SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 issue2Situated Learning, Praxis, and the Understanding of Biological Invasions From Sun Coral Collectors on the Brazilian CoastInterview With Eloy Rodrigues: “There Will Be No Open Science If the Excessive and Wrong Use of Metrics Is Not Abandoned” author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

Print version ISSN 2184-0458On-line version ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.9 no.2 Braga Dec. 2022  Epub May 01, 2023

https://doi.org/10.21814/rlec.3996 

Artigos Temáticos

Ciência Cidadã Recíproca e de Baixo Para Cima: Recursos Inexplorados de Novas Ideias. Experiências Preliminares de um Programa de Ciência Cidadã Como Envolvimento Público

Evelin Gabriella Hargitai, Concetualização, investigação, metodologia, redação do rascunho original , redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-7251-3575

Attila Sik, Aquisição de financiamento
http://orcid.org/0000-0001-5572-2156

Alexandra Samoczi, Administração do projeto
http://orcid.org/0000-0002-0131-8606

Milan Hathazi, Metodologia
http://orcid.org/0000-0002-4964-8102

Csaba Bogdán, Concetualização, metodologia, redação do rascunho original
http://orcid.org/0000-0003-4469-3067

1Institute of Transdisciplinary Discoveries, Medical School, University of Pécs, Pécs, Hungary

2Medical School, University of Pécs, Pécs, Hungary


Resumo

Na pesquisa científica, a ciência cidadã é amplamente considerada como o envolvimento do público geral em pesquisas científicas iniciadas por universidades, organizações científicas ou centros de investigação. Nessa abordagem de cima para baixo (ciência cidadã chamada top-down), os cidadãos participantes geralmente recolhem dados ou fornecem amostras para pesquisa - ou seja, são considerados assistentes voluntários de pesquisa que seguem instruções. O presente estudo analisa alternativas de ciência cidadã top-down: uma, amplamente conhecida, que é o método bottom-up (de baixo para cima) da ciência cidadã e outra, a abordagem recíproca sugerida pelos autores. Bottom-up é baseado em iniciativas locais e é constituído por projetos liderados pela comunidade. Para a ciência cidadã de baixo para cima, as organizações científicas podem fornecer estruturas metodológicas e organizacionais. No entanto, a ideia e a implementação continuam a pertencer à competência dos cidadãos participantes. A ciência cidadã recíproca surgiu da necessidade de uma abordagem mais holística da ciência cidadã. Como parte disso, identificar projetos viáveis, medir o seu potencial científico e/ou inovativo e integrá-los a um programa de mentores de ciência cidadã são questões a serem discutidas e resolvidas sistematicamente. Este estudo aborda desafios metodológicos na mentoria de projetos de ciência cidadã, abrangendo um conceito de formação de mentores concebido pelo Instituto de Descobertas Transdisciplinares. Incentivar a pesquisa dos cidadãos é necessário para dar um novo impulso às descobertas científicas. As perspectivas de pessoas sem formação científica também podem fazer avançar problemas - principalmente aqueles que exigem abordagens novas e imparciais. A ciência cidadã também pode ser uma solução para alavancar o conhecimento dos que abandonaram a carreira científica.

Palavras-chave: ciência cidadã; mentoria; ciência cidadã de baixo para cima; empoderamento

Abstract

In scientific research, citizen science is widely regarded as an involvement of the general public in scientific research initiated by universities, scientific organisations or research centres. In this top-down approach (top-down citizen science), participating citizens usually collect data or provide samples for research - that is, they are considered volunteer research assistants following instructions. This study analyses alternatives of top-down citizen science: one, widely known, which is the bottom-up way of citizen science and another, the reciprocal approach suggested by the authors. Bottom-up is based on local initiatives and is constituted by communityled projects. For bottom-up citizen science, scientific organisations may provide methodological and organisational frames. However, the idea and the implementation remain in the competence of the participant citizens. Reciprocal citizen science emerged from a need for a more holistic policy toward citizen science. As part of this, identifying viable citizen-initiated projects, measuring their scientific and/or innovation potential, and integrating them into a citizen science mentor program are questions to be systematically discussed and solved. This study addresses methodological challenges in mentoring citizen science projects, covering a mentor training concept for citizen science designed by the Institute of Transdisciplinary Discoveries. Encouraging citizen research is needed for a new impetus to scientific discoveries. The perspectives of people with no scientific background can also advance problems - mainly those that require fresh and unbiased approaches. Citizen science may also be a solution for leveraging the knowledge of science leavers.

Keywords: citizen science; mentoring; bottom-up citizen science; empowerment

1. Introdução: Ciência Cidadã Como Envolvimento Público

1.1. Ciência Cidadã Bottom-Up: Da Comunicação Científica ao Envolvimento do Público em Atividades Científicas

A tendência de as universidades passarem de universidades empreendedoras para universidades cívicas indica que as instituições de ensino superior reconhecem a necessidade da divulgação da educação e das organizações científicas na sociedade. O envolvimento de cidadãos não cientificamente qualificados em projetos científicos remonta aos meados da década de 1990 (Vohland, Göbel, et al. 2021), embora, na década de 1920, o envolvimento do cidadão em questões científicas também fosse descrito pelo termo “cidadão científico” (Cohen, 1920). Inicialmente, as pessoas ofereciam o seu tempo e energia para ajudar em vários projetos de pesquisa. Apesar das muitas décadas de história, as expressões “ciência cidadã” (CC) e “cientista cidadão” apareceram pela primeira vez no Dicionário de Inglês Oxford em 2014. O dicionário descreve a ciência cidadã como “o trabalho científico realizado por membros do público em geral, muitas vezes em colaboração com ou sob a direção de cientistas profissionais e instituições científicas” (Haklay, 2014, para. 4). O cidadão cientista como “o membro do público em geral que se envolve em trabalho científico, muitas vezes em colaboração ou sob a direção de cientistas profissionais e instituições científicas; um cientista amador” (Haklay, 2014, para. 6).

