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Gazeta Médica

Print version ISSN 2183-8135On-line version ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.9 no.4 Queluz Dec. 2022  Epub Dec 31, 2022

https://doi.org/10.29315/gm.v1i1.544 

Artigo Original

Infeções da Pele e dos Tecidos Moles num Hospital Universitário

Treating Skin and Soft Tissues Infections in a University Hospital

Margarida Araújo1 

Ana Margarida Mosca1 
http://orcid.org/0000-0002-0340-0072

Alexandre Carvalho1 

Joana Alves2 

1. Serviço de Medicina Interna, Hospital de Braga, Braga, Portugal.

2. Serviço de Infeciologia, Hospital de Braga, Braga, Portugal.


Resumo

Introdução:

As infeções da pele e dos tecidos moles (IPTM) apresentam uma incidência crescente, sendo causa frequente de admissão em internamento. Assim, a gestão adequada destes doentes é de extrema importância no prognóstico, redução da duração do internamento e consequentemente dos custos associados.

Métodos e resultados:

Realizou-se um estudo observacional retrospetivo com o objetivo de aferir qual a prática clínica, fatores de risco e mortalidade dos doentes internados por IPTM no Hospital de Braga. Foram incluídos 267 diagnósticos distintos. O isolamento microbiológico ocorreu na maioria das infeções necrotizantes e feridas cirúrgicas superficiais. Os agentes mais frequentes foram bactérias Gram positivo. Nas infeções necrotizantes 70% dos isolamentos era polimicrobiano. Os antibióticos mais utilizados nas infeções superficiais foram as penicilinas; contudo, 31,7% dos diagnósticos de erisipela e celulite foram medicados com antibioterapia de largo espectro. Nas infeções necrotizantes prevaleceu também a classe das penicilinas (a maioria de espectro alargado). De notar que nas infeções necrotizantes foram utilizadas sempre associações antibióticas. Na ferida cirúrgica destaca-se a vancomicina (55,6%). O tempo médio de antibioterapia variou entre 9-19 dias, com maior duração nas infeções profundas. Verificou-se uma maior percentagem de alteração antibiótica nas infeções necrotizantes (66,7%). O tempo médio para controlo de foco foi 40,8 horas. A taxa de mortalidade global foi de 9,7%.

Conclusão:

O diagnóstico de IPTM é clínico. A orientação terapêutica adequada é baseada em múltiplos fatores que conjugam o doente, o(s) agente(s) bacteriano(s) e o(s) antibiótico(s). Uma equipa multidisciplinar é essencial para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados ao doente.

Palavras-chave: Dermatopatias Infeciosas/tratamento farmacológico; Gestão de Antimicrobianos; Infeções dos Tecidos Moles/tratamento farmacológico; Padrões de Prática Médica

Abstract

Introduction:

Incidence of skin and soft tissue infections (SSTIs) is increasing worldwide. These infections represent an important reason for hospital admission. Proper management of these patients is of paramount importance, regarding prognosis and healthcare-associated costs.

Methods and results:

A retrospective observational study was developed to evaluate clinical practice, risk factors for SSTIs and outcomes in patients with SSTIs. Study population comprised patients hospitalized with SSTIs. A total of 267 SSTIs were identified. Microbiological isolate was obtained in most of necrotizing infections and surgical wounds. Gram-positive organisms were the most frequent agents. In necrotizing infections, 70% of the isolates were polymicrobial. First-line antibiotics for initial management of skin superficial infections were penicillins. However, almost 1/3 of erysipelas and cellulitis were treated with broad-spectrum antibiotics. In necrotizing infections, penicillins (broad-spectrum penicillins) also prevailed, mostly in combination antimicrobial regimens. Vancomycin was used in 55.6% of cases of surgical wounds. Mean antibiotic therapy duration ranged from 9-19 days, with longer periods in deeper infections. A high percentage of antibiotic switch (66.7%) occurred in patients with necrotizing infections. Mean time to surgical intervention was 40.8 hours. Overall mortality rate was 9.7%.

