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Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes

versão impressa ISSN 2184-0180versão On-line ISSN 1646-9054

Revista Convergências vol.14 no.28 Castelo Branco nov. 2021  Epub 31-Nov-2021

https://doi.org/10.53681/c1514225187514391s.28.83 

Review Papers

Paradigma da Desigualdade de Género na Arte Contemporânea: O processo artístico e a “suposta diferenciação”.

Paradigm of Gender Inequality in Contemporary Art: The artistic process and the “supposed differentiation”.

1Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação, Centro de Estudos em Educação, Tecnologia e Saúde (CI&DETS), Viseu, Portugal


Resumo

Esta investigação submete-se a um estudo da revisão da literatura de natureza teórica, através da qual é feita a descrição generalizada do tema. De um modo mais restrito foram analisados os pressupostos e estratégias, face à desigualdade do género, no domínio das artes que têm sido uma realidade nas sociedades ocidentais desde a sua origem. Ao longo dos séculos também tem sido um ponto de discussão e luta na sociedade, contudo foi apenas na segunda metade do século XX (durante a segunda vaga do feminismo) que a questão da discriminação das mulheres ganhou visibilidade no público, levando a mudanças profundas dos paradigmas sociais. O mundo da arte não ficou imune a essas mudanças, tendo sido profundamente afetado pelo feminismo e pela forma como este se expressou a nível de produção da teoria artística assim como o impacto que o feminismo teve no mundo da arte e na mudança da posição subalterna, que nele a mulher artista tem tido. Este estudo pretende oferecer um panorama geral e atual que permite uma reflexão sobre a discriminação da mulher artista e de que forma esta pode ser combatida.

Palavras-chave: Womanhouse; arte; artistas; galerias; exposições

Abstrat

This investigation is submitted to a study of the literature review of a theoretical nature, through which the generalized description of the theme is made. In a more restricted way, the assumptions and strategies were analyzed, in face of gender inequality, in the field of arts that have been a reality in western societies since its origin. Over the centuries it has also been a point of discussion and struggle in society, however it was only in the second half of the twentieth century (during the second wave of feminism) that the issue of discrimination against women gained visibility in the public, leading to profound changes in social paradigms. The art world was not immune to these changes, having been profoundly affected by feminism and the way it expressed itself in terms of the production of artistic theory as well as the impact that feminism had in the art world and in the change of the subordinate position, that the woman artist has had in her. This study intends to offer a general and current panorama that allows a reflection on the discrimination of the female artist and how it can be fought.

Keywords: Womanhouse; art; artists; galleries; exhibitions

1. Introdução

O mundo da arte está intrinsecamente relacionado e dependente do funcionamento da sociedade, de acordo com as condicionantes sociais. Desta forma, a divisão entre os géneros é uma realidade no mundo da arte, tal como no resto da sociedade. Esta divisão está presente desde a conceção e produção de uma obra de arte até à comercialização da mesma, passando pelas leituras e interpretações do público. Sendo a arte, e a história da arte, agentes ativos, não devemos ignorar os efeitos que estes têm sobre a sociedade e na perpetuação de desigualdades. A conexão entre significado e poder, e as diferenças sexuais e culturais concomitantes, garantiram e corroboraram as relações de dominação e subordinação em torno das quais a cultura ocidental está organizada. (Chadwick, 2015, p.12) A presença da diferença de género no mundo da arte levou a uma exclusão sistemática das mulheres, dos espaços e oportunidade de produção artística. O “feminino” não tinha lugar na vertente pública do panorama artístico e o termo era frequentemente usado como forma de desvalorização de obras de arte, caracterizando-as como “femininas” ou “efeminadas”. Chadwick (2015) apresenta um exemplo da exclusão da mulher do espaço artístico através da análise da obra, The Academicians of the Royal Academy (1771-72) de Johann Zoffany (1733 - 1810)4. Na pintura de Zoffany, estas artistas eram excluídas do lado da produção e discussão intelectual da Academia, relegando-as para uma posição de representação e contemplação. Claramente, não há lugar para as duas académicas na discussão sobre arte. (…) Seu lugar é com os baixos-relevos e moldes de gesso que são objetos de contemplação e inspiração dos artistas masculinos. (Chadwick, 2015, p.7). Salientando uma maior facilidade em integrar artistas jovens no circuito artístico, os números de artistas mulheres jovens que têm tido sucesso na carreira artística, a democratização e expansão do acesso ao ensino artístico, entre outros, afirmam que a melhoria da posição das mulheres é notória. No entanto, há que salientar que o percurso das mulheres artistas continua a ser mais desafiante do que o dos homens. O aumento da consciencialização sobre estas questões, leva a que os agentes do mundo da arte tenham em consideração a existência de desigualdades o que permite o desenvolvimento de mecanismos para lutar contra essas mesmas desigualdades.