A CC surgiu do reconhecimento de que a ciência, a tecnologia e a inovação poderiam responder melhor aos desafios ambientais, sociais e económicos se uma circulação mais ampla de descobertas científicas fosse garantida. Isso é possível se a participação local, nacional, regional e global na pesquisa estiver disponível para qualquer entidade da sociedade. Desde o primeiro aparecimento da expressão CC na literatura, o seu significado mudou. Surgiram novas expressões para descrever o nível de envolvimento dos cidadãos em projetos científicos. A forma mais comum de CC até hoje é quando uma universidade ou outra instituição acadêmica incentiva os cidadãos a recolher dados para pesquisas iniciadas por uma pessoa ou instituição com autoridade no campo científico. Essa é a chamada abordagem de top-down (TD; de cima para baixo) da CC. O método TD da CC muitas vezes serve para observar ou monitorar fenómenos ambientais, e os dados são usados em nível nacional ou internacional (cf., Eicken et al., 2021, p. 468).

Bonney et al. (2009) desenvolveram uma categorização frequentemente usada de projetos de CC. A sua estrutura define:

  • projetos contributivos como projetos em que os cientistas desenham o projeto e os participantes estão envolvidos na recolha e análise de dados de acordo com protocolos predefinidos;

  • projetos colaborativos, os participantes também podem estar envolvidos no ajuste de protocolos, tirando conclusões e propondo novos rumos para a pesquisa;

  • projetos cocriados incluem cidadãos em todas as etapas do processo científico; cientistas e cidadãos projetam e desenvolvem coletivamente o projeto

Outra categorização frequentemente citada é baseada nos níveis de participação. Na classificação de Haklay (2013), os níveis variam de

  • cidadãos como sensores (crowdsourcing), e cidadãos como intérpretes (inteligência distribuída)

  • níveis em que os participantes estão mais envolvidos na definição de problemas e protocolos de recolha (ciência participativa) ou mesmo fazem parte de todo o desenvolvimento do processo científico (CS extrema).

A crescente insatisfação dentro da academia e da indústria perante temas ambientais e sociais de interesse do público levou a uma participação mais ativa do público na ciência. A UNESCO Recommendation on Open Science (Recomendação da UNESCO sobre Ciência Aberta; 2021) é um dos documentos internacionais mais importantes, afirmando que a ciência deve ser aberta ao público o mais amplamente possível e que os dados científicos dos interessados também devem ser incorporados na pesquisa. Ciência aberta (amplamente alinhada com o conceito de CC), de acordo com a recomendação,

deve não apenas promover o compartilhamento aprimorado do conhecimento científico, mas também promover a inclusão do conhecimento académico de grupos marginalizados (como mulheres, minorias, académicos indígenas, académicos não anglófonos, académicos de países menos favorecidos) e contribuir para reduzir as desigualdades no acesso à informação científica, ao desenvolvimento das infraestruturas e capacidades entre diferentes países e regiões. (UNESCO Recommendation on Open Science, 2021, p. 5)

Essa abordagem é a mesma representada pela chamada CC bottom-up (BU; de baixo para cima). CC BU é um método crescente de engajamento público com a ciência, no qual os cidadãos realizam atividades científicas, incluindo recolha de dados ou mesmo pesquisas complexas, a fim de abordar questões locais e globais. Ao contrário dos projetos CC TD em que os cidadãos recolhem dados em projetos controlados institucionalmente, a abordagem da BU é iniciada pelos cidadãos. “Observar ou monitorar os esforços definidos e realizados em escala local e levados a órgãos de nível superior, muitas vezes com foco no apoio aos resultados desejados por uma comunidade local” (Eicken et al., 2021, p. 468).

1.2. Críticas à Ciência Cidadã de Cima Para Baixo

Em geral, os cidadãos podem envolver-se em diferentes níveis do processo científico, incluindo o desenvolvimento de perguntas e hipóteses de pesquisa, recolha de dados, análise de dados, tirando conclusões e divulgando dados. A forma mais popular de CC, conforme descrito acima, é quando os cidadãos recolhem dados sob a direção de instituições científicas profissionais (abordagem TD, cf., Haklay et al., 2021, pp. 15-18). Nesses projetos liderados por cientistas, o nível de envolvimento dos cidadãos varia, mas é limitado: os cidadãos podem envolver-se apenas na recolha de dados ou podem analisar e avaliar os dados recolhados. A vantagem desse tipo de CC é que os profissionais regulamentam os projetos de pesquisa. Portanto, os dados recolhidos são mais confiáveis. Alguns críticos da CC TD mencionam que esses projetos exploram os cidadãos fazendo com que eles recolham dados e/ou sejam assistentes científicos gratuitamente, ou que esses projetos não dão momentos eureka aos cidadãos (Vohland, Land-Zandstra, et al., 2021, pp. 2, 5). Além disso, a estratégia da CC TD enfatiza relações desiguais entre o setor académico e os cidadãos. Embora possa ser visto como um método para conectar a pesquisa com os cidadãos, raramente permite que cidadãos comuns espreitem por trás das portas de um laboratório ou instituto de pesquisa. Assim, é um exercício insuficiente para quebrar a imagem de “torre de marfim” das universidades. No entanto, alguns investigadores continuam a sugerir que resultados científicos válidos só podem provir de pesquisas lideradas por cientistas legitimadas por uma instituição científica (Haklay, 2013).

As universidades dos países mais desenvolvidos exercem o éthos universitário cívico e até integram os cidadãos ativamente na concepção e planeamento da pesquisa (Follett & Strezov, 2015; Haklay et al., 2021, p. 14). Assim, encontramos alguns exemplos de instituições científicas que apoiam a abordagem BU. Os projetos BU mais típicos são mais ativos (e ativistas) porque os cidadãos lideram os seus próprios projetos, que estão principalmente relacionados à resolução de alguns problemas ou necessidades da comunidade, mas na maioria dos casos, a ideia ou o incentivo é de um instituto científico (Ostermann-Miyashita et al., 2021, p. 5). O tipo de CC da BU é focado nas necessidades das partes interessadas.

