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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.9 no.1 Queluz mar. 2022  Epub 01-Abr-2022

https://doi.org/10.29315/gm.v1i1.540 

Artigo de Perspetiva

A Epidemiologia Desconhecida da Psoríase

The Unknown Epidemiology of Psoriasis

1. USF Terra da Nóbrega, ULSAM, Ponte da Barca, Portugal.


Resumo

A psoríase é uma doença cutânea crónica, sem etiologia identificada ou cura, de distribuição mundial e com um predomínio no sexo masculino. As doenças da pele contribuem com 1,79% para a carga global da doença medida em anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) colocando-as na 18ª posição. É a terceira das doenças da pele com maior carga total. Nos dados até ao momento, que incluem 68 artigos e relatórios integrais de 20 países, estimaram que a prevalência mundial da psoríase varia entre 0,09% e 11,4%, o equivalente a pelo menos 100 milhões de indivíduos afetados. Na maioria dos países desenvolvidos, a prevalência situa-se entre 1,5% e 5%, sendo a Noruega o país que apresenta maior prevalência. O único estudo realizado em Portugal, foi publicado em 1994, com uma amostra de 1037 participantes de todas as idades e concluiu uma prevalência de psoríase em Portugal de 1,9%. Observam-se diferentes metodologias, diferenças na definição de prevalência, na definição de caso, nas idades das populações estudadas e nas técnicas de amostragem. Os dados de prevalência disponíveis contemplam somente 20 países, o que significa que se desconhece por completo a epidemiologia desta doença noutros locais. Há uma diminuta proporção de estudos realizada em países em desenvolvimento, contribuindo para uma maior desigualdade nos resultados publicados. A qualidade dos dados epidemiológicos obtidos é essencial para compreender melhor o tamanho e a distribuição do problema, para a gestão desta doença crónica e para o adequado planeamento dos cuidados de saúde.

Palavras-chave: Psoríase/epidemiologia

Abstract

Psoriasis is a chronic skin disease, with no identified etiology or cure, worldwide distribution and predominantly male. Skin diseases contribute 1.79% to the global disease burden measured in disability-adjusted life years (DALYs) placing them in the 18th position. It is the third of the skin diseases with the highest total burden. The data to date, which include 68 articles and full reports from 20 countries, have estimated the worldwide prevalence of psoriasis to range between 0.09% and 11.4%, equivalent to at least 100 million affected individuals. In most developed countries, the prevalence is between 1.5% and 5%, with Norway being the country with the highest prevalence. The only study carried out in Portugal, was published in 1994, with a sample of 1037 participants of all ages and concluded a prevalence of psoriasis in Portugal of 1.9%. Different methodologies, differences in the definition of prevalence, in the definition of case, in the ages of the studied populations and in the sampling techniques are observed. Available prevalence data cover only 20 countries, which means that the epidemiology of this disease elsewhere is completely unknown. There is a small proportion of studies carried out in developing countries, contributing to greater inequality in the published results. The quality of the epidemiological data obtained is essential for a better understanding of the size and distribution of the problem, for the management of this chronic disease and for the adequate planning of healthcare.

Keywords: Psoriasis/epidemiology

Introdução

A pele é o maior órgão do corpo humano, ocupa em média 2 m2 e pesa aproximadamente 4 kg.

É um órgão essencial para a vida humana já que atua como barreira protetora contra agentes patogénicos do meio ambiente, nomeadamente bactérias ou vírus, sendo também responsável por funções essenciais como a função termorreguladora ou as funções sensoriais (taco, pressão, frio, calor, dor…). A pele tem ainda uma função excretora de substâncias que necessitam de ser eliminadas pelo organismo.

A psoríase é uma doença cutânea comum, crónica e não transmissível, sem etiologia identificada ou cura, de distribuição mundial, com um provável predomínio no sexo masculino.

Os estudos sobre a incidência são escassos, explicados em parte pela não obrigatoriedade de notificar os casos diagnosticados.

Desenvolvimento

Explora-se em seguida, dois estudos realizados em países diferentes, com metodologias diferentes e com resultados de incidência também diferentes.1-3

Um estudo que decorreu em Itália entre 2001 e 2005 e que contou com 511 532 indivíduos adultos relatou uma incidência da psoríase de 2,30 a 3,21 casos por 1000 pessoas-anos.1

Num estudo realizado em 2012, em três países em simultâneo (Argélia, Tunísia e Marrocos), durante 2 semanas revelou uma incidência estimada em 10,36, 13,26 e 15,04 por 1000, respetivamente.2

Nos dados até ao momento publicados, que incluem 68 artigos e relatórios integrais de 20 países, estimaram que a prevalência mundial da psoríase varia entre 0,09% e 11,4%, o equivalente a pelo menos 100 milhões de indivíduos afetados.3 Na maioria dos países desenvolvidos, a prevalência situa-se entre 1,5% e 5%, sendo a Noruega o país que apresenta maior prevalência.4 Existe alguma evidência que sugere que a prevalência pode estar progressivamente a aumentar.4

