ultrapassa em muito a nomeação das cores e os sistemas de classificação ou de controlo da cor. Como disse Derrida (1987), a cor ainda não foi nomeada, sublinhando a dificuldade em nomear as cores e a impossibilidade de lhes atribuir um único sentido. Esta ideia descreve o carácter ligeiro da cor, a incapacidade de captação em significados ou propriedades que as palavras lhe possam atribuir ao procurar descrevê-la, revelando precisamente o que a torna interessante, a incontrolabilidade, o carácter sedutor, e energético. A experiência com cores, tanto quando sabemos, pode ser diferente e particular para cada indivíduo, tornando-a única e complexa, quer pela positiva, quer pela negativa. Uma das mais importantes investigações realizadas sobre a linguagem das cores foi Basic Color Terms, de Brent Berlin e Paul Kay (1969), e que se baseia a estrutura básica de cores. Segundo a conclusão apresentada ficou demonstrado que o vocabulário das cores resultava de um processo evolutivo que implica uma consolidação dos nomes das cores.

4.5. Sistema visual cromático

A função principal do sistema visual humano processa luz em informação útil para o organismo, e é no olho que se inicia este processo de extração da informação.

Para ver é necessária luz, ou algum estímulo luminoso (ou físico) rececionado pela retina, que depois será transformada em perceção de cor pelo sistema visual cromático. A perceção da cor depende da interpretação do estímulo luminoso, a cor de um objeto resulta da quantidade e qualidade de luz refletida que por sua vez dá origem às qualidades físicas do objeto. A energia espectral do sinal cromático depende de dois fatores físicos, da composição espectral da fonte de luz que incide no objeto e da qualidade das superfícies do próprio objeto. Diferentes fontes de luz apresentam luz distinta quer na quantidade, quer na qualidade, a própria incidência luminosa pode afetar a perceção de cor, por isso um mesmo objeto pode ter cores distintas sob uma luz incandescente ou luz solar. Diferentes superfícies apresentam diferentes capacidades de absorção e reflexão de partes do espectro luminoso, por exemplo, a luz é refletida de superfícies opacas e transmitida em superfícies semi-opacas ou transparentes, ou até a distância a que o objeto se encontra podendo afetar a perceção de cor.

Outro aspeto que interfere na perceção de cor são as características fisiológicas e até psicológicas do observador, tendo em conta que a maioria das pessoas reage de modo idêntico ao estímulo luminoso, identificáveis por pigmentos, e que são ativados ao serem estimulados por um determinado comprimento de onda (Lichtenstein, 2004, p. 33). Assim, as igualdades e desigualdades entre a perceção de uma cor podem variar porque o cérebro é construído tanto pela informação genética como pelas experiências individuais adquiridas ao longo da vida. Aparentemente as cores são “vistas” de modo semelhante, mas a experiência cromática pessoal pode interferir na relação sensitiva, emocional ou simbólica que se tem com a cor.

A perceção de cores não depende unicamente do comprimento de onda do estímulo luminoso recebido, mas do ambiente cromático onde este estímulo se apresenta, de como é interpretado pelas células pós-recetoras e finalmente pelo funcionamento do nosso cérebro.

Esta interferência cromática na perceção das cores tem outras consequências visíveis, nomeadamente a interação da cor e o impacto do contexto visual na perceção da cor, com que os pintores lidam e que já foi empiricamente identificado e catalogado (Albers, 2009 [1963]). Para se perceber a cor, tem de existir um estímulo físico que depois é interpretado subjetivamente pelo observador, pelo que o mesmo estímulo físico pode resultar em distintas experiências cromáticas.

Esta dupla qualidade da cor, para além de ser um estímulo físico, é o resultado de um processamento subjetivo do indivíduo, um dos aspetos mais interessantes e distintivos e que torna tão complexa e rica a definição de cor.

As cores são importantes para melhorar a performance cognitiva e de fato precisamos de cor para variar os estímulos e os interesses no ambiente quotidiano, de modo a conseguir que o organismo humano funcione corretamente.

