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Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes

Print version ISSN 2184-0180On-line version ISSN 1646-9054

Revista Convergências vol.15 no.30 Castelo Branco Nov. 2022  Epub Nov 30, 2022

https://doi.org/10.53681/c1514225187514391s.30.132 

Case Reports

Os eventos de moda durante a pandemia do Covid-19: a experiência do OCTA Fashion digital

Fashion events during the Covid-19 pandemic: the experience of digital OCTA Fashion

Amanda Queiroz Campos1 
http://orcid.org/0000-0001-9291-2979

1Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis - SC, Brasil.


Resumo

A pandemia do Covid-19 acelerou a digitalização na criação, produção, comunicação e consumo de moda. As normas de isolamento social e o fechamento de aeroportos impossibilitaram a realização de eventos de moda presenciais. Nesse contexto, marcas e estilistas buscaram soluções para lançarem suas coleções. Na Universidade do Estado de Santa Catarina, a irrealizabilidade das atividades presenciais conduziu à realização do desfile de conclusão de curso de forma digital. Este artigo objetiva apresentar o relato de experiência da organização e realização do evento OCTA Fashion, demonstrando a divisão das tarefas em grupos de trabalho. Como resultado, lançou-se em dezembro de 2021 o fashion film composto de vídeo conceito, desfile e documentário.

Palavras-chave: desfile de moda; moda digital; fashion film; ensino de moda; Covid-19

Abstract

The Covid-19 pandemic has accelerated the digitalization of fashion's creation, production, communication, and consumption. The standards of social isolation and the closure of airports made it impossible to hold in-person fashion events. In such a scenario, brands and designers found solutions to launch their collections. At the University of the State of Santa Catarina, the impossibility of returning to in-person activities led to the promotion of the graduation show, OCTA Fashion, digitally. This article presents an experience report of the organization and the execution of the event OCTA Fashion, demonstrating how tasks were divided into work teams. As a result, the fashion film was launched in December 2021

Keywords translated: fashion show; digital fashion; fashion film; fashion education; Covid-19

1. Introdução

A transformação digital corrente nas últimas décadas influenciou a forma de vivenciarmos o mundo. Especificamente no campo da moda, o digital alterou como cria-se, produz-se, comunica-se e consome-se um produto de moda. Poder-se-ia afirmar que a própria ideia de produto de moda sofre e vem sofrendo transmutações - desmaterializando-se no mundo virtual. Esse processo de mudanças foi maximizado devido à pandemia Covid-19, que se alastrou pelo mundo sobretudo a partir do início do ano de 2020. De particular interesse para este estudo, cabe investigar os impactos da virtualização na comunicação da moda. Explorando sobretudo as estratégias não convencionais para solucionar a impossibilidade da realização presencial dos desfiles.

O objeto desta pesquisa consiste no desfile OCTA Fashion, cuja décima edição explorou os limites entre o físico e o digital. O OCTA Fashion é um evento do curso de Bacharelado em Moda do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). O evento consiste de um desfile e de exposições das coleções de formatura dos discentes. Na estrutura curricular, o OCTA Fashion compreende a disciplina Coordenação de Evento de Moda, em que alunos são divididos em grupos de trabalho e atuam tática e operacionalmente no planejamento e realização do evento. Para a edição ocorrida no ano de 2021 foram necessárias adaptações no formato do evento, na materialidade das coleções e, mormente, na organização do evento - que envolve a referida disciplina.

Sendo assim, o presente artigo vale-se como relato de experiência da realização do evento OCTA Fashion em formato de fashion film digital. Seu objetivo é documentar o processo de viabilização e realização do evento. O formato audiovisual escolhido apresentou narrativa híbrida (Bhaba, 2003) [1], combinando um vídeo conceito, os desfiles das coleções em 3D e em trechos de depoimentos de agentes envolvidos no projeto. Para possibilitar o aprofundamento teórico e contribuir com o desenvolvimento científico da disciplina, apresentou-se uma revisão bibliográfica sobre eventos de moda (Lipovetsky, 2007 [2]; Gruber & Rech, 2011 [3]; Silveira, 2019 [4]) e os novos formatos de evento (Amorim & Boldt, 2020 [5]; Gloria, 2020 [6]; Buffo, 2017 [7]), dentre eles os fashion films (Campos et al., 2015 [8]; Needham, 2013 [9]).

