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Gazeta Médica

Print version ISSN 2183-8135On-line version ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.7 no.4 Queluz Dec. 2020  Epub July 08, 2021

https://doi.org/10.29315/gm.v7i4.379 

Artigo de revisão

O Ácido Acetilsalicílico na Prevenção do Carcinoma Colorretal: Uma Revisão Baseada na Evidência

Acetylsalicylic Acid in the Prevention of Colorectal Cancer: An Evidence-Based Review

1 Médica Interna do 4º ano da especialidade de Medicina Geral e Familiar, USF Bracara Augusta, ACeS Cávado I, Braga, Portugal.


Resumo

Introdução:

O carcinoma colorretal é uma das principais causas de morbimortalidade por cancro no nosso país. Tem surgido evidência de que o ácido acetilsalicílico tem uma ação quimiopreventiva do carcinoma colorretal. Assim, este estudo tem como objetivo rever a evidência sobre o efeito do ácido acetilsalicílico na incidência e mortalidade do carcinoma colorretal.

Métodos:

Pesquisa de revisões sistemáticas, meta-análises, ensaios clínicos aleatorizados, estudos de coorte e normas de orientação clínica publicados entre 01/06/2010 a 01/06/2020, em base de dados de medicina baseada na evidência, com os termos MeSH “Aspirin” “Primary prevention” e “Colorectal neoplasms”. Para estratificar o nível de evidência dos estudos e a atribuição da força de recomendação, foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician.

Resultados:

Selecionaram-se cinco de 57 artigos: uma meta-análise, duas revisões sistemáticas, um estudo de coorte e uma norma de orientação clínica. De uma forma geral, os estudos mostraram que o uso diário de no mínimo 75 mg de ácido acetilsalicílico durante cinco ou mais anos reduzia a incidência e a mortalidade de carcinoma colorretal. Contudo, deve ser usado com cautela pois associa-se a um aumento do risco hemorrágico.

Conclusão:

O uso de ácido acetilsalicílico poderá ser efetivo na redução da incidência e mortalidade de carcinoma colorretal em adultos com risco médio para carcinoma colorretal, atribuindo-se uma força de recomendação B (SORT B). Futuros estudos são necessários para determinar a dose e duração mínima do uso de ácido acetilsalicílico que confira um benefício oncológico acompanhada de um risco hemorrágico mínimo.

Palavras-chave: Ácido Acetilsalicílico/uso terapêutico; Anti-Inflamatórios não Esteroides/uso terapêutico; Neoplasias Colorretais/prevenção e controlo

Abstract

Introduction:

The colorectal cancer is one of the main causes of cancer morbimortality in our country. There has been evidence that acetylsalicylic acid has a chemopreventive effect on colorectal cancer. The aim of this study is to review the evidence of acetylsalicylic acid effect on the incidence and mortality of colorectal cancer.

Methods:

A research of systematic reviews, meta-analyzes, randomized clinical trials, cohort studies and clinical guidelines published between 01/06/2010 and 01/06/2020 was done in evidence-based medicine database, with the MeSH terms “Aspirin” “Primary prevention” and “Colorectal neoplasms”. The Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) scale of the American Family Physician was used to stratify the studies levels and define their recommendation strength.

Results:

It were selected five of 57 articles: a meta-analysis, two systematic reviews, a cohort study, and a clinical guideline. In general, studies have shown that daily doses of 75 mg or more of acetylsalicylic acid for five years or more reduced the colorectal cancer incidence and mortality. However, acetylsalicylic acid should be used with caution due to its increased bleeding risk.

Conclusion:

The use of acetylsalicylic acid may be effective in reducing colorectal cancer incidence and mortality in adults with medium risk for colorectal cancer with their recommendation strength B (SORT B). Further studies are necessary in order to define the lowest dose and duration of acetylsalicylic acid use that provides an oncological benefit with a lowest bleeding risk.