Rikard Küller, em 1976, demonstra que as pessoas tendem a evidenciar sinais de stress (como aceleração cardíaca, inquietude, resposta emocional excessiva, dificuldade de concentração, irritação, etc.) em espaços onde não há estímulos por oposição a espaços onde há muitos estímulos, nomeadamente visuais: (Color Emotion Guide) (ver figura nº 2), formas (padrões visuais) e cores.

Fonte: https://thelogocompany.net/psychology-of-color-in-logo-design/

Fig. 2 Infografia Color Emotion Guide (The Logo, s.d.) 

A visão cromática poderá ter evoluído para facilitar a comunicação de emoções (Changizi et al., 2006), e em paralelo, a comunicação tirou partido da visão cromática preexistente para enriquecer e facilitar a comunicação (Fernandez & Morris, 2007).

A cor está também associada a tarefas cognitivas de emoção-recompensa (Elliot & Maier, 2014) como associações entre as cores e a experiência ou a expectativa de algo.

A nossa relação emocional com a cor pode ser observada na arte, nomeadamente a partir do Modernismo, quando os artistas encontraram na cor um meio para expressar a sua visão e a interpretação pessoal e subjetiva da sua relação com o mundo.

Ainda que no domínio das artes, se reconheça que há necessidade e interesse no conhecimento da perceção visual podemos enquadrar estes conhecimentos no domínio científico das belas-artes porque lidar com a perceção e a visão, não podemos deixar de reconhecer que estes conteúdos são analisados sob outra perspetiva de acordo com a disciplina científica em que estão inseridos, como psicologia, fisiologia, anatomia, neurociência ou, genericamente, as ciências cognitivas. O que é curioso é observar que se considera a “perceção visual é ambígua e as artes visuais exploram essas ambiguidades” (Mamassian, 2008, p. 2152) quando estas “ambiguidades” podem ser entendidas como particularidades do funcionamento do sistema percetivo e parecem permitir identificar os limites da nossa perceção.

Em várias pinturas de Henri Matisse (ver figura nº3) as configurações de cor estão separadas por parcelas de tela não pintada, reservadas a branco, evitando a interação cromática que potencialmente produz a cor desejada sem esta ser “contaminada” pelas suas vizinhas.

Claude Monet (1840-1926), na série de pintura da Catedral de Rouen (ver figura nº4) ultrapassa a constância cromática da cor, expondo e descrevendo as qualidades de cor e luz ao longo do dia, pinta o mesmo objeto visto do mesmo ângulo, em horas diferentes, com luzes diferentes e condições atmosféricas distintas.

O quadro Impression, soleil levant é considerado uma das maiores obras do artista francês. (ver figura nº5). Na tela vemos as primeiras horas de sol da manhã no porto de Le Havre (situado na Normandia).

Fonte: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/harmonia-em-vermelho-henry-matisse/

Fig. 3 Henri Matisse, A sobremesa: Harmonia em vermelho, 1908, óleo sobre tela, 180 cm × 220 cm, Museu Hermitage, São Petersburgo 

Fonte: https://www.culturagenial.com/obras-monet/

Fig. 4 Monet, “A Catedral de Rouen", 1892-1893, Museu de Louvre, Paris 

Fonte: https://www.culturagenial.com/obras-monet/

Fig. 5 Claude Monet, “Impression - soleil levant”, 1872, óleo sobre tela, 48 × 63 cm, Museu Marmottan Monet, Paris 

A vista foi proporcionada durante uma estadia do pintor no Hotel de l’Amirauté, localizado na região. A técnica impressionista faz com que tenhamos a impressão de estarmos efetivamente diante da superfície reflexiva do mar. Ao fundo estão as sombras dos barcos, dos guindastes e das chaminés do estaleiro. O laranja brilhante do sol destaca-se no horizonte e estende-se pelo espelho do oceano.

A série Homage to the Square, de Josef Albers (1888-1976), talvez seja (ver figura nº6) um exemplo paradigmático da exploração da interação cromática na prática artística.

Fonte: https://www.guggenheim.org/artwork/173

Fig. 6 Josef Albers, Homage to the Square: Apparition, 1959, óleo sobre Masonite, 120,6 cm × 120,6 cm, Museu Solomon R. Guggenheim, New York, NY 

A necessidade de classificação das cores e sua organização em sistemas complexos tem ocupado uma grande parte da investigação à volta da cor, exatamente porque se procuram idealizar estruturas que a possam conter e classificar. A complexidade da cor, os desenvolvimentos químicos e técnicos, a variedade de iluminação, propiciam novos pigmentos e ampliam o número de cores disponíveis, inovações nos processos de produção e aplicação da cor tornam mais difíceis estes esforços de quantificação e controlo.