A prevalência estimada inclui um intervalo bastante grande, mostrando a dificuldade em comparar os dados entre si. Analisando estes estudos, observam-se diferentes metodologias, diferenças na definição de prevalência (prevalência pontual, prevalência cumulativa, prevalência do período), na própria definição de caso de psoríase (auto-relatada, diagnosticada pelo médico), nas idades das populações estudadas (apenas crianças, apenas adultos, qualquer faixa etária) e nas técnicas de amostragem (questionários, exame clínico, combinação de exame clínico e questionário, dados do registo clínico).1-3

Em Portugal, os dados epidemiológicos são escassos, estimando-se que esta doença afete 150 000 a 200 000 doentes.5

O primeiro estudo realizado no nosso país, foi publicado em 1994, com uma amostra de 1037 participantes de todas as idades e concluiu uma prevalência de psoríase em Portugal de 1,9%.6 Valor este, sobreponível aos dados de outros países desenvolvidos.

O quadro clínico caracteriza-se pela presença de placas eritematosas, descamativas, pruriginosas ou dolorosas. Estas lesões aparecem, com maior frequência, em zonas como o couro cabeludo, cotovelos e joelhos.

A apresentação desta doença é variada e muitas vezes inespecífica, não existindo meios complementares de diagnóstico que permitam o correto diagnóstico. É, portanto, uma doença de diagnóstico maioritariamente clínico.

O curso da doença alterna entre fases de agudização e de remissão parcial da sintomatologia, raramente espontânea. A evolução é muito variável, tal como a sua gravidade.

Existem diversos tipos de psoríase, classificados de acordo com as características clínicas, nomeadamente: a psoríase em placas, a psoríase inversa, a psoríase gutata, a psoríase palmo-plantar, a psoríase pustulosa e a psoríase eritrodérmica. A forma mais comum é a psoríase em placas que afeta 80%-90% dos doentes.5

Estima-se que aproximadamente 80% dos doentes apresentam formas ligeiras (< 3% da superfície cutânea afetada) e 20% a 30% formas moderadas a graves, com envolvimento de mais de 10% da superfície corporal.7

Existem mais de 40 ferramentas diferentes para avaliar e estratificar a gravidade da psoríase, uma das mais utilizadas mundialmente é o Índice de Área e Gravidade da Psoríase (PASI).7

A sua etiologia é multifatorial, coexistindo fatores endógenos e exógenos, de natureza ambiental ou comportamental. Entre os fatores endógenos salienta-se a predisposição genética ou familiar.

Antigamente era considerada uma doença de exclusivo envolvimento cutâneo, mas atualmente é considerada uma doença autoimune com eventual envolvimento das unhas e das articulações, denominada artrite psoriática. Os estudos apresentam valores muito divergentes em relação à evolução da doença, variando entre 1,3% e 47% a proporção de doentes que desenvolvem artrite psoriática.3) A artrite psoriática é uma doença caracterizada pela inflamação crónica das articulações, com dor, tumefação e limitação da mobilidade articular associada. A inflamação crónica destas articulações pode levar à destruição articular com deformação permanente e incapacidade.

Sabe-se também que apresenta diversas comorbilidades associadas. Destas destacam-se fatores de risco cardiovasculares, nomeadamente obesidade, diabetes tipo 2, gota, dislipidemia, hipertensão arterial, síndrome metabólica, que acresce o risco de doenças cardio-cerebro-vasculares graves, como o enfarte agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral.

As doenças da pele contribuem com 1,79% para a carga global da doença medida em anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) de 306 doenças e lesões em 2013, colocando-as na 18ª posição.8

A psoríase aparece no top 3 de doenças da pele com maior carga total, correspondendo a 0,19%, apenas superada pela carga total da dermatite (dermatite atópica, de contacto e seborreica) e do acne vulgar.8

Excluindo a mortalidade, ou seja, a carga não fatal das doenças da pele correspondeu à quarta principal causa de incapacidade em todo o mundo, no ano de 2010.9

A Organização Mundial da Saúde na 67ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2014, reconheceu a psoríase como uma doença não transmissível (NCD) e com elevado impacto, promulgando a resolução WHA 67.9.5. Os estados-membros comprometeram-se a aumentar a consciência sobre a doença e a combater o estigma. Nesta resolução é destacado que grande parte da carga da doença poderia ser anulada se em virtude do estigma social, o diagnóstico fosse precoce ou correto, se as opções de tratamento fossem eficazes e se o acesso aos cuidados fosse adequado.10

Entende-se, assim, que a psoríase tem um impacto na qualidade de vida, não só pelo impacto na saúde, pois associa-se a dor, prurido, escoriações, a diversas comorbilidades e ainda a influência negativa na saúde mental, mas também tem impacto no contexto social e laboral, onde existe discriminação e estigma associado.