Keywords: Anti-Inflammatory Agents, Non-Steroidal/therapeutic use; Aspirin/therapeutic use; Colorectal Neoplasms/prevention & control

Introdução

O carcinoma colorretal (CCR) é a terceira neoplasia mais comum a nível mundial, apresentando cerca de 1,8 milhões de novos casos e 881 000 mortes por ano.1 Em Portugal, o carcinoma do cólon e do reto têm uma taxa de incidência de 47,6% e 22,7%, respetivamente, sendo uma das principais causas de morbimortalidade por cancro no país.2

Na maioria dos casos, o CCR evolui a partir de lesões benignas, os pólipos adenomatosos. Esta evolução é geralmente lenta e não condiciona qualquer sintoma. Sabe-se que as células tumorais do cólon e do reto têm uma expressão elevada da ciclo-oxigenase-dois (COX-2), responsável por produzir a prostaglandina E2 (PGE2).

A PGE2 desempenha um papel importante na proliferação destas células e na resistência à apoptose durante o processo inflamatório.3 O ácido acetilsalicílico (AAS) inibe a enzima COX-2, o que permite ter um efeito anti-inflamatório e anti-tumoral.4

O rastreio do CCR permite reduzir a sua incidência e mortalidade. De acordo com o Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direção Geral da Saúde,5 este rastreio deve ser efetuado a partir dos 50 anos de idade através da pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) numa periodicidade anual ou bianual. O CCR apresenta como um dos fatores de risco a dieta. Assim a prevenção primária consiste na mudança de estilos de vida. Contudo, ao longo dos anos, vários estudos têm investigado as propriedades anticancerígenas e quimiopreventivas do AAS na prevenção primária do CCR.

Atualmente, existem estudos que corroboram a hipótese de o AAS ter uma ação preventiva no CCR. Contudo, apesar de o AAS ser bem tolerado, apresenta um importante risco hemorrágico. Assim, é necessário esclarecer se o benefício de prevenção oncológica se sobrepõe ao risco hemorrágico.

A presente revisão pretende rever a evidência do efeito do AAS na incidência e mortalidade do CCR em indivíduos adultos de médio risco.

Métodos

Em junho de 2020 foi realizada uma pesquisa de revisões sistemáticas (RS), meta-análises (MA), ensaios clínicos aleatorizados (ECA), estudos de coorte (EC) e normas de orientação clínica (NOC) recorrendo às bases de dados National Guideline Clearinghouse, The Cochrane Library, DARE, Bandolier e MEDLINE. A pesquisa incluiu todas as publicações em Português, Inglês e Espanhol de estudos em humanos num período máximo de 10 anos de publicação em relação à data de pesquisa (1 de junho de 2020). Foram utilizados os seguintes termos MeSH: “Aspirin”, “Primary prevention” e “Colorectal neoplasms”.

Foram incluídos estudos cuja população era constituída por indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos com risco médio para CCR, ou seja, sem fatores de risco identificáveis para adenomas colorretais ou CCR (população). Os estudos incluíam um grupo a tomar AAS (intervenção) e um outro grupo placebo ou com ausência de tratamento. O resultado (outcome primário) foi o efeito do AAS na incidência e mortalidade do CCR. Em alguns estudos, foi possível determinar efeitos colaterais comuns do AAS, nomeadamente a hemorragia gastrointestinal (HGI) e hemorragia intracraniana (HIC) (outcome secundário).

Foram excluídos os estudos que incluíam indivíduos com idade inferior a 18 anos, com antecedentes pessoais de CCR, com risco aumentado de hemorragia ou com doença cardiovascular estabelecida. Para estratificar o nível de evidência dos estudos e a atribuição da força de recomendação, foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician.6

Resultados

Após a pesquisa nas bases de dados anteriormente mencionadas, obtiveram-se 57 artigos. Destes foram excluídos 19 por duplicação, 21 pela leitura do título, resumo e texto completo e 12 por incumprimento dos critérios de inclusão. Assim, resultaram cinco publicações: uma meta-análise, duas revisões sistemáticas, um estudo de coorte e uma norma de orientação clínica.

Meta-análise

Cristina Bosetti et al (2019)

A MA de Bosetti et al7 (Tabela 1) incluiu 45 estudos (15 coortes e 30 casos controlo) totalizando uma população de 156 019 indivíduos. A dose usada de AAS variou entre 75-500 mg/dia e a duração do uso foi de 5 a 10 anos.