No entanto, a BU também tem pontos fracos. O perigo dos projetos BU é que os cidadãos podem estar pessoalmente envolvidos e/ou interessados no projeto, ou podem ser facilmente tendenciosos. Outra dificuldade é que eles fazem pesquisas do tipo do-it-yourself (faça-você-mesmo) sem conhecimento metodológico científico suficiente, resultando em esforços desperdiçados e resultados que a comunidade científica não pode aceitar, inserindo ainda mais um obstáculo entre a pesquisa e a comunidade cidadã.

BU chama a atenção para o potencial das próprias descobertas dos cidadãos e sugere que o papel dos cientistas também pode ser de apoio. Nos projetos BU, os cidadãos podem abordar os cientistas que procuram ajuda para os seus projetos.

Os cidadãos também podem envolver-se em projetos científicos de uma forma mais extrema do que BU. Na abordagem extrema da CC (Haklay, 2013), os participantes tentam projetar e desenvolver novos dispositivos e processos de criação de conhecimento que possam ser úteis para a sociedade, considerando as necessidades, práticas, cultura e trabalhos locais. Este método capacita qualquer comunidade, independentemente de sua alfabetização ou qualificação científica. As partes interessadas podem constituir parte ativa de todo o processo - desde a definição do problema, recolha e análise de dados e visualização até a ação. Portanto, aquelas pessoas que fazem CC extrema estão habilitadas a fazer parte de todo o desenvolvimento do projeto científico. É claro que, usando esse método, há uma ameaça de que os cidadãos usem dados científicos de fontes não verificadas ou tirem conclusões incorretas. Isso é particularmente perigoso quando os cidadãos estão envolvidos em assuntos locais sensíveis como investigadores amadores.

Dado o exposto, existe a necessidade de uma abordagem da CC que se baseie nas questões das partes interessadas, mas trabalhe com uma metodologia que atenda aos mais altos critérios científicos possíveis. No nosso artigo, propomos tal abordagem combinando os benefícios da CC TD e BU.

2. Métodos de Ciência Cidadã Recíproca

Uma nova abordagem à CC, a chamada “CC recíproca” (CCR), introduzida pelo Instituto de Descobertas Transdisciplinares (IDT) da Universidade de Pécs, Hungria, na “Conferência Internacional de Transdisciplinaridade” (Sík et al., 2021), combina as vantagens das abordagens TD e BU. A CCR é baseada em ideias de pesquisa iniciadas por cidadãos e é liderada por cidadãos. Para evitar abordagens pseudocientíficas ou tendenciosas, a universidade (ou outra instituição científica) fornece ajuda e incentivo científicos, especialmente no campo da metodologia e equipamento, se necessário. A CCR diferencia-se da abordagem BU na medida em que a primeira é mais organizada e sistematizada devido à supervisão e também porque o apoio prestado aos cidadãos ajuda a elaborar formas mais modernas e eficientes de mentoria científica e pode levar a novas abordagens de problemas científicos. Chamamos essa abordagem de recíproca (ver Tabela 1) porque a universidade também beneficia de um projeto de pesquisa que resolva um problema da comunidade local ou mesmo individual. Na CCR, a fonte da ideia de investigação é o cidadão, e o papel da instituição científica é o apoio, o incentivo e a orientação científica (plano de pesquisa, métodos, apresentação científica e redação). Se o cidadão precisar, a instituição também pode fornecer equipamento.

Tabela 1 Ciência cidadã recíproca comparada com abordagens top-down e bottom-up 

A CCR pode ser implementada por meio de um programa de mentoria. No campo da CC, quase todos os programas de mentoria representam a abordagem TD, ou seja, uma instituição científica prepara os cidadãos para a recolha de dados científicos e possivelmente para o uso da aplicação ou outra solução de organização de dados que a instituição utiliza para a pesquisa científica (cf., Haklay 2013). Uma grande diferença dos programas de mentoria TD é que, na CCR, os cidadãos recebem mentoria específica de acordo com as suas necessidades. Após uma avaliação inicial, semelhante a um teste de aptidão, os organizadores do programa de mentoria decidem qual treino é que o mentorado precisa. Além de desenvolver metodologia de pesquisa, pesquisa em banco de dados científico, redação científica e habilidades de apresentação, os mentorados podem receber programas de coaching e incubação de empreendedorismo se valer a pena ampliar suas ideias para uma start-up.

A principal novidade da abordagem CCR é que ela envolve os cidadãos por meio de mentoria. A CCR incentiva os cidadãos a trazerem as suas próprias ideias para as instituições científicas, que lhes fornece orientação, apoio e assistência científica adaptada às necessidades do cidadão. A CCR usa uma metodologia BU porque os projetos de pesquisa incubados são baseados em ideias dos cidadãos. Eles iniciam e lideram os seus próprios projetos com base em interesses locais ou próprios ou em problemas públicos. No entanto, a CCR usa a vantagem da abordagem TD na medida em que é incentivada e apoiada pela academia. Além disso, a CCR fornece conhecimento metodológico, ferramentas de pesquisa e infraestrutura e capacitação empreendedora no caso de projetos com potencial de inovação. Essa abordagem multifacetada incentiva os cidadãos a publicar os seus resultados ou iniciar um empreendimento no campo empresarial.

Considerando que esta combinação de abordagens TD e BU, pela sua própria natureza, leva a um conhecimento mútuo e a uma troca de experiências entre todos os níveis de representantes académicos e cidadãos, definimos a nossa abordagem como CCR. O IDT da Universidade de Pécs elaborou um programa de mentoria CCR com o título de Unleash Your Inner Scientist (liberte o seu cientista interior). O Unleash Your Inner Scientist é um programa transdisciplinar que fornece uma estrutura de orientação para apoiar projetos científicos e de inovação iniciados e liderados por cidadãos, enquanto desenvolve uma estratégia metodológica completa e baseada na prática para a orientação científica de cidadãos. O Unleash Your Inner Scientist está atualmente em fase piloto. Esta combina os benefícios do TD e da BU, tornando-a baseada em CCR e única na medida em que disponibiliza um programa abrangente de mentoria para cidadãos, que visa dar a conhecer ao público científico em geral os resultados científicos ou inovadores desenvolvidos no programa. O papel do instituto científico é fornecer apoio e treinamento científico (design de pesquisa, métodos, apresentação científica e redação), equipamentos e treinamento de empreendedorismo (se necessário). A nível social, o benefício do programa de mentoria baseado em CCR é o encorajamento do ativismo cívico de forma científica, evitando ou pelo menos controlando a pseudociência.