O texto aqui apresentado foi organizado da seguinte forma: o item 2 apresenta fundamentação teórica sobre os eventos de moda, principalmente descrevendo brevemente o histórico dos desfiles de moda tradicionais. O subitem 2.1 expõe novos formatos de evento, indicando exemplos de desfiles em 3D e outras estratégias de comunicação digital desenvolvidas por marcas de moda antes e durante a pandemia do Covid-19. O objeto deste estudo, o evento OCTA Fashion e sua edição digital nomeada OCTA X foram descritos nos item 3, respectivamente. O item 3.1, OCTA X, subdivide-se em viabilização (3.1.1), organização (3.1.2) e resultado (3.1.3). Por fim, discussões gerais sobre os fortuitos caminhos para a moda digital e suas conexões com os processos tradicionais são propostas nas considerações finais.

2. Eventos de moda

De fashion plates às bonecas de madeira e porcelana exibidas nas Exposições Mundiais, a moda usufruiu de diferentes formas de apresentar suas criações (Baldini, 2005 [10]; Cardoso, 2008 [11]). A comunicação de moda pode atender a fins comerciais diretos, com o intento de comercializar os produtos exibidos, mas também de forma indireta, com o objetivo de consolidar um país ou uma marca particular como lançadores de tendências. Segundo Gilles Lipovetsky (2007) [2], os eventos de moda nos moldes de desfile surgem durante o período “moda de cem anos”, ou seja, quando a moda realmente se estabelece como campo.

Com a haute couture de Charles Frederick Worth, na segunda metade do século XIX, os desfiles de moda passam a seguir o formato mais semelhante ao adotado por todo o século XX (Ibid.[2]). Worth revolucionou as exibições ao apresentar seus modelos previamente confeccionados vestidos em modelos vivas - intituladas sósias -convidando as clientes mais exclusivas para conhecerem os modelos de perto em sua maison (Godart, 2010) [12]. As coleções eram desfiladas em cenários luxuosos, com decoração e música ao vivo. O teatralismo na exibição dos produtos foi mimetizado por outros criadores; tais como Jeanne Paquin, Gabrielle Chanel e Paul Poiret. Todavia, Lucile foi quem mais se destacou na produção de moda (Gruber & Rech, 2011) [3].

Desde então, não somente os renomados couturiers (estilistas da alta costura) - mas também toda uma sorte de estilistas e marcas comerciais - perceberam que esta estratégia poderia render lucros aos seus negócios, tornando-a eficaz para além da haute couture (Lipovetsky, 2007 [2]; Godart, 2010[12]). O formato 'desfile de moda', ainda que não seja o único, foi o que mais obteve sucesso na comunicação de produtos e marcas de moda. A intensidade da presença física, a aura de exclusividade de acesso a clientes e a formatação 'modelo + passarela + trilha sonora' contribuíram para consolidar os desfiles como uma forma legitimada de se apresentar moda (Gruber & Rech, 2011 [3]). Somado a isso, pode-se indicar a força de ações centralizadoras de expertise na criação de moda, as fashion weeks, que organizaram um calendário e sedes restritas para o lançamento das coleções.

Ainda que hajam fashion weeks espalhadas por todos os continentes do globo, as mais consagradas são: Paris, Milão, Londres e Nova York. Para além das 'Grande Quatro', o final do século XX - em especial os anos 1980 e 1990 - viu despertar a força dos desfiles mundo afora (Riello, 2013) [13]. Esses eventos que já foram cerrados à mídia e aos jornalistas passam a ocupar espaço privilegiado das colunas de moda, apresentando as tendências da estação. De igual ou maior importância, desfilar numa fashion week ou promover um desfile de moda dignificava a marca e o estilista, inserindo-os no exclusivo sistema da moda (Kawamura, 2005/2014) [14]. Por consequência, o público que atende a tais eventos participa desse ritual narrativo construído ao redor da coleção (Buffo, 2017) [7].