Tabela 1: Meta-análise de Bosetti et al (2019). 

População/Intervenção Resultados e Limitações Conclusões NE
30 casos controlo n = 156 019 indivíduos AAS 75-500 mg/dia vs placebo durante 5-10 anos Incidência de CCR: - O uso regular de AAS está associado a redução do risco CCR: • RR = 0,73; IC 95% (0,69-0,78; p < 0,0001); 45 estudos Dose de AAS: Relação dose de AAS e risco de CCR em 11 estudos: • RR de 0,90 [IC 95% (0,85-0,96; p < 0,0001)] para 75 mg/dia • RR de 0,89 [IC 95% (0,84-0,95; p < 0,0001)] para 81 mg/dia • RR de 0,87 [IC 95% (0,80-0,94; p < 0,0001)] para 100 mg/dia • RR de 0,64 [IC 95% (0,49-0,82; p < 0,0001)] para 325 mg/dia • RR de 0,50 [IC 95% (0,34-0,74; p < 0,0001)] para 500 mg/dia. Duração do uso de AAS: Redução do risco • 20% para 5 anos de uso • 30% para 10 anos de uso O uso de AAS (≥ 75 mg) reduz a incidência e a mortalidade de CCR após 5 anos do início do uso. A proteção para o CCR tende a aumentar com o aumento da dose e a duração do uso de AAS. 1

AAS = ácido acetilsalicílico; CCR = cancro colorretal; RR = risco relativo; IC = intervalo de confiança; NE = nível de evidência.

Os estudos mostraram que o uso regular de AAS estava associado a um risco reduzido de CCR [RR = 0,73; IC 95% (0,69-0,78, p < 0,0001)]. Cerca de 11 estudos permitiram estimar a redução do risco de CCR em relação com a dose de AAS usada. Estes evidenciaram que a relação dose-risco era linear com um RR de 0,90 [IC 95% (0,85-0,96, p < 0,0001)] para 75 mg/dia, um RR de 0,89 [IC 95% (0,84-0,95, p < 0,0001)] para 81 mg/dia, um RR de 0,87 [IC 95% (0,80-0,94, p < 0,0001)] para 100 mg/ dia, um RR de 0,64 [IC 95% (0,49-0,82, p<0,0001)] para 325 mg/dia e um RR de 0,50 [IC 95% (0,34-0,74, p <0,0001)] para 500 mg/dia. Para além disso, nestes estudos a redução do risco de CCR era evidente a partir de cinco ou mais anos de uso de AAS. Assim, estimaram que a redução do risco era de 20% para cinco anos de uso e cerca de 30% para 10 anos de uso.

Em conclusão, a MA de Bosetti et al evidenciou que a proteção para o CCR tende a aumentar com o aumento da dose e a duração do uso de AAS. A MA incluiu estudos de elevada qualidade metodológica com um seguimento adequado (mais de 80% dos participantes mantiveram a toma de AAS durante o período de estudo), clareza quanto à dose de AAS e a sua duração de uso, bem como, resultados consistentes. Neste sentido atribui-se um NE de 1.

Revisões sistemáticas

Peter Rothwell et al (2010)

A RS de Rothwell et al8 (Tabela 2) integrou quatro ECAs totalizando uma população de 14 033 indivíduos. A dose usada de AAS variou entre 75-1200 mg/dia, a duração média do uso foi de 6 anos e o período de seguimento foi de 20 anos.

Tabela 2: Revisão sistemática de Rothwell et al (2010). 

População/Intervenção Resultados e Limitações Conclusões NE
4 ECAs n = 14 033 indivíduos AAS ≥ 75 mg/dia vs placebo durante ≥ 5 anos após 20 anos de seguimento Incidência • Carcinoma do cólon RR = 0,35; IC 95% (0,20-0,63; p < 0,001) • Carcinoma do cólon proximal RR = 0,45; IC 95% (0,28-0,74; p = 0,001) • Carcinoma do cólon distal RR = 1,10; IC 95% (0,73-1,64; p = 0,66) • Carcinoma retal RR = 0,58; IC 95% (0,36-0,92; p = 0,02) Mortalidade • Carcinoma do cólon RR = 0,24; IC 95% (0,11-0,52; p < 0,001) • Carcinoma do cólon proximal RR = 0,34; IC 95% (0,18-0,66; p < 0,001) • Carcinoma do cólon distal RR = 1,21; IC 95% (0,66-2,24; p = 0,54) • Carcinoma retal RR = 0,47; IC 95% (0,26-0,87; p < 0,01) O uso de AAS (≥ 75 mg) reduz a incidência e a mortalidade de CCR após 5 anos do início do uso. A redução foi mais significativa para o carcinoma do cólon proximal. 1

