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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

versão impressa ISSN 2184-0458versão On-line ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.10 no.1 Braga jun. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.21814/rlec.4832 

Nota Introdutória

Comunicação e Mediação na/da Arte: Introdução

i Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, Portugal

ii Laboratoire de Recherche sur les Publics de la Culture, Département de Lettres et Communication Sociale, Université du Québec, Québec, Canadá


No atual quadro (tensivo) da arte contemporânea (Jimenez, 2005/2021), dada a complexidade dos seus códigos, formais, composicionais, processuais, mas também dos seus imbricados ensarilhamentos com as dimensões social e política (Bishop, 2004), bem como a económica (Afonso & Fernandes, 2019), acentuou-se o imperativo da comunicação e mediação.

A comunicação e mediação entre (e intra) a arte, os artistas, as instituições artísticas e culturais, os profissionais da área (desde críticos, curadores, especialistas em comunicação estratégica, jornalistas culturais, investigadores) e os públicos justifica-se pela importância que os princípios da acessibilidade, democratização, participação ou colaboração, ou mesmo da educação artística têm no fenómeno de abertura dos “mundos da arte” (Becker, 1982) às múltiplas esferas da experiência estética comunalizada (ou, desejavelmente, tornada comum; Stiegler, 2004/2018).

O risco do incremento de um fosso comunicativo, identificado em investigações recentes (Anastasiya et al., 2020), motiva muitas das práticas e das experimentações existentes, empenhadas na transformação dos paradigmas que ainda teimam em persistir no campo da arte e da cultura.

Reduzir a prática de mediação artística apenas à sua dimensão transmissiva/descodificadora é esquecer que a mediação, porque intervém na trama das relações sociais, está sempre tingida por uma certa conceção das mesmas “comportando por isso, tanto nos seus discursos, como nos seus dispositivos, uma componente ideológica (Caune, 2012, p. xi). Importará, assim, colocar no centro da reflexão precisamente a ação de comunicar, isto é, o ato de formar relações de troca mútua ou de interação entre públicos, obras, artistas e instituições. Esta interação inclui sempre uma dimensão de partilha de experiência do sensível e inscreve-se num quadro de vida e contexto sociopolítico particular (Caune, 2012, p. xiii), base da produção do sentido.

Para repensar a performatividade da ação de comunicar, evocamos a ideia de “zona de contacto” dos antropólogos Mary Louise Pratt (1992) e James Clifford (1997), proposta pela curadora russa Maria Lind, para substituir o pressuposto comum da existência de um fosso - ou algo negativo - que precisa de ser reduzido entre a arte e aquilo a que se chama “o público”. Segundo Lind (entrevistada por Schipakina, 2020), “obras de arte, visitantes, artistas, funcionários de instituições, juntos habitam e criam zonas de contacto” (para. 17), quer dizer, espaços de interação e copresença, marcados por assimetrias de poder (Pratt, 1992, p. 7). Enquanto tal, abrem diversas possibilidades - negativas e positivas - importando perceber como a significação se movimenta por essas linhas ou através delas.

Nesta medida, toda a mediação artística inclui uma dimensão política ou transformadora, que pode ser impulsionada tanto por forças reprodutivas, como por movimentos des-construtores, críticos e dialógicos (Mörsch, 2005; Rodrigo, 2012) e é precisamente nessa tensão que deve ser compreendida e interrogada. Razão suficiente para refletir sobre o como ou sobre as artes pedagógicas da mediação da arte.

O sentido da mediação artística, à semelhança da mediação cultural (Lafortune, 2012), campo mais global em que podemos inscrever a mediação artística, é um vetor de movimento, “um espaço aberto de perspetivas teóricas e práticas constantemente renegociadas ao sabor da evolução das sociedades e do papel que aí desempenha a cultura” (Lafortune, 2012, p. 1).

Neste volume, reunimos contributos que se inscrevem neste debate em torno da noção de mediação artística, da sua profissionalização/ensino e da forma como ela opera em contextos institucionais diversos. Nas áreas dos estudos culturais e das ciências da comunicação, em particular, no contexto lusófono, o interesse e a investigação sobre a relação entre mediação, comunicação e arte são ainda bastantes incipientes. Com este número, pretendemos chamar a atenção precisamente para a necessidade de aprofundar o investimento na área.

