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Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes

versão impressa ISSN 2184-0180versão On-line ISSN 1646-9054

Revista Convergências vol.15 no.29 Castelo Branco maio 2022  Epub 31-Maio-2022

https://doi.org/10.53681/c1514225187514391s.29.120 

Case Reports

Processo de Design e Trabalho Remoto: a importância da imersão no problema para entender o direito à desconexão

Design Process and Remote Work: the importance of Problem Immersion to understand the right to disconnect

Viviane Florentino1  , Investigadora/Redatora
http://orcid.org/0000-0003-2869-5775

Ana Luisa Sousa1  , Investigadora/Redatora
http://orcid.org/0000-0001-5704-7385

Maria Consuelo Assis1  , Investigadora/Redatora
http://orcid.org/0000-0002-5790-7311

Suzana Ferreira1  , Investigadora/Redatora
http://orcid.org/0000-0001-8439-4251

André Santos1  , Investigador/Redator
http://orcid.org/0000-0001-6253-7485

Camille Caminha1  , Supervisora/Designer
http://orcid.org/0000-0001-6361-055X

1 C.E.S.A.R - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, Cesar School, Mestrado Profissional em Design, Recife, Brasil.


Resumo

O trabalho remoto tornou-se um modo de trabalho impositivo para alguns profissionais, após o início da pandemia da COVID-19 em 2020, nas organizações sem a devida cultura de home office. Este cenário propiciou o desenvolvimento deste artigo, que tem como objetivo apresentar a importância da imersão no problema dentro do processo de design, utilizando como objeto a problemática do colaborador super conectado e o seu direito à desconexão. Para isso, foi realizado estudo de caso de natureza exploratória, utilizando técnicas qualitativas de design para exploração dos problemas relacionados ao trabalho remoto. Os resultados permitiram observar como imergir em dados reais auxilia no correto entendimento do problema, gerando insights relevantes para as demais fases do processo de design.

Palavras-chave: Processo de Design; Imersão no Problema; Trabalho Remoto

Abstract

After the start of COVID19 pandemic in 2020, remote work has become an imposing working mode for some workers in organizations whose home office culture had not yet been adopted. This scenario led to the development of this article, which aims to present the importance of immersion in the problem within the design process, using as an object the problem of the super connected employee and his right to disconnect. For this, we did an exploratory case study, using qualitative design techniques to explore problems regarding Remote Working. The results allowed us to observe how deep dive in real data helped us to understand the problem in depth, and how the understanding, definition and validation of the problem helped in insights generation.

Keywords: Design Process; Immersion in the Problem; Remote Work

1. Introdução

Com a irrupção da pandemia do Covid-19, o home office tornou-se compulsório por conta do isolamento social, obrigando as pessoas a se adaptarem a esta modalidade de trabalho, que invadiu as suas casas. Elas precisaram aprender a conciliar suas tarefas profissionais com os afazeres domésticos e a família, gerando alguns problemas, entre eles, a dificuldade de se desconectar após o expediente.

Diante do cenário de pandemia, com o alto poder de transmissão do vírus e a ausência de vacina, a OMS recomendou o distanciamento social para prevenir o contágio. Isso fez muitas instituições adotarem o trabalho remoto de forma emergencial, sem planejamento e preparo dos colaboradores envolvidos nesse processo (Bernardo et al., 2020). Para evitar a propagação da COVID-19, 43% das empresas brasileiras adotaram o regime home office (Silva et al., 2020).

Para explorar esse problema, foram utilizadas técnicas qualitativas de design. Os métodos, ferramentas e competências de Design conseguem identificar problemas e oportunidades, indicando soluções projetuais, mesmo em contextos complexos e adversos (Ricaldoni & Rezende, 2020).

Assim, o presente artigo tem como objetivo investigar a importância do processo de imersão para explorar problemas relacionados ao trabalho remoto. Por questão de escopo, o recorte desta pesquisa tratará da fase inicial do processo de Design, a imersão no problema. Para isso, foram adotados os preceitos de Pesquisa Exploratória, utilizando de um estudo de caso aplicado durante o mestrado profissional em design na Cesar School, que percorreu as etapas do Processo de Design para apoiar profissionais que precisem se desconectar do trabalho fora do horário do expediente.

