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Convergências - Revista de Investigação e Ensino das Artes

Print version ISSN 2184-0180On-line version ISSN 1646-9054

Revista Convergências vol.16 no.31 Castelo Branco May 2023  Epub May 31, 2023

https://doi.org/10.53681/c1514225187514391s.31.169 

Review Paper

O trabalho imaterial na obra de Jum Nakao

The immaterial labor in Jum Nakao’s work

Larissa P. Giuriatti1  , Conceptualization, Methodology, Writing - original draft
http://orcid.org/0000-0003-0259-2137

Olympio José Pinheiro1  , Supervision
http://orcid.org/0000-0002-8015-7416

1Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Campus Bauru. Brazil.


Resumo

O artigo traz a questão do valor do trabalho imaterial do design de moda através da performance A Costura do Invisível, de Jum Nakao (2004). Em uma relação entre a produção de moda (imaterial), um produto simbólico, intangível e que atende a um desejo, e a produção de roupa (material), um produto concreto e tangível, é configurado o produto de design de moda. No entanto, qual seria o valor da produção intelectual, imaterial, em um sistema tão efêmero? Este valor estaria associado apenas aos números de venda do produto concreto? Através de uma investigação descritiva e qualitativa sobre o trabalho imaterial presente na obra de Nakao, buscou-se solucionar estas questões e outras reflexões.

Palavras-chave: Trabalho Imaterial; Design de Moda; A Costura do Invisível

Abstract

The article brings the question of the value of the immaterial labor of fashion design through the performance The Sewing of the Invisible, by Jum Nakao (2004). In a relationship between the production of fashion (immaterial) a symbolic, intangible product that meets a desire and the production of clothing (material) a concrete and tangible product is configured the product of fashion design. However, what would be the value of intellectual, immaterial production in such an ephemeral system? Would this value be associated only with the sales figures of the concrete product? Through a descriptive and qualitative research about the immaterial labor present in Nakao's work, we sought to solve these questions and other reflections.

Keywords: Immaterial Labor; Fashion Design; The Sewing of the Invisible

1. Introdução e Objetivo

O artigo levanta a discussão sobre o trabalho imaterial na obra do designer de moda Jum Nakao, apresentada no evento São Paulo Fashion Week, edição de verão do ano 2004. É proposto para tal reflexão sobre o trabalho imaterial, que este deva ser relacionado com o trabalho material do designer de moda. Isso ocorre, pois o trabalho imaterial e o trabalho material do profissional designer de moda são fatores interligados que se apresentam na ampla rede de relacionamentos sociais, econômicos e simbólicos (Keller, 2007).

Segundo Paulo Keller (2007), a reflexão sobre o trabalho imaterial do designer de moda é feita pela relação entre a produção de moda (imaterial) e a produção de roupa (material), a partir da primícia de que a moda é um produto intangível, imaterial e cultural, enquanto a roupa é tangível, material e concreta. Para o autor, “A indústria da moda envolve a complexidade das relações entre a produção da cultura de moda e as indústrias têxtil e de confecção” (Keller, 2007, p. 10).

As distinções presentes na definição da produção de moda e da produção de roupa são o elo e também a tensão, presente na obra do designer brasileiro Jum Nakao [2]. Nascido no Brasil, porém de ascendência oriental, o designer de moda Jum Nakao chegou a cursar Engenharia Eletrônica e Artes Plásticas antes de cursar Moda na Coordenação Industrial Têxtil (CIT), em São Paulo. Nos anos 1990, se destacou ao apresentar sua primeira coleção no evento Phytoervas Fashion, berço do que viria ser o São Paulo Fashion Week (SPFW). No entanto, foi no ano de 2004, com a performance do seu desfile, intitulada A Costura do Invisível, que o designer alcançou notoriedade nacional e internacional.