Já no século XXI, diferentes autores e profissionais questionam o formato e as características dos desfiles de moda. Seu principal objetivo se torna o espetáculo em si, configurando um produto da comunicação de moda que confere 'aura' aos objetos e marcas de moda. Na provocativa obra “Moda com Propósito”, o estilista André Carvalhal (2016) [15] afirma que os desfiles comerciais se tornaram desinteressantes e esvaziados de emoção e prazer, pois operam como ferramenta de vendas. Cada vez mais é notável por parte das marcas e estilistas a renovação do formato de desfile, além da adoção de novas tecnologias e linguagens para a comunicação conceitual de uma coleção. O cenário de isolamento social impulsionado pela pandemia Covid-19 acelerou as correntes mudanças desse setor.

2.1. Novos formatos de evento:

As modificações no campo comercial da moda tanto foram estimuladas quanto possibilitadas por novas tecnologias, especialmente a transformação digital. Tais transformações foram aceleradas pela pandemia Covid-19 e as medidas de isolamento social e lockdown para controle sanitário do vírus.

Como as medidas de controle sanitário impediram o contato físico tanto nas etapas internas quanto externas da cadeia de suprimentos - e provavelmente ainda colocará limitações nos processos manuais, nos encontros físicos e nas viagens por algum tempo - a indústria da moda passou a explorar opções de migração para o espaço virtual em toda a sua cadeia de valor. Essa migração contempla propostas de virtualização de experiências intermediadas por mídias não tradicionais. (Boldt & Amorim, 2020, p.2) [5].

A temporada de desfiles internacionais que teve o primeiro impacto pela pandemia foi a Milan Fashion Week em fevereiro de 2020, ano em que o vírus se expandiu mundialmente. O vírus e a quarentena instalada, com especial impacto na Itália, implicaram o adiamento dos desfiles de diversos estilistas. A medida impulsionou a suspensão das fashion weeks da temporada nos demais países (Gloria, 2021) [6]. Somente na estação seguinte, no mês de julho de 2020, que ocorreu a primeira temporada internacional de moda (Boldt & Amorim, 2020) [5].

Dentre os desfiles que receberam destaque, podem-se citar aquelas que usufruíram de estratégias digitais para apresentar suas coleções, como a transmissão ao vivo e online de desfiles em ambiente 3D. Boldt e Amorim elencaram em seu artigo: a italiana Sunnei; a londrina Ralph & Russo; a japonesa Undercover; e a congolesa Hanifa. Para os autores (2020, p.3) [5], “alguns dos momentos mais comentados pela mídia especializada foram protagonizados por marcas menores e mais jovens”, mais dispostas a inovar no campo da moda. Mas como já anunciava Needham em 2013, mesmo empresas consideradas tradicionais se adaptam às novas mídias digitais.

A disposição foi bem recebida por parte do público e mídia de moda. Um dos principais motivos da grande repercussão positiva, deu-se pelo respeito e cumprimento às normas de distanciamento social, sobretudo prezando pela saúde e segurança dos profissionais e públicos envolvidos na realização de um evento de moda. O destaque essencial às novas tecnologia envolveram as questões de inovação, customização, minimização de desperdício, entre outros. Segundo Glória (2021, p.21-22) [6], os desfiles em formato 100% digital “proporcionaram ao público a possibilidade de acompanhar não só as novas peças de seus designers preferidos, mas também todo o processo de criação, backstage, até a apresentação final das roupas”.

