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Gazeta Médica

versión impresa ISSN 2183-8135versión On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.9 no.2 Queluz jun. 2022  Epub 30-Jun-2022

https://doi.org/10.29315/gm.v9i2.541 

Artigo Original

Provas de Provocação Oral com Alimentos: Um Risco Necessário

Oral Food Challenge Tests: A Necessary Risk

1. Serviço de Pediatria e Neonatologia, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Penafiel, Portugal.

2. Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, Vila Nova de Gaia, Portugal.

3. Unidade de Imunoalergologia Pediátrica, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, Vila Nova de Gaia, Portugal.


Resumo

Introdução:

A prevalência da alergia alimentar tem vindo a aumentar nos últimos anos. O seu diagnóstico é difícil, dadas as diferentes apresentações e a existência de inúmeros fatores confundidores. A prova de provocação oral (PPO) é o gold standard para diagnóstico de alergia alimentar, no entanto não é isenta de riscos. Os nossos objetivos foram a caracterização de população submetida a prova de provocação oral a alimentos em unidade de Imunoalergologia Pediátrica. Assim como, a avaliação do risco inerente às PPO com alimentos e identificação de fatores de risco que podem levar à necessidade de utilizar cateter periférico.

Métodos:

Estudo descritivo, retrospetivo de provas de provocação oral com alimentos realizadas numa unidade de Imunoalergologia Pediátrica de um hospital nível II entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020.

Resultados:

Foram analisadas 90 PPO a diferentes alimentos: leite (39), peixe (14), ovo (13), frutos secos (6), fruta fresca (6), marisco (6), moluscos (6), amendoim (3) e cacau (1). As manifestações iniciais de alergia alimentar foram diversas, sendo as mais frequentes: urticária/angioedema (24,4%, n=22) e anafilaxia (21%, n=19). Trinta e dois porcento das provas de provocação orais foram positivas; 51,7% dos doentes com PPO positiva tinha antecedentes de asma, rinite ou dermatite atópica. Durante a realização da PPO ocorreram 8 anafilaxias, 50% das quais em provas de provocação oral ao leite.

Conclusão:

As provas de provocação oral realizadas em ambiente hospitalar com supervisão especializada são seguras, no entanto, existem riscos inerentes à sua realização. Na nossa amostra, cerca de um terço dos doentes teve uma prova de provocação oral positiva, no entanto, não foi possível identificar fatores de risco para a necessidade de utilização de cateter venoso periférico. Poderão ser realizados estudos prospetivos com este objetivo.

Palavras-chave: Criança; Hipersensibilidade Alimentar/diagnóstico; Hipersensibilidade Alimentar/imunologia; Testes Imunológicos

Abstract

Introduction:

Food allergy has been on the rise in recent years. Its diagnosis is difficult, given the diverse presentations and the existence of numerous confounding factors. The oral food challenge (OFC) is the gold standard for diagnosing food allergy, however it is not without risks. Our objectives were the characterization of the population submitted to OFC in a pediatric immunoallergology unit, as well as the assessment of the risks inherent to OFC and to identify risk factors associated with the need to use a peripheral catheter.

Methods:

Descriptive, retrospective study of oral provocation tests carried out in a Pediatric Immunoalergology Unit of a level II hospital between January 2018 and December 2020.

Results:

Ninety PPO to different foods were analyzed: milk (39), fish (14), egg (13), dried fruit (6), fresh fruit (6), mollusks (6), shellfish (6), peanuts (3) and cocoa (1). The most frequently reported initial manifestations of food allergy were urticaria/angioedema (24.4%, n=22) and anaphylaxis (21%, n=19). We had 32.2% positive OFC; 51.7% of children with positive OFC had a history of asthma, rhinitis or atopic dermatitis. During the OFC there were 8 anaphylaxis, 50% of them in milk OFC.

Conclusion:

Oral food challenges performed in a hospital environment with specialized supervision are safe, however there are inherent risks to their performance. In our sample, approximately one third of patients had a positive oral challenge, however, it was not possible to identify risk factors associated with the need to use peripheral venous catheter. Prospective studies may be carried out to clarify this issue.