1.1 Trabalho remoto em um contexto de pandemia

O teletrabalho trata-se de uma atividade laboral realizada à distância (trabalho remoto), inclusive em casa (home office), utilizando tecnologia de informação e comunicação. Inserida no teletrabalho, a variante mais conhecida é o home office, onde o ambiente profissional invade o doméstico, sendo, atualmente, devido à Pandemia do Covid-19, a atividade que está sendo praticada por grande parte dos trabalhadores brasileiros e do mundo todo (Mishima-Santos et al., 2020).

A mudança do ambiente de trabalho para o espaço residencial fomentou uma revolução na vida das pessoas, derrubando as fronteiras e trazendo desafios para conciliar afazeres domésticos com trabalho e família. Outrossim, a hiperconexão leva à sobreposição do trabalho, lazer e responsabilidades pessoais. Esta sobreposição, aliada ao medo e à incerteza diante da COVID-19, pode levar ao esgotamento físico e mental (Silva et al., 2020). Segundo Trigo et al. (2007, pp. 223-233), “a Síndrome de Burnout é consequente a prolongados níveis de estresse no trabalho e compreende exaustão emocional, distanciamento das relações pessoais e diminuição do sentimento de realização pessoal”. É importante destacar que com o decorrer da pandemia “37% das empresas registraram aumento de doenças psiquiátricas como ansiedade e depressão” (Sena, 2020).

1.2 Processo de design e duplo diamante

O design como processo surgiu nos primórdios dos anos 50 e 60, pós-guerra, com a necessidade de evolução dos métodos de projetos, considerando o sistema de produção em massa (Oliveira, 2017). A década de 70 marcou a mudança do sistema de produção em massa para o atendimento às demandas individuais, nesse período John Chris Jones trouxe uma abordagem mais cíclica dos métodos de projetos, dividindo o processo em três etapas (Fig.1): divergência, transformação e convergência (Oliveira, 2017). Sendo as etapas traduzidas como: “quebrar o problema em pedaços, reagrupá-los de uma maneira nova e testar para descobrir as consequências da aplicação prática do novo arranjo dos pedaços” (Sobral et al., 2014, apud Jones, 1992).

Fig.1 Processo de Design. Fonte: Oliveira, 2017

Analisando as etapas do Processo de Design tem-se que a divergência é a fase de estender os limites do projeto, fugir de suposições e absorver novas informações. Na fase de transformação os problemas são mapeados e os limites são corrigidos e, por fim, na fase de convergência, com o problema definido, variáveis identificadas e objetivos acordados, cabe ao designer escolher uma das várias possibilidades de solução (Oliveira, 2017).

Na década de 90 consolidou-se o design participativo, cuja criação do produto ocorria com o usuário, e o design como pensamento, Design Thinking, popularizado na década seguinte por Tim Brown (Oliveira, 2017). Para Tim Brown (2009) Design Thinking é uma abordagem que utiliza a amplitude de pensamento do designer e métodos de resolução de problemas para atender as necessidades das pessoas de um modo tecnologicamente e comercialmente viável.

1.2.1 Duplo Diamante

O Duplo Diamante é uma ferramenta que explica o processo de aplicação do Design. Desenvolvido em 2005, pelo conselho de design do reino unido, é um diagrama que retrata as quatro fases do processo e representa as convergências e divergências de pensamentos que ocorrem ao longo do caminho. A fase de descobrir representa a identificação do problema, a de definir é a convergência de ideias capazes de serem executadas, na fase desenvolver é uma etapa de divergência e levantamento de soluções para o problema e entregar é convergir para solução até o protótipo (Euax Consulting, 2020).