A possibilidade de exibição dos desfiles filmados em qualquer dispositivo e em qualquer espaço geográfico foi evidenciada na proposta phygital (estrangeirismo que une as palavras physical - físico - e digital) adotada pela São Paulo Fashion Week. Uma vez que a edição de março foi cancelada devido ao lockdown, a edição de novembro de 2020 - comemorativa de 25 anos - contou com a exibição 100% digital. O aspecto físico envolveu a transmissão dos desfiles nas fachadas de edifícios da cidade de São Paulo, como a icônica Avenida Paulista. Tal inovação investiu no fenômeno do hibridismo (Bhaba, 2003) que consiste em mudança paradigmática contemporânea, ocupando o espaço entreposto entre uma afirmação da plenitude e a ansiedade gerada pela sua falta, pela ausência, pela diferença, conectando a ligação entre o real e o digital (Campos et al., 2015) [8].

Vários dos destaques das semanas de moda envolveram o formato de produção audiovisual intitulado fashion films, que consiste em tipo específico de comunicação de moda que expressa o imaginário de marcas na internet (Buffo, 2017 [7]; Needham, 2013 [9]). As imagens de moda ganham intensidade e sensação de presença devido ao acréscimo de movimento e som às imagens fotográficas estáticas. Para Boldt & Amorim (2020, p.4) [5], “a virtualização pode aprimorar a experiência existente, permitindo que as peças de vestuário sejam vistas de qualquer ângulo, com a maior quantidade de detalhes, além de exibir as habituais informações sobre o tamanho e o preço”. Há ainda a possibilidade de acesso e interação por meio de diferentes mídias, tais quais as plataformas móveis como smartphones e tablets e interações com formas tradicionais, como as smartTVs - atualmente populares.

A construção de uma narrativa também contribui também a carga emocional e proximidade da marca e dos criadores com seus públicos. A possibilidade de contar uma história no decorrer do tempo do filme tanto cria universos simbólicos associados à marca e à coleção quanto pode ser usufruída para narrar o processo de criação e desenvolvimento dos produtos em vídeo documentários que aproximam os clientes e espectadores. Isso promove a desalienação do público, gerando maior autonomia na interpretação e escolha de produtos e serviços, como propõe Avelar (2011) [16].

Sobre o uso de tecnologia em modelagem 3D, ainda que a verossimilhança não satisfaça os aspectos táteis dos tecidos, há muitos benefícios a serem listados. Katrin Ley (2020 apudBoldt & Amorim, 2020) [5] enfatiza os seguintes: (1) menos desperdício por consequência de números reduzidos de protótipos, peças pilotos e amostras; (2) prazos reduzidos e criação e desenvolvimento mais ágeis; e, (3) possibilidade de produção sob demanda.

Pode-se afirmar previamente que as novas tecnologias interferem na produção e na comunicação dos produtos e marcas de moda, recriando universos lúdicos por meio do uso de narrativas envolventes, sejam elas fantasiosas ou informativas. Mesmo havendo exemplos notáveis de campanhas que já envolviam a modelagem 3D (Louis Vuitton SS2016), modelos virtuais (Balmain pre Fall 2018) e até mesmo lançamentos de produtos para uso exclusivo em games online (skins da Louis Vuitton para o jogo League of Legends), com a pandemia Covid-19, a moda adentrou o universo virtual com intensidade desproporcional a de seu passado recente. Traçou um caminho sem volta.

Impelidos pela impossibilidade de retorno presencial das atividades letivas devido à da crise sanitária, às regras de isolamento social e à consequente impossibilidade do espaço físico da universidade, o Departamento de Moda da Udesc vislumbrou nas tecnologias de modelagem e prototipagem 3D, nos desfiles digitais e nos fashion films de narrativa documental uma saída adequada para a realização de seu tradicional evento, o OCTA Fashion. No item a seguir será apresentada uma breve explicação sobre o referido evento e sua décima edição, totalmente virtual, intitulada OCTA X - cuja transmissão em streaming ocorreu no dia 09 de dezembro de 2021 e pode ser acessa pelo link https://www.youtube.com/watch?v=gVx57VtpD10&t=394s.