Qual é o elo e a tensão entre o trabalho material e o imaterial presente no desfile performance A Costura do Invisível? Como o olhar e a experiência particular de um designer de moda, como Jum Nakao, pode contribuir com questões para a moda deste século XXI? Estas foram as perguntas que nortearam este ensaio que buscou definições do trabalho imaterial presente no design de moda e sua relação com o trabalho material; buscou também expor a formação e as experiências do designer Jum Nakao, para então abordar sua obra, A Costura do Invisível, e compreender como ela articula as questões materiais e imateriais ao revelar algumas das problemáticas da moda.

2. Metodologia e Problemática

Nossa investigação é de natureza descritiva e qualitativa, é resultado da necessidade em elucidar questões da área de design de moda, como a relação entre o trabalho material e o imaterial articulados no design de moda. Parte, também, da necessidade de ilustrar como o trabalho imaterial, o conteúdo, a ideia, do designer de moda podem fazer frente ao consumo extremo estimulado pelo sistema Moda.

Desse modo, usamos um referencial teórico de autores das áreas de filosofia, sociologia, design e economia, como Gilles Lipovetsky, Fréderic Godart, Bernd Löbach e Xavier Greffe, entre outros (vide referências), e uma compilação de entrevistas de Jum Nakao concedidas a diferentes jornalistas e em diferentes datas, todas as entrevistas abordam sua obra e as reflexões presentes nela. Além disso, foi possível resgatar e analisar sua performance, uma apresentação única, graças aos registros e documentações feitas em seu livro A Costura do Invisível (2005), publicado no Brasil pela editora Senac, através das fotografias e conteúdos disponíveis em seu site oficial e também em vídeos compartilhados em seu canal do Youtube.

Por fim, como problemática, com a intenção de restringir o estudo, optamos por questionar os seguintes problemas: O valor imaterial do trabalho de um designer de moda tem apenas como finalidade o retorno de valor econômico, financeiro? Como construir permanência na moda tão efêmera?

3. O Trabalho Imaterial do Design de Moda

O trabalho imaterial do design de moda envolve uma ampla cadeia de operações a ser detalhada, no entanto, o limite do artigo não permite especificar cada uma. Por isso, vamos nos ater na relação entre o trabalho imaterial e o trabalho material. A relação entre produção de moda (imaterial) e produção de roupa (material) cresce desde a metade do século XX com o surgimento do prêt-à-porter e a forte influência simbólica. A partir da década de 1960, a moda moderna é marcada pela fase denominada, por Gilles Lipovetsky (2009), como Moda Aberta, momento este da consolidação do sistema prêt-à-porter, da lógica industrial e do desejo fashion.

O prêt-à-porter constitui uma produção burocrática, orientada por um criador profissional, o designer, ou o estilista, com uma lógica industrial serial, coleções sazonais e desfiles com fins publicitários (Lipovetsky, 2009). Embora algumas das características não sejam exclusivas deste momento, como os desfiles de coleções e o poder de signo simbólico(1) (Peirce citado em Santaella, 1995) exercido pela moda, que nos remetem a períodos anteriores, é, no entanto, nesta fase que a moda assume um sistema industrial e serial, disseminando em um público amplo o desejo pelo produto de moda e tornando mais intensa a relação entre a produção imaterial e material.

Algumas das teorias clássicas da sociologia sobre a produção e difusão de moda (imaterial) é a que traduz a ideia da moda com seus códigos estéticos, usada como ferramenta de uma afirmação identitária que o indivíduo, ao almejar se diferenciar da grande massa, consome a moda para enfatizar sua inclusão social a um seleto grupo (Tarde, 1890; Veblen, 1899; Simmel, 1904, citados em Godart, 2010). Em outras palavras, a moda é vista com seu poder de significação sociocultural como uma extensão e afirmação da identidade, em uma relação paradoxal de imitação e diferenciação em que ocorre sua difusão no meio social.

A produção imaterial da moda passa a ter maior reconhecimento como trabalho imaterial devido às mudanças recentes no mundo industrial e no mercado de trabalho. Na abordagem econômica padrão havia a distinção entre produção de bens e serviços, no entanto, com as inovações tecnológicas e os bens culturais (filmes, músicas etc.), não era possível enquadrar as novas produções na clássica distinção (Greffe, 2015).