2.1. Vantagens da Ciência Cidadã Recíproca na Abordagem da Universidade e da Sociedade

2.1.1. A Ciência Cidadã Recíproca Como Método Transdisciplinar

Como a CC é conduzida por leigos, ou pelo menos por pessoas que não praticam pesquisa científica dentro de uma estrutura institucional padronizada, é surpreendente que existam poucos programas de mentoria em CC. Podemos encontrar, entre os poucos exemplos, um programa de mentoria e treinamento para embaixadores da ciência aberta cujo objetivo é capacitar cientistas cidadãos para se tornarem embaixadores efetivos da ciência aberta nas suas comunidades. No entanto, este projeto é apenas para ciências da vida. Outros programas de orientação de CC estão focados em abordagens TD e treinamento de cientistas cidadãos como colecionadores de dados.

A CCR oferece uma nova abordagem para CC e abre oportunidades para envolver os leigos mais amplamente na ciência, mantendo todas as vantagens das abordagens TD e BU como projetos liderados por investigadores. Além disso, o ativismo civil e as inovações sociais permanecem viáveis. Esta abordagem explora o potencial científico e/ ou de inovação dos cidadãos ao mesmo tempo que contribui de forma consistente para o seu desenvolvimento de competências. É importante ressaltar que a CCR implementa um aspecto crucial da relação cidadão-academia: a transdisciplinaridade. Quando as universidades ou institutos de pesquisa olham para além dos muros da organização e procuram o envolvimento de stakeholders externos, eles criam projetos transdisciplinares e implementam o que está no éthos do modelo de universidade cívica.

2.1.2. Ciência Cidadã Recíproca Como Potencial de Inovação

A CCR pode ser incorporada na abordagem da universidade cívica. A universidade cívica (Goddard et al., 2016) baseia-se na inserção social da universidade, quando as instituições de ensino superior colaboram com a área e a comunidade locais, em parceria com organizações locais, assumindo responsabilidade social.

O objetivo geral da CCR é criar uma nova forma de envolvimento dos cidadãos na pesquisa científica. Mesmo na abordagem mais extrema de envolvimento do cidadão, a ideia a ser desenvolvida é criada ou cocriada por um cientista, assim negligenciando o enorme potencial da comunidade não científica. Considerando que os cientistas constituem apenas uma pequena parte da população humana adulta, não seria razoável pensar que os cidadãos não estão cheios de ideias com potencial de inovação. Neste projeto, aproveita-se esse conjunto de ideias criando a abordagem de desenvolvimento de projetos liderada pelo cidadão. Essa abordagem única também tem um efeito indireto na relação academia-público. Uma vez que as universidades se movem gradualmente para o conceito da “universidade cívica”, reconhecendo a inserção das universidades na sociedade, essa abordagem aproxima os dois setores. Isso gera confiança nos setores académicos do ponto de vista civil e do público em geral.

O conceito central é que o conhecimento e o potencial de inovação de pessoas leigas e/ou não científicas muitas vezes não recebem visibilidade suficiente, embora muitas invenções e descobertas também estejam vinculadas a essas pessoas. O conhecimento gerado por essas pessoas não pode ser ignorado na sociedade da informação.

Envolver cidadãos e comunidades mais amplas, além das universidades e instituições de pesquisa tradicionais, como participantes de sistemas de pesquisa, foi definido como uma das megatendências que influenciarão as futuras políticas de pesquisa. Há um foco crescente em como os leigos e outras comunidades fora das instituições tradicionais de pesquisa se podem envolver em todos os níveis de atividades de pesquisa, incluindo recolha e categorização de dados. (Magnussen, 2017, p. 394)

Havendo poucos investigadores na sociedade, nomeadamente em pesquisa científica e inovação, seria um desperdício não usar alguém que não seja investigador institucional.

As invenções dos leigos não podem ser subestimadas. Algumas delas já mudaram a humanidade. Por exemplo, a primeira aeronave operacional foi inventada pelos irmãos Wright. Nestes projetos a mentoria desempenha um papel crucial no sucesso e progresso eficientes.

As metas de desenvolvimento da CCR alinham-se com as habilidades essenciais mais requisitadas para o trabalho e a vida. De acordo com o Future of Jobs Report 2020 (Relatório sobre o Futuro dos Trabalhos 2020) do Fórum Económico Mundial (World Economic Forum, 2020), algumas das principais habilidades para 2025 são pensamento analítico e inovação, aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem, pensamento crítico complexo e análise, resolução de problemas, criatividade, originalidade e iniciativa, raciocínio, resolução de problemas e ideação. Além do desenvolvimento de habilidades individuais, espera-se que a CCR tenha impactos em vários níveis na vida dos indivíduos e comunidades menores ou maiores.

2.1.3. A Ciência Cidadã Recíproca Como Ponte da Lacuna de Género

Mesmo no século XXI, relativamente poucas mulheres escolhem uma carreira na ciência e muitas abandonam a carreira de pesquisa. De acordo com dados do Instituto de Estatística da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO Institute for Statistics, 2019), menos de 30% dos investigadores do mundo são mulheres e as mulheres abandonam as carreiras científicas em maior número do que os homens. A CC é uma opção ideal para as que não tenham tempo ou oportunidade para realizar pesquisas científicas profissionalmente, mas prosseguiriam com as suas pesquisas anteriormente descontinuadas ou optariam por uma carreira em ciência e/ou inovação. Dessa forma, essas mulheres podem satisfazer o seu desejo de sucesso científico e ter a oportunidade de desenvolver as suas ideias. Como a CCR pode ser exercida em horário flexível, este também se encaixa na agenda das mães. A nossa pesquisa de mercado preliminar mostra isso mesmo: 62% dos entrevistados são do sexo feminino. Portanto, a CCR pode reduzir a lacuna de género, proporcionando empoderamento às mulheres e outros géneros sub-representados na pesquisa científica. A CCR também pode ser uma solução para cidadãos desfavorecidos que não tiveram acesso ao ensino superior ou não se podem envolver em pesquisas científicas devido a restrições financeiras.