2. Metodologia

Neste artigo, propõe-se investigar as desigualdades de género e a influência do movimento feminista na arte contemporânea. A fim de melhor contextualizar a pesquisa, são abordados aspetos das definições de género e da construção da identidade feminina e quais os pontos que foram afetados pelas ideologias feministas na produção artística. De grosso modo existem pesquisas sobre as ‘questões de género’ associadas à crítica em arte e às respostas estéticas em determinados contextos e correntes. O presente estudo foi desenvolvido com objetivo principal de desmistificar e aproximar a arte de um público mais vasto, identificando, analisando e perspetivando estratégias para o seu desenvolvimento.

3. Definição do problema

O campo semântico abrangido por este estudo está empenhado em demonstrar o paradigma face à desigualdade de género na esfera artística e o impacto que o feminismo teve no mundo da arte contemporânea ao longo dos tempos até à atualidade.

O estudo deste tema leva-nos a questionar as seguintes questões:

Mas de onde vem essa ‘suposta diferenciação’ entre homens e mulheres e entre ‘artes de primeira’ e ‘artes de segunda’? Onde reside a génese da diferenciação de género, face aos dados da história de arte e da educação artística? Existem formas de encontrar no âmbito artístico algumas diferenças e convergências entre ambos os géneros?

4. Revisão da Literatura

4.1. O Processo Artístico - a ‘suposta diferenciação’ de Géneros

Desde sempre existiram diferenças na educação artística de homens e mulheres tendo em conta que a maior parte dos estudos têm sido feitos, especialmente ao longo destas últimas décadas, e muitos há em que se enfatizam as ‘diferenças’ e/ou ‘superioridades’ de um sexo em relação a outro. Hoeptner Polling (2005) menciona, no seu estudo, a contextualização histórica das ‘questões de género’ sob várias abordagens nomeadamente no final do séc. XIX, as diferenças de tratamento na educação de homens e mulheres, e a diferenciação implícita no acesso às diferentes tipologias artísticas: Contudo, já existem alguns trabalhos sobre essa suposta ‘diferenciação’ que vão desde a habilidade em desenho estudada por Chen e Kantner (1996), à técnica por Flannery e Watson (1995), às temáticas por Tuman (1999) e Majewsky (1979) à localização e simetria nos desenhos abordada por Feinburg (1977)29 e uma série de outras abordagens empíricas. Posteriormente na década de oitenta, surgiram algumas formas de mudança pela igualdade de género e pela diversidade étnica na arte, através de um grupo anónimo de feministas, as Guerrilla Girls, artistas femininas, dedicadas à luta contra o sexismo e o racismo no mundo da arte, onde o protesto se referia à falta de respeito, à falta de diversidade étnica e à sub-representação de mulheres artistas nas exposições e coleções de museus e galerias, mascaradas de primatas. O grupo (ver figura 1) formou-se com a finalidade de comunicar a desigualdade do género e raça, dentro da comunidade artística usando a cultura jamming na forma de cartazes, livros, outdoors e aparições públicas como forma de expor a discriminação e a corrupção na esfera artística, com o objetivo de mostrar os preconceitos de género e étnicos na arte, bem como a corrupção na política, arte, cinema, cultura pop, projetos, exposições e publicações que denunciam os desequilíbrios e injustiças do mundo da arte. Um dos métodos das Guerrilla Girls para demonstrar estas injustiças foi recorrer ao sentido de humor e à ironia e apresentar estatísticas sobre as desigualdades que marcaram o mundo da arte. Um dos trabalhos mais marcantes do coletivo é o póster Do Women Have To Be Naked To Get Into the Met. Museum? (ver figura 2) como forma de exaltação e exposição da discriminação sexual e racial no mundo da arte. Outros artistas têm usado a arte como forma de salientar as desigualdades na representação de homens e mulheres na esfera artística. A participação de um número elevado de artistas no projeto Gallery Tally da artista Micol Hebron, resultou na criação de pósters onde apresentavam os rácios da presença de homens e mulheres em galerias de arte, museus, publicações e outros agentes artísticos. Cada póster contribui para a visualização das estatísticas e a representação das mulheres na arte e, em conjunto, apresentam um cenário de desigualdade, no qual os homens continuam a representar a maioria. Tendo em conta que as expressões usadas como “arte feita por mulheres”, “arte no feminino” ou “afirmação feminina” reforçavam estereótipos de género, contribuíram para uma guetização. O facto de haver cada vez mais mulheres na curadoria e na direção de museus e galerias não se traduz necessariamente numa maior representação de artistas mulheres. Também elas reproduziam, “consciente ou inconscientemente, não só o cânone masculino, mas também práticas sociais machistas - como mulheres galeristas que preferiam representar mais artistas homens por apresentarem melhores perspetivas de carreira”, como referência o novo coletivo Pipi Colonial, (ver figura 3) criado em 2016 e inspirado pela teoria feminista, que se expressa através da curadoria, da programação e da produção de pensamento crítico, para além do expositivo e do programático.