A iniciar a publicação temos o artigo de Marina Clauzet Ferraz de Mello and Ascension Moreno González. Em causa está uma revisão da natureza e evolução do conceito de mediação artística no contexto ibero-americano. As autoras recolhem, a partir do Google académico, um conjunto de publicações científicas em espanhol, entre o ano de 2010 e 2022. Os artigos identificados são classificados pelas autoras em duas classes, os trabalhos em que se entende a mediação artística como forma de intervenção social através da arte, e aqueles que a circunscrevem aos espaços museológicos, enquanto intervenção que visa aproximar a arte dos públicos, tornando-a mais acessível, compreensível e significativa, um entendimento herdeiro do trabalho realizado pelos anteriores departamentos educacionais ou pedagógicos de museus e centros culturais. No contexto ibero-americano, o primeiro entendimento - o da mediação artística como forma de intervenção social - parece ser o mais recorrente no corpus de trabalhos científicos analisados.

A preocupação com a definição da natureza da mediação artística está presente também no segundo artigo desta coletânea, assinado por Cristina Barroso Cruz e Laurence Vohlgemuth. É conhecido o contraste entre a importância simbólica atribuída ao papel do mediador no campo das artes e a fragilidade ou precariedade do seu estatuto social (Pro Helvetia, p. 36). Neste artigo, em que se usam dados que integram o projeto de investigação designado Entre: Investigação em Mediação Artística e Cultural, estão em causa as representações que docentes, parceiros institucionais e alguns licenciados em mediação artística e cultural da Escola Superior de Educação de Lisboa partilham acerca do papel do mediador artístico e cultural, da mediação artística e cultural e dos conhecimentos e competências considerados necessários para o exercício desta profissão, num país em que a categoria profissional de mediador cultural ainda não existe, como é o caso de Portugal. Os inquiridos incluem nas suas definições de mediação artística e cultural várias preocupações (educativa, social, cultural, política, económica...), e identificam como necessário um largo leque de competências necessárias para uma intervenção nesta área.

No quadro de uma pesquisa de doutoramento em que se pretende explorar o envolvimento das comunidades no desenvolvimento de projetos de arte urbana a implementar no espaço público, Ana Luísa Castro e Ricardo Campos trazem-nos uma discussão acerca do projeto Meu Bairro, Minha Rua, promovido pela Câmara Municipal de Gaia. Neste projeto, a comunidade foi chamada a participar nas tomadas de decisão sobre um conjunto de micro-intervenções, realizadas no espaço público, em dez locais de Vila Nova de Gaia e que inclui a pintura de arte urbana. A partir de uma análise do discurso oficial do projeto e do trabalho de campo desenvolvido no terreno com as comunidades locais, os autores evidenciam como o projeto estudado poderá servir de referencial para o desenvolvimento de projetos de índole participativa no campo da arte urbana.

Sobre a questão da participação comunitária, desta feita, no quadro da mediação artística e dos museus, escrevem Luis Campos Medina, Cynthia Pedrero Paredes e Mónica Aubán Borrel, a propósito do projeto Mirada de Barrio, em Santiago, no Chile. Este projeto foi desenvolvido pelo Museo de la Solidaridad Salvador Allende entre os anos 2017 e 2019, e visou criar um vínculo entre o museu e o bairro onde está localizado: o bairro República, da cidade de Santiago do Chile. A novidade desta iniciativa no contexto chileno residiu precisamente aí, na procura de uma nova forma de coprodução territorial, que “considera elementos sensíveis e afetivos antes não conscientemente considerados pelos habitantes” do bairro. Sustentados na sistematização de experiências e em ferramentas etnográficas, os autores mostram, no seu artigo, como se efetivou essa escrita do território - entendido como campo de forças, através de ações microscópicas - em que cada um dos seus habitantes teve um papel relevante.

