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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

Print version ISSN 2184-0458On-line version ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.9 no.2 Braga Dec. 2022  Epub May 01, 2023

https://doi.org/10.21814/rlec.4059 

Artigos temáticos

A Escada do Poder: Comunicação de Ciência e Ciência Cidadã

Thomas Gascoigne, Concetualização, análise formal, investigação, metodologia, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-2964-9535

Jenni Metcalfe, Concetualização, análise formal, metodologia, visualização, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-8765-2567

Michelle Riedlinger, Análise formal, metodologia, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-4402-4824

1Centre for the Public Awareness of Science, The Australian National University, Canberra, Australia

2School of Communication, Queensland University of Technology, Brisbane, Australia


Resumo:

A 28 de março de 2022, a Journal of Science Communication publicou um número especial sobre comunicação participativa de ciência com 15 artigos e ensaios. A edição especial da Journal of Science Communication suscitou um debate entre os quatro editores sobre a formulação da chamada de trabalhos. Qual é a diferença entre “comunicação participativa de ciência” e “ciência cidadã”? Serão pontos distintos ao longo de um continuum entre “simples” e “mais envolvidos”? Será que a “ciência cidadã” engloba a “comunicação participativa de ciência”? E será que toda a “ciência cidadã” é participativa? Uma das principais considerações será o nível de envolvimento dos “cidadãos” nestes esforços e que tal consideração se traduz em questões de poder. Este ensaio explora as definições de comunicação participativa de ciência e ciência cidadã. Examina cada um destes conceitos através do quadro das relações de mudança e do desequilíbrio de poder implícito entre cientistas e vários públicos. Ao fazê-lo, revisitamos o trabalho de Sherry Arnstein (1969), “Ladder of Citizen Participation” (Escada de Participação Cidadã), e construímos escadas complementares para a comunicação da ciência e da ciência cidadã.

Palavras-Chave: comunicação participativa de ciência; ciência cidadã; escada de participação

Abstract:

On March 28, 2022, the Journal of Science Communication published a special issue on participatory science communication featuring 15 papers and essays. The Journal of Science Communication special issue sparked a debate among the four editors over the wording of the call for papers. What is the difference between “participatory science communication” and “citizen science”? Are they different points along a continuum stretching from “simple” to “more involved”? Does “citizen science” incorporate “participatory science communication”? And is all citizen science participatory? A key consideration is the level of involvement by “citizens” in these endeavours, and that consideration translates to questions of power. This essay explores definitions of participatory science communication and citizen science. It examines each of these concepts through the framework of shifting relationships and the implicit power imbalance between scientists and various publics. In doing this, we revisited Sherry Arnstein’s (1969) paper, “A Ladder of Citizen Participation”, and constructed complementary ladders for science communication and citizen science.

Keywords: participatory science communication; citizen science; ladder of participation

1. Introdução

A 28 de março de 2022, a Journal of Science Communication (JCOM) publicou um número especial sobre comunicação participativa de ciência (Metcalfe et al., 2022). Esta edição incluiu 15 artigos e ensaios, todos eles desenvolvidos a partir das sessões de debate na “Conferência 2020+1” da Network for the Public Communication of Science and Technology (Rede para a Comunicação Pública de Ciência e Tecnologia).

A edição especial da JCOM suscitou um debate entre os quatro editores sobre a formulação da chamada de trabalhos. A nossa dificuldade residia em estabelecer a distinção entre “comunicação participativa de ciência” e “ciência cidadã”. Serão pontos distintos ao longo de um continuum entre “simples” e “mais envolvidos”? Será que a “ciência cidadã” engloba a “comunicação participativa de ciência”? E será que toda a “ciência cidadã” é participativa?

Sugerimos que uma das principais considerações será o nível de envolvimento dos “cidadãos” nestes esforços e que tal consideração se traduz em questões de poder. Quem promove a investigação? Quem concebe as experiências? Quem conduz a análise e determina de que forma os resultados serão divulgados? A plena comunicação participativa da ciência tem públicos a desempenhar pelo menos um papel equivalente em todas as fases. Como disse Anne Leitch (2022) no seu artigo na edição especial: “o poder inclui quem decide quem é convidado (ou não, ou ativamente excluído) a participar e como se desenrola esse processo. Também inclui noções do que é considerado conhecimento especializado, e consequentemente incluído ou omitido no processo” (p. 2).

