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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.9 no.3 Queluz set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.29315/gm.v1i1.551 

Artigo de Perspetiva

Reconciliação Terapêutica: Um Processo Complexo

Medication Reconciliation: A Complex Process

Ana Campos de Sousa1  , Médica Interna de Medicina Geral e Familiar
http://orcid.org/0000-0003-0876-0250

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF São Neutel, ACeS Alto Tâmega e Barroso, Chaves, Portugal.


Resumo

O envelhecimento demográfico, as múltiplas patologias e a polimedicação reforçam a importância da reconciliação terapêutica: um processo complexo e contínuo que visa a manutenção da lista de medicação atualizada e completa, durante as várias transições entre cuidados do doente. A segurança do doente é um objetivo primordial da reconciliação terapêutica que procura diminuir erros na medicação, riscos e possíveis danos a ela associados, como sejam a duplicação, omissão ou interações medicamentosas. O presente artigo consiste numa reflexão sobre a importância da reconciliação terapêutica, as suas implicações na saúde do doente, os riscos associados à sua não realização, bem como possíveis soluções e adaptações dos cuidados de saúde necessárias à qualidade em saúde.

Palavras-chave: Erros de Medicação; Qualidade de Cuidados de Saúde; Reconciliação Terapêutica

Abstract

Demographic aging, multiple pathologies and polymedication reinforce the importance of medication reconciliation: a complex and continuous process that aims to keep the medication list updated and complete during the various transitions between patient care. Patient safety is a main goal of medication reconciliation, which implies the prevention of medication errors, risks and possible injury associated with them, such as duplication, omission or drug interactions. This article is a reflection on the importance of medication reconciliation, its implications for the patient's health, the risks associated with its non-compliance as well as possible solutions and adaptations of health care required to quality in health.

Keywords: Health Care Quality; Medication Errors; Medication Reconciliation

O envelhecimento da população, o aumento do número de doenças crónicas, a acessibilidade aos cuidados de saúde e a própria evolução científica têm contribuído para a complexidade dos esquemas de medicação e para a polimedicação. Esta problemática pode levantar mui- tos dilemas e obstáculos à prática clínica.

Englobando a seleção, prescrição e monitorização, a gestão da medicação é um processo fundamental que se deve aliar à segurança, de forma a evitar, prevenir ou corrigir incidentes que podem daí resultar.

Não raras vezes, observamos doentes que não são portadores da sua terapêutica crónica; outros levam à consulta apenas a medicação em falta; alguns fazem-se acompanhar somente dos fármacos prescritos pelo clínico/especialidade em causa; outros referem não fazer a medicação (embora os registos eletrónicos das plataformas de prescrição nem sempre sejam concordantes com o que afirmam). Nestas incongruências e discrepâncias, os utentes “saltam” entre uns profissionais e outros, tendem a adotar a posição mais confortável para eles próprios, continuando não portadores do guia de medicação prolongada atualizado. Outra questão prende-se com a medicação duplicada, quando apresentam o mesmo medicamento de farmacêuticas diferentes ou a mesma medicação prescrita em consultas diferentes. A polimedicação pode ser perigosa para a saúde dos doentes, sobretudo pelos efeitos adversos, sobredosagem, interações medicamentosas ou potenciação de reações adversas.

Assim, torna-se essencial a reconciliação terapêutica, um conceito que, segundo a Direção Geral da Saúde (DGS), consiste na análise da medicação do doente sempre que ocorrem alterações na mesma, de forma a evitar omissões, duplicações ou doses inadequadas, com o intuito de promover a adesão à terapêutica, diminuir riscos e incidentes relacionados com a medicação.1

Este conceito surgiu nos EUA em 2002 e mais tarde foi considerado uma atividade indispensável para melhorar a segurança dos doentes, pela Joint Comission.2,3 Atualmente, outras organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Institute for Healthcare Improvement (IHI), têm unido esforços e incentivado a implementação do processo de reconciliação terapêutica para melhorar a segurança do doente.4

São vários os intervenientes nesta problemática (médicos, farmacêuticos, enfermeiros, familiares, amigos ou até mesmo ervanárias), o que reforça a necessidade de este ser um processo multidisciplinar, dinâmico, contínuo e centrado no doente.5 A responsabilidade deve ser partilhada entre os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, outros profissionais de saúde), em colaboração com o doente/cuidador que apre- senta também autonomia neste processo.6

Segundo a DGS, a reconciliação terapêutica divide-se em 3 fases, todas elas essenciais:

  • Recolha da Lista de Medicação do Doente: consiste na elaboração da lista completa da medicação com recurso a, pelo menos, 2 fontes de informação (registos informatizados, informação verbal transmitida pelo doente, familiares/cuidadores, lista entregue pelo doente, informação de lares, notas clínicas ou outros), devendo conter medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos naturais, suplementos alimentares, entre outros;

  • Comparação da Lista de Medicação do Doente com a Medicação Prescrita na Transição: consiste na identificação de discrepâncias entre as 2 listas, forjando a integração da reconciliação da medicação nos processos clínicos e evitando o uso de abreviaturas;

  • Correção das Discrepâncias Identificadas: visa a correção das discrepâncias que podem ser intencionais ou não intencionais (omissão, duplicação, dose, entre outros), implicando o contacto imediato com o prescritor se a discrepância for urgente.