Conclusion:

The diagnosis of SSTIs is clinical. Clinical approach to initial choice of antimicrobial therapy is based on multiple factors related to the patient, the bacteria, and the drug. A multidisciplinary team is essential to improve the quality of patient care.

Keywords: Antimicrobial Stewardship; Practice Patterns, Physicians; Soft Tissue Infections/drug therapy; Skin Diseases, Infectious/drug therapy

Introdução

As infeções da pele e dos tecidos moles (IPTM) são das infeções bacterianas mais comummente diagnosticadas1 e representam causas frequentes de referenciação ao serviço de urgência ou de admissão em internamento hospitalar. A incidência crescente tem sido predominantemente atribuída ao envelhecimento populacional, respetivas comorbilidades e aumento do número de doentes críticos.1,2

A literatura apresenta uma grande diversidade de recomendações na orientação das IPTM.3-6 Tal pode dever-se a alterações dinâmicas como o envelhecimento populacional, o aumento da proporção de doentes obesos, o surgimento de novos antibióticos, entre outras.7

As infeções da pele e dos tecidos moles são entidades clínicas com apresentação, etiologia e severidade muito variáveis.8 O diagnóstico destas entidades é predominantemente clínico. O diagnóstico microbiológico das IPTM é obtido em < 50% dos doentes hospitalizados.7) Segundo a literatura, as hemoculturas (HC) positivam em < 5% das infeções não necrotizantes.9 As HC devem ser valorizadas se ocorrer isolamento de Staphylococcus aureus ou bactérias Gram negativo, e a valorização de Staphylococcus coagulase negativos implica a positividade de duas HC colhidas em dois locais distintos.10 Exames culturais de aspirados ou biópsia tecidular são geralmente desnecessários.1,11

O tratamento das infeções da pele e dos tecidos moles é empírico. As infeções da comunidade estão frequentemente associadas a organismos Gram positivo. Os doentes com infeções nosocomiais ou pós-cirúrgicas apresentam maior propensão para organismos Gram negativo.8 O tratamento da infeção é determinado pelo tipo de infeção, localização, severidade, purulência, caráter necrotizante, tempo de instalação e comorbilidades do doente.2,11 Contrariamente a outros países como os Estado Unidos da América, em que as estirpes de MRSA (methicillin-resistant Staphylococcus aureus) emergiram na comunidade (CA-MRSA - community-associated MRSA) e se encontram em expansão, a maioria das estirpes de MRSA em Portugal são adquiridas a nível hospitalar.12,13 Assim, de momento, CA-MRSA não apresenta expressividade em Portugal, não sendo uma preocupação em termos de abordagem terapêutica nas IPTM da comunidade.

Em 1966 foi usado pela primeira vez o termo “Antimicrobial Stewardship” (AMS) por John E. MacGowan Jr e Dale N. Gerding com o objetivo de incidir no uso racional de antimicrobianos. Em Portugal, a equivalência à AMS é o PAPA, o Programa de Apoio à Prescrição Antibiótica criado e implementado em novembro de 2013 pela Direção Geral de Saúde (DGS).14 O PAPA inclui um conjunto de intervenções para promover o uso ótimo do antibiótico, e está demonstrada a sua relevância no melhor prognóstico do doente, menos efeitos adversos e redução da resistência aos antimicrobianos.15-17 Com a incidência crescente de IPTM, o uso apropriado e adequado do antibiótico é de extrema importância no prognóstico do doente e na redução dos dias de internamento, na recorrência aos cuidados de saúde e consequentemente nos custos associados18; esta é uma área onde o PAPA pode intervir, tanto a nível hospitalar como em ambulatório.

Material e métodos

O objetivo do trabalho foi determinar qual a prática clínica, abordagem terapêutica, fatores de risco e mortalidade dos doentes internados com infeções da pele e dos tecidos moles no Hospital de Braga. Desenvolveu-se um estudo observacional retrospetivo com inclusão de todos os doentes internados, independentemente da especialidade, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018 com diagnóstico primário ou secundário de infeção da pele e dos tecidos moles (codificação ICD-10: L00-L08, A46 e M726). Foram excluídos todos os doentes com idade inferior a 18 anos, feridas do pé diabético, feridas neoplásicas, úlceras de pressão e úlceras vasculares infetadas.