Keywords: Child; Food Hypersensitivity/diagnosis; Food Hypersensitivity/immunology; Immunologic Tests

Introdução

A alergia alimentar é uma reação imunológica anormal a um alergénio alimentar, IgE mediada ou não IgE mediada.1,2 Na maioria das vezes surge nos primeiros dois anos de vida, podendo resolver até à adolescência ou permanecer na idade adulta.1 É bastante comum em idade pediátrica, tendo a sua prevalência vindo a aumentar nos últimos anos, atingindo 5% a 10% das crianças e adolescentes.1,3 Clinicamente pode manifestar-se por reações cutâneas, gastrointestinais, respiratórias, oculares ou multissistémicas.4 A história clínica e o exame físico adequado, auxiliam mas não permitem por si só um diagnóstico definitivo de alergia alimentar.2,5 Deste modo, a realização de testes cutâneos (prick test e prick-to-prick) (TC) e o doseamento de IgE específicas são muito relevantes no processo de diagnóstico.2 Ambos os testes têm sensibilidades muito elevadas, mas baixa especificidade, pelo que a presença de falsos positivos é frequente.2 Perante o conhecimento atual, níveis mais elevados de IgE específica e pápulas de maiores dimensões nos TC parecem associar-se a um maior risco de reação.1,2 A prova de provocação oral (PPO), introduzida na prática clínica em meados dos anos 70, é o gold standard para o diagnóstico de alergia alimentar.2,6 Pode ser utilizada para confirmar ou excluir uma suspeita de alergia alimentar, avaliar a tolerância ou o limiar de tolerabilidade ao alergénio suspeito, bem como avaliar a reatividade cruzada com o alergénio conhecido.2,6 No entanto, as PPO, não são isentas de risco, pelo que a sua realização deve ser bem ponderada tendo em consideração a credibilidade da história clínica, bem como a coerência desta com os TC e o doseamento das IgE específicas.1

Com o presente estudo pretendemos caracterizar a população pediátrica submetida a PPO a alimentos em unidade de Imunoalergologia Pediátrica, assim como, avaliar o risco inerente às PPO com alimentos e identificar fatores de risco associados à necessidade de utilização de cateter venoso periférico.

Métodos

Estudo descritivo, retrospetivo de PPO com alimentos realizadas numa unidade de Imunoalergologia Pediátrica de um hospital nível II entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020. Foram apenas incluídas no estudo as PPO realizadas com objetivo de avaliar a tolerância ao alergénio conhecido, sendo excluídas as PPO para avaliação de tolerância a alimentos “alternativos”. O estudo foi aprovado pela comissão de ética local.

A decisão de realizar PPO com um alimento específico baseou-se na história clínica, resultados dos testes cutâneos e doseamentos de IgE específicas. Não foram realizadas PPO quando a história clínica era reprodutível, com reações recentes ou com presença de critérios de gravidade com potencial risco de vida. Foram realizadas PPO preferencialmente em situações em que havia discrepância entre a história clínica e os testes de diagnóstico ou quando as medições seriadas de IgE ou o diâmetro das pápulas dos TC estavam em redução progressiva, sugerindo uma possível aquisição de tolerância a um alimento que estava em evicção.

Na data de realização da prova foram verificadas todas as condições de segurança para a sua realização, nomeadamente a exclusão de patologia aguda, bem como a administração concomitante de fármacos (incluindo fármacos com efeito anti-histamínico) que pudesse comprometer o resultado final da PPO. Todas as PPO foram realizadas em hospital de dia, sob vigilância de uma equipa médica e de enfermagem. No início da prova foi colocado acesso venoso periférico em todos os doentes de acordo com o protocolo clínico da unidade hospitalar.