Fonte: https://revistacult.uol.com.br/home/guerrilla-girls-no-brasil-masp/

Fig. 1 Guerrilla Girls, Nova York, 1985 (George Lange/ Divulgação) 

Sendo a própria noção de sucesso “masculinizada” a noção é definida por critérios de valorização monetária das obras, exposição mediática e circulação internacional que dependem dos sistemas de validação predominantemente masculinos e de um sistema económico neoliberal, o trabalho do coletivo Pipi Colonial,”Pop quiz das Guerrilla Girls.” (ver figura 4) através de uma campanha de pósteres que tinha como alvos museus, marchands, curadores, críticos e artistas que consideravam ativamente responsáveis ou cúmplices da exclusão de mulheres e não artistas brancos de exposições e publicações convencionais.

4.2. O feminismo e a arte

O movimento feminista na arte inseriu-se na segunda vaga do feminismo, com especial relevância a partir da década de 1970. Este movimento, para além de questionar os princípios pelos quais o mundo da arte se regia, foi revolucionário para a história das mulheres e para a história da arte. As obras influentes como o livro History of Art, de Janson, publicado pela primeira vez em 1962, ou The Story of Art, de E.H. Gombrich, publicado pela primeira vez em 1950, não incluíam uma única mulher artista na história da arte (Broude, 1994, p.16). Pollock (1983 in Robinson, 2015) afirma que diferentes historiadoras de arte partiram do pressuposto que as mulheres sempre tinham estado envolvidas na produção artística, mas que os historiadores da nossa cultura tinham relutância em admiti-lo. No entanto, Chadwick (2015) salienta que muitas destas artistas, apesar de terem sido incluídas no cânone, continuam a ser postas dentro de categorias linguísticas definidas pelas noções tradicionais de génio masculino isoladas como exceções.

Griselda Pollock (2003) também reconhece a importância, argumentando que essa atitude não só altera o que é estudado e merecedor de ser investigado, como também desafia politicamente a disciplina existente. A autora salienta que a recuperação de mulheres artistas teve lugar nos termos comuns da disciplina da história da arte e rapidamente se percebeu que esse não podia ser o único caminho a seguir.

A questão "Por que não houve grandes mulheres artistas?" simplesmente não teria resposta para nada além da desvantagem das mulheres se permanecessem amarrados às categorias da história da arte, Pollock (2003). Neste comentário, refere-se à pergunta que intitula o artigo publicado por Linda Nochlin em 1971, na revista Artnews, e que ainda hoje ressoa na teoria académica feminista. No artigo de forte impacto “Por que não houve grandes artistas mulheres?”, Nochlin afirma que a resposta a esta pergunta não pode consistir apenas no histórico de artistas mulheres esquecidas em afirmar que a grandeza da arte feita por mulheres é diferente daquela feita por homens. Este tipo de respostas, afirma Nochlin, resulta apenas no reforço das implicações negativas com que a pergunta é muitas vezes feita, e se não há grandes artistas mulheres na disciplina da história da arte é porque a genialidade é inexistente para alcançar esse estatuto.

A autora afirma que o problema está no facto da produção artística ser encarada como algo individual, deixando para segundo plano fatores sociais e institucionais. Assim, o efeito do ambiente opressivo é desencorajador para qualquer pessoa de classe média e ignorado, sendo a produção artística atribuída quase unicamente ao “génio” do artista. Nochlin conclui que: (...) a arte não é uma atividade livre e autónoma de um indivíduo superdotado, “influenciado” por artistas anteriores e, de forma mais vaga e superficial, por “forças sociais”, mas sim a situação total do fazer artístico, tanto em termos do desenvolvimento do artífice e da natureza e qualidade da própria obra de arte, onde ocorre uma situação social, considerados elementos integrantes dessa estrutura social são mediados e determinados por instituições sociais específicas e definíveis, sejam elas académicas de arte, sistemas de mecenato, mitologias do criador divino, artista como ele-homem ou pária social (Nochlin, 1971 in Robinson, 2015, p.142).

Desta forma, a autora conclui que o número reduzido de artistas mulheres em relação aos artistas homens não está relacionado com motivos naturais, mas sim com as instituições e com a educação.

Segundo Nochlin, apesar das probabilidades se voltarem contra as mulheres pelo fato de conseguirem atingir a excelência em áreas do foro masculino como as ciências, a política, as artes, o movimento feminista na arte, e as questões levantadas por Nochlin continuaram a ser discutidas nas décadas seguintes, influenciando não só a produção de arte feminista, mas também o pensamento académico sobre as questões do feminismo na arte.

No entanto, não se desenvolveu de forma linear - como todas as teorias e movimentos políticos, afirma Victoria Horne (2017a), o feminismo encontra-se num estado de constante envolvimento com as transformações impelidas pelo seu desenvolvimento interno e pelas relações com o mundo, e teve um desenvolvimento diferente e desigual em diferente locais e épocas.

Na exposição Global Feminisms. New Directions in Contemporary Art, as curadoras Maura Reilly e Linda Nochlin salientaram o uso no plural de “feminismos” como forma de ressaltar a inexistência de um único feminismo, considerando a diferença como um fator positivo - não só a diferença entre homens e mulheres, mas também a diferença entre mulheres, entre as suas experiências, dificuldades e situações Nochlin, (2007). O feminismo criou uma categoria estética - a posição da experiência feminina - reduzindo o que era considerado universal na arte à sua essência: a posição da experiência masculina (Broude, 1994, p. 12). As intervenções feministas na arte, tanto a nível de produção artística como a nível de produção teórica e académica, foram fundamentais no desenvolvimento de vários dos princípios essenciais da filosofia pós-modernista.