Conforme Contino (2022) salienta, o trabalho do designer, em um sentido amplo da profissão e não com o foco em uma especialização, teve sua origem no século XVIII e manteve por dois séculos o foco em dar forma a artefatos materiais, tangíveis. No entanto, o que se percebe na atualidade é que o eixo conceitual do designer se modificou, “há um enfoque no processo estratégico, ou seja, no modo de pensar configurado pela atividade profissional” (Contino, 2022, p.26). Fato perceptível na ampla diversidade de atividades profissionais especializadas e realizadas pelos designers, como, por exemplo, design gráfico, design de moda, design de experiências, design de interfaces e etc.

Assim, “a economia do conhecimento, marcador da sociedade contemporânea, também dá provas de que uma parte crescente da atividade econômica concerne à mobilização dessas dimensões imateriais ou de conteúdo” (Greffe, 2015, p. 31). A crescente produção imaterial, com a mercantilização das experiências humanas e culturais, ultrapassa o capitalismo material e tangível, desse modo se constitui a chamada economia criativa, através da produção de propriedade intelectual, como ocorre na publicidade, arquitetura, arte, design, moda etc. (Greffe, 2015).

É importante ressaltar que o trabalho do designer de moda, ao conceber uma coleção, articula o trabalho material com a confecção e produção da roupa cuja função primária é a proteção, mas ele também constrói o elo com seu trabalho imaterial ao envolver sua propriedade intelectual, sua criatividade, na produção de significação sociocultural. Como aspectos indissociáveis, a materialidade e a imaterialidade estão presentes no design de moda. Conforme Bernd Löbach (2001), na configuração do objeto de design industrial, que acreditamos que se estende ao design de moda, coexistem necessariamente três funções, alternando de intensidade em cada caso específico. As três funções são: “Função Prática”, “Função Estética” e “Função Simbólica”.

De maneira sucinta, para Löbach (2001), a Função Prática refere-se à relação entre o produto e seu usuário, respeitando os aspectos fisiológicos do homem, e sua natureza é utilitária. Na Função Estética, é a relação entre o usuário e um produto na percepção sensorial durante seu uso, é um aspecto psicológico que envolve a forma e a configuração do produto. Já a Função Simbólica deriva dos aspectos estéticos do produto, para a associação de significados sócio-históricos e culturais do usuário (Löbach, 2001).

No design de moda, a Função Prática está presente na modelagem e na função de proteção da roupa, ou seja, associado ao trabalho material. Porém as funções Estética e Simbólica têm estreita relação e no caso do design de moda elas se unem e podem superar a Função Prática, ao transmitir uma cultura, uma ideia ou uma significação, em suma o trabalho imaterial de um designer. É o que veremos a seguir.

4. A Costura do Invisível

Jum Nakao em sua trajetória após os estudos em Moda no CIT (Coordenação Industrial Têxtil), atuou como designer de moda em uma confecção infantil, viajou ao Japão onde pôde ter experiências com a semana de moda japonesa, ao retornar ao Brasil trabalhou como designer de moda em outras marcas e abriu sua própria empresa com seus irmãos. Em 1996, se inscreveu no evento Phytoervas Fashion (que mais tarde se tornaria o São Paulo Fashion Week) e seu desfile foi considerado a grande revelação do evento (Nakao, s.d., on-line).

Após o Phytoervas Fashion e a consagração de designer revelação, recebeu o convite para gerenciar o departamento de estilo de uma das marcas mais importantes, na época, para o cenário de moda nacional, a Zoomp. Durante os anos de trabalho na Zoomp, em paralelo, criou sua marca homônima, a qual desfilou desde os primórdios do evento de maior relevância para a moda brasileira, o São Paulo Fashion Week (SPFW).

Nessa intensa relação com o mercado de moda, passou a questioná-lo e, como uma resposta, no ano de 2004, apresentou uma performance daquela que seria sua última coleção no evento SPFW.