AAS = ácido acetilsalicílico; CCR = cancro colorretal; ECA = ensaio clínico aleatorizado; RR = risco relativo; IC = intervalo de confiança; NE = nível de evidência.

A RS mostrou que após 20 anos de seguimento, o uso de AAS numa dose igual ou superior a 75 mg/dia durante um período de cinco ou mais anos reduzia a incidência [RR = 0,35; IC 95% (0,20-0,63, p < 0,0001] e a mortalidade (RR = 0,24; [IC 95% (0,11-0,52, p < 0,0001)] do CCR. Relativamente à localização do carcinoma, a redução da incidência [RR = 0,45; IC 95% (0,28-0,74, p = 0,001)] e redução da mortalidade (RR = 0,34; IC 95% (0,18-0,66, p = 0,001]) foi mais significativa para o cancro do cólon proximal. Para o carcinoma retal verificou-se também uma redução da incidência (RR = 0,58; [IC95% (0,36-0,92, p = 0,02)] e mortalidade (RR = 0,47;[IC 95% (0,26-0,87, p = 0,01)]. Contrariamente, em relação ao carcinoma do cólon distal não houve redução significativa quer na incidência quer na mortalidade.

A RS de Rothwell et al incluiu ECAs de elevada qualidade metodológica. Os resultados são consistentes, apresentando um tamanho de população e período de seguimento adequados bem como clareza na distribuição dos

grupos. Assim atribui-se um NE de 1.

Jéssica Chubak et al (2015)

A revisão sistemática de Chubak et al9 (Tabela 3) incluiu 11 ECAs e 7 estudos de coorte, totalizando uma população de 136 139 indivíduos. A dose mínima de AAS usada foi 75 mg/dia, durante um período mínimo de 10 anos.

Tabela 3: Revisão sistemática de Chubak et al (2015). 

Intervenção Resultados e Limitações Conclusões NE
Incidência CCR: 6 ECAs 7 coortes AAS ≥ 75 mg/dia vs placebo durante ≥ 10 anos - O AAS (≥ 75 mg) reduz a incidência de CCR em 20% 24% após 10 anos do início do uso de AAS: • RR = 0,60; IC 95% (0,47-0,76; p < 0,001) O uso de AAS (≥ 75 mg) reduz a incidência e a mortalidade de CCR após 10 anos do início do uso. 1
Mortalidade CCR: 8 ECAs 1 coorte AAS ≥ 75 mg/dia vs placebo durante ≥ 10 anos - O AAS (≥ 75 mg) reduz o risco de mortalidade do CCR em 33% após 10 anos do início do uso de AAS. - Dados sugerem ausência de benefício entre 5 a 10 anos do começo do AAS.
HGI: 12 ECAs 1 EC AAS ≥ 75 mg/dia vs placebo durante ≥ 10 anos - Aumento de risco de hemorragia gastrointestinal com o uso de AAS: • RR = 1,94; IC 95% (1,44-2,62; p < 0,001) - As HGI não eram fatais nem severas. O uso de AAS está associado a um aumento do risco de HGIs, HIC e enfarte hemorrágico.
HIC: 12 ECAs AAS ≥ 75 mg/dia vs placebo durante ≥ 10 anos - Aumento de risco de hemorragia intracraniana com o uso de AAS: • RR = 1,53; IC 95% (1,21-1,93; p < 0,001)
Enfarte hemorrágico: 11 ECAs AAS ≥ 75 mg/dia vs placebo durante ≥ 10 anos - Aumento do risco de enfarte hemorrágico com o uso de AAS: • RR = 1,47; IC 95% (1,16 -1,88; p < 0,001)

AAS = ácido acetilsalicílico; CCR = cancro colorretal; EC = estudo de coorte; ECA = ensaio clínico aleatorizado; NE = nível de evidência; HGI =hemorragia gastrointestinal; HIC = hemorragia intracraniana.