1.3 Como a imersão no problema é tratada dentro do processo design

Historicamente, no processo de Design, explorar o problema inicial é retratado desde a primeira geração do método de design, na década de 60. Para Alexander Christopher, por exemplo, o designer deveria analisar o problema criticamente, simplificando-o, até encontrar variáveis que pudessem ajudar a encontrar a forma e a função da solução (Oliveira, 2017). Para Mihajlo D. Mesarovic a metodologia partia de um conceito evolutivo, indo do abstrato até o concreto, passando por seis fases distintas em uma estrutura vertical, donde cada fase seria norteada por processos horizontais, definidos por Análise, Síntese, Avaliação e Comunicação, iniciando a fase de análise com a definição e exploração do problema (Oliveira, 2017). Bürdek apresentou a problematização no início do processo de design, esta incorpora etapas como o conhecimento do problema e levantamento de informações a seu respeito (Oliveira, 2017). Na década de 80, Bruno Munari apresentou uma metodologia de design composta por dez etapas, sendo encabeçada por tópicos que retratavam a exploração do problema (Oliveira, 2017). Em uma reflexão mais atual, Cardoso (2013) observou que, devido à grande complexidade de desafios que o design encontrou no cenário contemporâneo, seria imprescindível analisar adequadamente os problemas antes de propor soluções. Brown (2009) traz a exploração do problema na fase da imersão, subdividida em duas etapas: “descobrir e definir” o problema. Esta fase é caracterizada pelo aprofundamento no contexto do projeto para identificar e classificar os problemas a serem resolvidos.

Neste âmbito verifica-se a relevância da exploração do problema dentro do processo de Design, estando presente em todas as fases apresentadas acima desde a década de 60, com diferentes enfoques e denominações, mas com objetivo comum de possibilitar o entendimento do problema para auxiliar no desenvolvimento de soluções mais adequadas (Oliveira, 2017).

2. Metodologia

O presente trabalho adotou como orientação metodológica os preceitos da pesquisa exploratória (Marconi & Lakatos, 2003), utilizando um estudo de caso aplicado em uma pesquisa durante o mestrado profissional em design na Cesar School.

Na pesquisa, foram percorridas todas as etapas do processo de design (utilizando como base o duplo diamante) desde a imersão no problema até o desenvolvimento de uma solução que se propôs a dar apoio para que os profissionais exercessem o direito à desconexão do trabalho. O foco deste artigo foi a fase de imersão no problema (Fig. 2).

Fig. 2 Duplo Diamante (fase imersão) .Fonte: Pinto, 2018

Para essa fase, foram executadas duas etapas do duplo diamante, uma etapa de divergência para identificação do problema e a outra de convergência para definição e validação do problema e suas causas. Foram aplicadas técnicas qualitativas do Processo de design (Fig. 3) para entender de forma aprofundada o problema: seu contexto, perfil das pessoas impactadas, fatores que influenciam para que o problema aconteça, além da identificação de estratégias adotadas pelos participantes da pesquisa para seu enfrentamento.

Como método de análise dos dados, adotou-se a Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), para interpretação, identificação e categorização das informações coletadas nas entrevistas transcritas, pesquisas realizadas e artigos científicos consultados, permitindo identificar e relacionar os aspectos relevantes do problema da pesquisa.

A forma de utilização e divulgação dos dados fornecidos foram esclarecidos verbalmente e, posteriormente, formalizados por meio da assinatura do TCLE-Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos voluntários da pesquisa. Os dados da pesquisa foram guardados e protegidos por senha em um drive virtual, além de ter sido realizada uma cópia em mídia de armazenamento físico no computador pessoal de um dos pesquisadores.

Fig.3 Procedimentos e técnicas utilizadas para imersão no problema 

Fonte: os autores.Em virtude do distanciamento social imposto pela pandemia, utilizou-se plataformas on-line para aplicação das técnicas e aplicativos, ambos sendo trabalhados de forma colaborativa.

A seguir apresenta-se o detalhamento das etapas do “Diagnóstico do Problema” e “Definição do Problema”, abordagem central do presente artigo.

2.1 Diagnóstico do problema

Na etapa de diagnóstico (identificação) do problema foram aplicados às técnicas e procedimentos elencados abaixo:

2.1.1 Levantamento de potenciais problemas

Para o levantar os potenciais problemas relacionados ao tema trabalho remoto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica contextual em 13 artigos científicos publicados entre 2012 e 2020. Estes artigos foram pesquisados utilizando as seguintes palavras chaves e suas combinações: “trabalho remoto”, "home office", “saúde do trabalhador”, “qualidade de vida”, “pandemia”, “covid-19”, “gestão de pessoas”.