A PPO consistiu na administração de doses crescentes do alergénio, segundo o protocolo implementado na instituição tendo em consideração o alergénio testado, sendo uma prova aberta (todos os participantes tinham conhecimento do alergénio administrado). As PPO foram suspensas sempre que foi referido pelo doente ou presenciado pelo clínico o aparecimento de sinais e sintomas compatíveis com reação alérgica. Todos os doentes se mantiveram em vigilância 2 horas após a última dose. No caso de aparecimento de sintomatologia com necessidade de interrupção da PPO, o doente mantinha vigilância de pelo menos 2 horas ou até à resolução completa dos sintomas. Os acompanhantes foram alertados para a possibilidade de aparecimento de reações tardias. Todas a reações ocorridas após o término da PPO foram relatadas ao clínico que acompanha a criança. Deste modo, foram consideradas positivas as PPO onde foi constatada a presença de sinais ou sintomas compatíveis com reação alérgica no decorrer da prova ou após a mesma.

O tratamento das reações e o modo de administração foi realizado tendo em consideração a gravidade clínica e segundo o protocolo implementado no serviço. Perante uma anafilaxia (de acordo com Second symposium on the definition and management of anaphylaxis: summary report-Second National Institute of Allergy e Infectious Disease/Food Allergy and Anaphylaxis Network symposium)6 foi administrada adrenalina intramuscular, na presença de reações cutâneas pruriginosas um anti-histamínico oral de primeira geração (pela limitação das alternativas disponíveis no serviço) ou endovenoso de acordo com a gravidade clínica. Na presença de sintomas gastrointestinais foi administrado ondansetron e em alguns casos bólus de soro fisiológico. Em alguns casos foi ainda administrado corticoide oral ou endovenoso.

A recolha da informação necessária ao presente estudo foi obtida através da consulta dos processos clínicos eletrónicos. As variáveis estudadas foram: idade, sexo, antecedentes pessoais de atopia, alergénio suspeito, reação inicial, resultado dos testes cutâneos e IgE específica, resultado da PPO, fármacos utilizados durante a PPO. Relativamente à reação inicial foram consideradas como imediatas as que ocorreram nas primeiras 2 horas após a ingestão alimentar.1

Os dados obtidos da nossa amostra foram tratados com o IBM SPSS® Statistic 24. A verificação d a normalidade da amostra foi realizada com base no teste W de Shapiro-Wilk. Foram utilizados testes paramétricos e não paramétricos de acordo com as variáveis analisadas. Um valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Foram analisadas 90 PPO realizadas no período do estudo. A maioria dos doentes eram do sexo masculino (57,8%, n=52) com uma mediana de idades de 3,5 anos (5 meses - 17 anos). Os alimentos mais frequentemente testados foram leite de vaca, peixe e o ovo (Tabela 1).

Tabela 1: Alimentos causadores e manifestações iniciais da reação alérgica alimentar. 

Alimentos suspeitos de causar reação
Frequência Percentagem(%)
Leite 39 43,3
Peixe 14 15,6
Ovo 13 14,4
Frutos secos 6 6,7
Fruta fresca 6 6,7
Marisco 6 6,7
Amendoim 3 3,3
Molusco 2 2,2
Cacau 1 1,1
Manifestações iniciais da reação alérgica alimentar
Frequência Percentagem(%)
Urticária/Angioedema 22 24,4
Anafilaxia 19 21,1
Vómitos e diarreia 17 18,9
Exantema maculopapular 8 8,9
Outro* 7 7,7
Food Protein Induced Enterocolitis Syndrome 6 6,7
Eritema perioral 6 6,7
Exacerbação de dermatite atópica 5 5,6
Antecedentes pessoais dos doentes submetidos a PPO
Frequência Percentagem(%)
Sem antecedentes de relevo 41 45,6
Asma 5 5,6
Rinite 5 5,6
Dermatite atópica (DA) 12 13,3
Asma + Rinite 12 13,3
Asma + Rinite + DA 12 13,3
Rinite + DA 3 3,3

DA - dermatite atópica; * - eritema não especificado, irritabilidade, dor abdominal recorrente

As manifestações iniciais de alergia alimentar relatadas foram diversas destacando-se pela sua maior frequência a urticária/angioedema (24,4%, n=22) e a anafilaxia (21%, n=19) (Tabela 1). A maioria dos doentes estudados (54,4 %, n=49) tinha antecedentes pessoais de asma, rinite e/ou dermatite atópica (Tabela 1).