O movimento recusou um imperativo formalista, insistiu na importância do conteúdo, contestou o absolutismo da história, favoreceu a produção coletiva, afirmou um lugar para o autobiográfico, o ofício recuperado, enfatizou o processo e a performance e, talvez mais radicalmente, refutou a ideia de que a arte é neutra, universal ou propriedade apenas dos homens. (Cottingham, 1994, p.276) Oliveira (2013) salienta que o pluralismo da arte da década de 1970 só foi possível graças à emergência das artistas feministas, que tornaram as suas experiências no feminino, assim como a rejeição do essencialismo pelo pós-modernismo, não aconteceu apenas na arte feminista, mas também na produção artística em geral.

4.3. O essencialismo e Womanhouse

As intervenções feministas na arte da década de 1970, principalmente a produção artística feminista anglo-saxónica, foram marcadas pela corrente essencialista, a partir das experiências do projeto Womanhouse, decorrente de uma experiência educacional no Cal Arts (California Institute for the Arts) que se designou de Programa de Arte Feminista (Feminist Art Program). Este termo foi usado para caracterizar a produção artística focada no uso da imagética biológica ou natural da anatomia feminina com o objetivo de encontrar uma subjetividade feminina universal (Oliveira, 2013, p.37).

Esta década, em grande parte devido ao essencialismo, ficou marcada pela procura de uma identidade feminina na arte e pela exploração da identidade e da experiência feminina pela arte através da exploração do corpo feminino. Artistas como Judy Chicago - autora de “The Dinner Party” (ver figura 5) considerado um importante ícone da arte feminista e um marco na arte do século XX, com a peça central em torno da qual o Centro Elizabeth A. Sackler para Arte Feminista foi organizado e membro central no desenvolvimento conceptual do projeto Womanhouse, duas das mais marcantes obras essencialistas - centraram a agenda feminista na perspetiva do corpo feminino, não enquanto objeto de representação, mas enquanto detentor de significado em si mesmo (Oliveira, 2013, p.39).

Fonte: https://www.brooklynmuseum.org/exhibitions/dinner_party

Fig. 5 “The Dinner Party” (1974 - 1979), Judy Chicago 

As críticas rejeitavam a noção da existência de uma “sensibilidade feminina” e “estética feminina” na arte, e uma restrição da arte feita por mulheres à anatomia feminina.

Apesar das críticas, o essencialismo dominou muita da arte feminista produzida durante a década de 70, com a noção da existência de uma categoria feminina universal, a servir como princípio criativo e fonte de inspiração artística para o movimento feminista na arte. Várias artistas viram a arte essencialista como forma de libertar as mulheres da atitude negativa sobre a anatomia feminina e sobre os seus próprios corpos (Broude, 1994, p. 23-24).

Miriam Schapiro e Judy Chicago incorporaram este sentimento de libertação na sua arte, tendo desenvolvido o projeto Womanhouse que consistiu no trabalho coletivo de várias artistas estudantes do Programa de Arte Feminista no Instituto de Artes da Califórnia em 1971, encorajadas por Judy Chicago e Miriam Schapiro a “partilhar as suas experiências e a trabalhar com formas que faziam referência específica às experiências das mulheres e dos seus corpos” (Chadwick, 2001 apud Oliveira, 2013, p.35), as artistas recuperaram uma casa, transformando-a numa instalação formada por vinte e cinco ambientes de técnicas mistas e por seis performances em 1972, fazendo referência ao quotidiano e à vivência da mulher (ver figura 6) (The Dining Room).

Fonte: http://www.womanhouse.net/works/

Fig. 6  Womanhouse: “The Dining Room”, em Womanhouse (1972) 

Por seu turno, Leah’s Room, (ver figura 7) performance de Karen Le Coq e Nancy Youdelman, apresenta uma mulher sentada no toucador, o que a leva a viajar entre a infância e a idade adulta.

Fonte: https://lisbethsalanderfap.wordpress.com/2013/02/14/feminist-art-and-womanhouse/

Fig. 7 In Leah’s Room, created by Karen LeCoq and Nancy Youdelmen 

Assim como Shoe Closet, (ver figura 8) um espaço de possível construção social da feminilidade.

Fonte: https://rebeccauffindell.wordpress.com/2018/10/31/woma

Fig. 8 Feminist Art and whomenhouse Library Archives 

Segundo Broude e Garrard, referem a agenda política das artistas da época com uma necessária transformação de ponto de vista no que diz respeito à temática da arte produzida, o que se traduzia em “transformar as nossas circunstâncias na nossa temática, usando-as para revelar a natureza da condição humana como um todo”.

