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Gazeta Médica

Print version ISSN 2183-8135On-line version ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.7 no.1 Queluz Mar. 2020  Epub June 01, 2021

https://doi.org/10.29315/gm.v7i1.275 

Artigo de Perspetiva

Prevenção Primordial, Envelhecimento Ativo e Reforma Faseada: Um Triângulo Saudável?

Primordial Prevention, Active Ageing and Phased Retirement: An Healthy Triangle?

Diana Fidalgo Pires1 

11 Interna de Formação Específica em Medicina Geral e Familiar, USF Alpendorada, ACeS Tâmega I, Amarante, Portugal.


Palavras-chave: Envelhecimento; Reforma

Keywords: Aging; Retirement

Segundo a Carta de Ottawa (Organização Mundial de Saúde, 1986) a Promoção da Saúde consiste no processo que visa criar condições para que as pessoas aumentem a sua capacidade de controlar os fatores determinantes da saúde, no sentido de a melhorar.1 A Prevenção é uma das principais componentes de promoção da saúde e ocupa uma grande dimensão no quotidiano do médico de família, implicando o desenvolvimento de diferentes atividades, que podem ser sistematizadas em três vertentes de ação inter-relacionadas e complementares: Educação para a saúde, Prevenção da doença e Proteção da saúde. Atualmente consideram-se 5 níveis de prevenção, mas para o presente assunto destaco a Prevenção Primordial como forma de evitar o estabelecimento de estilos de vida que se sabem contribuir para um risco acrescido de doença, contemplando para isso políticas e programas de promoção de determinantes positivos de saúde.2

O envelhecimento da população representa um dos principais fenómenos demográficos e sociais da sociedade portuguesa, que tem necessariamente impacto não só nos serviços de saúde, mas também nos restantes setores.

Segundo projeções do Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de idosos em Portugal passará de 2,1 para 2,8 milhões e, face ao decréscimo da população jovem a par do aumento da população idosa, o índice de envelhecimento mais do que duplicará, passando de 147 para 317 idosos por cada 100 jovens, em 2080.3 Hoje, somos uma população envelhecida, em que um milhão de portugueses têm 75 ou mais anos e onde as doenças crónicas assumem um peso crescente. Mas, não menos relevante, são os atuais estilos de vida que revelam dinâmicas comportamentais associadas a fatores de risco determinantes para o estado de saúde. De acordo com o Global Burden of Disease, em 2016, em Portugal, cerca de 41% do total de anos de vida saudável perdidos por morte prematura poderia ter sido evitado se fossem eliminados os principais fatores de risco modificáveis (tabagismo, má alimentação, excesso de consumo de álcool, sedentarismo).

Portugal tem uma esperança média de vida à nascença superior à média dos restantes países da OCDE e, na última década, observou-se uma redução, ainda que muito ligeira, da taxa de morbilidade padronizada de anos vividos com incapacidade. Contudo, relativamente ao indicador número de anos de vida saudável vividos depois dos 65 anos, o nosso país apresenta-se como um dos países com menor valor (a média nacional é de mais 6,7 anos nas mulheres e 7,9 anos nos homens, enquanto a Suécia e a Dinamarca têm mais de 12 nas mulheres e mais 10 nos homens). Assim, podemos concluir que os portugueses vivem mais, mas vivem com mais doenças durante os seus últimos anos de vida: diabetes, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, obesidade e doenças oncológicas.4,5

O envelhecimento ativo, surge assim como um novo paradigma, para responder aos múltiplos desafios individuais e coletivos que advém deste fenómeno populacional, remetendo para uma visão multidimensional que integra os vários domínios da vida pessoal e social dos indivíduos.

É frequente a noção que a idade da velhice é iniciada com a entrada na reforma. De facto, mesmo que esta preposição não esteja linearmente correta, a verdade é que falar em envelhecimento leva geralmente a que se fale de reforma e vice-versa.

A ideia de que a velhice é essencialmente uma fase de perdas: perde-se o trabalho, a saúde, as capacidades funcionais, os amigos ou mesmo o cônjuge, corrobora a atitude nefasta da sociedade moderna que marginaliza “os velhos” dando prioridade a valores ligados à produtividade, rentabilidade, lucro, consumo excessivo, etc.

Assim, é necessário criar condições para que as pessoas se sintam motivadas para prolongar a vida ativa, desde que o estado de saúde o permita e que as circunstâncias do exercício profissional não o impeçam. É por isso que a política de envelhecimento ativo aspira a flexibilizar a separação rígida entre atividade e inatividade, ao mesmo tempo que pretende alterar as condições sociais do trabalho de forma a garantir o prolongamento saudável da atividade profissional.