Este ensaio explora as definições de comunicação participativa de ciência e ciência cidadã, examinando cada uma delas à luz das relações instáveis e do desequilíbrio de poder implícito entre os cientistas e os vários públicos.

2. A “Escada de Participação” de Arnstein Indica um Aumento Progressivo do Poder

A “escada de participação” de Arnstein (1969) indica um aumento progressivo do poder. Sherry Arnstein (1969), no seu muito citado artigo “A Ladder of Citizen Participation” (Uma Escada de Participação) de 1969, definiu uma abordagem para avaliar os níveis de participação e poder, na comunicação científica ou na ciência cidadã. Numa análise descrita como “penetrante, sem sentido, mesmo belicosa” (Organizing Engagement, s.d., para. 2), a autora examinou programas de renovação urbana e anti pobreza nos Estados Unidos, onde as comunidades que estudou foram convidadas a participar em novos programas para melhorar os seus bairros.

A “escada de participação” de Arnstein de oito níveis (ver Figura 1) ilustra as suas observações. Os dois níveis mais baixos são designados por “manipulação” e “terapia”, e os níveis subsequentes empregam uma terminologia igualmente imbuída de valores.

Fonte. Adaptado de Arnstein, 1969, p. 217

Figura 1 Escada de participação de Arnstein (1969) 

Arnstein (1969) trabalha com base no princípio de que a participação correspondente a degraus mais altos na sua escada é mais digna dado o seu potencial de partilha de poder. Ao descrever os degraus inferiores da escada, a autora explica:

estes dois degraus [inferiores] descrevem níveis de “não participação” que foram engendrados para substituir a participação genuína. O seu verdadeiro objetivo não é permitir que as pessoas participem no planeamento ou condução de programas, mas permitir aos detentores do poder “educar” ou “curar” os participantes. (p. 217)

Arnstein afirmava que os níveis mais baixos de participação davam aos dirigentes a licença para aplacar, amordaçar ou “educar” os grupos desfavorecidos. Para a autora, os programas de renovação urbana eram frequentemente “trapaça” e “uma farsa” (Arnstein, 1969, p. 218). Mas à medida que os cidadãos participavam mais plenamente e de forma mais significativa e se deslocavam para os patamares superiores, aumentavam os seus poderes: para negociar, para estabelecer parcerias e eventualmente, no patamar superior, para ter o controlo total.

Para um projeto ser genuinamente participativo, Arnstein (1969) entendia que um programa tinha de incluir uma redistribuição do poder.

A participação dos cidadãos é poder dos cidadãos. Sem uma autêntica redistribuição de poder—sob a forma de dinheiro ou autoridade decisória, por exemplo—a participação apenas “permite aos detentores do poder afirmar que foram consideradas todas as partes, mas permite que apenas algumas dessas partes sejam beneficiadas. Mantém o status quo”. (Arnstein, 1969, p. 216)

Embora a simplicidade da escada de Arnstein (1969) seja apelativa, oculta algumas limitações. Considerando o seu (habitual) domínio de projetos de renovação urba-na, Arnstein acreditava que níveis mais altos de participação eram sempre preferíveis aos níveis mais baixos. Mas para outros projetos ou disciplinas, a participação nos níveis mais baixos pode ter um valor significativo, e a participação nos níveis mais altos pode ser irrealista. Por exemplo, os cidadãos podem ser perfeitamente capazes de contar aves com precisão ou aprender as competências necessárias para recolher e analisar dados de forma fiável, mas podem igualmente tirar partido do facto de os investigadores desenvolverem aplicações de identificação ou bases de dados publicamente pesquisáveis que podem ser consultadas em função das necessidades dos cidadãos.

Existe um paralelo na comunicação científica, onde alguns estudiosos encaram a comunicação participativa de ciência como um desfecho evolutivo desejado que substitui a comunicação de ciência deficitária e dialogante (Metcalfe, 2019). Mas, tal como a comunicação de ciência linear pode ter valor e até ser exigida por vários públicos (por exemplo, para satisfazer a sua necessidade de informação), também é provável que níveis mais baixos de participação em projetos de renovação urbana tenham valor.