2.1.4. Ciência Cidadã Recíproca Como Empoderamento de Comunidades Menos Favorecidas

A CCR não só é capaz de resolver problemas sociais e ambientais locais, mas também de aproximar mais cidadãos ao mundo académico. A longo prazo, isso poderia até reduzir a evasão universitária. Os dados do Eurostat (2018) mostram que 25% dos estudantes abandonam as universidades na União Europeia. Isso significa que milhões de estudantes em poucos anos não farão mais uso dos seus conhecimentos académicos depois de alguns anos de estudo. Se uma pequena parcela desse grupo pode ser mantida no círculo do pensamento científico com o auxílio da CCR, significa que o conhecimento ensinado na universidade não é desperdiçado, nem é uma perda tão grave para os indivíduos. As vantagens da CCR são aprofundar e expandir o conhecimento científico, melhorar a compreensão dos métodos de pesquisa, ampliar o conhecimento de metodologia da pesquisa científica, fortalecer a confiança enquanto investigador e desenvolver as habilidades de apresentação e redação científica. Além disso, o que é importante do ponto de vista do mercado de trabalho é o aumento do potencial de mobilidade e promoção na carreira e a oportunidade de estar num ambiente de apoio no qual os sucessos e oportunidades de desenvolvimento podem ser avaliados. A CCR oferece também oportunidades de networking e capacitação de pessoas.

2.1.5. Fatores Motivacionais Gerais

Para entender melhor por que motivo as pessoas participam em projetos de CC e que projetos de CC podem atrair pessoas de comunidades não científicas, em primeiro lugar, precisamos de entender por que motivo as pessoas fazem atividades voluntárias. Os seis fatores motivacionais a seguir (inventário de funções voluntárias; Clary et al., 1998) podem dar-nos uma explicação:

  • valores - possibilidade de expressar valores altruístas e humanitários;

  • compreensão - uma oportunidade de adquirir conhecimento, competências e habilidades;

  • social - uma oportunidade para fortalecer e desenvolver relações com os outros;

  • carreira - uma oportunidade de obter benefícios relacionados à carreira de atividades de voluntariado;

  • protetor - uma oportunidade de reduzir a sensação de culpa por ser mais afortunado do que os outros;

  • aprimoramento - uma possibilidade de ajudar o ego a crescer e desenvolver

Portanto, a CC é uma atividade voluntária ideal porque os projetos de CC podem ser baseados em objetivos altruístas e/ou comunitários e, ao mesmo tempo, as atividades de pesquisa dos cidadãos podem ampliar sua base de conhecimento. A CC oferece uma oportunidade ideal para desenvolver relações sociais, ou seja, numa comunidade local. Os projetos dos cidadãos muitas vezes precisam de novas competências que possam ser usadas também no mercado de trabalho e, esperamos, e esta não é uma ideia muito utópica, a CC pode contribuir para o desenvolvimento pessoal do cidadão.

Parthenos (2019) também identificou os benefícios da CC para os cidadãos. Esses resultados, é claro, estão idealmente alinhados com as motivações dos participantes:

  • conhecimento e compreensão científicos novos/aumentados;

  • construir/pertencer a uma comunidade; aprendizagem social;

  • empoderamento

  • sensibilização

  • acesso a dados;

  • desenvolvimento de capacidades pessoais - a experiência de auto-eficácia e senso de propósito

Esses benefícios são especialmente verdadeiros se o projeto de CC for implementado de forma organizada, vinculada ao monitoramento, e o cidadão receber assistência científica. Por isso, acreditamos que a CCR é a forma ideal de CC porque inclui supervisão e assistência organizada aos cidadãos, e todo o apoio é adaptado às necessidades dos cidadãos.

2.1.6. Ciência Cidadã Recíproca Como Solução Para o Esgotamento de Investigadores Académicos

A CCR traz benefícios não apenas para os cidadãos, mas também para as instituições académicas. Envolver investigadores universitários em projetos de CC, como mentores, pode ajudá-los a pensar de uma perspectiva mais ampla e enfrentar novas questões sociais, ambientais ou outras. Burnout em investigadores e académicos é um fenómeno pouco estudado. Uma das teorias mais conhecidas de burnout foi fornecida por Maslach e Jackson (1982). Eles revelam o fenómeno em três dimensões: primeiro, a exaustão emocional (que é o principal sintoma do burnout e sugere que os recursos emocionais profundos da pessoa se esgotaram). Em segundo lugar, atitudes negativas e impaciência para com os clientes, colegas e o trabalho em si e, em terceiro lugar, senso de eficácia reduzido (um alto grau de auto-estima negativa também está associado).

Enquanto em outros setores da economia, os funcionários aparecem cada vez mais como atores-chave no desempenho corporativo, pois sua competência, esforço, motivação e comprometimento afetam fundamentalmente a competitividade, o papel fundamental dos funcionários nas organizações educacionais é desinteressante para o empregador nesse aspecto (Jármai , 2018, p. 116). As grandes empresas (especialmente as multinacionais) vão tomando cada vez mais cuidado para satisfazer as necessidades mentais, físicas e de descanso dos seus funcionários. No entanto, não há oportunidade organizada para os professores discutirem problemas, supervisionarem, manterem e desenvolverem suas próprias personalidades (equipamentos de trabalho). Assim, por causa dessa característica, a qualidade do trabalho só pode ser avaliada indiretamente, pois não há uma forma aceitável, padronizada de avaliação direta do docente, ou até faz falta o seu reconhecimento social. A educação desempenha um papel fundamental na sociedade. O bem-estar subjetivo dos seus empregados dificilmente preocupa os tomadores de decisão económicos, profissionais ou mesmo institucionais. Há aspirações de mudança e tentativas iniciais de introduzir vários sistemas de incentivo para motivar os funcionários com base no desempenho para melhorar o seu trabalho, mas as informações que recebem refletem uma experiência mista. A condição básica do bem-estar subjetivo é o sentimento de satisfação decorrente da autorrealização, incluindo o nível profissional.