O trio de artigos em que se valorizam os processos de participação no âmbito da mediação artística encerra com o texto de Fernando Fontes, Cláudia Pato de Carvalho e Susete Margarido. O artigo incide numa comunidade que se encontra normalmente mais afastada dos contextos das ofertas e experiências culturais, as pessoas com deficiência. Os autores partem da experiência concreta de implementação de um projeto de inclusão pela atividade artística e de promoção de uma arte inclusiva - A Meu Ver - de uma estrutura artística profissional da área do teatro da cidade de Coimbra - O Teatrão. Trata-se de um projeto de formação e prática teatral de pessoas cegas ou com baixa visão, com uma duração de três anos, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação “la Caixa”, no âmbito do programa Partis & Art for Change. No artigo dão conta dos resultados, recolhidos de diversas formas (observação participante, inquérito por questionário, entrevistas semiestruturadas e grupo focal) de um estudo exploratório, com lugar entre outubro de 2021 e agosto de 2022, que visou acompanhar e avaliar o impacto do primeiro ano de implementação do projeto. Os autores analisam os impactos individuais do projeto para quem nele participou de forma direta, dando destaque à forma como contribuiu para a construção identitária das pessoas com deficiência visual, participantes no projeto A Meu Ver.

A terminar o volume, incluímos dois trabalhos onde se sublinha o papel crucial da comunicação nos processos da mediação artística que visam aproximar a arte do público, permitindo que as pessoas possam experimentar e se envolver com a arte de maneira significativa e pessoal. A comunicação pode incluir diferentes formatos, como conversas informais, oficinas, palestras, apresentações, entre outros. No seu artigo, Yuji Gushiken leva-nos para o cenário teatral contemporâneo, colocando o olhar na leitura dramatizada em artes, uma forma de apresentação teatral em que um texto é lido em voz alta por atores, sem a presença de cenário, figurino ou encenação completa, no âmbito da qual o plateia-foyer funciona como estratégia interessante para o diálogo e formação de público. Trata-se de um momento de encontro entre os artistas e o público, que ocorre no foyer ou na plateia antes ou após a apresentação. À luz do modelo latino-americano da comunicação como diálogo, Gushiken, a partir do caso do Teatro Mosaico (Brasil), e da montagem de dois textos dramatúrgicos, Prólogo, do diretor Sandro Lucose, e A Caravana da Ilusão, do diretor Alcione Araújo, mostra como funciona a plateia-foyer para criar uma plateia e simultaneamente um público que, “mais que simplesmente fruir um espetáculo, passa hipoteticamente a ter o teatro como instância mediadora de uma nova sociabilidade”.

Por último, com Manoela Barbacovi e Maria Angélica Zubaran, voltamos ao universo dos museus, com o propósito de refletir sobre estes espaços como instâncias produtoras de cultura “híbrida”. O exemplo escolhido é o do Museu do Festival de Cinema de Gramado, no Brasil e as suas articulações com o Festival do Cinema e o turismo cultural local. No quadro de uma perspetiva etnográfica de observação participante e de registos em um diário de campo que pretenderam capturar a materialidade da exposição museográfica permanente desse museu, as autoras discutem os significados culturais produzidos e disseminados aos seus visitantes, mostrando como o museu, através da interatividade, também exerce uma função educativa e mediática.

Referências

Anastasiya, B., Svetlana, M., & Nadezhda, Z. (2020). The significance of art mediation in bridging the communication gaps. KnE Social Sciences, 4(2), 374-389. https://doi.org/10.18502/kss.v4i2.635 [ Links ]

Becker, H. (1982). Art worlds. University of California Press. [ Links ]

Bishop, C. (2004). Antagonism and relational aesthetics. October, 110, 51-79. https://www.jstor.org/ stable/3397557Links ]

Caune, J. (2012). Preface. In J.-M. Lafortune (Ed.), La médiation culturelle: Le sens des mots et l’essence des pratiques (pp. viii-xv). Presses de l’Université du Québec. [ Links ]

Clifford, J. (1997). Museums as contact zones. In J. Clifford (Ed.), Routes: Travel and translation in the late twentieth century (pp. 188-189). Harvard University Press. [ Links ]

Jimenez, M. (2021). A querela da arte contemporânea (J. Alfaro, Trad.). Orfeu Negro. (Trabalho original publicado em 2005) [ Links ]