3. Postular uma Escada de “Comunicação de Ciência Participativa”

Na nossa chamada de trabalhos para a edição especial da JCOM, escolhemos definir a comunicação participativa de ciência no sentido de reconhecer a igualdade dos cidadãos:

as formas participativas de comunicação científica parecem diferir da popularização, da literacia científica e do diálogo, enquanto reconhecem e admitem vários públicos como sendo iguais quanto ao poder e conhecimento que detêm quando comparados com os cientistas e os decisores políticos. (Metcalfe et al., 2022, p. 4)

Contudo, alguns autores da linha JCOM consideraram preferível evitar uma definição explícita. Anne Leitch (2022) aconselhou a evitar “definições prescritivas, reconhecendo que a lógica e o processo de participação são específicos do contexto e devem ser continuamente adaptados e revistos” (p. 5). Isto ilustra alguns dos desafios de definição associados à comunicação participativa de ciência.

A natureza fluida da comunicação participativa de ciência foi também reconhecida por Chi-I Lin (2022), que abordou o “diálogo, troca de conhecimentos e negociação permanentes” que acontece entre agricultores e cientistas no seu estudo (p. 3). Lin entende formas lineares de comunicação de ciência (diálogo, troca de informação) como parte do espectro da participação.

Ao explorar a natureza da comunicação participativa de ciência, outros autores na mesma edição especial da JCOM reconhecem como a dinâmica de poder muda em comparação com as formas lineares de comunicação de ciência. Standerfer et al. (2022) descrevem a comunicação participativa de ciência como “um espaço discursivo que reconhece e valoriza as experiências vividas dos participantes e o conhecimento da comunidade” (p. 2). A sua descrição é retomada por Rita Campos (2022), que fala em “dar o mesmo peso tanto ao conhecimento científico como ao conhecimento local ou indígena” (p. 4). O ponto “o mesmo peso” é crucial porque realça a partilha do poder.

No seu projeto colombiano Ayure e Triana (2022) sublinham a importância de nivelar as relações de poder com a comunicação participativa de ciência:

o fator diferencial das Ideias para a Mudança é desafiar investigadores e cientistas a trabalhar em equipa com organizações comunitárias para resolver problemas locais através da construção de uma relação assente no bem-estar coletivo. Neste esquema, as relações assentam no respeito entre pares; os títulos académicos não concedem autoridade mas sim confiança. (p. 5)

Outro grupo de autores da mesma edição do JCOM analisou como a comunicação participativa de ciência pode alcançar um nível de interação entre cientistas e públicos que vai além da valorização do conhecimento e experiência dos participantes. Thomas e Cassidy (2022) reconhecem o potencial democrático da comunicação participativa de ciência, descrevendo-a como “investigação empenhada”, citando Holliman et al. (2015): “os investigadores interagem significativamente com vários intervenientes em qualquer ou todas as fases de um processo de investigação, desde a formulação de questões, passando pela produção ou coprodução de novos conhecimentos, até à avaliação e disseminação do conhecimento” (p. 1).

Estas interpretações demonstram intenções de expandir a transmissão ou troca de informação e ideias para uma fase em que vários públicos estão deliberadamente envolvidos com cientistas e o processo de investigação numa base de igualdade. Embora grande parte desta participação seja ainda iniciada e enquadrada por cientistas, comunicadores científicos e as suas instituições, demonstra uma vontade de transferir o poder e a iniciativa em projetos para os públicos.

Com base neste trabalho, fornecemos uma definição revista de comunicação participativa de ciência na introdução à edição especial do JCOM:

“a comunicação participativa de ciência acontece quando cientistas e/ou comunicadores de ciência interagem com vários públicos num processo dinâmico onde são reconhecidas, partilhadas, valorizadas e negociadas diferentes formas de conhecimento e experiências, e onde as relações de poder são niveladas”. Consideramos que tais processos participativos podem conduzir a perspetivas mais inclusivas e democráticas de partilha e apropriação coletiva do conhecimento. (Metcalfe et al., 2022, p. 5)

Adaptámos a escada de Arnstein (1969) para oferecer uma escada de comunicação de ciência semelhante, com as formas mais participativas no topo da escada (ver a escada do meio na Figura 2).

Figura 2 Escada de participação de Arnstein comparada com as propostas de comunicação de ciência e escadas de ciência cidadã 

Os três primeiros degraus da escada de comunicação de ciência são dominados pela comunicação unilateral dos cientistas para vários públicos. A “divulgação” é a transferência direta de informação dos cientistas para os públicos. Embora os cientistas detenham aqui grande parte do poder, podem estar a responder à procura de conhecimento por parte dos públicos e não a uma perceção de défice público. O nível de “educação” também implica uma transferência de informação ou conhecimento daqueles com conhecimentos teóricos (cientistas) para aqueles sem informação ou conhecimento (públicos). Contudo, as interações entre cientistas e públicos através de processos educativos podem conduzir a comunicação além da mera disseminação. A “promoção” da ciência também pode ocorrer por processos mais interativos ou participativos.