Foi realizada colheita de informação relativa à admissão hospitalar, antibioterapia empírica instituída e sua duração, timing de controlo de foco, requisição de exames microbiológicos e isolamentos verificados. Relativamente aos fatores de risco para infeções cutâneas, foram incluídos antecedentes de patologia cardiovascular, hepatopatia, doença renal crónica, diabetes mellitus, imunossupressão, etilismo, obesidade, doença arterial e venosa periféricas e história de traumatismo prévio. O estudo foi aprovado pela Comissão de Proteção de Dados e Comissão de Ética.

A análise estatística foi realizada com recurso ao SPSS Statistics ® (24ª versão). Todos os valores-P são two-tailed, com valor-P de 0,05 indicando significância estatística.

Resultados

Diagnósticos

No período de 2 anos abrangido, foram codificadas 587 IPTM. Destas, 267 preenchiam os critérios de inclusão no estudo. Foram excluídos 320 códigos pelos seguintes motivos: código repetido (n=70), código errado (n=71), sem episódio de internamento (n=1), idade pediátrica (n=93), doença do legionário (n=5), pé diabético (n=18), ferida neoplásica (n=15), úlcera de pressão (n=15), úlcera vascular (n=5), abcesso em órgão (n=27) (Fig. 1).

Figura 1: Seleção dos doentes. 

Dos 267 diagnósticos de IPTM considerados, a maioria (n=247) diz respeito a infeções não necrotizantes (46 erisipelas, 137 celulites, 64 abcessos). Identificaram-se 11 infeções necrotizantes (5 fasceítes necrotizantes, 3 gangrenas de Fournier, 3 infeções necrotizantes não especificadas) e 9 infeções da ferida cirúrgica superficial (Tabela 1).

Tabela 1: Tipos de infeção. 

Tipo de infeção n = 267
Erisipela, n (%) 46 (17,2)
Celulite, n (%) 137 (51,3)
Abcesso, n (%) 64 (24,0)
Fasceíte necrotizante, n (%) 5 (1,9)
Gangrena de Fournier, n (%) 3 (1,1)
Outras infeções necrotizantes, n (%) 3 (1,1)
Infeção da ferida cirúrgica superficial, n (%) 9 (3,4)

Caracterização demográfica da população

Foram incluídos 258 pacientes. A idade média da população foi de 66,5 anos, com 57% dos doentes com ≥ 65 anos. Verificou-se uma distribuição equilibrada de sexo, com ligeiro predomínio do sexo feminino (50,4%). As comorbilidades dos doentes estão apresentadas na Tabela 2. Verificou-se que a comorbilidade mais frequente foi a doença cardiovascular (36,8%), seguindo-se a diabetes mellitus (27,1%), o excesso de peso (19,8%), a doença renal crónica (18,6%) e a doença vascular periférica (17,4%).

Tabela 2: Características demográficas e comorbilidades da população. 

Características n = 258
Sexo feminino, n (%) 130 (50,4)
Idade média (anos), média (±DP) 66,5 (17,7)
≥ 65 anos, n (%) 147 (57,0)
Excesso de peso, n (%) 51 (19,8)
Diabetes mellitus, n (%) 70 (27,1)
Doença cardiovascular, n (%) 95 (36,8)
Doença hepática, n (%) 25 (9,7)
Doença renal crónica, n (%) 48 (18,6)
Doença vascular periférica, n (%) 45 (17,4)
Alcoolismo, n (%) 28 (10,9)
Imunossupressão, n (%) 20 (7,8)
Traumatismo prévio, n (%) 39 (15,1)

DP - desvio padrão

Correlação infeção e comorbilidades

A correlação entre os fatores de risco e os tipos de infeções cutâneas apenas demonstrou significância estatística entre: erisipela e diabetes mellitus, erisipela e doença cardiovascular, erisipela e trauma, celulite e doença renal crónica (estádio superior a 3), celulite e doença vascular periférica, infeções abcedadas e doença cardiovascular, infeções abcedadas e doença vascular periférica e infeções necrotizantes e etilismo (Tabela 3).