4.6. Valor cromático

O valor de uma cor refere-se à quantidade de claro-escuro quando comparada com uma escala de cinzentos que varia entre os máximos de branco e preto.

No desenvolvimento da linguagem das cores, segundo Berlin e Kay (1969), preto e branco serão as primeiras cores a serem nomeadas. No âmbito da Física consideram a luz ou a sua ausência, a possibilidade ou não de haver cores, sendo que o branco é a soma de todas e o preto a ausência total de cor. Na Arte o seu significado pode ser oposto porque um preto é a mistura de todas as cores, a sua importância pode ser detetada na expressão do chiaroscuro que ainda se reflete na pintura e está implicado na metodologia pictórica, como foram exemplos a pintura holandesa do século XVII, com o expoente máximo na obra de Rembrandt, ou o período negro da pintura espanhola no século XVIII.

Aparentemente o cérebro interpreta a volumetria das superfícies tridimensionais através da modelação das sombras (Ware, 2008, p. 71), através do modo como se observa a iluminação nas diferentes superfícies: se estão em luz ou em sombra, se são claras ou escuras, se esse valor tem um recorte rígido ou modelado, se essa transição é contínua ou quebrada.

Segundo Edwards (2004, p.4), os valores das cores são importantes para uma boa composição porque condicionam o modo como as formas e os espaços, as luzes e as sombras são distribuídos na obra.

O valor pode afetar também a sensação de peso, cores claras, como o amarelo, parecem mais leves do que cores escuras, como o preto. Isto significa que é possível modelar formas e espaço atendendo às cores utilizadas e que, por oposição, a escolha de uma cor pode interferir na correta perceção da forma. Alguns artistas têm vindo a explorar o modo como distintas dimensões da cor podem influenciar ou iludir a perceção, dificultando a compreensão ou interpretação de uma forma ou imagem, como são exemplo as obras de Tauba Auerbach ou Lisa Hamilton.

Num processo criativo as características do sistema percetivo visual (ver figura nº7) podem ser aproveitadas para potenciar qualidades dinâmicas e representar movimento na interação dos distintos matizes, mas também na articulação das diferentes dimensões da cor.

Fonte: http://www.anuszki ewicz.com/paintings/1960s? page=1

Fig.7 Richard Anuszkiewick, Rainbow Squared Blue, 1981 - 2018, Acrílico sobre tela, 48 x 48 pol., Cortesia da Loretta Howard Gallery, Nova York, NY 

O matiz de uma cor é imprescindível para detetar configurações, em particular quando não há diferentes valores numa cena ou imagem e são as diferenças de matiz que permitem a compreensão da superfície.

4.7 A materialidade da cor e o corpo pictórico

Aquilo que chamamos de cor na pintura - a tinta - é uma substancia obtida através da combinação de pigmentos coloridos em pó - de origem vegetal ou mineral - associados a meios fluidos - com propriedades aglutinantes e secativas - tais como a gema de ovos, alguns tipos de óleos, resinas e vernizes. A mistura entre o pigmento seco e veículo líquido resulta num composto cuja materialidade permite, não apenas que uma película colorida impermeável seja aplicada e fixada sobre um suporte, mas também contribui para afirmar e assegurar a presença física e concreta da cor, em relação à materialidade diversa do suporte e do ambiente em que se insere. As características da perceção cromática dos pigmentos secos são alteradas pela diversidade de caráter dos veículos aglutinantes, o que pode fornecer à substancia colorida diversas particularidades, visuais e sensoriais, ocasionadas por modificações na opacidade, brilho, viscosidade ou densidade, de acordo com a variação qualitativa e/ou quantitativa dos seus componentes. É importante considerar que a natureza da superfície do suporte do objeto pictórico, a porosidade, textura e regularidade, são fatores que também modificam a aparência original da cor. Tradicionalmente numa pintura, a tela (ou outra estrutura) é o campo de base que fornece o apoio e a sustentação para que o artista possa projetar uma imagem. A combinação de diversos tipos de tintas, e pigmentos - de fluidez distintas - é o que define a figura, entre o suporte e o espaço. Tal qual um objeto, as diversas camadas sobrepostas da substância pigmentada podem ser consideradas apenas pela cor, um corpo pictórico.