Um diálogo mais deliberativo entre os cientistas e os públicos começa com atividades de “consulta”. Aqui os cientistas reconhecem que os públicos podem ter preocupações ou conhecimentos que devem ser considerados nos processos de investigação. No entanto, a consulta ainda é dirigida pelos cientistas e as suas instituições. O “acesso” proporciona aos públicos canais mais diretos para os cientistas, a sua investigação e o conhecimento produzido por essa investigação. Ao ter este acesso, os públicos ganham maiores oportunidades de influenciar o processo científico.

Os três degraus superiores da escada de comunicação de ciência são muito mais participativos por natureza. A “colaboração” implica que os públicos estejam pelo menos a contribuir com os seus conhecimentos e/ou competências para os processos científicos, incluindo a geração de novos conhecimentos, mesmo que não tenham o mesmo estatuto que os cientistas. A “deliberação” dá mais poder aos públicos à medida que estes se envolvem ativamente ao lado dos cientistas na geração de conhecimento e na resolução de problemas. O degrau superior da escada, “criar em conjunto”, significa que os públicos estão agora a participar numa base de igualdade com os cientistas e podem mesmo estar a iniciar atividades de investigação.

A escada de comunicação de ciência não implica um valor mais elevado para as atividades do escalão superior. Pode haver valor nas atividades de comunicação realizadas a qualquer um destes níveis (por exemplo, fornecer aos agricultores uma análise dos seus solos). Reconhecemos a importância e a probabilidade de uma mistura de estilos em qualquer programa de comunicação de ciência (veja por exemplo o artigo de Metcalfe [2022] na JCOM sobre o Australian Climate Champion Program [Programa de Campeão Climático Australiano]), incluindo em programas onde os cidadãos cooperam na criação ou lideram atividades de comunicação.

4. Criar uma Escada de Participação dos Cidadãos na Ciência

Quando definimos a comunicação participativa de ciência na nossa introdução à revista especial JCOM (Metcalfe et al., 2022), fizemos a distinção entre estas atividades e a ciência cidadã:

a comunicação participativa de ciência difere da definição comum de projetos de ciência cidadã onde os cidadãos recolhem dados separadamente para qualquer deliberação ou análise dos cientistas. Contudo, ciência cidadã é um campo amplo, e na sua forma mais alargada pode envolver os públicos na definição, recolha e análise de dados dos problemas. (p. 4)

A natureza ampla e diversificada da ciência cidadã levou a uma série de definições do que esta é e como deve ser decretada. Estas definições variam frequentemente conforme o nível de participação e o poder que esses cidadãos têm num programa de ciência cidadã.

O termo “ciência cidadã” ganhou proeminência em 1995. No entanto, a ideia é muito mais antiga: por exemplo, Bonney (1996, como citado em Hecker et al., 2018) descreve os faroleiros que recolheram dados sobre ataques de aves em 1880. Bonney trabalhou no Cornell Lab of Ornithology Citizen (Laboratório Cornell de Ornitologia Cidadã) durante 4 décadas desde o início dos anos 80. Foi diretor de ciência cidadã e diretor do envolvimento público em programas científicos; e tem publicado amplamente sobre ciência cidadã (ver Cornell Lab, s.d.).

Em 2009, Bonney e colegas publicaram um modelo de nove etapas para o desenvolvimento de um projeto de ciência cidadã, com as etapas estabelecidas por ordem cronológica (Bonney et al., 2009). Esse modelo previa um papel limitado para os cidadãos participantes que eram recrutados com um objetivo simples: a contagem de aves. A possibilidade de os participantes poderem ter conhecimentos sobre o reconhecimento das aves ou sobre o ambiente local que poderia moldar o projeto, nunca foi considerada. Os cidadãos não estavam envolvidos na conceção da experiência, análise e interpretação dos dados ou divulgação dos resultados.