Durante este período foram realizadas 39 PPO ao leite (43,3%), 13 ao ovo (14,4%) e 14 ao peixe (15,5%). Catorze porcento (n=13) dos doentes realizaram mais do que uma PPO e 12,2% (n=11) dos doentes já tinham realizado previamente uma PPO com o mesmo alimento, com resultado positivo.

Tabela 2: Distribuição das PPO positivas. 

Alimento PPO (n) PPO positivas (n) Proporção positivos (%)
Molusco 2 1 50,0
Marisco 6 3 50,0
Leite 39 17 43,5
Peixe 14 5 35,0
Ovo 13 2 15,0
Frutos secos 6 0 0
Fruta fresca 6 0 0
Amendoim 3 0 0
Cacau 1 0 0

Das noventa PPO realizadas, 31% (n=28) foram positivas (Tabela 2), confirmando a suspeita de alergia alimentar.

Foi observada diferença estatisticamente significativa entre o alimento testado e o resultado da PPO (p=0,043), no entanto, nenhuma das PPO ao amendoim

ou frutos secos foi positiva.

Ppo - Prova de provocação oral

A maioria das PPO positivas ocorreram em rapazes (62,1%, n=18) com uma mediana de idade de três anos (5 meses - 17 anos); no entanto, não foi encontrada uma relação estatisticamente significativa entre o resultado da PPO e o sexo ou a idade (p=0,572 e p=0,927, respetivamente).

Mais de metade das crianças/adolescentes com PPO positiva (51,7%) tinha antecedentes pessoais de asma, rinite ou dermatite atópica. Nas PPO positivas, a maioria das reações iniciais era imediata (n=14/18, 77,8%), mas sem diferença estatisticamente significativa em relação à proporção nas PPO negativas (p=0,538).

Das PPO positivas, 50% (n=7) apresentavam como manifestação inicial uma anafilaxia e 21% (n=3) food protein induced enterocolitis syndrome (FPIES). A maioria dos doentes com PPO positivas não tinha realizado nenhuma PPO prévia (79,3%, n=23). Das PPO positivas 82,1% tinham um prick-to-prick negativo e 55,5% tinham IgE específicas negativas antes da realização da PPO (Tabela 3).

Tabela 3: Positividade de testes cutâneos e IgE de acordo com o resultado da PPO. 

  n PPO positivas (n=28) n PPO negativas (n=62)
TC positivos (n positivos/ efetuados) IgE positivo (n positivas/ efetuadas) TC positivos (n positivos/ efetuados) IgE positiva (n positivas/ efetuadas)
Molusco 1 1/1 NR 1 1/1 NR
Marisco 3 1/3 1/3 3 1/3 0/2
Leite 17 2/5 9/17 22 3/11 12/20
Peixe 5 1/3 2/5 9 1/6 3/9
Ovo 2 0/2 1/2 11 2/7 6/11
Frutos secos 0 (-) (-) 6 0/3 1/5
Fruta fresca 0 (-) (-) 6 0/3 1/4
Amendoim 0 (-) (-) 3 0/3 2/3
Cacau 0 (-) (-) 1 0/1 NR

TC - Testes cutâneos; NR - não realizado; (-) - não aplicável

As manifestações clínicas mais frequentes nas PPO positivas foram anafilaxia, lesões maculopapulares e sintomas gastrointestinais, como vómitos e diarreia (Tabela 4). A anafilaxia foi mais frequente nas PPO com peixe e marisco, ocorrendo, respetivamente, em 60% e 33% das provas com estes alimentos.

Tabela 4: Manifestações e fármacos utilizados durante a PPO. 