É neste contexto, que na Califórnia foi criado o Los Angeles Council of Women Artists (Conselho de Mulheres Artistas da Califórnia), cuja primeira ação, no ano de 1970, resultou num protesto contra a exclusão de mulheres artistas da exposição Art and Technology (Arte e Tecnologia), realizada no Los Angeles County Museum of Art, exigindo a criação de um programa educacional para o estudo da obra de mulheres artistas (Educational Program for the Study of Women’s Art). Na sequência da ação deste conselho de mulheres artistas, a instituição museológica visada pelos protestos e pelas críticas respondeu com a realização de duas exposições: Four Los Angeles Artists (1972) e Women Artists: 1550-1950 (1976). Comissariada por Linda Nochlin e Ann Sutherland Harris, Women Artists: 1550-1950 que reuniu pinturas de um vasto conjunto de artistas europeias e norte-americanas, artistas focadas no passado tendo sido realizada em Los Angeles e circulando posteriormente em itinerância pelos E.U.A.

De facto, tal projeto concretizar-se-ia através de um conjunto de artistas e de obras centradas em diversas particularidades do corpo feminino que jamais haviam sido exploradas em termos do seu potencial artístico e estético, cujo principal objetivo era, segundo Lisa Tickner, “a descolonização do corpo feminino, resgatando-o da objetivação masculina”.

4.4. A teoria artística no feminino e o cânone artístico ocidental.

Desde o início do movimento e das intervenções feministas na arte, principalmente durante a década de 1970, que o desenvolvimento teórico teve um papel essencial, no entanto, foi principalmente a partir da década de 1980 que este se tornou mais central, com um afastamento do ativismo e do trabalho colaborativo por parte dos movimentos feministas: segundo Pollock (1996 in Macedo, 2002), enquanto a década de 1970 produziu um feminismo, através de campanhas e conferências, na década de 1980 este manifestou-se principalmente ao nível de publicações e cursos académicos.

O slogan que marcou o desenvolvimento inicial do feminismo - “O pessoal é político” - e a abordagem cultural foi questionada pelas críticas pós-estruturalistas, que propunham o uso do paradigma linguístico-filosófico originário da teoria da semiótica de Ferdinand de Saussure. Segundo Pollock, esta teoria crítica assumiu uma nova proeminência e foi desenvolvida uma nova iniciativa teórica, que reformulou as humanidades e o estudo das práticas culturais (Pollock, 1996inMacedo, 2002, p.196).

O desenvolvimento académico e teórico feminista apoiou-se em diversas teorias e linhas de pensamento, como afirma Whitney Chadwick. Segundo a autora o pós-estruturalismo, a psicanálise, a semiótica, entre outros, como bases de apoio para o desenvolvimento de modelos teóricos que questionam a noção humanista de um tema unificado, racional e autónomo têm dominado os estudos nas artes e humanidades desde o Renascimento (Chadwick, 2015, p.11). Chadwick salienta também a importância de teóricos como Michael Foucalt e Jacques Lacan para o desenvolvimento da teoria feminista.

A análise de Foucalt sobre o exercício do poder “Não por meio de coerção aberta, mas por meio do investimento em instituições e discursos específicos, e nas formas de conhecimento que eles produzem” (Chadwick, 2015, p.12) foi essencial na questão do papel das artes visuais na construção de significado, e do impacto no lugar da mulher na sociedade. Lacan, por outro lado, foi fundamental no entendimento do posicionamento da mulher na sociedade como “outro”: um lugar de ausência, onde a mulher assume o papel do objeto - a mulher “Está destinado a «ser falado» em vez de falar” (Chadwick, 2015, p.13).

Griselda Pollock (1996 in Macedo, 2002) salienta a importância de correntes como o pós-estruturalismo e a teoria crítica no reconhecimento da linguagem, dos discursos e da subjetividade como termos-chave para o reconhecimento do sujeito como produto dos sistemas sociais e simbólicos. Também a psicanálise ganhou importância na teoria feminista por ter apresentado uma teorização da feminilidade como sendo parte dos sistemas social e simbólico (Pollock, 1996 in Macedo, 2002, p.201). Uma das questões centrais para o feminismo na arte, que tem vindo a ser discutido desde a década de 1970, é a questão do cânone artístico: a forma como este é construído e reconstruído, e o impacto que este tem na perpetuação de desigualdades no mundo da arte.

Na obra Diferenciando o Cânone, Desejo Feminista e a Escrita da História da Arte, Griselda Pollock aborda a questão do cânone artístico de forma aprofundada, principalmente através da discussão e releitura de obras de grandes mestres da história da arte, como Van Gogh ou Manet, e de mulheres que têm vindo a ser incluídas no cânone, como Artemisia Gentileschi e Mary Cassat. No livro, Pollock começa por definir o conceito de “cânone” como “A espinha dorsal de legitimação retrospetiva de uma identidade cultural e política, uma narrativa de origem consolidada, conferindo autoridade aos textos selecionados para naturalizar essa função.” (Pollock, 2006, p.3). Assim, segundo a autora, é através do cânone que as instituições académicas estabelecem aquilo que consideram como sendo o melhor, o mais representativo e o mais significativo.