3. OCTA Fashion

OCTA Fashion é um evento do Departamento de Moda da Universidade do Estado de Santa Catarina. Nomeado OCTA a partir de 2011, como acrônimo de Observatório de Culturas e Tendências Antecipadas, o evento é um aprimoramento do desfile de formatura do Bacharelado em Moda da Universidade. Seu principal mote é exibir as coleções de formaturas dos discentes. Todavia o evento tomou proporções acentuadas, pois não somente leva ao público da área de moda (estilistas, empresários, jornalistas, produtores de moda, varejistas, etc.) novas tendências de moda e estilo, mas também envolve a comunidade geral num evento público e gratuito. Especialmente para o contexto pedagógico, o evento está associado especialmente à disciplina de Coordenação de Evento de Moda da oitava fase do curso.

O modo de planejar e executar o evento presencial fora documentado na dissertação de mestrado “Desenvolvimento de um guia de eventos para cursos de moda” da professora Balbinette Silveira (2019). Servindo-se do repertório e amplo aprendizado construído ao longo das nove edições do OCTA Fashion, para décima edição - OCTA X - foi necessário desenvolver de novas estratégias pedagógicas para adequar as equipes de trabalho e o formato do evento às mídias digitais, à narrativa audiovisual de fashion film e às coleções modeladas e animadas em tecnologia 3D. A isso, soma-se que o decorrer da disciplina e a organização do evento foram realizados de forma remota, sem encontros presenciais entre discentes e docentes.

3.1. OCTA X:

3.1.1 Viabilização

Como medida sanitária preventiva em relação ao Covid-19, a Universidade do Estado de Santa Catarina proibiu a realização das atividades de caráter prático até que fosse possível o retorno presencial aos laboratórios da Universidade. No caso particular do curso de Moda, a impossibilidade de frequentar o espaço físico da Udesc igualmente vetou a formação de discentes do último ano do curso, por não disporem de máquinas de costura ou outros materiais necessários para a execução das peças do vestuário de suas coleções de formatura em seus espaços domésticos. Tal situação impediu a realização do evento OCTA Fashion, um dos maiores da Udesc. Em prol de viabilizar a continuidade dos estudos dos discentes e dar sequência ao calendário de aulas, buscou-se vias de realizar a produção dos protótipos (peças do vestuário) de forma remota. Assim, considerou-se a possibilidade de realização de protótipos em 3D.

Como tecnologia específica, pode-se citar o software CLO 3D que permite, quando bem utilizado, a modelagem e animação de peças do vestuário em 3D com fidedignidade aos desenhos técnicos e artísticos 2D e seguindo especificidades técnicas de modelagem e atributos visuais e hápticos (textura e peso dos materiais expressos visualmente) nas telas de vídeo de computadores e dispositivos móveis. A execução das coleções dessa forma possibilita a realização de um desfile de moda digital, pois além de digitalizadas, as peças são animadas mimetizando um desfile de moda em cenário também inteiramente virtual.

O desenvolvimento das coleções dos alunos como protótipos em 3D e a realização virtual do evento OCTA Fashion Udesc foram procedentes uma vez que se realizaram ajustes nas avaliações e dinâmica das disciplinas. Alterações pertinentes foram conduzidas para assegurar um proveitoso processo ensino aprendizagem, apresentando aos alunos uma realidade tecnológica de prototipagem digital de peças que os insere num contexto mais sustentável, globalizado e informatizado da criação, desenvolvimento, comunicação e consumo de produtos de moda. Após recorrentes encontros com discentes formandos (com adesão da ampla maioria), professores das disciplinas diretamente ligadas ao projeto e em reunião do colegiado do curso com representação de discentes, a proposta foi aprovada junto ao Departamento de Moda.

