A pandemia de 2020 da COVID-19 provocada pela grave síndrome respiratória aguda coronavírus 2 (SARS-CoV-2) envolveu a maior parte do mundo, afetando mais de 180 países. Infelizmente, os mais vulneráveis e imunodeprimidos parecem ser mais suscetíveis a complicações graves de COVID-19.1
Existem vários fatores de risco para a infeção grave por COVID-19, como a degradação do estado nutricional e a presença de doenças crónicas não transmissíveis (DCNT), diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crónica, doença cardiovascular, HTA, obesidade e outras patologias que comprometem o estado de imunidade. Estas doenças são caracterizadas por estado de inflamação sistémico, uma característica comum, que pode afetar a resposta dos doentes contra a COVID-19.1
O estado nutricional, padrão alimentar e estilo de vida são considerados fatores importantes pois podem desempenhar um papel positivo ou negativo na resposta à infeção por COVID-19.1
Até o momento, as estratégias de mitigação mais eficazes implementadas globalmente consistiram em incentivar boas práticas comuns de saúde pública, como lavar as mãos regularmente com sabão, medidas para prevenção da disseminação do vírus pela via área (usar máscara facial2 e tossir para o antebraço3), e distanciamento social. Sabendo que um bom estado nutricional pode apoiar a função imunológica e prevenir o aparecimento de infeções graves4-7 levanta a questão, se manter um estado nutricional saudável poderá preparar o sistema imunitário de indivíduos não infetados com COVID-19.
A ligação entre a gravidade da infeção viral e as DCNT foi observada em outras infeções virais, como a gripe.8 A inflamação crónica e não tratada, muitas vezes subclínica, está implicada no aparecimento, progressão e desenvolvimento de DCNT.9,10 Acredita-se, igualmente, que a inflamação sistémica subjacente possa exacerbar a infeção por COVID-19.11
Uma estratégia eficaz para reduzir o risco de desenvolver DCNT é controlar as atividades mediadoras inflamatórias, pelos fatores de risco modificáveis, como dieta, exercício físico e escolhas de estilo de vida saudável.9,12 Apenas com a adoção de um padrão alimentar nutricionalmente equilibrado, consistente e a longo prazo, é possível avaliar os benefícios para a saúde humana. Enquanto a adoção de uma dieta e estilos de vida não saudáveis estão associados à subinflamação e ao aumento do stress oxidativo, o que poderá levar ao desenvolvimento de DCNT.9,13 Existem evidências consideráveis de que padrão alimentar, e até os nutrientes que consumimos afetam o funcionamento do sistema imunitário.6,14,15
Alguns autores16,17 sugerem que um maior índice de massa corporal (IMC) ou excesso de adiposidade aumentam fatores de risco para complicações decorrentes da infeção por COVID-19. Possivelmente porque a população obesa tem maior prevalência de patologias pulmonares.18 Doentes com obesidade e comorbidades que comprometam a função cardíaca ou pulmonar têm maior risco de desenvolver doenças graves associadas à COVID-19,19 assim como os não obesos com estes fatores de risco. É recomendado manter um peso e uma composição corporal dentro das recomendações para estatura e sexo.19
O estado nutricional pode ter um impacto significativo na saúde geral de um indivíduo, na redução de DCNT e na suscetibilidade reduzida do desenvolvimento de infeções. No entanto, deve-se considerar que até ao momento não existem intervenções nutricionais baseadas em evidência ou estratégias de tratamentos disponíveis para prevenir a incidência ou gravidade da infeção por COVID-19. Da mesma forma, também não existe um único alimento ou medicamento natural, que tenha sido comprovado para prevenir a infeção por COVID-19, o que já foi esclarecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).17 No entanto, revendo estudos anteriores em relação a outras infeções virais, fica claro que o estado nutricional desempenha um papel significativo na resposta dos doentes.20 A presença de comorbidades nos doentes com COVID-19 é atualmente uma preocupação,16 questionando-nos se o estado nutricional desses doentes é fator de risco. Da mesma forma, para indivíduos que não foram afetados, adotar um padrão alimentar com propriedades anti-inflamatórias pode potencialmente prevenir ou minimizar infeções graves, em doentes com comorbidades que contraiam COVID-19. Em geral, é importante que a população siga uma dieta saudável. Existem padrões de dietas e nutrientes que potencialmente conferem propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras.21-24
É particularmente importante neste momento monitorizar a população idosa, considerando que esta população não apresenta apenas predisposição para DCNT, mas também são vulneráveis ao risco aumentado de desnutrição, infeções e COVID-19.17 A idade em si é um fator de risco para o desenvolvimento de COVID-19,25 devido a um declínio funcional do sistema imunitário ao longo da vida.26,27 A desnutrição pode ocorrer por várias razões, incluindo más condições socioeconómicas, status mental, status social e uma série de outras questões multifatoriais.28 Frequentemente, existem deficiências nutricionais de cálcio, vitamina C, vitamina D, folato e zinco entre populações idosas ou carenciadas.29