Neste processo, onde não só participam as instituições, mas também os artistas - que contribuem para a formação do cânone selecionando retrospetivamente os seus predecessores -, é determinado o que lemos, vemos, ouvimos e estudamos nas instituições do mundo da arte, como galerias, museus e faculdades (Pollock, 2006: 4), apesar de não ter sido sempre igual em diferentes momentos históricos, funciona como agente legitimador das práticas artísticas e, por extensão, de exclusões e desigualdades. Como salienta Oliveira (2013, p. 155), esta canonicidade está associada à noção de talento individual e de valor universal - que, como já tinha sido apontado por Linda Nochlin, apenas ao homem, não sendo acessível a mulheres ou outras minorias. É nesta linha de crítica que Pollock desenvolve esta obra, considerando o cânone como uma formação discursiva de seleção de objetos e textos de domínio masculino, contribuindo assim para a legitimação da identificação exclusivamente masculina com criatividade e cultura (Pollock, 2006, p.9).

É através destas teorias que Pollock explica a construção do cânone com base na diferença - que aqui, nas palavras de Pollock, assume como significado: [a] divisão entre “homem” e “mulheres” resultando numa hierarquia inseridos na categoria social do género feminino ou atribuídos à posição psicolinguística como femininos são valorizados negativamente em relação ao masculino ou “homens”. (Pollock, 2006, p. 29) Para Pollock, a expansão do cânone ocidental - de forma a que este inclua, o que excluiu anteriormente - e a aceitação da ideia de que a todos os artefactos culturais deve ser atribuída o mesmo valor. No entanto, não é simplesmente acrescentando mulheres ao cânone dentro dos mesmos princípios em que este funciona que a disrupção necessária ocorre. Como nos lembra Oliveira (2013), a produção de uma crítica totalizadora e dentro dos parâmetros da “Escola do Ressentimento” ou a guetização do cânone são riscos que devem ser levados em consideração.

Para Pollock (2006), deve-se reportar o ponto de vista feminista para a disciplina da história da arte, fazendo releituras produtivas e transgressivas do cânone, e do desejo que este representa, questionar as inscrições de feminilidade no trabalho de artistas que se formaram em contextos de “feminino” histórica e culturalmente específicos.

É neste contexto que Pollock apresenta estudos de caso onde desconstrói e relê diversas obras, tendo em conta as diferentes facetas de masculinidade e feminilidade impostas historicamente, e onde pretende analisar as formas como os regimes históricos de diferença sexual, teorizados por Freud, formaram a trajetória do modernismo (Pollock, 2006, p.39).

4.5. Resistências: o conservadorismo

Uma das formas assumidas pela abordagem feminista da história da arte foi precisamente a análise de casos específicos de mulheres artistas, quase sempre desconhecidas, que tende a seguir três dos modelos mais comuns de análise da história da arte: os textos monográficos, onde se aprofunda o caso de uma única artista; os livros ou capítulos de livros sobre a presença das mulheres num movimento artístico ou num período e espaço geográfico especifico; e as histórias da arte gerais, em que as mulheres artistas ocidentais são recolocadas no texto-matriz da história da arte, com a sua perspetiva cronológica de movimentos e estilos. Os obstáculos colocados às mulheres artistas prendiam-se com preconceitos não só em alguns sectores menos progressistas da crítica e da sociedade, como em algumas mulheres artistas.

Nas críticas de Mário de Oliveira (1916-) no Diário de Notícias, surgem por vezes sugestões paternalistas e discriminatórias do mesmo género das que encontramos na crítica dos anos de 1930, nomeadamente quando se refere à pintura «naïve» da espanhola Maria Pepa Estrada (1915-) com os seus «latidos sensíveis», ao lirismo, ternura, humor e amor com que pinta o mundo da infância e o mundo de mulher por si vivido, com o seu quotidiano de festas, escolas, teatro e casa (Oliveira, 1969). O crítico Alfredo Marques, do Diário Popular, também refere por vezes o mesmo tipo de abordagem dicotómica, opondo um mundo feminino e um mundo masculino, aberto às verdadeiras inquietações artísticas.

Na pintura, Maria Fernanda Amado reconhece algumas dessas inquietações, em certa contradição com a sua condição feminina, a sua constante procura de uma linguagem estética e as suas hesitações, aproximam-na, segundo o crítico, de Braque ou de Van Gogh e por isso não estranha que «a ilustre senhora, se veja envolvida por esse perturbador clima» (Marques, 1963). Desta forma, Alfredo Marques admite a entrada de Maria Fernanda Amado no mundo da arte, salvaguardando a sua honra enquanto mulher de um determinado estrato social, referindo que Wendy Benka, jovem pintora inglesa, procura resolver uma contradição fundamental entre o carácter abstrato da sua pintura e o facto de ser mulher. O crítico sente necessidade de afirmar a não incompatibilidade total dos dois termos: «Sem sair diminuída a sua sensibilidade feminina, Wendy Benka dominada pela expressão forte de uma pintura que a coloca entre os valores do abstracionismo» (Marques, 1962). A «condição feminina» das artistas, o seu papel na sociedade é também uma questão que estava representada em alguns textos da época, no entanto, é inegável que o número de mulheres artistas reconhecidas pela crítica é muito menor que o de homens, facto que levaria a maior parte delas a desistir da via da profissionalização, pretendendo encontrar o mesmo meio-termo conciliador entre o trabalho artístico e a vocação familiar, (Oliveira, 1969). Na entrevista no Século Ilustrado (8 jan. 1966), Paula Rego também não deixa de sublinhar a sua qualidade «como artista, e a vocação familiar». A ideia de que a mulher, por mais pensadora, artista ou escritora que fosse, devia acima de tudo ser «essencialmente mulher», uma ideia cara aos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa.