Tais definições eram típicas do movimento científico cidadão nos Estados Unidos, que envolveu na maioria a recolha de dados em larga escala pelos cidadãos. Argumentaríamos que este estilo de ciência cidadã é pouco provável que seja uma comunicação participativa de ciência. O papel dos cidadãos na recolha de dados é importante e útil, mas o poder ainda reside nos cientistas, e é provável que a sua comunicação com os cidadãos seja de natureza linear: fornecer informação e responder a quaisquer perguntas que possam colocar.

Esta perceção da ciência cidadã contrastou com as noções europeias de ciência cidadã no início do século XXI, que consideravam o envolvimento do público no discurso científico e na elaboração de políticas. Por exemplo, Irwin (1995) concebe a ciência cidadã como uma forma de envolvimento do cidadão, que se traduz em atividade política destinada a facilitar a tomada de decisões e a elaboração de políticas de alto risco. Este estilo de ciência cidadã sugere uma forma muito mais participativa de comunicação de ciência, com os cidadãos envolvidos em todas as fases até à coprodução de políticas.

Entre 2013 e 2015, grupos europeus trabalharam para proporcionar uma melhor compreensão do campo com os seus “Ten Principles of Citizen Science” (Dez Princípios da Ciência Cidadã; Robinson et al., 2018). Estes princípios reconhecem os diferentes papéis (e, portanto, o poder) que os cidadãos podem desempenhar nos projetos de ciência cidadã. A história e a redação dos princípios foram exploradas e dissecadas por Lucy Robinson et al. (2018), que descrevem como os princípios foram desenvolvidos.

Os cidadãos podem agir como contribuintes, colaboradores, ou como líderes do projeto e ter um papel significativo no projeto... [que] pode incluir o desenvolvimento da questão da investigação, a conceção do método, a recolha e análise de dados, e a comunicação dos resultados. (Robinson et al., 2018, p. 29).

Friedman e Rosen (2021) vão além dos 10 princípios para estabelecer um caso de coprodução na ciência cidadã na sua extraordinária história de cidadãos israelitas a ganhar uma batalha contra o desenvolvimento dos campos de xisto betuminoso. Os planos secretos de interesses poderosos em Israel foram descobertos por um par de motociclistas de montanha no Vale de Elah. A dupla reuniu oito residentes locais que se encontraram, atribuíram tarefas (criação de um website, angariação de fundos, contacto com políticos) e travaram uma batalha que os autores rotularam de “David contra Golias”. A sua vitória foi o resultado da determinação, do trabalho árduo e da união de um grupo de pessoas com competências díspares:

A coprodução também tem um entendimento mais prescritivo e refere-se à atividade de coprodução de conhecimento para um projeto ou política. Como uma agenda prescritiva, o objetivo da coprodução é gerar política através da contribuição do maior número possível de intervenientes dos vários níveis de governação e dos cidadãos, criando assim um meio pelo qual o conhecimento social e científico e os processos se informem continuamente entre si. (Friedman & Rosen, 2021, p. 4)

Este tipo de atividade é semelhante ao que muitos estudiosos teorizam como co-municação participativa de ciência de alto nível. Neste tipo de ciência cidadã, o público partilha o poder com os cientistas.

Aparentemente a ciência cidadã, tal como a comunicação de ciência e a participa-ção cidadã urbana, pode ser inscrita e descrita numa escada hierárquica que demonstra diferentes níveis de participação, portanto, de poder cidadão. Esta noção de hierarquia também se encontra numa das edições especiais da JCOM, que abordou a ciência cidadã na investigação da energia solar (Barbosa et al., 2022). Os autores definem a ciência cidadã no contexto da comunicação participativa de ciência dizendo que esta “pode ser categorizada em três práticas: contributiva, colaborativa ou criada em conjunto” (Barbosa et al., 2022, p. 2). Consideravam a ciência cidadã criada em conjunto como a mais participativa.

Recorremos a estas definições e explicações da ciência cidadã para construir uma escada da ciência cidadã (Figura 2). Os três primeiros degraus desta escada (recolha, análise e disseminação) correspondem ao que Barbosa et al. (2022) chamam “contribuinte”. Com a “recolha” e “análise”, os cientistas cidadãos realizam tarefas relativamente simples que ajudam os cientistas nas suas atividades de investigação. Quando os cientistas cidadãos se envolvem na “disseminação”, ajudam os cientistas a transferir a informação gerada a partir da atividade científica do cidadão. Isto difere da “disseminação” na escada de comunicação de ciência, onde os cientistas realizam a comunicação.

