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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.10 no.3 Queluz set. 2023  Epub 29-Set-2023

https://doi.org/10.29315/gm.v1i1.824 

Editorial

Targeting the Brain: Estimulação Cerebral Profunda

Targeting the Brain: Deep Brain Stimulation

1. Hospital CUF Porto, Porto, Portugal


Escolhendo um determinado alvo no cérebro (targeting) e modificando o funcionamento dos respetivos circuitos cerebrais relacionados com auxílio de uma corrente elétrica (estimulação cerebral profunda - DBS) conseguimos hoje controlar os sintomas de algumas doenças (doença de Parkinson, distonia, tremor, epilepsia, transtorno obsessivo-compulsivo). Embora o respetivo mecanismo exato de ação não esteja totalmente esclarecido pensa-se, em resumo, que a estimulação de alta frequência gerada numa bateria colocada abaixo da clavícula e transmitida ao alvo por um elétrodo rigorosamente colocado se sobrepõe aos ritmos anómalos que caraterizam essas doenças, tornando-os mais fisiológicos e assim melhorando algumas das manifestações clínicas da doença.

Na história da cirurgia não há muitos exemplos de êxito tão grande, tão rápido e tão difundido a nível mundial como o sucedido com a DBS. Cerca de 30 anos após a sua introdução clínica por Benabid (Neurocirurgião) e Pollack (Neurologista) há hoje cerca de 2 500 000 doentes operados a nível mundial. A cirurgia tornou-se progressivamente mais rigorosa, mais segura, mais eficaz e melhor tolerada o que decorreu da inovação tecnológica (elétrodos e baterias), da muito marcada melhoria da imagem cerebral (ressonância magnética-RM), do maior conhecimento anatómico e funcional cerebral (hot spot, sensing) e da melhoria da técnica cirurgia (cirurgia sob anestesia geral), mas sempre assente num trabalho necessariamente de equipa e que implica incluir múltiplas áreas de conhecimento (Neurologia, Neurocirurgia, Neuro Radiologia, Neuropsicologia, Psiquiatria, Enfermagem, Medicina Física e de Reabilitação). Em Portugal acompanhamos sempre os diversos desenvolvimentos tecnológicos que permitiram um melhor controlo dos sintomas na doença de Parkinson nomeadamente baterias recarregáveis (2009) direccionalidade da estimulação (2016), avaliação do volume total ativado (2019) e registo da atividade elétrica no alvo (2020), sendo mesmo em alguns deles centros pioneiros na Europa. A DBS tem hoje como principais características a mínima invasão sobre o tecido cerebral (corrige uma função não uma estrutura), a segurança (baixa taxa de complicações), a eficácia nas indicações reconhecidas, a reversibilidade (não provocando lesão de qualquer estrutura cerebral basta desligar a bateria para que o efeito desapareça) e a ausência de lesões a longo prazo no tecido cerebral estimulado.

Mas mesmo com toda a evolução ocorrida a colocação exata do elétrodo (targeting) continua a ser a condição imprescindível para um bom resultado, dependente da identificação dos diferentes sinais elétricos (ondas cerebrais) recebidos ao longo do trajeto para o alvo. Este processo de aprendizagem e compreensão de múltiplos aspetos do funcionamento cerebral permitiu-nos aumentar o conhecimento e evoluir. Exatamente sintetizando este desenvolvimento escolhemos para título do livro que publicamos em 2010 (menção honrosa do Prémio Bial) - Estimulação cerebral profunda: do tratamento da doença de Parkinson a uma nova visão do funcionamento cerebral.