A desnutrição pode deprimir o sistema imunológico já comprometido nos idosos, tornando-os suscetíveis a infeções. Uma dieta saudável e equilibrada pode oferecer os macros e micronutrientes, prebióticos, probióticos e simbióticos necessários, que podem contribuir para restaurar ou manter a função das células imunes aumentando assim a proteção contra as DCNT relacionadas à inflamação crónica.30
Vários padrões alimentares têm sido associados ao risco de condições inflamatórias e doenças respiratórias. Por outro lado, a dieta mediterrânea, caracterizada por uma ingestão relativamente alta em frutas, hortícolas, azeite, grãos integrais, frutos oleaginosos e gordura monoinsaturada pouco processada, produtos lácteos fermentados, peixe, aves, consumo moderado de vinho e baixo consumo de carnes processadas e vermelhas.9,30 Uma dieta equilibrada, com estes alimentos é rica em compostos anti-inflamatórios e imunomoduladores, incluindo vitaminas (C, D e E) e minerais (zinco, selénio, cobre, cálcio, iodo), que melhoram o estado nutricional.31
Alimentos associados à dieta mediterrânea e outros padrões alimentares saudáveis contêm compostos bioativos que vão além das vitaminas e minerais, incluindo compostos fenólicos bioativos e péptidos com potentes propriedades anti-inflamatórias, antitrombóticas e antioxidantes. Essas moléculas podem agir sinergicamente para prevenir e proteger contra manifestações inflamatórias.9,31,32
Portanto, padrões alimentares saudáveis, como a dieta mediterrânea ou similar, são benéficos contra DCNT, mas, potencialmente, também podem conferir proteção contra infeções como a COVID-19, devido aos seus efeitos na melhoria do sistema imunitário.9,33,34
Suporte nutricional de doentes COVID-19 internados
A terapia nutricional deve fazer parte integrante da abordagem terapêutica de doentes internados com COVID-19, nomeadamente os que apresentem maior gravidade, e doentes críticos.35-37
O suporte nutricional é um dos componentes essenciais da prestação de cuidados de saúde a todos os doentes internados na Unidade de Infecciologia e Unidade de Cuidados Intensivos (áreas dedicadas a doentes COVID-19), com o objetivo de reduzir o risco de complicações.35-37
A importância do estado nutricional no prognóstico do doente crítico tem sido cada vez mais reconhecida, estando a desnutrição associada a maior mortalidade, maior duração de hospitalização, aumento da dependência de ventilação mecânica e maior número de complicações infecciosas.37,38
No contexto da pandemia COVID-19, apesar da maioria dos doentes infetados com SARS-CoV-2 apresentar doença ligeira (cerca de 80%), estima-se que entre 6% a 10% dos doentes infetados tenham necessidade de hospitalização, em particular em Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs).38
Nos doentes em regime ambulatório sugere-se que possam beneficiar de acompanhamento nutricional, no sentido de adequar a ingestão alimentar ao sexo, idade, composição corporal, nível de atividade física e situação clínica se existente
A terapêutica nutricional para doentes com COVID-19 deve seguir as recentes recomendações da ESPEN e ASPEN.38,39 Em doentes com menor gravidade, com bom estado nutricional, deve-se assegurar a manutenção da composição corporal, prevenindo a perda de massa magra e assegurando o estado de hidratação.
Doentes em estado grave ou crítico
Os doentes em estado grave ou crítico apresentam alto risco de desnutrição, devendo ser estabelecidas as necessidades nutricionais, tipo de suporte a implementar, via de acesso, produto/fórmula nutricional, esquema de administração e de monitorização. Se a alimentação oral for insuficiente, inicialmente deve recorrer-se à utilização de suplementos nutricionais orais, ou se necessário considerar-se o suporte nutricional artificial (entérico ou parentérico). Se houver necessidade de restrição hídrica devem ser ponderadas fórmulas com maior densidade energética (> 1 kcal/mL). A posição de decúbito dorsal, frequente na intervenção realizada nestes doentes, não condiciona a administração do suporte entérico. Apesar de ser objetivo final fornecer 25-30 kcal/kg de peso corporal, o início deve ser feito de forma gradual para evitar a síndrome de realimentação, iniciando-se com 15-20 kcal/kg/dia e progredindo. O aporte proteico deve assegurar 1,2 a 2,0 g/kg peso corporal.38,39
Conclusão
Não existem terapêuticas nutricionais específicas comprovadas para prevenir a infeção por COVID-19, no entanto a literatura suporta a importância do estado nutricional na resposta dos doentes a infeções virais. No doente infetado devem ser privilegiadas as intervenções nutricionais para a manutenção da composição corporal, prevenindo a perda de massa magra. No doente crítico deve ser ponderado o suporte nutricional artificial para atingir as necessidades nutricionais.