4.8. Temperatura e dimensionalidade da cor

A temperatura da cor é, de entre as dimensões possíveis da cor, aquela que mais rapidamente apela a outro sentido (sinestesia) na compreensão da cor, associando um dado visual uma sensação táctil, corporal e até com impacto fisiológico e cognitivo. O modo mais simples de descrever uma experiência sinestésica com a cor é a referência da sensação de temperatura que algumas cores provocam. Apesar do grau de subjetividade das cores, esta é uma das experiências sensoriais que parece potenciar concordância entre diferentes sensibilidades, porém, apesar de haver acordo em relação à temperatura entre alguns intervalos de cor, existem nuances que causam divergência pelo que não se pode designar com absoluta precisão se uma cor é quente ou fria. Segundo Itten a escala de temperatura tem vários significados.

Em The Elements of color, no original Kunst der Farbe (1961), discrimina os seguintes: quente/frio; luz/sombra; opaco/transparente; estimulante/sedativo; denso/raro, terreno/aéreo; perto/longe; pesado/leve; seco/molhado.

Como se pode observar, à dimensão de temperatura estão associadas as noções de massa e distância (perto/longe; pesado/leve), qualidades visuais que produzem efeitos pictóricos de matéria e espaço. As cores quentes tendem a parecer mais pesadas, densas e opacas e as cores frias leves, transparentes e espaçadas, como se a cor fosse de uma matéria palpável e espessa, possível de manusear com as mãos. Não é o material representado que apela a esta experiência, nem a matéria do pigmento ou do instrumento de trabalho que fica depositada no suporte. Na representação de espaço, segundo a teoria clássica das cores, a separação de planos é reforçada pela utilização de temperaturas distintas de cor, em lugares diferentes na imagem. Segundo este modelo as cores quentes são aplicadas ou utilizadas no primeiro plano e as cores frias e tendencialmente azuladas nos planos seguintes.

Cézanne foi o primeiro a utilizar a teoria clássica da cor em objetos para a conceção de volume e tridimensionalidade (ver figura nº8). “I want to do with colour what they do in black and white” (Cézanne citado em Frascina & Harrison, 1982, p.61).

Fonte: https://www.musee-orsay.fr/en/collections/works-in- focus/search/commentaire /commentaire_id/apples-and-oranges-7153.html

Fig. 8 Paul Cézanne (1839-1906), Pommes et oranges, óleo sobre tela, 74 x 93 cm, cerca 1899, Coleção do Museu d'Orsay, Paris, França 

Se pensarmos na cor, como Cézanne, é possível recorrer à dimensão de temperatura, e por associação ao matiz, na representação de volume sem necessariamente explorar o valor. Com esta estratégia gráfica é possível modelar volume e explicar distância apenas pelo recurso à temperatura, explorando a cor como uma dimensão estrutural no desenho e não apenas como uma função de preenchimento das configurações.

4.9. Luminosidade e Luminescência

A luminosidade refere-se à possibilidade de uma cor brilhar, de refletir luz dentro da cor. Para Mendini, as cores luminosas são cores auto-iluminantes que colocam uma aura à volta dos objetos (Koolhaas et al., 2001, p. 243). A qualidade da emissão de luz é a chave para perceber o significado potencial dessa cor, havendo alguma aproximação entre essa qualidade de emissão da luz e a aura ou a presença de algo sobrenatural. Cores mais claras e saturadas são mais luminosas do que as cores escuras e neutras, mas, como acontece com outras dimensões da cor, a luminosidade percetiva depende do ambiente cromático. As cores luminescentes brilham ou irradiam pelo facto de serem iluminadas por trás, como as cores nos vitrais ou luzes néon, ou porque são elas mesmas uma fonte de luz. A luminescência é energia luminosa emitida por um corpo, tal como o verde de um pirilampo ou a luminescência emitida por uma fonte de luz artificial. Durante a Idade Média as cores luminosas eram valorizadas e exploradas, jogando-se com contrastes entre azuis e verdes com dourados e amarelos, recorrendo à qualidade simbólica da cor para expressar intenções e ideias. Estas cores luminosas foram sendo substituídas pela luminosidade dos valores, como aconteceu no Renascimento, para representar formas e volumes no chiaroscuro. Na pintura de Van Gogh (ver figura nº9) a luminosidade é explorada como representação de algo eterno, como um halo de luz que rodeia as figuras, associada à simbologia de aura.