O esgotamento causado pela sobrecarga afeta particularmente os investigadores dos setores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (Site, 2017). O burnout é uma consequência direta da competição. Quando os cientistas atingem os seus objetivos, ganham um prémio ou são promovidos, esses sucessos ajudam na recuperação do stress. No entanto, na vida dos cientistas, insucesso, falta de tempo e de dinheiro, ou mesmo a falta de feedback positivo são fatores extra de esgotamento.

Entre as soluções para o esgotamento mental, além da consulta a um profissional e mais descanso, também encontramos a transferência de conhecimento. Um artigo da Nature de 2020 (Gewin, 2020) incentiva os investigadores a divulgarem os seus conhecimentos. O artigo enfatiza a importância da transferência de conhecimento não apenas do ponto de vista social. O autor acredita que a partilha de conhecimento ajuda os investigadores a alcançar um estado mental mais equilibrado. A partir disso, podemos deduzir que a CC é uma possível forma de prevenção ou tratamento do burnout do investigador. Claro que não é a única solução, mas pode ampliar o repertório de ofertas e funções sociais das universidades. Outro fator importante no esgotamento académico é que os investigadores precisam de construir relacionamentos para o reconhecimento. Publicações e apresentações em conferências costumam ser exaustivas para os investigadores (Site, 2017). A CC oferece uma rede mais descontraída porque se baseia em relacionamentos e formas de comunicação mais informais.

A CC oferece um novo tipo de conexão para investigadores, em que eles não precisam de resolver tarefas científicas difíceis, mas podem usar os seus conhecimentos existentes, aprender novas perspectivas e resolver com sucesso problemas científicos ou sociais. Os impactos positivos da CCR para investigadores como mentores são diferentes e variam muito de acordo com sua motivação e áreas de interesse. Em geral, os cientistas podem encontrar abordagens para fenómenos e problemas científicos, que podem servir de inspiração até mesmo em suas próprias carreiras de pesquisa por meio de discussões desafiadoras com pessoas que têm novas perspectivas. Os académicos podem beneficiar do desenvolvimento de suas habilidades de orientação (comunicação, relacionamento interpessoal, gerenciamento de conflitos) expandindo suas ferramentas de orientação. O pensamento fora da caixa pode fornecer oportunidades para testar novas ideias e obter mais conhecimento, melhorar sua capacidade de compartilhar experiências, conhecimentos, competências e habilidades e capacidade de motivar outra pessoa. Finalmente, a CCR oferece um potencial para renovar o entusiasmo pelo seu papel como investigadores experientes e proporciona oportunidades para refletir e articular os seus papéis e responsabilidades.

3. Experiências Preliminares de um Programa de Mentoria Baseado na CCR

3.1. Programa Unleash Your Inner Scientist

Combinando os benefícios de TD e BU e implementando uma prática baseada em CCR, o ITD da Universidade de Pécs elaborou um programa de mentoria de CCR intitulado Unleash Your Inner Scientist. Este constitui um programa abrangente de mentoria para cidadãos que visa dar a conhecer ao público científico em geral os resultados científicos ou inovadores desenvolvidos no âmbito do programa. O instituto científico oferece apoio, coaching científico (design de pesquisa, métodos, apresentação e redação científica) e equipamento e coaching de empreendedorismo (se necessário). No nível social, o benefício do programa de mentoria baseado em CCR é o encorajamento do ativismo cívico de forma científica, evitando ou pelo menos controlando a pseudociência.

O Unleash Your Inner Scientist é baseado na transdisciplinaridade, fornecendo uma estrutura de mentoria para apoiar projetos científicos e de inovação dos cidadãos por meio de uma estratégia metodológica completa e baseada na prática para capacitar iniciativas locais. O projeto visa que o público em geral (leigos, cidadãos) interessado em ciência desenvolva principalmente as suas habilidades científicas e, secundariamente, as suas habilidades empreendedoras e de comunicação. O programa tem como objetivo apoiar os cidadãos na elaboração da sua área de interesse a nível científico, mas sem integrá-los em quadros formais de ensino. O elemento central do programa, ou seja, o processo de empoderamento do cidadão, utiliza as ferramentas de mentoria científica e empresarial, coaching e consultoria de projetos e fornece formação científica aos cidadãos (mentorados). Paralelamente, outra parte importante do elemento central é a construção de redes para mentores que formam uma comunidade de aprendizagem, compartilhando conhecimentos metodológicos e a experiência gerada durante o processo de mentoria. A partilha de experiência é cíclica: a experiência e os dados recolhidos no piloto são utilizados no segundo ciclo e assim sucessivamente (ver Figura 1).

Figura 1 Processo do programa Unleash Your Inner Scientist  

A vantagem do método de mentoria é que os mentorados (cidadãos) são apoiados, envolvendo-os como líderes ativos nos seus próprios processos de aprendizagem e desenvolvimento.

Além do apoio de mentoria científico específico do projeto, também é razoável aplicar métodos e ferramentas de coaching para incentivar e capacitar os cidadãos e enfrentar a ansiedade natural que experiências anteriores em aprendizado institucional podem causar.

Uma vez que os indivíduos do público-alvo podem ter nenhuma ou apenas uma experiência superficial em pesquisa científica, a mentoria é precedida por um programa de capacitação onde são aprendidos conhecimentos científicos básicos (metodologia de pesquisa, redação académica, apresentação científica). Além da formação científica básica, o programa inclui um minicurso sobre competências empreendedoras e desenvolvimento de conhecimento para quem pretende lançar uma start-up baseada na sua inovação. O programa de capacitação é fornecido por um quadro de instrutores.

Integração, mentoria e supervisão contínuas também são fornecidos aos mentores, a fim de lhes assegurar padrões e métodos e desenvolver as suas habilidades de mentor-coach e ajudá-los a trabalhar eficientemente com cidadãos de origens potencialmente diferentes.