As três etapas seguintes (interpretar, conceber em conjunto e iniciar) refletem atividades de “colaboração” entre cidadãos e cientistas. Quando os cidadãos se envolvem na “interpretação” e “conceção conjunta” adquirem mais poder no processo científico do que quando estão envolvidos nos degraus anteriores da escada. Os cientistas estão agora a valorizar a capacidade dos cidadãos para interpretar dados e conceber atividades de investigação.

Os dois primeiros degraus (liderança e coprodução) irão provavelmente levar os cientistas e cidadãos a “conceber em conjunto” novos conhecimentos ou políticas. Será provavelmente aí que haverá uma partilha de poder muito maior, e os cidadãos poderão estar a liderar o projeto. A “coprodução” é mais participativa do que a “liderança”, uma vez que é mais provável que os cidadãos estejam a trabalhar ao lado dos cientistas do que a conduzir o que os cientistas fazem.

Esta escada da ciência cidadã é hierárquica e não sequencial; cada atividade inscrita na escada não depende da conclusão dos passos anteriores da atividade para ser rea-lizada. Por exemplo, os cidadãos podem estar envolvidos na conceção conjunta de um projeto sem nunca estarem envolvidos na recolha de dados. Tal como a nossa proposta de escada de comunicação de ciência, a progressão na escada mostra sobretudo uma crescente participação dos cidadãos no processo científico que vem com uma transferência de poder dos cientistas para os públicos. Embora seja provável que os cidadãos tenham mais poder quando “lideram” do que quando “coproduzem”, nós colocamos a coprodução no topo da escada, porque é quando provavelmente os cidadãos participam com os cientistas numa base de igualdade.

Tal como a escada da comunicação de ciência, a escada da ciência cidadã difere da escada de Arnstein (1969) porque vê um papel potencialmente importante para todos os degraus da escada, desde a recolha de dados até ao topo.

5. Conclusão

Abrimos este artigo com questões que giram em torno da distinção entre “comunicação participativa de ciência” e “ciência cidadã” e o papel dos não cientistas nestes projetos. Após examinar muitas discussões e definições, concluímos que as atividades de ciência cidadã podem alinhar-se num continuum baseado no poder que os cidadãos detêm dentro de um projeto de ciência cidadã. Este continuum é paralelo à escada de partilha de poder ao longo da qual as atividades de comunicação participativa de ciência podem ser categorizadas.

Quando um projeto de ciência cidadã envolve cidadãos a liderar um projeto e/ou a coproduzir resultados de um projeto, é provável que o projeto envolva os mais altos níveis de comunicação participativa de ciência. Cidadãos que trabalham com cientistas para interpretar resultados, projetos de conceção conjunta e/ou iniciar projetos também são passíveis de serem envolvidos em formas participativas de comunicação de ciência. Os projetos de ciência cidadã que apenas envolvem cidadãos na recolha, análise e disseminação são provavelmente dominados por formas mais lineares de comunicação de ciência. Os cidadãos participam na ciência através de esforços contributivos, mas é pouco provável estarem envolvidos na comunicação participativa com os cientistas.

No entanto, ao contrário da “A Ladder of Citizen Participation” de Arnstein (1969), onde a autora recorre a uma terminologia imbuída de valores para fazer uma crítica à participação nos degraus inferiores, sublinhamos que todos os níveis na comunicação científica e nas escadas de ciência cidadã têm valor. Além disso, é provável que os degraus mais altos da escada dependam das atividades dos degraus mais baixos.

A compreensão da “boa” comunicação científica está a mudar. As abordagens participativas reconhecem o valor que os cidadãos conferem à comunicação de ciência, e isto confere ao campo novas abordagens. Apesar da atratividade destas abordagens para o campo da comunicação de ciência, a sua adoção não tem sido fácil para muitos investigadores e instituições porque requer o reconhecimento das limitações do conhecimento científico formalizado e o valor do conhecimento de pessoas que podem não ter tido as mesmas experiências educativas. Exige uma mudança no poder e uma nova humildade para os cientistas profissionais e para as instituições que os apoiam. A emergência da investigação e inovação responsável trouxe um novo impulso para a mudança da “ciência na sociedade” para a “ciência com e para a sociedade”.