O principal objetivo da reconciliação terapêutica consiste em aumentar a segurança e diminuir os riscos associados à medicação, sobretudo na transição de cuidados, como a admissão e alta hospitalar e na transferência intra/inter-hospitalar de instituições prestadoras de cuidados de saúde. Vários estudos têm demonstrado que é na transição de cuidados que a reconciliação terapêutica tem especial relevância. Alguns revelam que mais de 50% dos erros da medicação ocorrem na transição de cuidados, sendo que 1/3 desses erros podem causar danos ao doente.7-9

Os ganhos em saúde associados a este processo são vários e reforçam a importância da sua implementação a nível das diferentes entidades prestadores de cuidados. A nível dos Cuidados de Saúde Primários, seria importante a criação de uma consulta pós-alta hospitalar, com integração da informação contida na “nota de alta” e das alterações terapêuticas realizadas. Esta oportunidade de reavaliação do doente deve ser integrada e adaptada aos recursos existentes, às listas de utentes, à unidade de saúde e à própria comunidade. A nível dos Cuidados de Saúde Secundários, este processo deverá ter maior impacto no momento da admissão hospitalar que resulte em internamento.

De realçar ainda o tempo de consulta e a sobrecarga de trabalho como possíveis potenciadores de erros. Esta problemática reforça, assim, a importância de reajustar os tempos de consulta, por forma a acompanhar a evolução das necessidades atuais, da complexidade e multiplicidade de patologias/esquemas terapêuticos. Com o aumento desta complexidade é premente a formação diferenciada e aquisição de competências específicas pelos profissionais intervenientes neste processo.

Os sistemas de informação atuais necessitam de atualizações que permitam a integração da informação clínica numa plataforma comum e alcançável pelos diferentes profissionais de saúde, que inclua a validação da medicação, com alertas para possíveis medicamentos potencialmente inadequados (incluindo alertas para interações medicamentosas e hipersensibilidade a fármacos - daquele doente - de forma individualizada) e com atualização automática do plano terapêutico. Não obstante, o guia de medicação prolongada em papel parece uma boa alternativa de interligação entre as múltiplas consultas.

Assim, a reconciliação terapêutica carece de atenção por parte dos profissionais de saúde e da implementação de medidas padronizadas pelas diversas instituições, visando a melhoria contínua de cuidados e promoção da prevenção quaternária. A reflexão partilhada sobre a reconciliação terapêutica proporcionará sempre um ganho de tempo em prol do benefício do doente, dos próprios profissionais de saúde e da qualidade em saúde.

Referências

1. Direção Geral de Saúde. Norma de Orientação Clínica nº018/2016 de 30/12/2016: Reconciliação da medicação. Lisboa: DGS;2016. [ Links ]

2. Mekonnen AB, McLachlan AJ, Brien JA. Pharmacy-led medication reconciliation programmes at hospital transitions: a systematic review and meta-analysis. J Clin Pharm Ther. 2016;41:128-44. doi: 10.1111/jcpt.12364. [ Links ]

3. Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations. Comprehensive Accreditation Manual for Hospitals 2005: The Official Handbook. Oakbrook Terrace: Joint Commission Resources; 2004. [ Links ]

4. Almanasreh E, Moles R, Chen TF. The medication reconciliation process and classification of discrepancies: a systematic review. Br J Clin Pharmacol. 2016;82:645-58. doi: 10.1111/bcp.13017 [ Links ]

5. Liang B, Alper E, Hickner J. The physician’s role in medication reconciliation: issues, strategies, and safety principles. Chicago: American Medical Association; 2007. [ Links ]

6. Afonso R. Reconciliação de terapêutica. Rev Clin Hosp Prof Dr. Fernando Fonseca. 2015;3:35-6. [ Links ]

7. Mueller SK, Kripalani S, Stein J, Kaboli P, Wetterneck TB, Salanitro AH, et al. A toolkit to disseminate best practices in inpatient medication reconciliation: multi-center medication reconciliation quality improvement study (MARQUIS). Jt Comm J Qual Patient Saf. 2013;39:371-82. doi: 10.1016/s1553-7250(13)39051-5. [ Links ]

8. Gleason KM, Groszek JM, Sullivan C, Rooney D, Barnard C, Noskin GA. Reconciliation of discrepancies in medication histories and admission orders of newly hospitalized patients. Am J Health Syst Pharm. 2004;61:1689-95. doi: 10.1093/ajhp/61.16.1689 [ Links ]

9. Salanitro AH, Kripalani S, Resnic J, et al. Rationale and design of the Multicenter Medication Reconciliation Quality Improvement Study (MARQUIS). BMC Health Serv Res. 2013;13:230. doi: 10.1186/1472-6963-13-230 [ Links ]

Responsabilidades éticas

Conflitos de interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Suporte financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Ethical disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financial support: This work has not received any contribution grant or scholarship.

Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed.

Recebido: 11 de Dezembro de 2021; Aceito: 20 de Dezembro de 2021; : 14 de Janeiro de 2022; Publicado: 30 de Setembro de 2022

Autor Correspondente/Corresponding Author: Ana Campos de Sousa [anarafaelasousa2009@gmail.com] Rua Campo da Feira, Santa Maria Maior, 5400-159 Chaves, Portugal

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