Manifestações clínicas durante PPO
Frequência Percentagem (%)
Lesões maculopapulares 8 28,6
Queixas gastrointestinais 8 28,6
Anafilaxia 8 28,6
Urticária/Angioedema 4 14,3
Fármacos efetuados nas PPO
Frequência
Hidroxizina (PO) 12
Metilprednisolona (EV) 11
Adrenalina (IM) 10
Bólus soro fisiológico (EV) 8
Clemastina (EV) 7
Ondansetron (EV) 4
Prednisolona (PO) 3

EV - endovenosa; IM - intramuscular; PO - oral

Em todos os casos de anafilaxia foi administrada adrenalina, tendo sido necessário administrar uma segunda dose de adrenalina em apenas um doente; observou-se uma resolução completa da sintomatologia em todos os casos. Dos doentes com PPO positiva, 60,7% fizeram medicação endovenosa (Tabela 4).

a) PPO leite de vaca

Relativamente às PPO ao leite de vaca (n=39), 43% (n=17) foram positivas, sendo que 72,2% (n=13) das PPO positivas ocorreram em rapazes com uma mediana de idade de 2 anos (5 meses - 17 anos). Quanto mais precoce o diagnóstico de alergia ao leite de vaca, maior a probabilidade de ter PPO positiva (p=0,046). Contudo, não foi observada diferença estatisticamente significativa entre a idade à data da PPO e o resultado da mesma (p=0,549).

As manifestações clínicas foram variadas, incluindo anafilaxia (23,5%), urticária/angioedema (23,5%), sintomas gastrointestinais (23,5%) e reações cutâneas (29,4%).

A maioria dos doentes com PPO positiva para o leite (88,2%, n=15) tinham prick-to-prick negativos antes da realização da prova e na maioria dos casos foi observada uma diminuição significativa no doseamento de IgE específica para leite entre a data de diagnóstico e o doseamento de IgE antes da PPO. Salienta-se, ainda, a ocorrência de seis PPO positivas em doentes com classe 0 a todas as proteínas do leite de vaca antes da PPO, sendo que, destes, apenas um tinha prick-to-prick positivo. Estes apresentavam manifestação iniciais diversas, incluindo anafilaxia (n=3), FPIES (n=1), urticária (n=1) e eritema perioral (n=1).

Relativamente à manifestação durante a PPO ocorreram reações gastrointestinais (n=3) e urticária (n=3).

Em 52,9% dos casos (n=9) foi administrada medicação endovenosa (metilprednisolona, clemastina, ondansetron ou bólus de soro fisiológico).

b) PPO ovo

Das PPO realizadas ao ovo cozido (n=13), 15% foram positivas (n=2). Os dois doentes tinham antecedentes de atopia e em ambos os casos os testes cutâneos com ovo cru e cozido (prick-to-prick) foram negativos. Ambos reagiram com anafilaxia, que resolveu após administração de adrenalina.

c) PPO com outros alimentos

Quanto às PPO ao peixe (n=14), 35% foram positivas (n=5), sendo que 40% dos doentes tinham antecedentes de atopia. A maioria dos doentes com PPO positiva (60%, n=3) tinha uma reação inicial imediata, mas com testes cutâneos e IgE específica para peixe negativos. Sessenta porcento (n=3) tiveram anafilaxia durante a PPO.

Relativamente às PPO ao marisco e moluscos (n=8), 50% das PPO foram positivas (n=4) e em 75% dos casos havia antecedentes pessoais de atopia. Duas PPO com camarão foram positivas apesar de testes cutâneos e IgE específicas negativas.

Discussão

A alergia alimentar tem um elevado impacto no doente e na sua família, associando-se a restrições alimentares significativas, elevados níveis de ansiedade e limitações sociais que reduzem de forma considerável a qualidade de vida dos doentes e seus familiares.3 Nos últimos anos observamos um aumento crescente da prevalência de alergia alimentar, sendo os alergénios mais frequentemente implicados em idade pediátrica o leite, ovo, frutos de casca rija, amendoim, peixe, marisco, trigo e soja.3

Muitas vezes perante a suspeita de alergia alimentar iniciam-se restrições alimentares desproporcionadas com eliminação da dieta de alimentos major, podendo esta restrição culminar em défices nutricionais significativos.3