Tempos antes do desfile, Jum Naka e sua equipe sem expor detalhes sobre a construção da sua coleção, manteve em sigilo da imprensa e até mesmo das modelos que souberam apenas no dia do evento que desfilariam roupas de papel. As modelos entraram na passarela vestindo collants (uma peça de roupa com modelagem similar a um macacão feito de malha, mas fica bem justo no corpo) de cor preta, cobrindo o corpo inteiro, com apenas o rosto exposto. Sobreposto ao collant, usavam vestidos confeccionados em papel vegetal na cor branca.

Os vestidos de papel vegetal foram peças minuciosamente modeladas à mão, com detalhes em brocado, texturas e “rendas” cortadas a laser no papel, as referências remetiam ao fim do século XIX, um resultado de 700 horas de trabalho (Nakao, 2005). Em contraponto, na cabeça as modelos usavam uma espécie de capacete, de material plástico, que fazia clara referência ao cabelo do boneco playmobil. A maquiagem era uma pele uniforme branca, com sobrancelha preta bem marcada e nos lábios batom na cor preta, padronizava todas as modelos sem concentrar a atenção em qualquer traço de identidade, de individualidade, assim como na maquiagem gráfica usada em bonecos de plástico.

A trilha sonora durante o desfile era inspirada em uma música do maestro brasileiro de música clássica, Heitor Vila Lobos, porém em um ritmo eletrônico, com batidas que transmitiam um ambiente inquietante. Ao final, quando todas as modelos retornaram a passarela para a finalização do desfile, a trilha sonora mudou bruscamente, refletindo um ambiente de suspense e tensão no ar. Então, as modelos posicionadas lado a lado, começaram a rasgar impiedosamente as frágeis roupas feitas de papel vegetal, até deixá-las em pedaços e diante dos olhares perplexos do público.

Após os momentos de extrema emoção do desfile, restaram os questionamentos diante da obra apresentada, mas também algumas reflexões. A estética do desfile era a fusão da tradição na moda do século XIX, com a produção industrial em série iniciada com o prêt-à-porter, na metade do século XX, mas principalmente com a intensidade da produção industrial promovida pelo sistema fast fashion desde a década de 1990.

O fast fashion é o sistema produtivo que responde mais rápido aos desejos e anseios do consumidor de moda, é um sistema caracterizado por uma produção não mais sazonal como no prêt-à-porter, mas com ciclos quinzenais de novos produtos a preços mais acessíveis (Cietta, 2012). Ocorre que desde a década de 1990, associado a fatores de um mercado capitalista global (Juvin & Lipovetsky, 2012), a Moda se democratizou através dos preços acessíveis da estilização, como no fast fashion, impulsionou o consumo e acelerou o processo de descarte de seus produtos.

Conforme (Gilles Lipovetsky, 2009), caracterizou o momento contemporâneo como Moda Consumada, é fase em que a Moda, permeada pela ideia de “novidade”, pela ideia do “novo”, reorganiza em profundidade o contexto cotidiano, momento este que deixou de ser o privilégio de uma elite social e todas as classes são levadas pela embriaguez da mudança (Lipovetsky, 2009). Assim a performance do desfile de Jum Nakao traz a reflexão do extremo consumo na moda e levanta a questão do trabalho material e imaterial do designer de moda.

Ainda, para o filósofo (Lars Svendsen, 2010) “não consumimos apenas para suprir necessidades já existentes: nós o fazemos provavelmente para criar uma identidade. Além disso, o consumo funciona como um tipo de entretenimento.” (Svendsen, 2010, p.129). Svendsen, desta forma conclui que “é o aspecto “cultural”, não o “material”, das mercadorias que está à venda” (Svendsen, 2010, p.139), assim para o filósofo o enfoque nos valores simbólicos pode conduzir a renovação dos estoques em ritmo acelerado.