Todavia, para que a realização da proposta fosse viável a todos os alunos do curso, democratizando o acesso à formação e às tecnologias digitais do campo da moda, foi necessária a contratação de uma empresa que realizasse os serviços de modelagem, animação e renderização de vestuário em 3D pela Udesc [financiado pela Emenda Parlamentar nº 935/2020 outorgada pela Deputada Luciane Carminatti e vinculada à Secretaria de Estado da Educação - Nota de descentralização 2021DC000106]. A proposta amparou o processo ensino aprendizagem das disciplinas práticas e teóricopráticas. Particularmente a disciplina Coordenação de Evento de Moda envolveu o planejamento e a realização do evento OCTA Fashion em formato de fashion film com desfile virtual e documentário. Sua organização será detalhada no item a subsequente.~

3.1.2 Organização

O grande desafio em realizar o OCTA X de forma totalmente remota reverberou da impossibilidade da presença física e aglomeração de pessoas. Isso incidiu não somente sobre o público expectador do evento, mas também da impossibilidade de contato presencial entre próprios alunos e professores. A saída de contratação da empresa especializada para realização das peças dos alunos em 3D solucionou a os empecilhos impostos diretamente associados às disciplinas de costura e de modelagem. Ainda que o gerenciamento da prototipagem digital dos looks seja realizado, há uma série de tarefas a desempenhar para a produção do desfile, exibindo adequadamente as coleções desenvolvidas pelas formandas, mantendo-se o nível de qualidade e o histórico de sucesso do formato de evento OCTA Fashion - já discutido no item três (3).

A organização do evento é parte integrante da disciplina Coordenação de Evento de Moda. Na grade curricular do curso de Bacharelado em Moda da Udesc. Os itens da ementa da disciplina se orientam ao objetivo de elaborar e executar projetos de produção de eventos de moda para os mais diversos setores do mercado de moda. Haja vista a necessidade contextual da pandemia do Covid-19, os componentes da ementa e o material didático da disciplina foram ajustados para adequarem-se ao formato de aulas em modo emergencial remoto. Isto implicou que a disciplina precisasse ser organizada de modo a possibilitar aos discentes desenvolver habilidades de planejamento, organização e controle de eventos de moda - envolvendo tarefas como:

  1. levantamento de tarefas para realização do evento;

  2. organização de cronograma;

  3. divisão de tarefas por equipes e entre os integrantes das equipes;

  4. cálculo e estimativa de recursos materiais;

  5. levantamento de necessidade de apoio de recursos humanos, staffs; e

  6. realizar evento para apresentação de coleções de acadêmicos.

As atividades da disciplina iniciaram com um ciclo de palestras em formas de lives na rede Instagram organizadas por uma equipe de professores do Departamento de Moda. Os convidados abordaram os impactos da pandemia, do isolamento social e das novas tecnologias na moda na realização de eventos e na produção de moda. Os encontros subsequentes da disciplina se orientaram a pensar o formato pretendido para a décima edição do evento, a ocorrer no ano de 2021. Inicialmente a ideia de realizar um desfile em modelagem 3D foi descartada, sendo aprovada somente após a confirmação da manutenção do ensino remoto em 2021.

Com a aprovação da realização do desfile em modelagem 3D - cujo desenrolar fora documentado no item 3.1 - partiu-se à reorganização da disciplina por parte da professora docente. A primeira etapa consistiu na revisão dos grupos de trabalho (GT), avaliando qualitativamente: (a) quais GTs deveriam ser mantidos; (b) quais deveriam ser excluídos, pois implicariam atividades presenciais agora desnecessárias ou teriam demanda muito diminuta para serem atribuídas a uma equipe. Um segundo momento reflexivo envolveu ponderações sobre (c) a necessidade de criar um novo grupo de trabalho para tarefas e demandas resultados da modalidade 3D e do formato em vídeo como produto que substituiu o evento presencial (Tabela 1).

Posteriormente, passou-se à avaliação das tarefas dos grupos de trabalho, novamente operando as ações de (a) manter, (b) excluir, (d) adicionar tarefas às equipes de trabalho preexistentes e recém-criadas. A revisão da lista de tarefas foi inserida como a primeira tarefa a ser realizada por cada um dos GTs, de forma a impulsionar os discentes no exercício reflexivo; antecipando os seus passos de ação, prognosticando possíveis afazeres, bem como a necessidade de auxílio de staffs para sua realização. Após a realização das listas (Tabela 1), a professora definiu os prazos das tarefas que eram imprescindíveis para a realização do evento em tempo hábil. Demais prazos - fluídos - ficaram sob responsabilidade dos alunos, estimulando-os a gerenciarem pro ativamente tempo e pessoal. A organização interna da equipe, divisão de tarefas e organização de tempo foram acompanhados pela professora em reuniões gerais com toda a turma e com os grupos de trabalho especificamente.

