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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.9 no.3 Queluz set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.29315/gm.v9i3.681 

Editorial

Escrever, Rever e Editar em Ciência

Writing, Reviewing and Editing in Science

João Subtil1 

1. João Subtil - Hospital CUF Descobertas - Lisboa, Portugal


A escrita científica tem-se afirmado nestes anos como uma necessidade para vários intervenientes na prestação dos cuidados de saúde, muitos para além dos investigadores, e a Gazeta Médica tem-se afirmado nesse campo como um palco elevado. Até há alguns anos, as revistas científicas, e em particular as médicas, eram um veículo para aqueles investigadores publicarem os resultados dos seus trabalhos, ou para comunicarem algum caso particular, ou para discutirem alguma controvérsia. A necessidade de publicação vinha de sermos parte de uma comunidade com dúvidas e incertezas, mas com responsabilidades importantes perante os nossos doentes - as revistas médicas são por um lado o instrumento para mostrarmos as nossas soluções, e por outro lado (o do leitor), o ponto de encontro para nos mantermos atualizados. Eu ouvi algumas vezes durante o curso de Medicina, ainda nos anos 90 do século passado, o famoso aforismo “publish or perish” que não tem autor nem data, mas que espelha aquela necessidade antiga.

Desde essa altura, muito tem mudado no campo da publicação científica, e algumas mudanças não foram positivas, o que ficou exposto recentemente nos debates acesos sobre a validade de algumas publicações científicas. Fugindo a exemplos relacionados com a pandemia SARS-CoV-2, que ainda tem temas muito candentes para alguns, é conhecido que algumas publicações têm falhas mais ou menos importantes, como vieses, resultados falsos, erros estatísticos, entre outras. Vi recentemente apresentado um artigo curioso numa revista médica indexada com fator de impacto 7,6 que apresentava os resultados de um ensaio com mais de mil participantes, em que uma das conclusões era a confirmação da precognição1 (famosa desde o filme “Relatório Minoritário”): “a influência retroativa anómala exercida por um acontecimento futuro sobre as respostas de um indivíduo no presente”, “em que as respostas são desencadeadas no indivíduo antes de ocorrer o fenómeno causal putativo”. Ou seja, a demonstração que é possível “ver o futuro” em nada menos que nove testes diferentes. Naturalmente que, pondo em causa um dos alicerces da ciência (a causalidade), espoletou uma discussão acesa, que salientou alguns dos problemas nesse artigo, nunca tendo os seus resultados sido reproduzidos. Este caso é simples e curioso, mas temos inúmeros exemplos de má ciência bem publicada que teve repercussões muito importantes na vida real.2

O papel dos revisores é escrutinar essas falhas, que na maioria dos casos não são intencionais, são vieses que o próprio autor desconhece. Ou identificar negligência major, na recolha ou no tratamento dos dados, ou mesmo casos de plágio ou dados falsos. Em última instância, essa responsabilidade é do próprio editor. E as implicações podem ser relevantes no mundo real, e voltamos aqui às polémicas sobre vacinas ou sobre tratamentos alternativos, ou novas técnicas cirúrgicas - os exemplos são inúmeros. A revisão por pares é um mecanismo antigo que vem assegurando que as publicações são isentas, tanto quanto possível, destas falhas.

E mais do que evitar estas falhas, uma publicação deve orientar-se pelos princípios de Merton,3 que são imperativos em ciência, e que a separam da pseudociência ou outras formas de informação, e são os seguintes: comunalismo (os resultados são propriedade de todos), o universalismo (todos e qualquer um podem contribuir), o desinteresse (orientados pelo interesse coletivo, sem obter ganhos pessoais) e o ceticismo (deve existir uma crítica continuada). Foram sugeridas em 1942, e têm informalmente guiado a Ciência, e é precisamente aqui que se ganha autoridade. Nesta época em que muita informação circula por redes sociais, sem escrutínio ou controlo, é importante que os revisores e editores saibam sempre orientar os pares para que a restante Sociedade possa compreender o que é a Ciência e os seus métodos.

A Gazeta Médica que damos ao prelo trimestralmente é um dos periódicos científicos mais vetustos em Portugal, tendo sido instituída em 1948. Depois de um interregno, desde 2016 tem mostrado uma pujança importante, com diversidade de temas médicos, e espelhando o espírito de inovação dos seus autores, e sempre orientados pelos princípios que enumerei acima. É uma revista ambiciosa, que tem merecido o reconhecimento de instituições como a SciELO ou a DOAJ, cujos critérios são rigorosos e atestam a qualidade do nosso conteúdo. E é com ambição que tem olhado para o futuro, pretendendo expandir o leque de leitores, com uma edição bilingue, e obter reconhecimento de mais entidades indexadoras. E é com grande orgulho que encaro o convite que agora aceito para ser editor e colaborar neste empreendimento, adivinhando (não, sem precognição…) que o futuro vai ser grande.

Referências

1. Bem DJ. Feeling the future: experimental evidence for anomalous retroactive influences on cognition and affect. J Pers Soc Psychol. 2011;100:407-25. doi: 10.1037/a0021524. [ Links ]

2. Fire M, Guestrin C. Over-optimization of academic publishing metrics: observing Goodhart’s Law in action. GigaScience. 2018; 8: giz053. [ Links ]

3. Anderson MS, Ronning EA, Devries R, Martinson BC. Extending the Mertonian Norms: Scientists' Subscription to Norms of Research. J Higher Educ. 2010;81:366-93. doi: 10.1353/jhe.0.0095. [ Links ]

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