Tabela 3: Correlação infeção e comorbilidades. 

Fatores de risco Patologia cardiovascular Hepatopatia DRC DM Imunossupressão Etilismo Obesidade/ Excesso de peso Doença vascular periférica Trauma
Tipo de infeção n Valor-P n Valor-P n Valor-P n Valor-P n Valor-P n Valor-P n Valor-P n Valor-P n Valor-P
Erisipela 29 <0,001 4 0,713 38 0,736 20 0,014 4 0,739 3 0,230 12 0,299 8 0,957 2 0,030
Celulite 51 0,416 15 0,529 33 0,017 33 0,544 11 0,617 18 0,235 29 0,531 35 < 0,001 22 0,359
Abcesso 10 0,002 4 0,326 7 0,093 12 0,379 6 0,408 4 0,233 6 0,102 3 0,003 10 0,618
Infeções necrotizantes 1 0,202 2 0,298 1 0,465 3 0,949 0 0,357 3 0,040 4 0,241 0 0,134 1 0,688
Ferida cirúrgica 3 0,308 2 0,753 2 0,484 2 0,413 0 0,239 2 0,915 1 0,179 1 0,217 4 0,228

DRC - doença renal crónica; DM - diabetes mellitus

Isolamentos microbiológicos

Neste período foram colhidas 177 amostras: zaragatoa (n=14); pus (n=67); HC (n=95) e biópsia cutânea (n=1). Verificou-se isolamento de 1 ou mais agentes em 96 culturas: 42 em abcessos; 29 em celulites; 8 em erisipelas; 10 em infeções necrotizantes e 7 em feridas cirúrgicas. A sensibilidade das colheitas variou em função do diagnóstico subjacente (Tabela 4). De um modo geral as zaragatoas cutâneas positivaram em 79%; os aspirados purulentos positivaram em 90%, as HC positivaram em 24% e biópsias tecidulares em 100% (n=1). As HC apresentaram a maior rentabilidade diagnóstica nas infeções necrotizantes (66% positividade).

Tabela 4: Rentabilidade das colheitas microbiológicas. 

Colheitas MB Zaragatoa Aspirados purulentos Hemoculturas Biópsia tecidular
Tipo de infeção n Positividade (n; %) n Positividade (n; %) n Positividade (n; %) n Positividade (n; %)
Erisipela 3 3; 100% 2 2; 100% 19 3; 16% 0 0; 0%
Celulite 10 7; 70% 7 4; 57% 62 15; 24% 0 0; 0%
Abcesso 0 0; 0% 41 38; 93% 19 3; 16% 1 1; 100%
Infeções necrotizantes 0 0; 0% 10 9; 90% 3 2; 66% 0 0; 0%
Ferida cirúrgica 1 1; 100% 7 7; 100% 2 1; 50% 0 0; 0%
Todos 14 11; 79% 67 60; 90% 95 23; 24% 1 1; 100%

MB - microbiológicas. NOTA: Rentabilidade e sensibilidade do teste são conceitos distintos

Foi isolado agente microbiológico na maioria das infeções necrotizantes (100% das fasceítes necrotizantes, 100% das gangrenas de Fournier e 66,7% das outras infeções necrotizantes), assim como em 77,8% das feridas cirúrgicas superficiais. No que diz respeito às infeções superficiais, foi isolado agente em 65,6% dos abcessos, 21,1% das celulites e 17,4% das erisipelas. Os agentes mais frequentes em todos os tipos de infeção foram as bactérias Gram positivo, conforme se pode verificar na Tabela 5. Staphylococcus aureus representaram uma parte importante desses isolados, tendo sido isolados tantos Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA) como sensíveis à meticilina (MSSA) nas fasceítes necrotizantes (20% cada) e nas feridas cirúrgicas (12,5% cada). Verificou-se que em 70% das infeções necrotizantes as amostras revelaram mais que um agente.