3.2. Experiências Preliminares de Unleash Your Inner Scientist

O Unleash Your Inner Scientist está atualmente em fase piloto. O piloto é baseado numa pesquisa de mercado preliminar feita na Hungria pela ITD. Uma rápida pesquisa quantitativa e qualitativa avaliou as necessidades dos potenciais mentorados e as áreas de interesse de pesquisa. No total, 52 pessoas com ideias de pesquisa específicas mostraram interesse no programa de mentoria. As principais necessidades dos cidadãos (n = 52) são mentoria e consultoria científica (90% dos inquiridos assinalaram esta necessidade), acesso a bases de dados científicas (49%), financiamento (49%) e acesso a laboratórios (20%). Cerca de 43% dos potenciais orientandos estão dispostos a fazer pesquisas na área da psicologia e 25% desejam realizar um projeto em estudos culturais, seguidos por estudos literários (18%) e outros campos (14%). Isso significa que, de acordo com os resultados da avaliação das necessidades, os cidadãos não precisam de ferramentas caras, mas sim de orientação científica.

O programa piloto começou em junho de 2022 com três mentorandos, mas o ITD formou um consórcio com cinco universidades europeias que aplicariam o mesmo projeto em suas comunidades locais. Os três mentorados foram selecionados por critérios simples: motivação, disponibilidade imediata dos mentores e, por questões práticas, os organizadores selecionaram propostas sem a necessidade de ferramentas específicas.

A experiência preliminar do piloto mostra que os mentorados iniciaram o programa com bons conhecimentos básicos e com uma boa formação metodológica. Os organizadores e mentores do programa tinham como pressuposto preliminar que, entre os candidatos, haveria uma grande proporção de pessoas com visões pseudocientíficas ou, no mínimo, atitudes científicas muito simplistas. Não foi assim. Os três mentorados estão fortemente comprometidos com as suas pesquisas e motivados a aprender sobre metodologias de pesquisa científica.

3.3. Avaliação da Sustentabilidade e do Impacto do Programa Unleash Your Inner Scientist

A sustentabilidade do projeto baseia-se, entre outros, na inclusão de ambientes de prototipagem (makerspaces ou FabLabs) no processo. Cidadãos cujos projetos requerem ferramentas e equipamentos podem usar os recursos da(s) instituição(ões) de prototipagem local subcontratada(s) da universidade. Além disso, será desenvolvida uma infraestrutura digital que permitirá aos cientistas cidadãos identificar, obter e configurar os aspectos técnicos do seu trabalho (que hoje quase sempre incluem um componente digital em hardware ou software, e geralmente em ambos) e documentá-los com rigor científico para apoiar a replicabilidade e pesquisas adicionais. A infraestrutura de dados e o conhecimento Unleash Your Inner Scientist sob medida para projetos de CC aborda os principais desafios no envolvimento bem-sucedido dos cientistas cidadãos na obtenção e documentação dos “materiais e métodos” para o seu trabalho.

A CC pode ter efeitos de amplo espectro, influenciando a própria ciência e causando impactos sociais, ambientais e econômicos. No entanto, como Somerwill e Wehn (2022) enfatizam, em muitos projetos de CC, a avaliação de impacto é simplista. Após uma revisão sistemática da literatura, os autores identificaram as melhores práticas e abordagens para medir atitudes, comportamentos e mudanças de conhecimento em projetos ambientais de CC. No entanto, esta abordagem, embora critique práticas superficiais de avaliação de impacto, utiliza um método qualitativo. Portanto, o ITD elaborou uma abordagem quantitativa para medir o impacto do Unleash Your Inner Scientist. O método também pode ser aplicado a outros projetos.

O método é baseado num questionário quantitativo. Os mentorados preenchem o questionário no início e no final do programa de mentoria, e supõe-se que a mudança ao longo do tempo mostre o impacto do projeto. Para garantir a precisão da medição, usamos um grupo de controle que não recebe nenhuma orientação científica. Uma parte do questionário é uma medida de atitude em relação à ciência e à universidade e, na outra parte, os mentorados devem analisar estudos de caso do ponto de vista de quais métodos de pesquisa científica usariam.

4. Conclusão

A literatura sobre CC vem analisando o potencial da CC BU há anos. A CCR oferece mais do que o BU na medida em que inclui uma fiscalização científica mais organizada, que protege os projetos dos cidadãos da pseudociência e oferece benefícios reversíveis para as instituições científicas. Exemplos de tais benefícios são a redução do esgotamento da pesquisa e a aplicação de novas perspectivas científicas e inovadoras. A CCR também vale a pena ser introduzida num contexto internacional por causa de vários projetos de CC bem-sucedidos, embora a grande maioria seja baseada na abordagem TD. A CCR oferece um componente importante para a CC: a orientação organizada tem faltado a uma proporção significativa dos projetos de CC. A CCR não só traz benefícios para os setores académicos, mas também tem o potencial de melhorar as habilidades de pensamento crítico dos cidadãos, reduzindo assim a disseminação da pseudociência em larga escala.

References

Bonney, R., Cooper, C. B., Dickinson, J., Kelling, S., Phillips, T., Rosenberg, K., & Shirk, J. (2009). Citizen science: A developing tool for expanding science knowledge and scientific literacy. BioScience, 59(11), 977-984. https://doi.org/10.1525/bio.2009.59.11.9 [ Links ]

Clary, E. G., Snyder, M., Ridge, R. D., Copeland, J., Stukas, A. A., Haugen, J., & Miene, P. (1998). Understanding and assessing the motivations of volunteers: A functional approach. Journal of Personality and Social Psychology, 74(6), 1516-1530. https://doi.org/10.1037//0022-3514.74.6.1516 [ Links ]

Cohen, J. B . (1920). The scientific citizen. Athenaeum, 1830. [ Links ]

Eicken, H., Danielsen, F., Sam, J.-M., Fidel, M., Johnson, N., Poulsen, M. K., Lee, O. A., Spellman, K. V., Iversen, L., Pulsifer, P., & Enghoff, M. (2021). Connecting top-down and bottom-up approaches in environmental observing. BioScience, 71(5), 467-483. https://doi.org/10.1093/biosci/biab018 [ Links ]

Eurostat. (2018, April 4). Work beats study for 25% of university dropouts. https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/-/DDN-20180404-1Links ]

Follett, R., & Strezov, V. (2015). An analysis of citizen science-based research: Usage and publication patterns. PLoS ONE, 10(11), Article e0143687. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0143687 [ Links ]