A reforma é uma fase da vida que requer um processo adaptativo, onde os horários e as rotinas se alteram, emergindo frequentemente um sentimento de “inutilidade e vazio”. Esta nova etapa apresenta um complexo desafio, uma vez que as funções e práticas laborais deixam de existir, e o tempo ocioso, agora disponível, acarreta a necessidade da sua organização e usufruto pelo indivíduo, com vista à manutenção da atividade. Desde idades precoces somos direcionados para a ocupação do nosso tempo com atividades de caráter obrigatório ou optativo, gerando-se em nós a necessidade de preencher o dia-a-dia em busca de novas motivações. Portanto, é evidente a importância de um planeamento e preparação para a reforma.

Referem-se três fatores que influenciam o ajustamento à reforma, nomeadamente, o planeamento da reforma, as perceções de reforma e a extensão das perdas monetárias.

Assim, a preparação para a reforma, envolve a capacidade de o sujeito antecipar as mudanças que podem vir a ocorrer tanto a nível financeiro, como dos papéis familiares, das atividades e das relações sociais.

Concluiu-se que as expectativas face à reforma têm um importante papel na satisfação com a vida após a entrada na reforma. Assim, se as expectativas são positivas e estão planificadas o sujeito obterá um adequado ajustamento e satisfação com a vida após a reforma.6

A proposta de uma reforma faseada, isto é, em vez de o senhor engenheiro deixar de exercer o seu cargo porque chegou o dia seguinte ao seu aniversário, em que soprou as velas que ditaram a idade da reforma, quebrando hábitos e prioridades de longos anos e levando à perda de identidade, estatuto, estrutura e mesmo até o sentido da vida, essa transição poder ser feita de uma forma gradual e adaptativa. Por exemplo, nos 2 anos prévios à previsível data de reforma o trabalhador poder apenas trabalhar no período da manhã ou três vezes por semana, adaptando-se a uma nova fase de vida e tendo mais disponibilidade de tempo para arranjar opções que o passam manter ativo quando em pleno estado de reformado.

Para um envelhecimento saudável, o acompanhamento pelo médico de família torna-se preponderante, não só pela sua proximidade, perspetiva holística e papel longitudinal - acompanhamento desde o nascimento até ao fim de vida - mas também pelo papel integrativo - coordena toda a informação relativa ao estado de saúde. Aconselhamentos sobre atividades manuais e de leitura, treinos da memória, aprendizagem de novos conhecimentos e o convívio permitem a manutenção das funções mentais e cognitivas. A integração em instituições como centros-de-dia e universidades seniores são fundamentais no combate ao isolamento social, depressão e idadismo, sendo que as atividades de grupo intergeracionais permitem ainda consciencializar e fomentar a solidariedade dos mais novos.

Em Portugal, com um número de anos de vida saudável vividos depois dos 65 anos baixo, fará sentido pensarmos em reformas faseadas já aplicadas em outros países? Ou será a educação da população para a importância do controlo dos fatores de risco e de medidas preventivas a chave para o envelhecimento ativo, apesar de poder demorar vários anos até ter um efeito palpável? É pois necessário e pertinente salientar a necessidade de uma intervenção em prol da promoção da mudança nas políticas e práticas relativas ao envelhecimento, com fim de tornar a Saúde e Qualidade de Vida uma realidade cada vez mais presente no envelhecimento em Portugal.

O valor da vida não assenta no número dos seus dias, mas no uso que fazemos deles!

Referências

1. World Health Organization. Ottawa Charter for Health Promotion. An international conference on health promotion: The move towards a new public health; 1986 Nov 17-21, Ottawa. Ottawa: WHO; 1987. [ Links ]

2. Hespanhol AP, Couto L, Martins C. A medicina preventiva. Ver Port Clin Geral. 2008;24:49-64. [ Links ]

3. Instituto Nacional de Estatística. Projeções de População Residente em Portugal, 29 de março de 2017. Lisboa: INE; 2017. [ Links ]

4. PORDATA:Base de Dados de Portugal Contemporâneo [consultado Dez 2019] Disponível em:Disponível em:http://www.pordata.pt/Links ]

5. Ministério da Saúde. Retrato da Saúde, Portugal. Lisboa: MS; 2018. [ Links ]

6. Silva PN. Adaptação à Reforma e Satisfação com a Vida: A importância da Atividade e dos Papéis Sociais na realidade europeia. [Dissertação de mestrado em Psicologia Social e das Organizações] Lisboa: Instituto Universitário de Lisboa; 2009. [ Links ]

Fontes de financiamento: Não houve qualquer fonte de financiamento na realização do presente trabalho.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Financial support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed

Recebido: 19 de Setembro de 2019; Aceito: 09 de Março de 2020; Publicado: 31 de Março de 2020

Conflitos de interesse:

Os autores declaram não ter qualquer conflito de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest:

The authors declare that they have no conflicts of interest.

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