A luminosidade da cor é interpretada como algo que produz a sensação de radiação e vibração, pela luminosidade da cor e pela interação cromática.

Fonte: https://www.acamminare.com/museu-van-gogh-amsterda/

Fig. 9 Vincent Van Gogh, Autorretrato na frente da tela, 1888, Paris, óleo sobre tela, 65 x 51 cm, Rijksmuseum Vincent van Gogh, Amesterdão 

5.

5.1. Esquemas cromáticos

Os esquemas de cor podem ser inspirados em referências culturais, ou podem ajudar a reconhecer uma época, uma cultura ou até a identificar um autor.

Pablo Picasso (1881-1973) é reconhecido pelos seus períodos azul (1901-1904) e rosa (1904-1907). O esquema cromático de Piet Mondrian (1872-1944), com as cores pri-márias e preto e branco, veio caracterizar o Modernismo. O livro Pantone (Eiseman & recker, 2011) apresenta uma caracterização das décadas do século XX por esquemas de cor que pretendem descrever, a partir das paletas apresentadas, as principais influências culturais, artísticas, económicas e sociais de cada década.

Sobre a inter-relação entre cores e os seus possíveis efeitos plásticos e visuais um dos mais importantes autores é Josef Albers, reconhecido pelo seu trabalho sobre cores: leis de contraste e harmonias e a importância do contexto na perceção cromática, e pela sua metodologia didática publicada no livro A Interação da Cor de 1963. Josef Albers (2009 [1963], p. 90) apresenta possíveis organizações de relações cromáticas através da divisão do triângulo de Goethe em triângulos menores, agrupados de várias formas demonstrando acordes cromáticos expressivos como: lúcido (associado a cores quentes entre o amarelo e o vermelho), sério (associado a cores entre o vermelho e azul), poderoso (relacionado a cores entre o laranja e azul), sereno (cores entre laranja e verde, com amarelo no meio) e melancólico (cores entre o violeta e o verde com o ponto máximo no azul). Finalmente, há ainda um esquema de cor que não pode deixar de ser mencionado, o Catálogo de Cores. O comercial Catálogo de Cores veio substituir o círculo cromático (Temkin, 2008) no que toca a uma conceção dessacralizada e contemporânea das cores.

5.2. Harmonias e Contrastes das cores

Goethe descreve uma das regras fundamentais da harmonia das cores, demonstrativa da correlação entre contraste e harmonia, a procura pela cor oponente e ausente, a procura pelo equilíbrio. Esta citação de Goethe sublinha a associação entre harmonia e equilíbrio e descreve as cores ausentes e complementares, detetando já uma característica do sistema visual cromático, o processo de cores oponentes.

Contraste e harmonia estão interrelacionados, fazem parte da mesma experiência cromática, o que é considerado harmonioso é em grande medida resultado de modas, preferências pessoais e outras influências culturais, resultando mais do gosto ou da sensibilidade estética do que de regras geométricas ou receitas de composições cromáticas. Quando as cores não são complementares, por exemplo, um amarelo e um verde, vão parecer contaminadas. Chevreul relacionava o máximo contraste de cores complementares com o máximo de harmonia, em pares como o vermelho/verde, laranja/azul ou amarelo/violeta.

Ogden Rood (1831-1902), que experimentou e refletiu sobre contrastes cromáticos e cores complementares, concorda com este princípio de harmonia. Para este autor o contraste de complementares tem um efeito de prazer no olho porque as cores brilham com mais intensidade (Rood, 1879, p. 252).

Johannes Itten desenvolveu as suas ideias com base nos princípios de Chevreul e apresentou sete contrastes de cor: matiz, luminosidade, saturação, temperatura, complementar, simultaneidade e extensão.