Tabela 5: Isolamentos microbiológicos. 

Tipo de infeção Infeções com isolamentos microbiológicos (%) Microrganismos
Total (n) Gram positivos Gram negativos Anaeróbios (%)
(% total) MSSA (%) MRSA (%) (% total) K. pneumoniae(%) P. Aeruginosa (%) P. mirabilis (%) E. coli (%)
Erisipela 17,4 13 76,9 20,0 10 23,1 0 33,3 0 66,7 0
Celulite 21,2 37 74,3 23,1 3,8 20 14,3 42,9 14,3 28,6 5,7
Abcesso 65,6 59 55,9 36,4 6,1 23,7 28,6 7,1 21,4 35,7 20,3
Fasceíte necrotizante 100 7 71,4 20,0 20,0 28,6 50 0 0 50 0
Gangrena de Fournier 100 7 71,4 0 0 28,6 0 0 50 50 0
Outras infeções necrotizantes 66,7 5 60 33,3 0 40 0 0 0 50 0
Ferida cirúrgica 77,8 12 66,7 12,5 12,5 16,7 50 0 0 50 16,7

MSSA - methicillin-susceptible Staphylococcus aureus; MRSA - methicillin-resistant Staphylococcus aureus; K. pneumoniae - Klebsiella pneumoniae; P. aeruginosa - Pseudomonas aeruginosa; P. mirabilis - Proteus mirabilis; E. coli - Escherichia coli

Tratamento

Os antibióticos mais utilizados nas infeções superficiais (erisipela, celulite e abcesso) foram as penicilinas (71,7%, 64,2% e 68,8% respetivamente), com recurso preferencial a flucloxacilina, penicilina G e amoxicilina (Tabela 6). Relativamente à antibioterapia de largo espectro, 31,7% dos diagnósticos de erisipela e celulite (n=58) foram medicados com piperacilina/ tazobactam, meropenem ou vancomicina. Destes, 37 (63,8%) apresentavam exposição antibiótica prévia nos últimos 3 meses; 13 (22,4%) apresentavam isolamento de MRSA, CRE (Enterobacteriaceae resistentes aos carbapenemos) ou PAMR (Pseudomonas aeruginosa multirresistente) em zaragatoa de rastreio e 5 (8,6%) estavam institucionalizados; os restantes não apresentavam justificação clínica para a prescrição desses antibióticos.

Tabela 6: Antibioterapia instituída. 

Tipo de infeção Antibioterapia (% infeções) Alt eração (%) Duração média (dias)
Penicilinas Cefalosporinas Clindamicina Carbapenemos Fluoroquinolonas Macrólidos Aminoglicosídeos Vancomicina Linezolido Metr onid azol Rifampicina
Erisipela 71,7 32,6 10,9 13,0 2,2 0 0 19,6 2,2 0 0 26 9
Celulite 64,2 35,1 21,9 16,8 9,5 1,5 2,2 14,6 2,9 4,4 0 25 9
Abcesso 68,8 18,8 25 12,5 12,5 0 6,3 6,3 4,7 17,2 0 27 9
Fasceíte necrotizante 60 0 40 20 0 0 0 40 20 60 0 40 19
Gangrena de Fournier 33,3 33,3 66,7 33,3 33,3 0 0 0 0 33,3 0 33 10
Outras infeções necrotizantes 66,7 33,3 0 33,3 0 0 33,3 66,7 0 100 0 67 17
Ferida cirúrgica 44,4 11,1 0 11,1 0 0 0 55,6 22,2 33,3 11 11 13

MSSA - methicillin-susceptible Staphylococcus aureus;MRSA - methicillin-resistant Staphylococcus aureus; K. pneumoniae - Klebsiella pneumoniae; P. aeruginosa - Pseudomonas aeruginosa; P. mirabilis - Proteus mirabilis; E. coli - Escherichia coli