Tabela 1 Listagem das tarefas concernentes aos grupos de trabalho. 

3.1.3 Resultado

O evento OCTA X resultou num fashion film (figura 1) que combinou os formatos desfile e documentário. O vídeo foi lançado em transmissão ao vivo pelo canal do Youtube do Centro de Artes da Udesc, às 19 horas do dia 09 de dezembro de 2021. O fashion film completo em versão full HD está disponível no Youtube e na rede social Instagram (no perfil @octafashion) com duração de 47 minutos. O vídeo é composto por uma combinação de desfile de 37 coleções compostas de dois looks em modelagem 3D, animados em um cenário utópico, um vídeo conceito de abertura explanando o tema e entrevistas com alunos, professores, autoridades e fornecedores. Os looks foram desenvolvidos e animados pelo Hol Studio no prazo de 90 dias corridos a partir da contratação. A edição do desfile ficou por conta do fornecedor da edição de vídeo e direção criativa, Douglas Sielski do Sielski Studio. Os créditos completos do evento estão disponíveis ao final do vídeo.

Para além dos documentários com agentes envolvidos no processo do desfile e autoridades, buscou-se humanizar o fashion film por meio de um vídeo conceito. Tal componente abre o desfile e objetivou apresentar o tema mote das coleções e do desfile: fluidez. A realização do vídeo conceito reverbera da necessidade de conferir maior aspecto poético ao desfile, além de incitar o toque e humanizar a produção em si - na tentativa de mitigar o aspecto puramente tecnológico e frio dos avatares e das animações. Segundo comentado acima, os fashion films tendem a investir em narrativas envolventes, aproximando o público. O vídeo conceito foi dirigido pela equipe do Sielski Studio e exibiu duas bailarinas que performaram ao som de texto poético sobre o tema.

Fig. 1 Captura de tela de entrada de look. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=gVx57VtpD10&t=388s  

Houveram aspectos negativos relacionados ao evento. O principal deles se refere às expectativas dos alunos em relação à fidedignidade das suas coleções. Ao tocante do interesse deste artigo, do ponto de vista organizacional, pode-se indicar a dificuldade de comunicação com discentes e entre os grupos de trabalho. Principalmente desafiador foi envolver os alunos da sexta fase do curso que comumente atuam como staffs do OCTA - aspecto que tende a ser resolvido nas próximas edições com a possibilidade de convívio entre alunos e professores. Ainda, pode-se indicar a necessidade de manter os grupos de relações públicas e assessoria de imprensa como grupos separados, criar o grupo de casting para a definição dos avatares e reavaliar a necessidade do grupo de programação, cuja existência é somente válida na ocorrência de um lançamento presencial.

De forma geral, o evento foi considerado um sucesso por parte da instituição, sendo aprovado por parte do Departamento de Moda e do Centro de Artes como formato a ser adotado nas próximas duas edições do evento, sobretudo devido à sobrecarga de aulas práticas a serem repostas no espaço físico da universidade e ao incentivo de habilitar os alunos a lidarem com a criação de produtos do vestuário e da comunicação de moda de forma digital, conhecendo novos softwares e novas estéticas do campo da moda. A repercussão na imprensa foi positiva, uma vez que se tratou do primeiro desfile documentário em formato digital.