A visibilidade e a cronicidade desta doença, afetam a autoimagem e a autoestima e contribuem para o estigma e a discriminação, interferindo nas atividades diárias, nas relações sociais e interpessoais, podendo conduzir a quadros de disfunção emocional, depressão e até suicídio.

Em 2016, a nível nacional, foi desenvolvido o estudo PeSsOa (amostra = 564 doentes) com o objetivo de caracterizar o impacto socioeconómico e na qualidade de vida e de obter dados que permitam estimar a carga da psoríase em Portugal através da aplicação de um questionário junto de uma amostra de doentes com psoríase.5 O diagnóstico foi avaliado através do auto-reporte do doente.5

Mais de metade dos doentes referiram sintomas diariamente (56,2%). Os resultados mostram maior impacto na dimensão “ansiedade/depressão”.5

Na avaliação da qualidade de vida através da escala específica para doenças dermatológicas, mais de um quarto dos doentes considera que a psoríase tem um impacto grave ou extremamente grave.5

Relativamente à acessibilidade, 25% dos inquiridos, considerou dificuldades no acesso às consultas, sendo a principal causa apresentada “Recursos limitados dos Serviços de Saúde/ Falta de especialistas/ Dificuldade de marcação da consulta.” Os resultados demonstraram um predomínio do seguimento destes doentes em contexto de cuidados de saúde privados.5

Do ponto de vista do impacto económico, o estudo evidenciou encargos mensais individuais significativos (superiores a 30€) para aquisição da terapêutica, consultas e viagens. Os custos da psoríase são importantes para os pacientes, mas também para os sistemas de saúde.5

Um dos estudos mais recentes que avalia o impacto desta doença na qualidade de vida, foi o World Psoriasis Happiness Report em 2018, com um total de mais de 230 000 participantes.11

No final do ranking da felicidade, aparecem países como Austrália, Reino Unido e China.11 Mais de metade das pessoas com psoríase auto-relatada na China vivem com níveis de felicidade relatados entre 0-4, como comparação, apenas 16%-19% dos Mexicanos e Colombianos relatam esses níveis de felicidade.11

Mais recentemente, em 2016, a Organização Mundial de Saúde publicou o WHO Global Report on Psoriasis que evidencia a relevância da psoríase na saúde pública, enfatiza a necessidade de intensificar a investigação e tem como objetivo capacitar os decisores políticos para melhorar a saúde e inclusão social das pessoas afetadas.12

Conclusão

Nos dados de prevalência apresentados neste trabalho e disponíveis, observam-se diferentes metodologias, diferenças na definição de prevalência (prevalência pontual, prevalência cumulativa, prevalência do período), na definição de caso (auto-relatada, diagnosticada pelo médico), nas idades das populações estudadas (apenas crianças, apenas adultos, qualquer faixa etária) e nas técnicas de amostragem (questionários, exame clínico, combinação de exame clínico e questionário, dados do registo clínico).

Estes dados contemplam somente 20 países, o que significa que existem extensas áreas geográficas, em que se desconhece por completo a epidemiologia desta doença. Entre os países estudados verifica-se uma diminuta proporção de estudos realizada em países em desenvolvimento, contribuindo para uma maior desigualdade nos resultados publicados acerca da incidência e da prevalência.3,4,12

Evidencia-se que para comparar a incidência e a prevalência da psoríase entre os diversos países e mesmo entre regiões é necessário que os dados sejam obtidos da mesma forma.

A qualidade dos dados epidemiológicos obtidos é essencial para compreender melhor o tamanho e a distribuição do problema, para a gestão desta doença crónica e para o adequado planeamento dos cuidados de saúde.

O médico de família como médico de proximidade e na maioria dos utentes o primeiro contacto com os cuidados de saúde, tem um papel fundamental na identificação destes doentes, de forma que os cuidados prestados sejam individualizados, continuados e com menor impacto pessoal, familiar e social na vida destes doentes.

Referências

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12. World Health Organization. Global report on psoriasis. Geneva: WHO; 2016. [ Links ]

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Suporte Financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Ethical Disclosures

Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financial Support: This work has not received any contribution grant or scholarship.

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer reviewed.

Recebido: 22 de Novembro de 2021; Aceito: 03 de Janeiro de 2022; : 04 de Fevereiro de 2022; Publicado: 31 de Março de 2022

Autor Correspondente/Corresponding Author: Ana Sofia Henriques Davim de Sousa Pinto [anadesousapinto@gmail.com] Travessa do Padroense 58 r/c esquerdo, 4460-871 Matosinhos, Porto, Portugal ORCID iD: 0000-0003-0641-3933

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