Na análise desses dados, buscou-se identificar além dos potenciais problemas, os benefícios percebidos, as melhorias sugeridas e tendências. Essas informações foram organizadas, tabuladas e agrupadas em categorias através de um mindmap.

2.1.2 Entendimento dos problemas

Para um maior entendimento e aprofundamento dos problemas enfrentados no trabalho remoto pelos profissionais, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 5 voluntários com perfil de líder/gestor. Também foi aplicado um estudo piloto para a validação e aprimoramento do protocolo de coleta de dados.

A entrevista, que seguiu um protocolo que cobria desde a fase de preparação até a transcrição, foi importante para conduzir os questionamentos em relação aos aspectos de interesse: pontos de dor dos profissionais, estratégias utilizadas por eles e sugestões de soluções para os problemas identificados.

Tendo em vista a pandemia, que exige o distanciamento social, foi escolhido o Whatsapp para realizar as entrevistas, onde o entrevistado recebia a questão de forma escrita, mas tinha a liberdade de responder de forma escrita ou gravando um áudio. Para cada entrevista foi criada uma “sala” com o grupo da pesquisa e o entrevistado. Um membro da equipe liderava a entrevista e um segundo participava como apoio ao líder. Os demais, participaram apenas como observadores.

Foi realizada a transcrição de cada entrevista, assim como a observação do ambiente de trabalho remoto destes colaboradores por meio de foto encaminhada por eles. No total, foram transcritas cerca de 5 horas de entrevistas.

Na análise de dados, como premissa, foram estabelecidas as mesmas categorias do levantamento bibliográfico, além de outras categorias identificadas durante a codificação e categorização dos dados.

2.1.3 Validação da relevância do problema

Pretendendo confirmar que o problema identificado pela equipe não era restrito ao universo dos participantes das entrevistas, sendo amplamente experienciado por muitos profissionais, foi realizada uma Desk Research, que consiste em compreender o contexto do projeto por meio de pesquisa na internet, artigos, mídia impressa, etc (TCU, 2021), onde foi possível validar o problema como uma questão de importância a ser solucionada.

2.1.4 Identificação do problema

Com base nas informações levantadas até essa etapa, foram gerados os seguintes artefatos que possibilitaram a identificação do problema: declaração do problema, descrição concisa do problema que precisava ser resolvido (NN/g, 2021), storyboard (desenhos em ordem cronológica que auxiliaram na visualização e entendimento do problema), mapa de empatia, que permitiu identificar e compreender o perfil, necessidades e comportamentos das pessoas envolvidas, gerando empatia (TCU, 2021) e persona (personagens fictícios com informações que representavam perfis ou grupos de usuários pesquisados). As figuras 4 e 5 a seguir exemplificam um mapa de empatia e persona desenvolvidos durante a pesquisa, respectivamente.

Fig. 4 Mapa de Empatia desenvolvido durante a pesquisa. Fonte: os autores, baseada em Beehavior (2017) apud Xplane (2017). 

Fig.5 Persona “Júlia” desenvolvida durante a pesquisa. Fonte: os autores 

2.2 Definição do problema

Na etapa definição do problema, as seguintes técnicas e procedimentos foram adotados:

2.2.1 Levantamento das hipóteses

Para o levantamento das hipóteses do problema, foi utilizada a Matriz CSD, que objetivou levantar as certezas, suposições e dúvidas relacionadas ao problema (TCU, 2021) “Dificuldade de se desconectar das atividades do trabalho fora do expediente” e suas causas. As hipóteses levantadas foram agrupadas por afinidades, na sequência selecionadas as que seguiram para o processo de validação, sendo transformadas em questionamentos para aplicação no survey , método de coleta de informações de pessoas, geralmente de uma grande amostra de entrevistados (Martin & Hanington, 2012).