Ao contrário do que acontece nesta crítica conservadora, na crítica mais esclarecida dos anos de 1960, os atributos pictóricos tradicionalmente atribuídos às mulheres serão pouco valorizados ou mesmo desvalorizados, assim como na pintura, também surgiram na escultura artistas que lutaram pelos seus ideais e pela incessante procura de reconhecimento como exemplo Marie-Anne Collot, escultora do século XVIII que permaneceu por muito tempo desconhecida dos historiadores da arte. Collot desafiou os críticos, e para além disso foi uma figura surpreendentemente moderna para sua época, porque conseguiu através de seu trabalho árduo e grande tenacidade conquistar a sua independência. Camille Claudel, também reflete na sua obra, uma constante procura de equilíbrio, reconhecimento e aceitação da sociedade, ao mesmo tempo excluída por uma sociedade com padrões extremamente machistas e excludentes face à figura feminina na sua arte.

Para Fernando Pernes, um dos críticos mais respeitáveis deste período, Maria Velez já fazia parte integrante em 1964, da «primeira fila dos pintores portugueses». Felicita-a pelo carácter «feminil», «íntimo e poético» das suas colagens, assim como pela sua «alegria puríssima, lúdica e irónica» (Pernes, 1964). Porém, no final da década, Pernes distancia-se desta «feminilidade» que passa a considerar ter resvalado num «certo feminismo transparente, suscetível de se abrir em melancólicas nostalgias de tempo evocado e perdido» e de se ter minimizado «num decorativismo artificioso» (Pernes, 1969).

A grande diferença que encontramos agora, é que a apreciação das obras feitas por mulheres não atendendo a critérios específicos (a afirmação da tal feminilidade), mas sim a critérios mais universais, reflete uma muito maior equidade de género.

4.6. Mulheres artistas na idade da afirmação

A partir dos anos 60 assistimos à transição do «paradigma natural» para um importante e renovado paradigma na valorização das obras de arte deste período com capacidade inventiva e conceptual do artista através do carácter experimental do seu trabalho, para além das questões culturais e da função comunicativa e social das obras. Neste contexto, às mulheres artistas é dada uma oportunidade de se libertarem de uma série de estereótipos ligados a uma forma tradicional feminina de olhar o mundo, manifestando a sua capacidade crítica e conceptual.

Para Francisco Bronze (1932-), outro dos críticos mais interessantes da época, os Cómicos nos quais Paula Rego se inspirava vinham abalar os conceitos burgueses. O «universo monstruoso», a «raiva», o «terror», a «força» e a «truculência» da sua pintura eram únicos na nossa arte. Em entrevista posterior a John McEwen, Paula Rego recordará a satisfação que lhe deu o sucesso da sua primeira exposição em Lisboa e o orgulho que o pai sentiu dela. «Tive sempre a ansiedade de provar que não era inferior a um rapaz. A família tinha desejado um rapaz» (McEwen, 1988).

O facto de ser mulher suscitou nela um sentido da injustiça e uma atitude crítica relativamente ao exercício do poder. Num país com um regime autoritário e onde o papel das mulheres se circunscreveria à procriação e à gestão da casa, Paula Rego ressentiu-se do tipo de educação que lhe foi dado. «Fui reprimida pela minha mãe», afirma (Rosengarten, 2004). Decidiu pintar como forma de combater a injustiça (Rego, 1997). A sátira servir-lhe-á como forma de se vingar do ambiente opressivo e claustrofóbico que se vivia em Portugal e em relação ao qual a pintora pudera criar distância a partir da sua estadia em Londres. «Salazar a vomitar a Pátria» (1960) ou «Sempre às ordens de Sua Excelência» (1961) podem ser lidas como obras políticas, mas também como obras de cunho pessoal no sentido de um repúdio do autoritarismo em geral. É o próprio marido da artista, Victor Willing, que nos dá conta da «exasperação» que a pintora sente face aos grandes gestos masculinos e à «vangloriação do macho» (Willing, 1997). Apesar de o casal Willing/Rego ter mantido uma relação de entreajuda (Paula Rego não poupa elogios ao marido, pintor e crítico, e ao apoio profissional que este sempre lhe deu) é de referir uma certa rivalidade entre ambos. É o próprio filho do casal, Nick Willing, que levanta a questão: «O Pai era sempre considerado como um importante pintor. A Mãe era vítima de discriminação. Quando íamos a aberturas de exposições perguntavam sempre à Mãe se ela ainda estava a retocar aquela pintura. Há muito chauvinismo no mundo artístico» (McEwen, 1997). Não sabemos se baseado em afirmações reais da pintora, Marco Livingstone considera que a morte de Victor Willing em 1988, após doença prolongada, libertou Paula Rego da «responsabilidade de olhar por ele como a libertou para florescer enquanto artista sem medo de competir com o seu amado companheiro ou de o eclipsar» (Livingstone, 2004). Em oposição à graciosidade e delicadeza femininas, Aldina Costa (1939-) cria as «suas maquinarias feias, gritantes de nojo» (Bronze, 1967b). Em oposição ao lirismo ingénuo, Ana Vieira (1940-) comenta ironicamente «o mundo frívolo da mulher, com colagens de trapo» (Bronze, 1966).