De acordo com Itten, o contraste simultâneo pode ocorrer entre duas cores não necessariamente complementares, mas pelo facto de que qualquer cor requerer a sua complementar e o olho gerar esta perceção espontaneamente, associando este contraste ao contraste sucessivo, e convergindo com Goethe, entende que a harmonia das cores implica a regra das cores complementares

5.3. Cores ready-made

Em 2008 no MoMA a exposição Color Chart: Reinventing Color, 1950 to Today é apre-sentada como a primeira exposição exclusivamente dedicada ao tema da cor na arte, em particular na arte dos últimos 60 anos. Esta exposição abordava diretamente o conceito de cor ready-made, termo de Marcel Duchamp para os objetos produzidos em massa que são designados como obras de arte apenas pela sua seleção e algum ajuste ou reconfiguração. Cores Ready-made é utilizado como conceito para caracterizar as transformações sofridas pela cor, que ocorreram pela alteração dos processos de produção que variaram da manufatura artesanal até à produção industrial e que afetou consideravelmente a relação e o significado cultural e simbólico deste complexo fenómeno. As cores deixaram de ser produzidas no atelier pelo próprio pintor, através de processos morosos e sujos para serem compradas em latas e tubos de tintas escolhidas a partir de um catálogo de cores.

O comercial catálogo de cores não possui outra verdade do que a dos materiais necessário para a sua produção, numa lógica de classificação tão simples como a do fabricante em comunicar o seu produto a decoradores, designers, construtores, e que em tudo se afasta do universo das artes. Segundo Temkin (2008, p. 16), o catálogo de cores serve como lente para examinar as transformações radicais da arte ocidental que tiveram lugar em meados do século XX, quando as convicções relacionadas com aspetos espirituais e propriedades científicas de determinadas cores deram lugar à ideia generalizada que tomava por certo o facto de a cor ser um produto comercial.

Se olharmos para a história da pintura é lenta e progressivamente que a cor começa a afastar-se da representação ou do simbolismo, pela sua crescente autonomia como elemento pictórico, uma transformação que começou a ser visível com o Impressionismo tendo o seu auge com o Abstracionismo. Curiosamente, as inovações artísticas e pictóricas do Impressionismo são associadas ao desenvolvimento de novos pigmentos e à sua disponibilidade em portáteis tubos (Ball, 2008, p. 202).

A partir das conceções teóricas e artísticas do Impressionismo as qualidades e propriedades da cor começam a ser empregues na procura de novas qualidades expressivas, plásticas e visuais. O pontilhismo de Georges Seurat (1859-1891) baseia-se numa interpretação do fenómeno da mistura ótica das cores cuja aplicação procurava explorar esse efeito visual mais do que mostrar a cor local das coisas, como havia sido feito até à data. Por outro lado, a cor começa a ser encarada como uma linguagem com “gramática” própria cujos testemunhos são os livros de Wassily Kandinsky (1910) Do espiritual na Arte ou de Josef Albers (1963) A interação da cor, cujos conteúdos exploram a semântica da cor ou as relações, posteriormente popularizadas, como os contrastes quente-frio, claro-escuro ou complementaridade.

Nas pinturas de Piet Mondrian (1872-1944), a cor existe independentemente de qualquer associação a outro elemento presente na realidade, apesar de estar ligada à musicalidade do Jazz, para se afirmar como um elemento autónomo e independente. É através da cor que a sua pintura se forma, se estrutura e se expressa.

A procura artística pela expressão pessoal através da cor é progressivamente substituída, como explica Temkin (2008, p. 17), as teorias das harmonias cromáticas ou as relações simbólicas e expressivas da cor são rejeitadas em favor do entendimento da cor como uma questão de facto. Um exemplo significativo da relação dessacralizada e estandardizada que os artistas contemporâneos têm com a cor é a obra Colors de Gerhard Richter (1932-(ver figura nº10) cada uma com cento e oitenta cores foi numerada e atribuída a um quadrado da grelha da pintura numa operação de sorte, os números das cores eram subtraídos de uma caixa por mero acaso (Temkin, 2008, p. 91. Esta opção desvaloriza a interação cromática, e a influência das combinações de cores na perceção cromática, dessacralizando as ideias que constituíam a base de trabalho de pintores e investigadores como Josef Albers. Pintores como Ad Reinhardt (1913-1967) e Barnett Newman (1905-1970) parecem estar (ver figura nº11) em contracorrente com a conceção da cor como matéria sem carga simbólica, apontando para um percurso que valoriza e complexifica a relação e a experiência cromática. Para Newman a cor possui uma carga emotiva e simbólica expressa na paleta única e original do pintor e pela experiência pessoal e subjetiva do observador.

