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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.9 no.3 Queluz set. 2022  Epub 30-Set-2022

https://doi.org/10.29315/gm.v1i1.667 

Carta ao Editor

A Teoria da Vinculação nos Alicerces da Saúde Mental

Attachment Theory in Foundations of Mental Health

Frederica Vian1 

1. Serviço de Psiquiatria, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Lisboa, Portugal.


Palavras-chave: Apego ao Objeto; Criança; Lactente; Saúde Mental

Keywords: Child; Infant; Mental Health; Object Attachment

O isolamento social que se impôs nos últimos anos de pandemia por COVID-19 tem sido apontado como um dos possíveis fatores que contribuem para o crescimento da incidência de psicopatologia a que temos assistido de forma transversal na criança, no adolescente, no adulto e no idoso.1 Em Portugal, apesar dos desafios com que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) se depara, o Programa Nacional das Políticas de Saúde Mental tem procurado coordenar as respostas a esta realidade com empenho apostando em estratégias de prevenção.2 No ano em que o Estado português avança com a disponibilização de creches gratuitas para a população, é essencial recordar que o investimento nos cuidados de saúde desde o primeiro ano de vida pode ser, de facto, um fator chave nesta política de prevenção.

Os alicerces da rede relacional onde se insere o indivíduo ao longo das várias fases da vida, assentam no conjunto de experiências precoces que esse indivíduo experimentou enquanto bebé. Se até à década de 60, o bebé era visto quase como uma tabua rasa, John Bowlby veio contribuir para uma mudança total de paradigma com a sua Teoria da Vinculação.3 Segundo esta, desde o nascimento os bebés estão altamente motivados a criar um vínculo com um cuidador principal e representações internalizadas desta relação primordial geram um modelo psíquico capaz de persistir no tempo e de influenciar as futuras relações interpessoais. A ligação a um dador de cuidados sensível e contingente que responda a esta necessidade de contacto é um meio inato de assegurar a sobrevivência. Bowlby descreve cinco tipos de comportamentos de vinculação - sucção, sorrir, chorar, agarrar-se e seguir a mãe. Assim sendo, os cuidadores capazes de refletir acerca da criança em termos de pensamentos, sentimentos e desejos, respondendo com solicitude, apresentam muito maior probabilidade de estabelecer um padrão de vinculação segura.

Na prática clínica da Saúde Mental na infância, verificamos frequentemente que a inacessibilidade física ou afetiva, a descontinuidade de cuidados ou a incapacidade de certas famílias em organizar rotinas estruturantes na vida da criança, são situações que tendem a ser pouco valorizadas como sinais de disfuncionalidade. As situações de maus-tratos a crianças aterrorizam-nos. Mas, perante este substrato teórico, não deve aterrorizar-nos igualmente a violência latente de alguns contextos familiares não cuidadores e não promotores de vínculos estáveis? Não deve ser motivo de preocupação extrema o cuidado destes vínculos que parecem ser tão determinantes na vida do indivíduo? Não pode ser este um fator chave para melhorar a Saúde Mental da população?

Os estudos de Kernberg, Ainsworth, Main, Fonagy entre tantos outros, apontam para a hipótese da vinculação poder ser entendida como uma característica da personalidade, que se manifesta ao longo do desenvolvimento, com uma transmissão transgeracional.4

Atualmente, há uma concordância generalizada que de um padrão de vinculação segura serve como fator protetor contra a psicopatologia, se associa a variáveis mais saudáveis da personalidade, como baixa ansiedade, maior resiliência do Eu e maior capacidade para se regular através de ligações interpessoais. Em contrapartida, de uma vinculação insegura/ desorganizada à psicopatologia, depende provavelmente uma conjugação de fatores de risco - como o contexto social adverso, capacidades parentais desadequadas, temperamento difícil da criança - que ainda que individualmente possam não ter implicações clínicas, quando associados podem resultar num significativo aumento do risco.5 Tal como defendido por Fonagy, este é um dos modelos de risco dominantes na psicopatologia moderna.

Por tudo isto, consideramos que a vinculação está nos alicerces da Saúde Mental. E, no meio dos desafios atuais do Sistema Nacional de Saúde nos levanta, queremos relembrar todos os clínicos que este assunto deve estar na ordem do dia.

Referências

1. Afonso P. O Impacto da Pandemia COVID-19 na Saúde Mental. Acta Med Port. 2020;33:356-7. doi: 10.20344/amp.13877. [ Links ]

2. Serviço Nacional de Saúde. [acedido a 23-08-2022]. Disponível em Disponível em https://saudemental.min-saude.pt/resposta-em-saude-mental/ . [ Links ]

3. Bowlby J. A Secure Base: Clinical Applications of Attachment Theory. London: Routledge; 1988. [ Links ]

4. Fonagy P, Bateman AW. Adversity, attachment, and mentalizing. Compr Psychiatry. 2016;64:59-66. doi: 10.1016/j.comppsych.2015.11.006. [ Links ]

5. O'Connor TG, Zeanah CH. Current perspectives on attachment disorders: rejoinder and synthesis. Attach Hum Dev. 2003;5:321-6. doi: 10.1080/14616730310001593901. [ Links ]

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Suporte Financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Ethical Disclosures

Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financial Support: This work has not received any contribution grant or scholarship.

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer reviewed.

Recebido: 23 de Agosto de 2022; Aceito: 01 de Setembro de 2022; : 14 de Setembro de 2022; Publicado: 30 de Setembro de 2022

*Autor Correspondente/Corresponding Author: Frederica Vian [fviancosta@gmail.com] Rua Jacinta Marto, 8A, 1169-045 Lisboa, Portugal ORCID iD: 0000-0002-0879-9481

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