2.2.2 Teste e validação das hipóteses

Com o objetivo de testar as hipóteses e buscar um maior conhecimento sobre o problema, foi realizada uma pesquisa quanti/qualitativa através do survey , nomeada “Dificuldade de Desconexão no Trabalho Remoto” utilizando o Google Forms. Essa pesquisa teve como público alvo colaboradores (202 profissionais de empresas públicas e privadas) que estavam desempenhando suas atividades laborais em trabalho remoto.

A pesquisa foi estruturada em 5 seções: 1-Perfil do Entrevistado, 2- Influência do Trabalho Remoto (Impacto), 3- Entendimento das Causas do Problema a partir das suas experiências e relatos, 4-Soluções Propostas e 5- Estratégias utilizadas para resolver o desafio da dificuldade de desconexão no trabalho remoto.

A análise dos dados ocorreu de duas formas: para as questões objetivas, foi realizada uma análise qualitativa dos dados onde foi possível identificar perfil e contexto de trabalho dos profissionais, já para as questões abertas, foi executada a codificação, categorização e interpretação dos dados. A partir da análise de frequências das categorias levantadas, foi utilizado o Diagrama de Pareto, um tipo específico de histograma ordenado pela frequência da ocorrência para apresentação dos dados (PMI, 2004, p.195), permitindo uma fácil visualização e identificação das causas mais recorrentes que impediam os profissionais exercerem o direito de desconexão do trabalho remoto.

A identificação das hipóteses validadas ocorreu por meio da definição de métrica e meta. Como métrica foi estabelecido o percentual de respostas iguais a opção 4(concordo) ou 5(concordo plenamente) para cada uma das questões relacionadas às hipóteses (12,13,14,15,16 e 17). Sendo validadas as hipóteses que alcançaram a meta, ou seja, um percentual superior a 50%.

Os resultados obtidos pela aplicação das técnicas e procedimentos estão detalhados na seção Resultados e Discussões.

3. Resultados e Discussões

O processo utilizado nesta pesquisa contribuiu para o entendimento dos problemas percebidos com a adoção não planejada do home office pelas organizações, no contexto atual, intensificado pela pandemia do COVID19. A seguir, apresenta-se os resultados deste processo.

3.1 Diagnóstico do problema

Para diagnóstico do problema, foi realizado o levantamento de potenciais problemas, seu entendimento, aprofundamento e validação da relevância, conforme detalhado nas seções seguintes.

3.1.1 Levantamento de potenciais problemas

A análise dos dados da pesquisa em artigos científicos foram agrupadas em 11 categorias (i) adequação às Novas Tecnologias utilizadas; (ii) falta de Capacitação para uso dos recursos; (iii) gestão dos colaboradores; impacto na Cultura Organizacional; (iv) impacto nos Salários, Benefícios e carreira; (v) interferência Casa X Trabalho; (vi) legislação não clara; (vii) necessidade de desenvolvimento de novas habilidades e Competências; (viii) qualidade de Vida; (ix) Riscos na Segurança da Informação; e (x) segurança do trabalho. Essas categorias permitiram uma visualização mais estruturada do contexto do problema e auxiliou nos pontos que seriam abordados na entrevista.

3.1.2 Entendimento dos problemas

Durante as entrevistas foram identificados alguns problemas que puderam ser classificados como: (i) pontos de dor de profissionais com experiência anterior no teletrabalho; (ii) pontos de dor de profissionais sem experiência anterior no teletrabalho; (iii) quais pontos de dor foram resolvidos pelos profissionais que já tiveram experiência que os profissionais que não tiveram experiência não conseguiram resolver e as (iv) soluções adotadas. Estes problemas foram agrupados nas categorias mencionadas acima, além de outras categorias identificadas durante a codificação e categorização dos dados.

Os resultados foram consolidados em um gráfico de Pareto, onde foi possível visualizar aqueles de maior incidência (Gráfico 1). Sendo observado que 77% dos problemas citados estavam relacionados à dificuldade de adequação às novas tecnologias e forma de trabalho; dificuldade na gestão de colaboradores.

