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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.8 no.2 Queluz jun. 2021  Epub 01-Set-2021

https://doi.org/10.29315/gm.v8i2.403 

Séries de Casos

Síndrome da Veia Cava Superior: Um desafio para o Internista de um Hospital Distrital

Superior Vena Cava Syndrome: A Challenge for an Internist in a Peripheral Hospital

1. Serviço de Medicina Interna do Hospital Distrital da Figueira da Foz, Figueira da Foz, Portugal.


Resumo

A síndrome da veia cava superior surge quando existe uma diminuição ou obstrução do fluxo venoso da cabeça, pescoço e membros superiores através da veia cava superior por trombose ou compressão extrínseca da mesma. Pode ter diversas etiologias, sendo a causa neoplásica uma das mais frequentes, constituindo uma urgência oncológica.

Numa abordagem inicial, o uso de corticoterapia e diuréticos endovenosos, combinado com a elevação da cabeceira são medidas fundamentais. Para além disso, o tratamento da doença de base, radioterapia de urgência e radiologia de intervenção são as opções mais viáveis.

Os autores propõem-se apresentar uma série de casos que surgiram no serviço de urgência de um hospital distrital durante o período de um ano.

Dois casos surgiram em doentes com neoplasias já conhecidas e em tratamento, sendo as neoplasias em questão - linfoma MALT brônquico e carcinoma papilar da tiroide com metastização pulmonar e mediastínica. Outro dos doentes tinha uma formação nodular a nível do lobo superior direito do pulmão, sem identificação histológica. No outro caso, esta síndrome foi a apresentação inicial, tendo os exames complementares demonstrado a presença de massa mediastínica, biopsada através de mediastinoscopia, que revelou linfoma difuso de grandes células B. Os doentes apresentavam idades compreendidas entre os 61 e 81 anos. Para todos, foi pedido apoio ao hospital de referência pela inexistência de radiologia de intervenção e radioterapia no nosso hospital.

A síndrome da veia cava superior pode apresentar várias etiologias, tendo os casos descritos ocorrido em contexto de doença oncológica. Esta série de casos alerta-nos para o desafio clínico e sobretudo terapêutico num hospital distrital, assim como, reforça a importância de equipa multidisciplinar e inter-hospitalar para a melhor orientação dos doentes, procurando oferecer as melhores alternativas terapêuticas.

Palavras-chave: Síndrome da Veia Cava Superior/diagnóstico; Síndrome da Veia Cava Superior/etiologia

Abstract

Superior vena cava syndrome results from decrease or obstruction in the venous flow of the head, neck and upper limbs due to thrombosis or extrinsic compression of the vena cava. It can have different etiologies, the neoplastic cause being one of the most frequent, constituting an oncological urgency. In an initial approach, the use of corticosteroid therapy and intravenous diuretics, combined with the elevation of the headboard are fundamental measures. In addition, treatment of the underlying disease, emergency radiotherapy and intervention radiology are the most relevant options.

The authors propose to present a series of cases that emerged in the emergency department of a district hospital during the period of one year. Two cases appeared in patients with already known neoplasia (bronchial MALT lymphoma and papillary thyroid carcinoma with pulmonary and mediastinal metastasis) and under treatment. Another patient had a nodular formation at the level of the right upper lung lobe, without histological identification. In the other case, this syndrome was the initial presentation, with complementary exams showing the presence of a mediastinal mass, biopsied through mediastinoscopy, which revealed diffuse large B-cell lymphoma. The patients were aged between 61 and 81 years old. For all, support was requested from a central hospital for the lack of intervention radiology and radiotherapy in our hospital.

Superior vena cava syndrome can have several etiologies, with the cases described occurring in the context of oncological disease. This series of cases alerts us to the clinical and, above all, therapeutic challenge in a district hospital, as well as reinforcing the importance of a multidisciplinary and inter-hospital team to better orient patients, seeking to offer the best therapeutic alternatives.

Keywords: Superior Vena Cava Syndrome/diagnosis; Superior Vena Cava Syndrome/etiology

Introdução

A síndrome da veia cava superior resulta da diminuição ou obstrução do fluxo da veia cava superior, cursando desta forma com alteração da drenagem venosa da cabeça, pescoço e membros superiores.1,2

A primeira descrição de um caso de síndrome da veia cava superior surge em 1757 por Sir William Hunter, sendo que, durante mais de 50 anos, a principal causa desta síndrome estava relacionada com infeções (aneurismas sifilíticos e tuberculose).2 No entanto, o crescimento e desenvolvimento da terapêutica antibiótica permitiu uma redução drástica desta etiologia.2 Por outro lado, nos últimos 30 anos, verificou-se um crescimento substancial da etiologia maligna e trombótica.2

Do ponto de vista fisiopatológico, a obstrução do fluxo neste vaso pode ser provocada por trombose, compressão extrínseca ou invasão da íntima do vaso.1)

Em termos epidemiológicos, esta síndrome ocorre em aproximadamente 15 000 doentes anualmente nos Estados Unidos.3

Atualmente, o cancro e eventos trombóticos são as duas principais etiologias para esta síndrome.1 Em termos etiológicos, a doença maligna ocorre em mais de 85% dos casos e está relacionada com o efeito de massa ou invasão da íntima do vaso.1 Os principais tipos de tumores responsáveis por esta síndrome são o linfoma, neoplasia do pulmão (~50% dos casos), neoplasia da mama, metastização local, leiomiossarcoma primário e plasmocitoma.1 Por outro lado, a etiologia benigna surge em 3%-15% dos casos, e pode estar relacionada com timoma, higroma quístico, fibrose mediastínica, tuberculose, histoplasmose, bócio, aneurisma aórtico, hematomas mediastínicos ou eventualmente secundária a eventos trombóticos (cateteres venosos centrais, pacemaker, cardiodesfibrilhador implantável ou cateter de diálise).1,4

Clinicamente, pode apresentar-se com tosse, dispneia, disfagia, edema da face, pescoço e membros superiores, bem como, convulsões, edema cerebral (sinais de hipertensão craniana), instabilidade hemodinâmica e obstrução da via aérea por compressão da traqueia.1,3 A gravidade e início da sintomatologia dependem do grau de compromisso do vaso e da extensão da circulação colateral.2

Apesar de o diagnóstico ser sobretudo clínico, a realização de radiografia do tórax e tomografia computorizada (TC) é essencial para confirmar e documentar o evento.1,5

Os autores propõem-se apresentar uma série de 4 casos clínicos que surgiram no serviço de urgência do nosso hospital distrital durante o período de um ano.

Casos clínicos

Caso 1

Doente de 70 anos, género masculino que recorreu a urgência com clínica de edema da face e pescoço com cerca de 15 dias de evolução, de agravamento progressivo. Apresentava antecedentes pessoais de estenose aórtica severa com seguimento em consulta de Cardiologia, suspeita de linfoma MALT brônquico com seguimento em consulta de Hemato-Oncologia noutro hospital, neoplasia da bexiga submetida a ressecção parcial e quimioterapia adjuvante em 2010, hiperplasia benigna da próstata, polipose intestinal e úlcera gástrica, bem como, hábitos tabágicos de 50 UMA. Encontrava-se medicado com furosemida 60 mg/dia, alfuzosina 10 mg/dia, bromazepam 1,5 mg/dia, espironolactona 25 mg/dia e paracetamol 1 g em SOS. No exame objetivo, à admissão hospitalar, o doente encontrava-se consciente, orientado e colaborante, hemodinamicamente estável, eupneico em ar ambiente, com saturação periférica de 91%-92%. Destacava-se presença de edema marcado do hemipescoço e hemiface direitos, com restante exame objetivo sem alterações.

Analiticamente, objetivou-se elevação de Beta 2 - microglobulina 3070 ug/L (N 800-2200), não se verificando outras alterações no restante estudo analítico. Por suspeita de síndrome da veia cava superior, realizou angio-tomografia computorizada (TC) cervico-torácica que demonstrou o envolvimento circunferencial da veia cava superior por adenopatia mediastínica com redução significativa do lúmen da veia cava (Fig. 1).

Figura 1: Cortes horizontal e longitudinal de tomografia computorizada que demonstram a presença de envolvimento circunferencial da veia cava superior por massa com densidade de tecidos moles correspondente a adenopatia mediastínica que condiciona redução significativa do lúmen. 

Após terapêutica sintomática com diuréticos endovenosos, o doente foi transferido para o hospital central de referência para radiologia de intervenção.

Caso 2

Doente, de 61 anos, género masculino, que recorreu a urgência por dispneia com alguns meses de evolução, de agravamento recente (nas últimas horas), associado a dispneia paroxística noturna. Nos antecedentes pessoais, destacava-se a presença de história de enfisema pulmonar, bronquiectasias e esteatose hepática, bem como, hábitos tabágicos de 35 UMA (ex-fumador há 10 anos). O doente não se encontrava a realizar qualquer medicação crónica.

No exame objetivo, à admissão hospitalar, o doente encontrava-se consciente, orientado e colaborante, com fácies pletórico, associado a ingurgitamento vascular cervical e discreto edema da face. Apresentava-se igualmente, hemodinamicamente estável, eupneico em ar ambiente e na posição sentado, com saturação periférica de O2 de 94%. À auscultação pulmonar, evidenciava uma diminuição global do murmúrio, associado a sibilos e roncos expiratórios dispersos em ambos os campos pulmonares; no restante exame objetivo, não se evidenciaram alterações relevantes.

Analiticamente, objetivou-se uma elevação do marcador tumoral CYFRA 21-1 de 5,3 ug/L (N < 3,3), pedido em internamento, não se verificando outras alterações significativas. Realizou radiografia torácica póstero-anterior, verificando-se um alargamento do mediastino superior sobretudo à direita (Fig. 2).

Figura 2: Radiografia do tórax póstero-anterior demonstrando o alargamento do mediastino superior sobretudo à direita. 

O doente fez-se acompanhar de tomografia computorizada torácica do exterior há cerca de 2 dias, que demonstrava a presença de formação nodular de 4x3x2 cm e cavitação no seu interior de 2 cm no segmento apical do lobo superior direito e várias formações adenopáticas que envolviam e invadiam a veia cava superior, tronco venoso braquiocefálico direito e crossa da veia ázigos.

Após estabilização clínica e tratamento sintomático, foi orientado para a especialidade de Pneumologia do hospital central de referência para colaboração da radiologia de intervenção e continuação de estudo etiológico. O estudo do nódulo pulmonar revelou um carcinoma epidermoide do pulmão, com estadiamento TNM, T4 N2 M0 (estadio III).

Caso 3

Doente, de 68 anos, género masculino, que recorreu à Urgência com dispneia para médios/pequenos esforços com vários meses de evolução, mas com agravamento recente, nas últimas 2 semanas.

Nos antecedentes pessoais, destacavam-se o diagnóstico de carcinoma papilar da tiroide desde 2005, seguido em consulta de Oncologia, tendo sido submetido a tratamento com iodo radioativo e tiroidectomia total, com metastização pulmonar e mediastínica documentada desde 2016, bem como, hipotiroidismo, nevus displásico, vitiligo, fratura do rádio proximal em janeiro de 2018 (suspeita de fratura patológica). O doente encontrava-se medicado com levotiroxina 125 mcg/dia, inaloterapia com brometo de umeclidínio + vilanterol.

No exame objetivo, à admissão hospitalar, apresentava-se consciente, orientado e colaborante, hemodinamicamente estável, polipneico em ar ambiente, sentado, com saturação periférica de O2 de 92%, com adejo nasal e uso de musculatura acessória; auscultação pulmonar com murmúrio mantido bilateralmente, simétrico, com roncos e sibilos expiratórios dispersos em ambos os campos pulmonares. Destacava-se a presença de exuberante circulação colateral ao nível do membro superior direito e região supraclavicular/hemitórax direito (Fig. 3). Por se apresentar com hipoxemia à admissão, iniciou oxigenoterapia por máscara de Venturi com FiO2 28%.

Figura 3: Circulação colateral exuberante ao nível da região supraclavicular direita. 

Analiticamente, realça-se a presença de anemia normocítica com hemoglobina de 12,2 g/dL (N 13,5-18), LDH 1402 U/L (N 240-480) e TSH 12,58 uUI/mL (N 0,27-4,2).

Realizou igualmente radiografia torácica que evidenciou a presença de alargamento do mediastino superior e opacidades dispersas em ambos os campos pulmonares com aspeto em “largada de balões” concordante com antecedentes de metastização pulmonar (Fig. 4). Por elevada suspeita de síndrome da veia cava superior, realizou angio-TC cervico-torácica que veio confirmar a presença de volumosa massa mediastínica superior à direita, com desvio esquerdo e estreitamento da traqueia e redução da permeabilidade dos troncos venosos braquiocefálicos e veia cava superior (Fig. 5).

Figura 4: Radiografia do tórax póstero-anterior com aspeto em largada de balões concordante com antecedentes de metastização pulmonar conhecidos desde 2016 e alargamento do mediastino superior. 

Figura 5: Cortes axiais de angio-TC cervico-torácica mostrando volumosa massa mediastínica superior à direita, condicionando desvio esquerdo, estreitamento da traqueia e acentuada redução da permeabilidade dos troncos venosos braquiocefálicos e da veia cava superior. 

Após realização de terapêutica de suporte com oxigenoterapia, diuréticos endovenosos e terapêutica broncodilatadora, o doente foi orientado para radioterapia de urgência no hospital de referência, onde já tinha seguimento em consulta de Oncologia.

Caso 4

Doente, do género feminino, 81 anos, trazida a Urgência por dispneia com 2 semanas de evolução, de agravamento progressivo, associado a edema da mão direita, assimétrico, com cerca de 1 mês de evolução. Dos antecedentes pessoais, destacavam-se acidente vascular cerebral 5 anos antes, insuficiência cardíaca (FEVE 43% documentado em ecocardiograma transtorácico em outubro de 2017), fibrilhação auricular, síndrome depressiva e obesidade, estando medicada com amiodarona 200 mg 5 dias por semana, paroxetina 20 mg, lorazepam 2,5 mg, valsartan 80 mg + amlodipina 5 mg.

Ao exame objetivo, à admissão hospitalar, a doente encontrava-se consciente, orientada e colaborante, com mucosas coradas e hidratadas, assim como, hemodinamicamente estável; na auscultação pulmonar apresentava-se com diminuição global do murmúrio e fervores no campo pulmonar direito. No restante exame, destacava-se a presença de edema assimétrico do membro superior direito, assim como, edema da mama direita, assimétrico e com discreto rubor e aspeto casca de laranja; no entanto, a doente não apresentava adenopatias palpáveis nas cadeias cervicais, axilares e inguinais.

Figura 6: Radiografia do tórax póstero-anterior com reforço hilar bilateral, simétrico, com edema intersticial e aumento do índice cardiotorácico. Destaca-se importante alargamento do mediastino superior. 

Analiticamente, objetivou-se a presença de discreta trombocitopenia com valor de 136 000/uL (N 150-450 000), LDH 1068 U/L (N 240-480) e beta 2 - microglobulina 7090 ug/L (N 800-2200); em gasimetria arterial evidenciou-se insuficiência respiratória tipo 1 (pH 7,456, pO2 52,3 mmHg, pCO2 32,3 mmHg e HCO3 22,4 mmol/L). Perante a elevação da LDH e beta 2 - microglobulina, associada ao alargamento do mediastino superior em radiografia do tórax (Fig. 6), foi pedida angio-TC cervico-torácica por elevada suspeita de síndrome da veia cava superior. Este exame imagiológico veio confirmar a presença de volumosa massa mediastínica nos compartimentos anterior e médio, condicionando marcada redução do calibre da veia cava superior. Durante o internamento, realizou mamografia e ecografia mamária, que excluíram a presença de eventual neoplasia da mama.

Por ausência de radiologia de intervenção ou radioterapia de urgência, foi pedida a colaboração do hospital central de referência para radioterapia (9 sessões) e foi iniciada a investigação etiológica.

Realizou TC toraco-abdomino-pélvica que revelou a presença de adenopatias hilares à direita e gânglios infracarinais. A doente foi submetida a medulograma e fenotipagem, cujos resultados foram inconclusivos; realizou igualmente biópsia óssea com medula hipocelular, com ausência de infiltração.

Com a colaboração do Serviço de Cirurgia Torácica, efetuou biópsia da massa por via mediastinoscopia direita, que decorreu sem intercorrências, tendo-se chegado ao diagnóstico de linfoma B difuso de grandes células (LBDCG), subtipo não centro germinativo (segundo algoritmo de Hans).

Verificou-se uma degradação progressiva da autonomia para as atividades de vida diária, tendo vindo a falecer em D14 de internamento hospitalar, na sequência de pneumonia associada aos cuidados de saúde.

Discussão e conclusão

A síndrome da veia cava superior cursa com diminuição ou obstrução do fluxo venoso da veia cava superior, condicionando a drenagem venosa da cabeça, pescoço e membros superiores.1

A gravidade e severidade da sintomatologia está relacionada com a rapidez de obstrução da veia cava e estabelecimento de circulação colateral.2 Os sinais e sintomas mais comuns incluem edema facial e do pescoço (82%), edema do membro superior (68%), dispneia (66%), tosse (50%) e dilatação do sistema venoso (38%).2 Se o desenvolvimento destes sintomas ocorrer ao longo de semanas a meses, geralmente observa-se a formação de circulação colateral, sobretudo através do sistema ázigos, veia mamária interna, veia torácica lateral ou veias mediastínicas.2,3 Sintomas como hemoptises, disfagia,

perda ponderal, anorexia, febre ou sudorese noturna podem surgir concomitantemente em casos de doença maligna.3 Existem alguns sistemas de classificação para esta síndrome com base na sintomatologia apresentada, no entanto, nenhum deles está validado para utilização na prática clínica diária.2 O surgimento de sintomas como obstrução da via aérea e edema da laringe são considerados ameaçadores de vida, com necessidade de intervenção por parte dos cuidados intensivos e obrigam a uma intervenção terapêutica emergente.1,6

Na série de casos apresentada, verificou-se a presença dos sinais e sintomas citados, sendo que, apenas um dos doentes apresentou sinais de circulação colateral. Em nenhum dos casos se verificou a presença de edema da laringe e/ou obstrução da via aérea, mantendo-se os doentes hemodinamicamente estáveis e sem necessidade de intervenção por parte da Medicina Intensiva.

O diagnóstico desta síndrome é sobretudo clínico e tem como base uma elevada suspeição perante os sinais e sintomas em cima citados e uma história altamente sugestiva de provável etiologia maligna.5

O uso de exames complementares de diagnóstico é essencial para documentar e confirmar esta síndrome.1 A radiografia do tórax deve ser o primeiro exame a realizar, no entanto, fornece informação limitada, evidenciando a presença de massa torácica, linfadenopatia perihilar ou doença do mediastino.5 Por outro lado, a tomografia computorizada constitui o exame mais útil, não só porque confirma a presença de obstrução ou diminuição do fluxo da veia cava, mas também porque pode fornecer algumas informações úteis para o diagnóstico etiológico e abordagem terapêutica.5 A ressonância magnética pode ser utilizada em contexto de urgência caso o doente apresente alergia ao contraste endovenoso ou doença renal.5 Broncoscopia, mediastinoscopia, toracoscopia, toracotomia ou esternotomia mediana podem ser necessários em alguns doentes, sobretudo para realização de biópsias ou ocasionalmente, para ressecção da massa tumoral que se encontra a causar a obstrução da veia cava superior.3

O tratamento da síndrome da veia cava superior é um desafio, uma vez que não existem guidelines definidas, sendo que, a maioria das estratégias adotadas apresenta benefício incerto e a sua utilização tem como base a opinião de peritos.6 A terapêutica desta síndrome pode dividir-se em sintomática/suporte e definitiva/dirigida.3

As medidas conservadoras ou terapêutica de suporte/sintomática são geralmente a terapia de primeira linha com o intuito de diminuir os sintomas de congestão venosa e a progressão da trombose.3 Consistem na elevação da cabeceira com o intuito de diminuir a pressão hidrostática e edema subjacente, bem como, uso de diuréticos endovenosos e corticoterapia para redução do edema da face e pescoço, temporariamente; no entanto, o uso destes últimos não está formalmente estudado.3

Os doentes com síndrome da veia cava superior secundária a neoplasia são geralmente tratados com heparina de baixo peso molecular/não fraccionada seguida ou não de varfarina com o intuito de prevenir a recorrência desta síndrome e proteger a circulação colateral.3 A anticoagulação está recomendada em doentes submetidos a terapêutica endovascular, bem como, em doentes com trombose em dispositivos intravasculares.7 Em suma, o papel desta terapia após a colocação de stent endovascular nos casos da síndrome da veia cava não trombótica ainda levanta algumas questões, no entanto, pode ser considerado quando o doente apresenta outras indicações para a anticoagulação.8

A terapêutica dirigida consiste em quimioterapia, radioterapia e/ou antibioterapia de acordo com a doença de base, assim como, radiologia de intervenção.2 Na atualidade, apesar de ainda ser considerada uma urgência oncológica, o surgimento deste tipo de síndrome é geralmente insidioso, sendo extremamente importante, a realização de biópsia da lesão antes do início de qualquer terapêutica, quando a estabilidade clínica e hemodinâmica do doente assim o permitam.2 Desta forma, o American College of Chest Physicians recomenda o estabelecimento do diagnóstico histológico antes da intervenção terapêutica em doentes estáveis.1

A radioterapia de urgência como tratamento inicial isolado, nomeadamente com regimes agressivos (8 Gy 3 vezes por semana durante 3 semanas), reduz o tamanho da massa tumoral em mais de 90% dos doentes, com melhoria significativa da sintomatologia.9 Os esquemas terapêuticos combinados de quimio e radioterapia, considerados o gold standard atualmente, melhoram a sintomatologia em 60% a 90% dos casos, no entanto, a sua aplicação depende do tipo de tumor subjacente; por outro lado, esta melhoria apenas é atingida ao fim de 2 a 4 semanas, estando este tratamento associado a recidivas em 20% a 50% dos casos.10

Por fim, os novos avanços na tecnologia permitiram também considerar a radiologia de intervenção como alternativa eficaz e bastante útil.2

A radiologia de intervenção tem-se afirmado como uma alternativa terapêutica, que pode ser essencial em situações urgentes e sem diagnóstico definido ou mesmo quando há uma fraca resposta a quimio e/ou radioterapia, sendo que, o primeiro relato de procedimento endovascular nesta síndrome remonta a 1986.2,7 A terapêutica endovascular é considerada um procedimento seguro, com baixa incidência de complicações (0%-19%).2 As complicações relacionadas com esta técnica podem ser classificadas em minor (hematomas e injeção local) e major (migração do stent, re-oclusão do stent, hemorragia, lesões cardíacas, embolismo pulmonar, edema pulmonar e tamponamento cardíaco).2 Com esta estratégia terapêutica, o alívio sintomático ao fim de 24 a 48 horas é atingido em cerca de 68% a 100% dos doentes.11) Em casos de doença maligna, a taxa de recorrência desta síndrome após a terapêutica endovascular é de aproximadamente 20% e geralmente é causada pela progressão da doença.12

A síndrome da veia cava superior requer o envolvimento de uma equipa multidisciplinar para a definição de estratégias terapêuticas.

Desta forma, a terapêutica desta síndrome constitui um verdadeiro desafio para o internista de um hospital distrital. Numa primeira linha, a terapêutica sintomática de suporte com elevação da cabeceira, diuréticos endovenosos, corticoterapia e, eventualmente, oxigenoterapia quando necessário são medidas relativamente fáceis e aquilo que muitas vezes temos para oferecer em hospitais periféricos. Contudo, tratamentos como a radiologia de intervenção ou mesmo a radioterapia de urgência estão apenas disponíveis em determinados centros hospitalares.

Esta série de casos alerta-nos para a importância de uma equipa multidisciplinar intra e inter-hospitalar com vista à melhor orientação destes doentes, realçando por um lado, as limitações em termos terapêuticos de um hospital distrital e por outro, a necessidade de articulação com outras especialidades e hospitais, de modo a oferecer as melhores alternativas diagnósticas e/ou terapêuticas.

Referências

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Apresentações/Presentations Foi apresentado previamente nas VI Jornadas Médico-Cirúrgicas do Atlântico e obteve o prémio de Melhor Comunicação Oral Caso Clínico.

Responsabilidades éticas

Fontes de financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

Confidencialidade dos dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes

Proteção de pessoas e animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia de 2013 da Associação Médica Mundial

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares

Ethical disclosures

Financing support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures were followed according to the regulations established by the Clinical Research and Ethics Committee and to the 2013 Helsinki Declaration of the World Medical Association

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed

Recebido: 06 de Dezembro de 2020; Aceito: 31 de Maio de 2021; Publicado: 30 de Junho de 2021

Margarida Gaudêncio [mgaudencio3@gmail.com] Avenida Dr. José Maria Cardoso, nº3 - 5º Esquerdo. 3200-202 Lousã, Coimbra, Portugal ORCID iD: 0000-0003-2835-2473

Colaboradores

MG é o autor principal do artigo. Todos os autores contribuíram com a conceção do artigo, análise dos resultados e revisão do manuscrito.

Contributors

MG is the main author of the article. All authors contributed to the design of the article, to the analysis of the results and to the reviewing of the manuscript.

Conflitos de interesse:

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Conflicts of interest:

The authors have no conflicts of interest to declare.

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