O lado do trabalho material do designer de moda pode ser representado pelos números que movimentam a economia. No Brasil, de acordo com os dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), no ano de 2020 o faturamento das Indústrias de Moda foi de R$161,4 bilhões (ABIT, 2022), resultado obtido por um extremo consumo se considerarmos que não consumimos o produto de moda apenas por sua Função Prática. Isso nos conduz ao trabalho imaterial exercido pelo designer de moda, um dos fatores que movimentam números tão altos na indústria da moda.

Entretanto, o trabalho imaterial do designer de moda teria por finalidade apenas a mercantilização da roupa e o lucro obtido?

Jum Nakao, em seu livro A Costura do Invisível (2005), descreve que embora a ideia inicial tenha partido dele, do próprio designer, ela foi um processo criativo e intelectual construído em conjunto com a cadeia de profissionais que à época o acompanhava e também moldada pela compreensão do público que a assistiu. “Buscamos resgatar o uso preciso do vago, porque o que é subentendido torna o observador ao mesmo tempo cúmplice da intenção e sujeito da obra” (Nakao, 2005, p.12).

Neste sentido, a imaterialidade, a contextualização de sua obra se aproximam da arte moderna, como em Svendsen (2010), “Na hermenêutica contemporânea há um amplo entendimento de que o artista não ocupa uma posição privilegiada quando se trata da compreensão da obra que criou” (Svendsen, 2010, p.77). Sobre a performance, Nakao complementa, “Havia um sentido maior que nos rodeava. Mais do que peças impecáveis, os artesãos percebiam a arte toda não mais como lugar da metáfora, mas da metamorfose, que levava a um comportamento ativo convidando ao jogo” (Nakao, 2005, p.16).

Embora, como bem menciona Svendsen (2010), a cisão entre arte e ofícios ocorrida no século XVIII, posicionou a moda em uma esfera extra-artística, existe, porém, algumas estratégias adotadas por designers de moda que são claramente posicionadas no campo artístico contemporâneo, assim como a reflexão sobre a materialidade da arte promovida pelo movimento artístico moderno. É possível fazer essa analogia através da “autocrítica” que a arte moderna promoveu ao refletir e colocar à prova sua própria identidade (Greenberg, 1939, citado por Svendsen, 2010) com a “autocrítica” promovida por Nakao em sua performance ao criticar o caráter descartável que a moda no século XXI atingiu.

Em diferentes entrevistas concedidas após a apresentação de sua obra, Nakao comenta a respeito da questão e da reflexão. “Tinha de fazer algo para expor minha indignação sobre valores. O papel é o lugar do esboço, parte do processo criativo, é matéria efêmera, rasga, amarela, é sensível à ação do tempo” (Nakao citado em Ibahia, 2011). Ainda, Nakao ressalta o valor imaterial de seu trabalho transmitido na performance “Em uma folha de papel, podemos ter palavras que transformam a vida e, ao mesmo tempo, uma folha em branco está pronta para ser preenchida de significados” (Nakao citado em Ibahia, 2011).

Sobre o sentimento de inquietação causado no público comenta que “o choque criou um questionamento na cabeça das pessoas. Queria mostrar que o mais importante é o conteúdo, a ideia, não a forma” (Nakao citado em Oyama, 2007). Mais adiante, em um mesmo trecho da entrevista, afirma: “Esta forma deveria ser tão valiosa e os pensamentos por detrás dela, tão densos, que mesmo desaparecendo, aquilo permaneceria na retina imagética das pessoas, deixando cicatrizes” (Nakao citado em Oyama, 2007).

Na relação intensa construída com o mercado da moda brasileira, durante anos de atuação como designer de moda, somado a dificuldade em conciliar criação (valor imaterial) com venda (valor material) intensificaram os questionamentos do designer sobre o sistema e o cenário da Moda. O resultado foi trazer ao público o questionamento sobre valores através de seu último desfile, “o rasgo não era o fim, era o princípio de uma série de reflexões, uma abertura que permaneceria para refletirmos sobre a efemeridade e a permanência, sobre a nossa própria existência” (Nakao citado em Lourenço, 2019).