Em 17 dos estudos verificaram que a toma diária ou alternada de 75 mg/dia de AAS reduzia a incidência [RR = 0,60; IC 95% (0,47-0,76, p < 0,001)] e a mortalidade após 10 anos do início do seu uso, não havendo benefício antes desse período. Também num período de mais de 20 anos o uso de AAS reduziu em cerca de 20% a 24% a incidência e em 33% o risco de mortalidade de CCR.

Relativamente aos riscos do uso de AAS, mostraram que o AAS aumentava o risco de hemorragia gastrointestinal não fatal [RR = 1,94; IC 95% (1,44-2,62, p < 0,001)], hemorragia intracraniana [RR = 1,53; IC 95% (1,21-1,93, p < 0,001)] e enfarte hemorrágico (RR = 1,47; IC 95% (1,16-1,88, p < 0,001)].

A RS de Chubak et al incluiu estudos de elevada qualidade metodológica com um tamanho de população e período de seguimento adequados bem como resultados consistentes quanto à dose, frequência, duração e riscos do uso de AAS. Neste sentido atribui-se um NE de 1.

Estudo de coorte

Elisabeth Ruder et al (2011)

A coorte de Ruder et al10 (Tabela 4) envolveu 301 240 indivíduos com idade média de 62,8 anos. Tratou-se de um estudo prospetivo que avaliou o efeito da frequência (diário, semanal ou mensal) do uso de AAS e outros anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) na incidência do CCR. Para efeitos desta meta-análise serão abordados os resultados relativos ao uso de AAS em 220 259 indivíduos.

Tabela 4: Estudo de coorte Ruder et al (2011). 

População/Intervenção Resultados e Limitações Conclusões NE
n = 220 259 indivíduos (73% da coorte total) - A AAS reduz a incidência de CCR: • Diariamente: RR = 0,86; IC 95% (0,79-0,94; p < 0,001) • Semanalmente: RR = 0,88; IC 95% (0,80-0,97; p < 0,001) - O uso semanal ou diário de AAS está associado a uma proteção do CCR, verificando-se um menor risco de CCR com a maior frequência de uso. 2
idade média = 62,8 anos O uso diário de AAS reduziu o risco de cancro no cólon distal [RR = 0,84; IC 95% (0,71-0,99; p < 0,001)]) e do reto [RR = 0,76; IC 95% (0,64-0,90; p < 0,001)].
AAS 81-325 mg/dia vs placebo durante 12 meses Variável: sexo - A redução no risco de CCR era semelhante para sexo masculinoe feminino, não havendo diferenças estatisticamente significativas.
Limitações: - Ausência de evidência em relação à dose mínima de AAS a tomar e a sua duração - Período de seguimento curto

AAS = ácido acetilsalicílico; CCR = cancro colorretal; RR = risco relativo; NE = nível de evidência.

Neste sentido, verificaram uma diminuição do risco de CCR nos indivíduos que usavam AAS diariamente [RR = 0,86; IC 95% (0,79-0,94, p < 0,001)] e semanalmente [RR = 0,88; IC 95% (0,80-0,97, p < 0,001)] durante 12 meses.

As diminuições eram semelhantes para o sexo masculino e feminino, não havendo diferenças estatisticamente significativas. Contudo, não conseguiram distinguir entre o uso de uma dose de 81 mg de AAS (baixa) ou uma dose de 325 mg de AAS (alta). Em relação à localização do cancro, o uso diário de AAS reduziu o risco de cancro no colon distal [RR = 0,84; IC 95% (0,71-0,99, p < 0,001)] e no reto [RR = 0,76; IC 95% (0,64-0,90, p < 0,001)].

Assim, a coorte evidenciou que o uso de AAS estava associado a uma proteção para o CCR, observando-se um menor risco de CCR com a maior frequência de uso. Contudo, não especificaram a dose mínima de AAS a tomar nem a duração necessária.