Melanie Smallman et al. (2020) argumentam que a investigação e inovação responsável tem implicações significativas para os comunicadores de ciência envolvidos na participação pública:

o conceito transferiu, indiscutivelmente, o papel do comunicador científico de alguém que explica a ciência ao público para alguém que ajuda os cientistas e os criadores de tecnologia a compreender a sociedade. Provavelmente o objetivo de ajudar a ciência a ter sucesso permanece, mas é alcançado ao ajudar a ciência a realizar uma investigação socialmente mais aceitável. (p. 947)

A par da noção de “participação” que se difunde tanto através da comunicação de ciência como da ciência cidadã, há um reconhecimento crescente por parte de investigadores e profissionais para a criação de espaço para diferentes tipos de comunicação. Para algumas situações, a divulgação de conselhos de especialistas é apropriada. Outras situações exigem o diálogo entre investigadores, profissionais da comunicação de ciência e vários grupos de cidadãos, para que o conhecimento e as opiniões de todos possam ser ouvidos, debatidos e resolvidos. A terceira abordagem é participativa, onde os investigado-res trabalham em pé de igualdade com os cidadãos e grupos de cidadãos para iniciar um projeto, enquadrar as questões de investigação e as abordagens à recolha e interpretação de dados, e envolver coletivamente outros com os resultados.

Referências

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Recebido: 19 de Maio de 2022; Aceito: 12 de Junho de 2022

Tradução: Anabela Delgado

Toss Gascoigne é bolseiro visitante no Centre for Public Awareness of Science da Universidade Nacional da Austrália. É ex-presidente e membro vitalício dos Australian Science Communicators e da International Network for the Public Communication of Science and Technology. O seu interesse recai sobre as relações entre ciência e política. Durante 15 anos, foi diretor-executivo de organizações nacionais na Austrália: a Federation of Australian Scientific and Technological Societies e o Council for the Humanities, Arts and Social Sciences. Publicou sobre a história da comunicação científica, sobre a possibi-lidade deste campo ser considerado uma disciplina, formação de cientistas em comunicação, e comunicação participativa de ciência. Escreveu também sobre a criação da “Science Meets Parliament” (Ciência ao Encontro do Parlamento), um programa que permite aos cientistas defender a ciência e a investigação através de encontros com políticos nacionais, que foi reproduzido internacionalmente. Email: director@tossgascoigne.com.au Morada: 56 Vasey Crescent, Campbell, Canberra, Australia 2612

Jenni Metcalfe é a fundadora e diretora da Econnect Communication, criada em 1995 para auxiliar os cientistas na comunicação da sua investigação. Tem sido comunicado-ra científica desde 1989, como jornalista, profissional e investigadora. Publicou inúme-ros trabalhos e artigos sobre comunicação científica. É membro do comité científico da International Public Communication of Science and Technology desde 1996. É atualmente presidente. A sua paixão é fazer comunicação de ciência que faça uma diferença positiva na vida das pessoas. Jenni Metcalfe acredita que cada pessoa tem o direito de compreender e de se envolver com a ciência para tomar decisões mais informadas sobre questões e oportunidades que afetem as suas vidas. É uma bolseira visitante no Centre for Public Awareness of Science da Universidade Nacional da Austrália e integra o grupo consultivo de peritos do International Science Council sobre o valor público da ciência. Email: jenni@econnect.com.auMorada: PO Box 3734, South Brisbane BC, Qld 4101, Australia

Michelle Riedlinger é professora sénior na School of Communication da Universidade de Tecnologia de Queensland. Os seus interesses de investigação abrangem o envolvimento público online com a investigação ambiental, agrícola e sanitária, papéis emergentes para comunicadores de ciência “alternativos”, e práticas de verificação de factos baseadas em provas. A sua investigação assenta em teorias dos média, abordagens culturais à ciên-cia, identidade social, e linguística pragmática. É coinvestigadora no Social Sciences and Humanities Research Council — projetos financiados para a investigação da circulação pública, da investigação em saúde e do jornalismo explicativo. Trabalha como profissional de comunicação de ciência há mais de 25 anos em projetos centrados na variabilidade climática, salinidade de terras secas, ecologia, gestão de bacias hidrográficas, e saúde flu-vial. Riedlinger é a editora-chefe do Journal of Science Communication, e preside ao Web and Social Media Committee for the Public Communication of Science and Technology Network. Email: michelle.riedlinger@qut.edu.auMorada: School of Communication, GPO Box 2434, Brisbane, QLD Australia 4001

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