Como Temkin (2008, p. 19) explica, ainda que a pintura de Newman e Reinhardt (ver figura nº12) seja portadora de sentimentos e espiritualidade, parece desligada e fria quando comparada com o trabalho de outros autores expressionistas.

Fonte: https://philamuseum.org/collection/object/92487

Fig. 10 Gerhard Richter (1932- ), 180 Colors, Tinta Enamel sobre Tela, 200 cm x 200 cm, Coleção Privada 

Fonte: https://www.moma.org/audio/playlist/3/169

Fig. 11 Barnett Newman (1905-1970), Vir Heroicus Sublimis, 1950-51, óleo sobre tela, 241.2 x 541,7cm, Coleção MoMA 

Fonte: https://www.moma.org/collection/works/79265

Fig. 12 Ad Reinhardt (1913-1967), Abstract Painting, 1958, óleo sobre tela, 14 x 14 in. (35.5 x 35.5 cm.) Coleção MoMA 

A relação de cor, como algo pronto a ser transformado num ready-made, separa a cor de associações simbólicas, acessível para ser interpretada em função da marca e da sua acessibilidade, adaptando as suas necessidades, cognitiva ou comunicativa, à cor utilizada.

Conclusões

Após este trabalho, verificou-se que os potenciais significados associados à cor e à experiência pessoal, permitem entendê-la e apresentá-la, como transmissão de sentimentos e sensações à volta de uma obra e que a podem tornar num argumento persuasivo na representação da imagem. Como forma de valorização, a cor pode ser afetada em função da perceção do espaço e da forma, como um ambiente onde o artista se sinta confortável, conquistando a liberdade que este potencial criativo origina, através do uso das cores, o artista pode argumentar as suas ideias, expressar os seus desejos, estabelecendo uma estrutura invisível que se baseia nas suas representações simbólicas, onde a cor interfere com a cognição, afeta o observador/artista influenciando a sua atenção, concentração e a tarefa cognitiva.

Relativamente ao processo criativo foi notório observar a influência da cor e o modo como se processa, a introdução de fatores diferenciados e estimulantes, que podem ser aproveitados pelo observador de modo consciente ou subconsciente. Pudemos constatar que a cor funciona como um auxiliar de memória, potenciando mais um elemento visual como referência, para responder à necessidade de organização de informação ou adicionar novos níveis de informação sem perda de integridade. Tendo em conta a sua presença, conclui-se que a cor desperta memórias e permite associações com ideias ou conceitos que expressam qualidades sobre o pensamento ou a obra, afeta a nossa emoção, estimula sentimentos e ativa memórias que enriquecem a experiência visual ou a perturbam e a complexificam. O resultado da experiência está relacionado com a cultura, com a época, mas também é consequência da relação pessoal e subjetiva que cada individuo interage com as cores.

Considerando a cor potencialmente preenchida de significados, através de arquétipos culturais ou civilizacionais, que se transmitem através das cores, quer como significados construídos através das nossas experiências individuais, foi possível observar os efeitos e vantagens graças às qualidades intrínsecas da cor, pelo modo como vemos e interpretamos a informação recebida pelos nossos sentidos.

Como foi possível observar, esta investigação foi produzida com a consciência de que a cor, é uma força vital e básica do nosso ambiente e faz parte do nosso quotidiano, essencialmente no domínio das artes.

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Recebido: 20 de Junho de 2021; Aceito: 17 de Julho de 2021

Correspondent Author: Ilda Monteiro, Av. Cor. José Maria Vale de Andrade Campus Politécnico 3504 - 510 Viseu Portugal, ilda_montei@hotmail.com

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