O EC de Ruder et al apresenta um tamanho de população adequado e resultados consistentes quanto à frequência de uso do AAS. Contudo, devido à falta de evidência quanto à dose e duração do tratamento e ao período de seguimento da coorte ter sido curto (12 meses) atribui-se um NE de 2.

Norma de orientação clínica

Cancer Council Australia (2017)

A NOC do Cancer Council Australia11 (Tabela 5) recomenda o uso de 100 a 300 mg por dia de AAS durante um mínimo de 2,5 anos para redução da mortalidade por CCR (força de recomendação B).

Tabela 5: Norma de orientação clínica. 

Referência Conclusão FR
Clinical practice guidelines for the prevention, early detection, and management of colorectal cancer Cancer Council Australia, 2017 - O AAS (100-300 mg/dia) durante pelo menos 2,5 anos tem benefício na redução da mortalidade de CCR. (RR = 0,34; IC 95%; p = 0,001) - O AAS deve ser evitado em indivíduos com dispepsia, úlcera péptica e diátese hemorrágica B

AAS = ácido acetilsalicílico; CCR = cancro colorretal; RR = risco relativo; FR = força de recomendação.

A NOC tem em conta o potencial risco hemorrágico do AAS, reforçando que o seu uso deve ser evitado em utentes com risco aumentado de hemorragia.

Discussão

Os estudos incluídos nesta revisão apresentam resultados satisfatórios, mostrando que o uso de AAS pode reduzir a incidência e mortalidade de CCR.

A MA de Bosetti et al e a RS de Rothwell et al evidenciaram que a proteção para o CCR ocorria com uma dose mínima de 75 mg/dia de AAS e a partir de cinco anos de uso. Contudo, na RS de Chubak et al a redução da incidência e mortalidade de CCR só era evidente após 10 anos do início do tratamento com AAS (75 mg/dia). O EC de Ruder et al mostrou redução quer no uso diário quer semanal de AAS. Assim, apesar de haver consistência quanto à dose de AAS a usar denota-se alguma heterogeneidade quanto à duração necessária de tratamento. Neste sentido, futuros estudos são necessários de forma a definir o período mínima necessário e a frequência do uso de AAS para a prevenção do CCR.

A MA de Bosetti et al mostrou que a proteção para o CCR era maior quanto maior a dose e duração de uso de AAS. Contudo, sabe-se que o AAS confere um importante risco hemorrágico como ficou evidenciado na RS de Chubak et al e na NOC da Cancer Council Australia. Assim, são necessários mais estudos para determinar a dose e duração mínima de AAS que confira um benefício oncológico acompanhada de um risco hemorrágico mínimo.

Na RS de Rothwell et al com o uso de AAS verificou-se uma redução significativa na incidência e mortalidade do cancro do cólon proximal. No EC de Ruder et al verificou-se, por outro lado, uma redução do risco de cancro do cólon distal e do reto. Para além disso, neste EC verificou-se ainda que a redução era semelhante entre o sexo masculino e feminino. Neste sentido, variáveis como sexo e a localização do cancro poderão ser incluídas em estudos futuros de forma a aumentar a robustez destes achados.

Conclusão

A hipótese de que o uso de AAS poderá diminuir a incidência e a mortalidade de CCR tem vindo a ser estudada na comunidade científica. Nesta revisão conclui-se que o uso regular de AAS poderá ser efetivo na redução da incidência de CCR em adultos com risco médio para CCR, com eventual impacto na mortalidade. Atribui-se uma força de recomendação B (SORT B).

Referências

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Responsabilidades éticas

Suporte financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares

Ethical disclosures

Financial support: This work has not received any contribution grant or scholarship

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed

Recebido: 29 de Setembro de 2020; Aceito: 22 de Outubro de 2020; Publicado: 30 de Outubro de 2020

Autor Correspondente/Corresponding Author: Ana João Martins [anajoao1991@gmail.com] Travessa Álvares Cabral, Nº 5, 4710-082 Braga, Portugal ORCID iD: 0000-0002-2916-4442

Conflitos de interesse:

Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Conflicts of Interest:

The authors have no conflicts of interest to declare.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons