Introdução
O diagnóstico de massas anexiais durante a gravidez é relativamente pouco frequente (<10%) mas tem vindo a aumentar, a par com o crescente papel da ecografia na vigilância obstétrica.1,2 Geralmente são assintomáticas, pelo que o diagnóstico é com alguma frequência incidental e imagiológico. A maioria das massas anexiais tem origem ovárica, benigna (92%-99%; frequentemente cistos dermoides ou cistadenomas serosos/mucinosos) e pode ter resolução espontânea.2 A cirurgia é uma opção caso existam sintomas, potenciais complicações (nomeadamente torção, rotura, hemorragia ou infeção) ou suspeita de malignidade.2 A aparência multilocular sólida e a dimensão superior a 5 cm parecem ser os melhores preditores de persistência das massas.1
Caso Clínico
Apresentamos o caso clínico de uma mulher de 36 anos, IO (índice obstétrico) 0000, obesa, sem outros antecedentes pessoais de relevo, com amenorreia de 7 semanas e 4 dias e grupo sanguíneo O Rh+, que recorreu ao serviço de urgência por dor hipogástrica e hemorragia vaginal. Ao exame objetivo, destacava-se uma massa de consistência mole que parecia ocupar todo o abdómen. A ecografia pélvica revelou um saco gestacional in utero, embrião compatível com 7 semanas de gestação, com frequência cardíaca e ainda uma massa anexial multilocular sólida com cerca de 0,3 m de diâmetro. A utente não realizou consulta pré-concecional.
Analiticamente: b-HCG positiva (70404 UI/L), CA 125 56 U/mL, CEA, CA 15.3, CA 19.9 e parâmetros inflamatórios sem alterações.
A grávida teve alta clínica e o estudo da massa anexial foi realizado em ambulatório. A ressonância magnética mostrou uma volumosa lesão quística (0,27 x 0,14 x 0,13 m) com critérios de suspeição, origem difícil de determinar, limites bem definidos, múltiplos septos lineares e algumas vegetações na vertente posterior e inferior direita e ainda ascite em pequeno volume na cavidade pélvica e fina lâmina de ascite peri-hepática e na goteira parietocólica direita. O caso clínico foi discutido em reunião de Serviço, onde foi decidido que a terapêutica deveria ser cirúrgica e ocorrer após a ecografia obstétrica do primeiro trimestre. A referida ecografia foi realizada às 12 semanas e 4 dias de gravidez e não apresentou alterações.
Às 13 semanas de gravidez foi submetida a anexectomia esquerda, por laparotomia, que decorreu sem complicações. Fez-se colheita de líquido ascítico para estudo. A peça cirúrgica pesava 4,955 kg e o exame extemporâneo realizado foi a favor de benignidade. O resultado histológico definitivo foi de um cistadenoma seromucinoso do ovário. No quarto dia de pós-operatório foi realizada uma ecografia obstétrica que revelou duas formações nodulares de 0,07 e 0,05 m, na vertente posterior do útero, sugestivas de miomas, a merecer vigilância; sem outras alterações aparentes, nomeadamente fetais. A gravidez decorreu sem intercorrências. O parto ocorreu às 39 semanas de gravidez (cesariana segmentar transversa por trabalho de parto estacionário), o recém-nascido pesava 3480 g e o seu índice de Apgar foi 9/10/10.
Discussão
A orientação dos casos de massa anexial na gravidez não é consensual. Os exames imagiológicos permitem perceber características sugestivas de benignidade ou malignidade,1 importantes no processo de decisão terapêutica. Caso se opte pela cirurgia, a escolha da via (laparotómica ou laparoscópica) depende das características da massa, da probabilidade de malignidade e da experiência da equipa médica.2 O desfecho obstétrico é geralmente favorável.1,2