Gráfico 1 Categorização dos problemas identificados na pesquisa com profissionais. Fonte: os autores. 

3.1.3 Validação da relevância do problema

O resultado das entrevistas, consolidado no gráfico, proporcionou identificar que o problema a ser solucionado está relacionado ao fato dos gestores e equipes não se desconectarem das atividades laborais fora do horário de expediente. Isso trouxe a conclusão de que esta questão é um ponto amplamente experienciado por muitos profissionais, reforçada através da Desk Research, que trouxe evidências de que as consequências sentidas pelos colaboradores justificam uma atenção especial para sua resolução, e, assim, permitiu validá-lo como um tópico de importância a ser solucionada.

3.1.4 Identificação do problema

A pesquisa também permitiu a identificação de pontos de dor da persona (cansada de ficar muito tempo conectada a assuntos do trabalho, receio de ser mal interpretada quando não dar retorno fora do expediente, sentimento de culpa por roubar tempo da família para atender solicitações do trabalho fora do horário e ansiedade e estresse gerados pelas notificações), seus desejos (bloquear recebimento de mensagens quando necessário, consultar com facilidade a disponibilidade de todos os seus contatos e informar de forma simples sua disponibilidade) e os benefícios esperados para a resolução do problema identificado (equilibrar a vida profissional e pessoal, melhorar a qualidade de vida, diminuir o estresse e o estado de sempre alerta e exercer o direito de desconexão) esquematizados através do mapa de empatia.

3.2 Definição do problema

A fase de definição do problema consistiu em um levantamento, testes e validação das hipóteses, descritos nas seções a seguir.

3.2.1 Levantamento das hipóteses

Para aprofundar mais o entendimento do problema, foi utilizada a Matriz CSD, que tem como objetivo identificar as certezas, suposições e dúvidas da equipe, relacionadas ao desafio do projeto” (TCU, 2021). O uso da Matriz CSD para o problema “Dificuldade de se desconectar das atividades do trabalho fora do expediente” resultou em um agrupamento por afinidade das hipóteses levantadas e selecionadas e as que passariam pelo processo de validação, sendo, para isso, estas hipóteses transformadas nos seguintes questionamentos:

  • A ausência ou falta de clareza das regras no trabalho remoto contribuem para que as pessoas sejam acionadas fora do expediente?

  • O comportamento do gestor/líder contribui para gerar uma demanda de solicitar disponibilidade fora do expediente?

  • O uso da mesma ferramenta para comunicação pessoal e profissional faz as pessoas não se desconectarem?

  • O comportamento das pessoas e o perfil inadequado para o trabalho remoto fazem com que elas se coloquem sempre disponíveis?

  • A dificuldade de ter disciplina, fazer gestão do tempo e planejar contribuem para que as pessoas fiquem conectadas fora do expediente de trabalho?

  • O fato das ferramentas de comunicação e os sistemas da empresa estarem sempre ao alcance contribuem para que as pessoas não se desconectem do trabalho fora do expediente?

3.2.2 Validação das hipóteses

A validação das hipóteses trouxe a resposta de 202 entrevistados, cujo perfil foi de 46% homens e 53% mulheres (0,5% preferiu não identificar o sexo) e 63,3% com faixa etária entre 31 e 49 anos.

Como resultado, observou-se que 76,2% declararam ter dificuldade em se desconectar do trabalho fora do expediente estando em trabalho remoto. Já 58,9% dos participantes indicaram que o trabalho remoto tem gerado desequilíbrio emocional e 69,4% deles indicaram que a empresa onde trabalha não lhes dá apoio para tratamento em relação a essa questão. O aplicativo Whatsapp foi a ferramenta mais citada como a mais utilizada no trabalho remoto (97,4% utilizam) e como a que mais contribui para que não se desconecte do trabalho fora do expediente (94,2%).

O diagrama de pareto (Gráfico 1) permitiu identificar que as causas mais citadas pelos colaboradores que impedem os profissionais de exercerem o direito de desconexão do trabalho remoto estão relacionadas ao aumento da demanda e/ou cobrança de resultados, ausência/falta de clareza nas regras, comportamento do gestor/líder, demandas urgentes/imprevistos, dificuldade de gestão do tempo, interferência pessoal x trabalho, gestão dos colaboradores (causas identificadas por 73% dos entrevistados).