Gewin, V. (2020). Ways to look after yourself and others in 2021. Nature, 588, 717-718. https://doi.org/10.1038/d41586-020-03558-w [ Links ]

Goddard, J., Hazelkorn, E., Kempton, L., & Vallance, P. (2016). The civic university. The policy and leadership challenges. Edward Elgar Publishing. [ Links ]

Haklay, M. (2013). Citizen science and volunteered geographic information: Overview and typology of participation. In S. Sui, S. Elwood, & M. Goodchild (Eds.), Crowdsourcing geographic knowledge (pp. 105-122). Springer. https://doi.org/10.1007/978-94-007-4587-2_7 [ Links ]

Haklay, M. (2014, September 10). Citizen science in Oxford English Dictionary. Po Ve Sham - Muki Haklay’s personal blog. https://povesham.wordpress.com/2014/09/10/citizen-science-in-oxford-english-dictionary/Links ]

Haklay, M., Dörler, D., Heigl, F., Manzoni, M., Hecker, S., & Vohland, K. (2021). What is citizen science? The challenges of definition. In K. Vohland, A. Land-Zandstra, L. Ceccaroni, R. Lemmens, J. Perelló, M. Ponti, R. Samson, & K. Wagenknecht (Eds.), The science of citizen science (pp. 13-35). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-030-58278-4_2 [ Links ]

Jármai, E. M. (2018). Menedzserszerep-kihívások a felsőoktatásban - Az oktatói munka (de)motiváló tényezői. Taylor, 10(1), 115-129. https://ojs.bibl.u-szeged.hu/index.php/taylor/article/view/13153 [ Links ]

Magnussen, R. (2017). Involving lay people in research and professional development through gaming: A systematic mapping review. In Proceedings of 11th European Conference on Games Based Learning (ECGBL 2017) (pp. 394-401). Publisher Academic Conferences and Publishing International. [ Links ]

Maslach, C., & Jackson, S. E. (1982). Burnout in health professions. A social psychological analysis. In G. S. Sanders & J. Suls (Eds.), Social psychology of health and illness (pp. 227-247). Psychology Press. [ Links ]

Ostermann-Miyashita, E., Nadja, P., & König, H. (2021). Citizen science as a bottom-up approach to address human-wildlife conflicts: From theories and methods to practical implications. Conservation Science and Practice, 3, Article 385. https://doi.org/10.1111/csp2.385 [ Links ]

Parthenos. (2019, February 11). Citizen science in the (digital) arts and humanities. https://training.parthenos-project.eu/sample-page/citizen-science-in-the-digital-arts-and-humanities/Links ]

Sík, A., Bogdan, C., & Hargitai, E. (2021, September 13-17). Transdisciplinary mentoring of bottom-up citizen science projects (Conference presentation). International Transdisciplinarity Conference, Zurich, Switzerland. [ Links ]

Site, L. (2017). Commentary: Surviving scientist burnout. Physics Today, 70(9), 10-11. https://doi.org/10.1063/PT.3.3675 [ Links ]

Somerwill, L., & Wehn, U. (2022) How to measure the impact of citizen science on environmental attitudes, behaviour and knowledge? A review of state-of-the-art approaches. Environmental Sciences Europe, 34, Article 18. https://doi.org/10.1186/s12302-022-00596-1 [ Links ]

UNESCO Institute for Statistics. (2019, June). Women in science. Fact Sheet, (55). http://uis.unesco.org/sites/default/files/documents/fs55-women-in-science-2019-en.pdfLinks ]

UNESCO Recommendation on Open Science, November 2021, https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000379949.locale=enLinks ]

Vohland K., Göbel, C., Balázs, B., Butkevičienė, E., Daskolia, M., Duží, B., Hecker, S., Manzoni, M., & chade S. (2021). Citizen science in Europe. In K . Vohland, A. Land-Zandstra , L. Ceccaroni, R. Lemmens, J. Perelló, M. Ponti , R . Samson, & K. Wagenknecht (Eds.), The science of citizen science (pp. 35-53). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-030-58278-4_3 [ Links ]

Vohland, K., Land-Zandstra, A., Ceccaroni, L., Lemmens, R., Perelló, J., Ponti, M., Samson, R. & Wagenknecht, R. (2021). Editorial: The science of citizen science evolves. In K. Vohland, A. Land-Zandstra, L. Ceccaroni, R. Lemmens, J. Perelló, M. Ponti, R. Samson, & K. Wagenknecht (Eds.), The science of citizen science (pp. 1-12). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-030-58278-4_1 [ Links ]

World Economic Forum. (2020, October). Future of jobs report 2020. https://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2020.pdfLinks ]

Recebido: 30 de Março de 2022; Aceito: 12 de Junho de 2022

Tradução: Evelin Gabriella Hargitai

Evelin Gabriella Hargitai é investigadora e especialista em desenvolvimento, educação, e formadora na Universidade de Pécs, Escola Médica, Instituto de Descobertas Transdisciplinares. Email: hargitai.evelin@pte.hu Morada: H-7624 Pécs, Ifjúság útja 11

Attila Sik é neurocientista, diretor do Instituto de Descobertas Transdisciplinares, com mestrado em administração de empresas pela Escola de Negócios de Warwick (Reino Unido) em liderança e criatividade. Email: sik.attila@pte.hu Morada: H-7624 Pécs, Ifjúság útja 11

Alexandra Samoczi é investigadora assistente no Instituto de Descobertas Transdisciplinares. Email: samoczi.alexandra@pte.hu Morada: H-7624 Pécs, Ifjúság útja 11

Milan Hathazi é investigador assistente no Instituto de Descobertas Transdisciplinares. Licenciou-se como provedor de saúde na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Pécs e obteve qualificação em higiene mental na Universidade de Economia de Budapeste. É especialista em desenvolvimento micro-regional. Email: hathazi.milan@pte.hu Morada: H-7624 Pécs, Ifjúság útja 11

Csaba Bogdán é engenheiro médico e doutorando da Escola Doutoral de Medicina Clínica da Universidade de Pécs. Email: csaba.bogdan@pte.hu Morada: H-7624 Pécs, Ifjúság útja 11

Creative Commons License This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License