Lafortune, J.-M. (2012). Introduction. In J.-M. Lafortune (Ed.), La médiation culturelle: Le sens des mots et l’essence des pratiques (pp. 1-8). Presses de l’Université du Québec. [ Links ]

Mörsch, C. (2015). Contradecirse una misma. La educación en museos y mediación educativa como práctica crítica. In A. Ceballos & A. Macaroff (Eds.), Contradecirse una misma. Museos y mediación educativa crítica. Experiencias y reflexiones desde las educadoras de la documenta 12 (pp. 10-21). Fundación Museos de la Ciudad. [ Links ]

Pratt, M. L. (1992). Imperial eyes: Travel writing and transculturation. Routledge. [ Links ]

Pro Helvetia. (2017). Time for cultural mediation. Institute for Art Education of Zurich University of the Arts https://prohelvetia.ch/app/uploads/2017/09/tfcm_0_complete_publication.pdfLinks ]

Rodrigo, J. (2012). Los museos como espacios de mediación: políticas culturales, estructuras y condiciones para la colaboración sostenible en contextos. https://www.kultur-vermittlung.ch/zeit-fuer-vermittlung/download/ materialpool/MFV0107.pdfLinks ]

Schipakina, M. (2020, setembro). Contemporary art is an incredible form of understanding. Maria Lind about curating, educational practices, working with local communities. Curatorial Forum. https://eng. curatorialforum.art/page14142971.htmlLinks ]

Zara Pinto-Coelho é professora associada no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. Doutorou-se em Ciências da Comunicação, ramo semiótica, pela Universidade do Minho, em 2003. Os seus interesses de investigação incluem as teorias do discurso e as suas aplicações críticas nos estudos dos média e estudos culturais, em tópicos relacionados com poder, ideologia, desigualdade e injustiça social, por exemplo, na interseção do género com a heterossexualidade, na saúde pública, na participação política e nos movimentos sociais. Atualmente, é cocoordenadora do projeto Passeio - Plataforma de Arte e Cultura Urbana do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho. Email: zara@ics.uminho.pt Morada: Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Ciências da Comunicação, Campus de Gualtar, Universidade do Minho, 4710-057 Braga, Portugal

Helena Pires é professora associada no Departamento de Ciências da Comunicação, no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade do Minho. Doutorou-se em Ciências da Comunicação, na área de semiótica da comunicação, pela Universidade do Minho, em 2007. Ensina nas áreas de publicidade e semiótica. Tem publicado e desenvolvido trabalho de investigação sobre semiótica da paisagem na arte contemporânea, bem como no âmbito da comunicação e arte, cultura visual e cibercultura. É cocoordenadora da Passeio - Plataforma de Arte e Cultura Urbana do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Email: hpires@ics.uminho.pt Morada: Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Ciências da Comunicação, Campus de Gualtar, Universidade do Minho, 4710-057 Braga, Portugal

Jean-Marie Lafortune é professor do Departamento de Comunicação Social e Pública da Universidade de Québec, em Montreal. Integra o Observatório das Mediações Culturais e o Grupo de Investigação Educação e Museus. É editor da revista Animation, Territoires et Pratiques Socioculturelles. Recentemente dirigiu com Anik Meunier e Jason Lukerhoff o livro La Transmission Culturelle Dans les Musées de Societé (A Transmissão Cultural nos Museus da Sociedade; La Documentation Française, 2022), e escreveu os capítulos “Mediation Culturelle” na obra editada por Camille Alloing, Evaluer la Communication des Organisations (Presses de l’Université du Québec, 2022, pp. 177-195), e “D’Autres Formes d’ Intervention Dans le Monde Anglo-Saxon: Le Modele Étatsunie”, no livro editado por Jean-Luc Richelle, Jean-Claude Gillet et l’utopie de l’animation. Action, formation, recherche (Carrières sociales édition, 2022, pp. 183-192). Email: lafortune.jean-marie@uqam.ca Morada: Département de Communication Sociale et Publique, Pavillon JudithJasmin, Université du Québec à Montréal, 405 rue Sainte-Catherine Est, Montréal, Québec, H2L 2C4, Canadá

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