Através do método utilizado para a validação das hipóteses (Fig. 6), dentre as seis levantadas foram validadas três. A primeira hipótese validada foi a de que a ausência ou falta de clareza das regras no trabalho remoto contribuem para que as pessoas sejam acionadas fora do expediente. A segunda, confirmou que o uso da mesma ferramenta para comunicação pessoal e profissional faz as pessoas não se desconectarem e a terceira validou o fato das ferramentas de comunicação e os sistemas da empresa estarem sempre ao alcance contribui para que as pessoas não se desconectem do trabalho fora do expediente.

Fig. 6 Quadro da Validação das Hipóteses. Fonte: os autores. 

3.2.3 Discussões

Por meio do experimento realizado para elaboração deste artigo, foi possível verificar como a aplicação de diferentes técnicas para tratamentos de dados adotadas na metodologia de design, durante a fase de imersão no problema, auxiliou no entendimento e definição do problema. O processo trouxe um conhecimento aprofundado sobre o problema, além de geração de insights. A seguir, são detalhadas as principais contribuições dessa abordagem.

A imersão em dados reais, através de relatos das pessoas envolvidas na temática, auxiliou no entendimento aprofundado do problema.

Complementando a pesquisa bibliográfica para o entendimento dos potenciais problemas relacionados ao trabalho remoto, a entrevista semiestruturada permitiu identificar as necessidades, queixas e sentimentos dos participantes da pesquisa em relação ao assunto. Apesar de terem sido realizadas por meio do aplicativo WhatsApp, as entrevistas semiestruturadas demonstraram ser um relevante instrumento para dar voz às experiências das pessoas envolvidas com o problema, identificando obstáculos, desafios, necessidades e oportunidades.

Mergulhar no problema, valorizando as experiências das pessoas, possibilitou entender os diferentes contextos envolvidos no problema, construindo uma visão holística sobre ele.

Além disso, registrar e sistematizar estas percepções através de gráficos, storyboard, mapa de empatia e persona facilitaram a compreensão, alinhamento e definição da declaração do problema.

O entendimento, definição e validação do problema auxiliou na geração de insights.

Através da criação das hipóteses, survey para testes das hipóteses e validação das mesmas com uso de metas e métricas, foi possível entender, de forma consistente e estruturada, qual o problema a ser solucionado, e priorizar as etapas seguintes.

É importante ressaltar também a contribuição da etapa de definição do problema na quebra de paradigmas dentro do universo da pesquisa, através da desconstrução de crenças, suposições e hipóteses, evitando gerar insights que pudessem interferir negativamente no resultado da pesquisa.

4. Conclusão

O presente artigo procurou apresentar a importância da fase de imersão no problema para entender o direito à desconexão, utilizando o processo de design. Desta forma, pode-se concluir que a fase citada acima que o estudo de caso retratou, contribuiu para a identificação tanto dos problemas quanto das principais causas relacionadas à falta do direito à desconexão no trabalho remoto. Os resultados mostram que para a fase de resolução do problema de “Dificuldade de se desconectar das atividades do trabalho fora do expediente” a pesquisa terá como norte a mitigação ou eliminação das três causas validadas entre as hipóteses apresentadas nesta fase inicial.

Para trabalhos futuros, sugere-se que o resultado deste artigo seja utilizado como input para novas pesquisas sobre imersão no problema para gerar insights para solucionar problemas de pesquisa, utilizando o Processo de Design.

Acknowledgements

Trabalho apresentado na conclusão da disciplina Projetos Avançados em Design e Tecnologia do Mestrado Profissional em Design do C.E.S.A.R - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife/Cesar School, coordenado pela Profa. Helda Oliveira Barros.

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Recebido: 30 de Setembro de 2021; Aceito: 09 de Abril de 2022

Correspondent Author: Viviane Florentino, Rua Bione, Cais do Apolo, 220, Recife - PE, Brasil, vff@cesar.school

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