Em oposição ao sentimentalismo, Maria Beatriz (1940-) trabalha a gravura com «decisão forte, humoral, satírica e contundente» (Sousa, 1969), afirmando uma «insólita agressividade» e elaborando com «particular sentido da ironia personagens grotescas» (Maggio, 1965). Ana Hatherly dá-se a conhecer na poesia, na teoria e no desenho sendo considerada o protótipo da artista de vanguarda, consciente dos seus processos criativos.

A sua índole reflexiva e lúcida, pouco usual no meio artístico português, permite-lhe alcançar grande notoriedade. Para Helena Almeida, Lourdes Castro ou Ana Hatherly o abandono do carácter confessional e autobiográfico da arte prende-se com a afirmação mais ou menos consciente de uma impessoalidade fundamental, decorrente do cunho conceptual e do aprofundamento da linguagem artística nas suas obras. Em Paula Rego a recusa do sujeito romântico, nada parece ter a ver com a natureza conceptual da arte, mas apenas com a utilização de imagens do real quotidiano (muitas vezes o quotidiano das mulheres) e com o carácter lúdico do seu trabalho.

A inclusão dos artistas mais velhos nos dados leiloeiros, em que a presença de artistas como Paula Rego fazem aumentar consideravelmente a receita das mulheres, mesmo havendo menos artistas mulheres algo que não se verifica nas leiloeiras internacionais. No entanto, como foi apontado por Linda Nochlin ou Griselda Pollock, a inclusão de mulheres token nas narrativas da história da arte - e por extensão, nos circuitos do mundo da arte - não consiste numa verdadeira solução para o problema. Da mesma forma, a inclusão de artistas mulheres token em coleções, exposições e outros circuitos, apesar de contribuir para a projeção das artistas, não deve ser feita de forma inconsciente e apenas por motivos de cariz estatístico.

Conclusão

Este estudo revela a realidade do mundo da arte que tem dominado as discussões sobre a presença da mulher na esfera artística. O aparecimento de novos conceitos de “arte”, de novas ideias, quem são os artistas e de que forma podemos e devemos olhar para a arte, criaram um novo paradigma no domínio artístico. As artistas que conseguiram ter sucesso, especialmente até ao início do século XX, tinham como fator comum uma forte ligação a figuras masculinas fortes no panorama artístico da época - Artemisia Gentileschi e Josefa de Óbidos, filhas de pais artistas, que impulsionaram as suas carreiras artísticas; Mary Cassat e Berthe Morisot eram muito próximas de figuras proeminentes do movimento impressionista em Paris, como Degas e Manet. As condicionantes a que as mulheres artistas foram sujeitas, bem como a forma como as narrativas que selecionam os artistas e as obras de arte que integram o cânone têm contribuído para a perpetuação de desigualdades. Foi possível concluir que os homens têm sido amplamente favorecidos no mundo da arte, e que as mulheres têm sido relegadas para um papel secundário. Nesta sequência, o feminismo despertou a atenção para estas discriminações, e nas últimas décadas tem-se assistido a um aumento da consciencialização das instituições e dos agentes do mundo da arte sobre os diferentes tipos de desigualdades existentes. O aumento da consciencialização sobre estas questões, leva a que os agentes do mundo da arte tenham em consideração a existência de desigualdades, permitindo o desenvolvimento de mecanismos para lutar contra essas mesmas desigualdades. Isto tem resultado num esforço de inclusão de artistas nestes circuitos- nos quais até recentemente seriam ignoradas, contudo a resolução deste problema é complexa e difícil, pois só será alcançada com uma verdadeira mudança de mentalidades e paradigmas sociais. Nestas abordagens existem formas de encontrar algumas diferenças e convergências entre ambos os géneros, que seriam certamente pertinentes em estudos mais aprofundados da matéria.

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Recebido: 29 de Março de 2021; Aceito: 27 de Junho de 2021

Correspondent Author: Ilda Monteiro, Av. Cor. José Maria Vale de Andrade Campus Politécnico 3504 - 510 Viseu Portugal, ilda_montei@hotmail.com

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