Na fasceíte necrotizante (que não a gangrena de Fournier) e nas outras infeções necrotizantes prevaleceu a classe das penicilinas (60% e 66,7% respetivamente; na maioria dos casos de espectro alargado - piperacilina/ tazobactam), e a associação com o metronidazol (60% e 100%). Também a vancomicina teve um papel importante nas infeções necrotizantes (66,7%). Na gangrena de Fournier, foi preferida a associação com clindamicina (66,7%). De notar que nas infeções necrotizantes foram utilizadas sempre associações antibióticas. Na ferida cirúrgica destaca-se a vancomicina (55,6%), o principal agente com cobertura para MRSA, seguindo-se a linezolida.

O tempo médio de antibioterapia oscilou entre 9-19 dias, com maior duração nas infeções profundas, sobretudo na fasceíte necrotizante. Verificou-se uma maior percentagem de alteração da terapêutica antibiótica nas infeções necrotizantes (66,7%). O tempo médio para controlo de foco foi de 40,8 horas

Prognóstico

A taxa de mortalidade global foi de 9,7% (n=25). Os abcessos registaram a menor taxa de mortalidade por infeção (4,7%), seguindo-se as celulites (8,8%), as feridas cirúrgicas superficiais (11,1%) e as erisipelas (13,0%). A maior taxa de mortalidade verificou-se nas infeções necrotizantes (27,3%).

Discussão e conclusão

A população deste estudo apresentou uma idade média ligeiramente superior à descrita noutros estudos (57% com ≥ 65 anos)19-22 e as infeções mais frequentes foram celulites e abcessos, conforme descrito em series prévias.19 Tendo em conta a grande diversidade de IPTM, e a ausência de uma nomenclatura de classificação globalmente aceite, optou-se por enaltecer a categorização em necrotizante ou não necrotizante, uma vez que apresenta grande impacto na abordagem e prognóstico, assim como a condição clínica do doente, conforme recomendado por orientações internacionais.4

A idade avançada, doença cardiovascular, doença hepática, doença renal, diabetes mellitus, imunossupressão, obesidade, doença arterial periférica ou drenagem linfática comprometida e trauma são fatores de risco estabelecidos para as infeções da pele e dos tecidos moles.23 Neste estudo retrospetivo verificou-se associação entre alguns destes fatores de risco e determinados tipos de infeção cutânea; os resultados obtidos foram provavelmente condicionados pela amostra reduzida de doentes e eventuais vieses na codificação dos fatores de risco inerentes.

Contrariamente ao descrito na literatura, o isolamento de agente (não necessariamente etiológico) ocorreu em > 50% das amostras (n=96; 54%). Em 30% das amostras positivas (n=29) verificou-se uma flora polimicrobiana; 15 destas ocorreram em abcessos, feridas cirúrgicas e infeções necrotizantes, assumindo-se provável contaminação nas restantes. As zaragatoas devem ser evitadas, dada a dificuldade em interpretar os isolamentos microbiológicos devido ao isolamento de agentes colonizadores da pele.24

As infeções necrotizantes profundas, sendo as que apresentam mais risco de vida, implicam geralmente intervenção cirúrgica com drenagem e desbridamento.4 Por este motivo, há maior facilidade de colheita de produtos microbiológicos no local da infeção, o que justifica o facto de se ter identificado agente na grande maioria destas infeções. Neste grupo, verificou-se uma grande percentagem de infeções polimicrobianas, conforme descrito na literatura.25

Já nas infeções mais superficiais, como a celulite e a erisipela, geralmente não há produtos para cultura, pelo que o agente fica por determinar na maioria dos casos. Nos casos em que se identifica o agente, prevalecem os agentes Gram positivo, os principais constituintes da flora comensal da pele, conforme descrito noutras séries.26,27

O diagnóstico de IPTM é clínico. As orientações internacionais sugerem vários esquemas antibióticos empíricos para tratamento, dependendo do tipo, local e severidade da infeção, o que se refletiu na diversidade de esquemas utilizado4:

  • Nas infeções superficiais, como erisipela, celulite ou abcesso, conforme expectável, os antibióticos preferenciais foram as penicilinas. Contudo, verificou-se o uso de antibioterapia de largo espectro inadequada (como carbapenemos, por exemplo) numa percentagem considerável dos casos;

  • Nas infeções profundas necrotizantes, as penicilinas mantiveram o seu papel, sobretudo a piperacilina/ tazobactam, verificando-se também o recurso a cefalosporinas, carbapenemos, fluoroquinolonas, aminoglicosídeos e associação com metronidazol. A associação com clindamicina pelo seu efeito antitoxina foi também notável. O recurso a estes agentes está de acordo com as recomendações internacionais.(4,28 De notar que a percentagem de utilização de cada um destes agentes tem um valor relativo, tendo em conta o número reduzido de cada uma destas infeções;

  • Na infeção da ferida cirúrgica superficial, o essencial é a intervenção cirúrgica atempada, com recurso a antibioterapia apenas nos casos em que se verifica atingimento sistémico ou de órgão alvo, ou em imunodeprimidos. (4) Sendo uma infeção hospitalar, com maior risco de MRSA, compreende-se a sobrerrepresentação da vancomicina e da linezolida. Contudo, a cobertura empírica para MRSA poderia ter sido minimizada e mais adequada com o rastreio nasal de MRSA prévio, o que não se verificou em todos os casos e não foi alvo de avaliação no presente estudo.

A maior percentagem de alteração antibiótica e a maior duração do tratamento nas infeções necrotizantes pode ser explicada pelo facto de serem infeções graves, com maior risco de vida, e geralmente polimicrobianas, com maior necessidade de ajuste terapêutico para garantir o controlo adequado da infeção. A corroborar isto está a maior mortalidade verificada nestas infeções, que foi superior à descrita em séries prévias.29 O tempo médio para controlo de foco superou as recomendações que sugerem uma intervenção cirúrgica o mais precoce possível, idealmente nas primeiras 12 horas.4

A escolha do antibiótico adequado é baseada em múltiplos fatores que conjugam o doente, o(s) agente(s) bacteriano(s) e os antibióticos, requerendo uma colaboração multidisciplinar. O antibiótico apropriado é escolhido com base no local de infeção, na etiologia mais provável e no histórico do doente relativamente a agentes multirresistentes. A dose deve ser adequada às características farmacocinéticas e farmacodinâmicas do antibiótico. Nas infeções de pele e tecidos moles os programas de otimização do uso de antibiótico demonstraram melhoria no prognóstico do doente, internamentos mais curtos e menos efeitos adversos.30 Uma equipa multidisciplinar é essencial para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados ao doente. Este trabalho evidenciou alguns pontos de atuação futura de forma a melhorar a escolha do antibiótico empírico, o tempo para controlo de foco e a taxa de mortalidade. Assim, é importante amplificar a atuação do PAPA neste grupo de doentes.

Referências

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Contribuição Autoral/Authors Contribution

AM e MA: Conceção, desenho, recolha de dados, redação, revisão e aprovação final

AC: Revisão, aprovação final

JA: Redação, revisão e aprovação final

AM and MA: Conception, design, data collection, writing, reviewing and final approval

AC: Review, final approval

JA: Writing, review and final approval

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Pessoas e Animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia revista em 2013 e da Associação Médica Mundial.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Ethical Disclosures

Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki as revised in 2013).

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer reviewed.

Recebido: 29 de Novembro de 2021; Aceito: 11 de Outubro de 2022; : 29 de Novembro de 2022; Publicado: 31 de Dezembro de 2022

Autor Correspondente/Corresponding Author: Ana Margarida Mosca [ana_mosca6@hotmail.com] Rua Amália da Costa Lima; nº 100, apartamento 8, 4710 Gualtar, Braga, Portugal ORCID iD: 0000-0002-0340-0072

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