4. Considerações finais

O ano de 2021 iniciou com o prognóstico da impossibilidade de retorno presencial das atividades letivas devido ao prosseguimento da crise sanitária e regras de isolamento social. Como forma de possibilitar a continuidade do processo ensino aprendizagem e, sobretudo, a conclusão do curso por parte dos alunos formandos, buscou-se uma saída em realizar o evento OCTA Fashion em formato digital. Como os looks não poderiam ser confeccionados materialmente, propôs-se o desfile como fashion film documentário, todo em animação 3D. As estratégias de desfile digital em 3D, fashion films, e narrativa documental/informativa vêm sendo adotadas de forma expoente por marcas e estilistas - em maior ou menor grau de inovação.

A partir da bibliografia consultada e dos exemplos indicados, a aproximação efetiva da moda com o campo digital parece irreversível (Needham, 2013 [9]; Buffo, 2017 [7]; Gloria, 2020 [6]). A universidade também deve trilhar e até mesmo guiar este caminho (Boldt & Amorim, 2020 [5]). A experiência do OCTA X foi extremamente válida para os corpos docente e discente, de forma a orientar o setor da moda para as transformações tecnológicas. Essas transformações não implicam somente sobre a técnica e seu domínio; mas alteram a forma como os produtos são desenvolvidos e produzidos, para quais fins são produzidos, como serão comunicados, apreciados e consumidos. O processo ensino aprendizagem e a construção de conhecimento acadêmicas são essenciais para propor soluções e reflexões sobre essas e porvindouras transformações que impactam o futuro do setor.

A realização do OCTA X proporcionou aprendizado operacional na realização de eventos digitais. Na ocasião da disciplina, os discentes definiram um cenário para o desfile; a aparência física e a coreografia de modelos avatares; realizaram convites a autoridades, jornalistas e influenciadores; executaram ensaios fotográficos e filmagens; planejaram a revista e redigiram reportagens, entre outros. Contudo, para além da prática, vivenciaram as amplas possibilidades de customização; a economia de recursos na alteração dos protótipos digitais (sustentabilidade); testaram novas linguagens e narrativas midiáticas. Aprenderam a lidar diretamente com um cenário desafiador e a atuar de modo criativo e inovador para propor soluções a problemas presentes.

Apesar do universo digital parecer infinito em possibilidades, vivenciamos também os seus limites. Ainda que eficiente, falta ao digital os apelos táteis, têxteis, tão arraigados ao campo da moda, cujos produtos vestem a pele humana. A humanização também é uma carência da tecnologia. Mais do que aspectos a serem superados, essas lacunas parecem oferecer uma possibilidade rica de conexão entre o digital e o físico, entre o virtual e o presencial, como Bhaba (2003) [1] propõe com seu conceito de hibridismo. A possibilidade de um campo cada vez mais múltiplo, mais híbrido, mais fluido. O contemporâneo diluiu as barreiras entre o físico e o digital. Possibilita experimentações estéticas, desafiando ainda mais as possibilidades da materialidade e da tecnologia.

Bibliographic References

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Recebido: 07 de Fevereiro de 2022; Aceito: 06 de Setembro de 2022

Correspondent Author: Amanda Queiroz Campos Av. Me. Benvenuta, 2007 [Centro de Artes, sala 07]- Itacorubi, Florianópolis - SC, Brasil. CEP: 88035-901, Brasil. amandaqc88@gmail.com

Doutora em Design (2017) em modalidade cotutela - doutorado binacional - pela Bergische Universität Wuppertal (BUW/Alemanha) na linha de Teoria do Design (Deisgntheorie/Industrie Design) e pelo Programa de Pós Graduação em Design pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/Brasil), com bolsas da FAPESC e CAPES/DAAD. Possui graduação em Moda com Habilitação em Estilismo pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), graduação em Design Gráfico pela UFSC e mestrado em Design e Expressão Gráfica pela mesma instituição (2013). Atualmente é professora colaboradora da Udesc, onde organizou pelos últimos dois anos o desfile OCTA Fashion - maior desfile de moda do Estado de Santa Catarina - e editou a revista correlata ao evento, OCTA Mag. Atua como consultora e palestrante na área de tendências e comportamento do consumidor. Tem experiência em Moda, com ênfase em Pesquisa de Tendências, Comportamento de Consumo, Criação e Comunicação de Moda.

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