Deste modo, a realização de PPO torna-se essencial para confirmar ou excluir o diagnóstico de alergia alimentar.3

Apesar do impacto familiar e social associado e os benefícios que podem advir de uma PPO negativa, com a liberalização da dieta, a PPO não é isenta de riscos.2

A PPO consiste na ingestão progressiva do alimento suspeito em doses crescentes e com intervalos regulares até ser atingida a dose máxima.3,4 A PPO deve ser realizada nas melhores condições de segurança, e, por isso, a criança não deve estar doente, sob alguns fármacos que possam influenciar o resultado da PPO ou com descompensação de patologia crónica, nomeadamente dermatite atópica ou asma.2 Esta deve ser realizada em ambiente hospitalar com acesso a equipamento de emergência e sob vigilância especializada.1-3 Na amostra analisada, todas as PPO foram realizadas em hospital de dia sob supervisão de equipa médica e de enfermagem, tendo sido adiada a realização de PPO sempre que as melhores condições de segurança não podiam ser asseguradas.

Todas as PPO foram antecedidas da colocação de cateter venoso periférico para a eventual necessidade de administração de terapêutica endovenosa no decorrer da prova. A maioria das crianças/adolescentes submetidos a PPO eram do sexo masculino com uma idade média de 5 anos, o que é concordante com o descrito na literatura em idade pediátrica.7-9)

A PPO foi considerada positiva perante o aparecimento de sinais e sintomas objetivos compatíveis com uma reação alérgica. Na amostra analisada, 32,2% das PPO foram positivas, resultados concordantes com a literatura, onde o intervalo descrito varia entre 18,8% e os 43%.8 A maioria das PPO positivas ocorreram em rapazes (64,3%, n=18) com uma idade média de 5 anos (5 m - 17 A).

Lierberman et al, numa revisão de 701 PPO não detetou diferenças estatisticamente significativas na idade e sexo dos doentes de acordo com o resultado da PPO (positiva versus negativa) tal como observado na nossa amostra (p=0,927 e p=0,572, respetivamente).10

A probabilidade de uma PPO ser negativa é maior se os níveis de IgE específicas e os TC são menores, se se observou uma diminuição significativa ao longo do tempo destes parâmetros, se há menor número de PPO positivas anteriores, com intervalo mais longo desde a última PPO ou tolerância mais elevada na última prova, bem como se houver ausência de sintomas perante um contacto acidental com o alergénio.1 Por outro lado, o risco de PPO positiva é maior se estiverem presentes fatores de risco conhecidos:

  • Reação inicial IgE mediada/imediata ou FPIES;

  • Reação suspeita com amendoim, noz ou sementes;

  • Molécula alergénica resistente a hidrólise, cozedura ou digestão;

  • Crianças mais velhas;

  • Antecedentes de asma;

  • Presença de cofatores (exercício físico, febre, infeções, síndrome pré-menstrual, stress, uso de fármacos e ingestão de álcool).2

Segundo a literatura, a existência de uma reação inicial imediata predispõe a maior risco de PPO positiva,2 o que não foi observado de forma significativa neste estudo, apesar de a maioria dos doentes com PPO positiva da nossa amostra terem uma reação inicial imediata. Concordante com a literatura, a maioria das crianças com PPO positivas da nossa amostra tinham antecedentes de asma, rinite ou dermatite atópica, mas sem significado estatístico.8 Tal como descrito por Perry et al, não foi observada relação entre o alergénio testado e o tipo de reação.9

Na amostra analisada foi observada uma elevada proporção de PPO positivas em doentes com testes cutâneos ou IgE negativas antes da PPO, dados discordantes com a literatura.2,9,10 Esta discrepância poderá ser justificada por diversos fatores, tais como: testes cutâneos falsos negativos, PPO de caráter aberto, a PPO poder ser considerada positiva através de sintomas subjetivos descritos pelos doentes, assim como, pelo facto de algumas reações poderem ser não IgE mediadas.