A US Food and Drug Administration (FDA) reconheceu o tratamento cirúrgico da doença de Parkinson em 2001 e em outubro 2002 introduzimos a técnica em Portugal operando no Hospital de S. João o primeiro doente. Ao longo dos anos a técnica rotinizou-se em Portugal, evoluindo nas indicações sendo hoje operados cerca de 100 doentes/ano em cinco centros cirúrgicos. As indicações para tratamento cirúrgico passaram a incluir para além da doença de Parkinson a distonia (2005), o tremor essencial (2006), a dor neuropática (2009), a síndrome de Gilles de la Tourette (2010), o transtorno obsessivo-compulsivo e a epilepsia (2011). E também aqui estamos bem em Portugal com resultados idênticos aos das séries de referência publicados na literatura internacional, conseguindo melhorar de um modo muito significativo a qualidade de vida dos doentes parkinsónicos com uma mortalidade inferior a 0,2% e uma morbilidade neurológica severa em menos de 1% dos doentes (complicações relacionadas com o sistema e com a estimulação são passíveis de resolução modificando-o). Persiste, porém, no nosso país uma questão fundamental e que colocamos também no título do livro publicado em 2022 que resume a atividade que desenvolvemos ao longo de 20 anos que é a de se estamos a operar todos os doentes que precisam. De acordo com diversos indicadores e na minha opinião temos um número de centros suficientes, mas constrangimentos vários são responsáveis por um número de cirurgias/ano que penso estar 25% a 50% abaixo das necessidades da nossa população. E na verdade o preço elevado (cerca de 30 000€/ doente) não é a maior justificação nomeadamente porque diversos estudos (nomeadamente alemães) demonstram que mesmo sem valorizar a melhoria da qualidade de vida o que a cirurgia permite poupar em termos de medicação, cuidados médicos e de enfermagem, reabilitação e deslocações torna a relação custo/ benefício muito vantajosa com recuperação do investimento em poucos anos. São múltiplas as causas para este facto tornando-se necessário dispor de um diagnóstico mais precoce (formação) eliminar medos e mitos dos doentes (literacia), melhorar a referenciação para a consulta de Neurologia (SNS), mais rápida resposta sobre indicação ou não para cirurgia (organização interna) e mais adequada distribuição dos centros cirúrgicos (públicos/ privados).

Mas no trajeto ao longo dos anos vários marcos sustentaram em Portugal este desenvolvimento, de que parece justificado realçar uma intensa cooperação nacional e internacional, uma atividade científica relevante, uma constante preocupação com a formação pré e pós-graduada, a organização de múltiplas reuniões científicas internacionais, a relação estreita com outras áreas de conhecimento, nomeadamente a Engenharia e finalmente o Doutoramento Honoris Causa do Prof. Alim-Louis Benabid na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) em 2010.

E se há algo de que não restam quaisquer dúvidas é do que muda na vida de doentes e familiares, sintetizada por testemunhos vários de doentes como “valeu a pena”, “a minha vida mudou para muito melhor” ou “a vida voltou a fazer sentido”. É para isto imprescindível uma colaboração multidisciplinar de que me parece adequado realçar a atividade da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson (APDPk) focada em melhorar as diversas vertentes de que se reveste a assistência a estes doentes como um todo, juntando a voz da comunidade à dos profissionais.

Não é difícil de prever que os próximos anos nos trarão melhor tecnologia (baterias e elétrodos), desenvolvimento significativo da neuro-imagem anatómica e funcional (RM, conectómica), maior conhecimento do funcionamento cerebral (sensing), localização mais rigorosa e estimulação mais eficaz (inteligência artificial) e evolução na técnica cirúrgica (robótica). Registo estandardizado e controlo de qualidade são necessidades imprescindíveis, com a importância de evoluir do tratamento da doença para o tratamento do doente. E aqui o que mais esperamos no tratamento da doença de Parkinson a curto prazo é a estimulação adaptativa: ou seja, em vez de a estimulação estar sempre ligada (circuito aberto) numa doença cujos sintomas variam ao longo do dia passarmos a ser capazes de identificar com o elétrodo as ondas cerebrais que precedem os sintomas e com esta informação o sistema automaticamente ligar-se e regular-se (circuito fechado) mesmo antes de os sintomas se manifestarem. Mas para além de benefícios adicionais para os doentes incluídos nas indicações atuais, é também muito provável a expansão do seu campo de indicações para outras patologias.

Figura 1 Registos gráficos da atividade elétrica cerebral de áreas diferentes do cérebro obtidos no percurso até atingir o alvo pretendido (núcleo subtalâmico). Linhas 1, 2 e 3 acima do núcleo/ linhas 4, 5, 6 e 7 no núcleo com avanços de 0,5 mm/ linhas 8, 9, 10 e 11 para além do núcleo. 

Referências

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