Em sua performance, ao destacar a ideia (imaterial) em contraste com o produto (material), Jum Nakao demonstrou através de uma autocrítica da moda como esses valores imateriais, as funções e valores simbólicos podem conduzir a uma renovação e descartes acelerados no design de moda. Desse modo, pôde transcender a finalidade por excelência lucrativa da venda da coleção, ao criticar e alertar sobre o extremo consumo promovido pela moda, uma das grandes problemáticas que a área enfrenta neste século XXI, o combate à crise ambiental.

“Borda permanência na efemeridade ao "vestir" sem existir: a coleção de papel foi inteira rasgada em seu lançamento sem uma roupa sequer posteriormente ter sido produzida, e perdura através dos tempos como referência de moda” (Nakao citado em Lourenço, 2019). Entretanto, como elo indissociável no design de moda o aspecto imaterial só pode ser transmitido por sua forma material, mesmo que frágil e efêmera como é o papel.

Por fim, a performance A Costura do Invisível perdura no tempo por trazer questões pessoais da experiência do próprio designer, mas que dialoga com todos, principalmente com os que estão envolvidos na ampla cadeia de Moda, dialoga com o tempo, com o efêmero e com o permanente. A grandiosidade da obra de Nakao foi reconhecida como desfile da década pelo evento São Paulo Fashion Week e em 2006 o museu de Moda em Paris mostrou o desfile como uma das obras mais representativas do século, expondo ao lado de outros grandes designers de moda, como Yohji Yamamoto.

Considerações Finais

No design de moda, a configuração do produto é articulada com as questões materiais e imateriais (simbólicas, histórica e socioculturais), o que compreende uma ampla cadeia de relações. Entretanto, um de seus aspectos é que a influência simbólica, a produção de moda (imaterial), em uma visão sociológica, é usada como uma afirmação identitária permitindo a inclusão social do indivíduo através de sua imagem criada, promovendo a difusão da moda em uma ligação paradoxal de imitação e diferenciação.

Conforme apresentamos, o elo entre a produção de moda (imaterial) e a produção de roupa (material) se intensifica desde o sistema prêt-à-porter estimulando o desejo pelo consumo do produto de moda. Esse elo que promove um intenso consumo se consolida na contemporaneidade com o sistema fast fashion, por ser uma resposta mais rápida ao desejo por consumo e assim acaba por acelerar o processo de descarte.

Jum Nakao, após anos de trabalho e experiência na indústria da Moda, passa a questionar esse sistema. Qual seria o valor da produção intelectual, criativa, o valor do trabalho imaterial do designer de moda? Este valor, então, estaria atribuído por excelência aos números de venda do produto material?

Em sua obra, A Costura do Invisível, Nakao apresenta como o valor imaterial, criativo e intelectual pode originar do profissional designer de moda, porém é construído pela rede de profissionais da cadeia têxtil e efetivado pela coletividade social. E muito embora, o foco desse valor simbólico, para Svendsen, torna o objeto supérfluo, por ser um valor que se desgasta rapidamente e desse modo é mais propenso a dar lugar a um novo objeto, acelerando o descarte; a obra de Nakao se apresenta contrária a esta ideia.

A Costura do Invisível ilustra como o design de moda pode construir questionamentos mais profundos, ao partir do seu sentido imaterial e ao promover uma autocrítica, assim como ocorreu na arte moderna, ao refletir sobre sua materialidade e identidade no contemporâneo.

Referências Bibliográficas

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Glossário

¹ Por Signo Simbólico podemos entender todo signo ou representação cujo sentido é estabelecido por um pacto ou convenção social. Um dos exemplos mais comuns é a bandeira de um país, que em virtude de uma convenção social se refere ao objeto que denota, ou seja, a bandeira faz referência ao país (Peirce citado em Santaella, 1995).

Recebido: 29 de Setembro de 2022; Aceito: 27 de Fevereiro de 2023

Correspondent Author: Larissa P. Giuriatti Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 - Vargem Limpa - Bauru/SP, CEP 17033-360, Brazil lara.giuriatti@gmail.com

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