Perante uma reação IgE mediada é importante o tratamento inicial adequado para evitar a sua progressão.2) Nas reações ligeiras ou moderadas sem envolvimento cardíaco e/ou respiratório está preconizada a utilização de anti-histamínicos, corticosteroides e bólus de soro fisiológico.2 Se reação sistémica, recomenda-se a administração intramuscular de adrenalina (0,01 mg/kg, máximo de 0,5 mg).2 A hidratação endovenosa em bólus (20 mL/kg de soro fisiológico) é a terapêutica de primeira linha utilizada nas FPIES com PPO positiva, podendo ainda ser ponderada a realização de uma única dose de metilprednisolona intravenosa e ondansetron ev.2

Vinte e nove porcento dos doentes com PPO positiva necessitaram de administração de adrenalina, percentagem díspar à maioria da literatura. Lieberman et al descreve PPO positivas em 18,8% dos doentes com necessidade de realização de adrenalina em 1,7%.(10) Calvani et al numa amostra de 544 PPO com 48,3% de PPO positivas relata a administração de adrenalina em 2,7% dos doentes.1,2 Por outro lado, Jarvinen et al em 1237 PPO analisadas refere necessidade de administração de adrenalina em 11% das PPO positivas.11

Na nossa amostra, e em concordância com a literatura, os anti-histamínicos foram o fármaco mais vezes administrado durante as PPO (65,5%).1,12 Dos doentes com PPO positiva 60,7% necessitaram de medicação endovenosa, dados que poderão estar sobrestimados pela facilidade de utilização do cateter já colocado no início da PPO, a realização de estudos prospetivos poderão esclarecer este viés.

O estudo apresentado tem como limitações o facto de ser retrospetivo, com dificuldade de acesso a alguns dados uma vez que não estão explicitados no processo clínico eletrónico (nomeadamente as manifestações iniciais, evolução de sintomatologia, bem como a possibilidade de contacto acidental com alergénio), incluindo uma amostra pequena e obtida em apenas uma unidade de Imunoalergologia Pediátrica. No entanto, a realização das PPO de acordo com um protocolo de atuação estandardizado é um ponto forte deste estudo.

Conclusão

O diagnóstico de alergia alimentar é difícil, dadas as diferentes apresentações da mesma e a existência de inúmeros fatores confundidores. Na maioria dos casos a PPO é necessária para o diagnóstico ou para avaliação da aquisição de tolerância ao alimento. Existem riscos inerentes à realização de PPO, contudo, uma abordagem sistematizada e cuidadosa minimiza-os.

A maioria dos dados obtidos neste estudo são sobreponíveis aos descritos por outros autores. Contudo, dadas as limitações do estudo (amostra pequena, grande diversidade de alimentos testados), não foi possível definir grupos de risco para PPO positivas. Apesar de elevada utilização de medicação endovenosa na nossa amostra não podemos corroborar a necessidade de colocação de cateter venoso periférico no início da PPO sem que sejam realizados estudos prospetivos nesse sentido.

Face aos resultados obtidos verificamos a necessidade de melhor caracterização dos fatores de risco para PPO positiva antes da realização da mesma.

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Responsabilidades éticas

Conflitos de interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

Confidencialidade dos dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes

Proteção de pessoas e animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia revista em 2013 e da Associação Médica Mundial

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares

Ethical disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients

Protection of human and animal subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki as revised in 2013)

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed

Recebido: 23 de Novembro de 2021; Aceito: 14 de Fevereiro de 2022; : 03 de Maio de 2022; Publicado: 30 de Junho de 2022

Autor Correspondente/Corresponding Author: Joana Soares [joanamcsoares@outlook.pt] Avenida do Hospital Padre Américo 210, 4564-007 Guilhufe, Penafiel, Portugal

JS, AF, LS, FP, JR, HC, CP:

Desenho do estudo, recolha e interpretação dos dados, redação do artigo

JS, AF, LS, FP, JR, HC, CP:

Design of the study, collect and interpret data, article drafting

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