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Gazeta Médica

versão impressa ISSN 2183-8135versão On-line ISSN 2184-0628

Gaz Med vol.10 no.3 Queluz set. 2023  Epub 30-Set-2023

https://doi.org/10.29315/gm.v1i1.763 

Artigo Original

Perceção da Imagem Corporal por Crianças e Cuidadores

Body Image Perception by Children and Caregivers

1. Unidade de Saúde Familiar Andreas, Agrupamento de Centros de Saúde Oeste Sul, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Lisboa, Portugal.

2. Unidade de Saúde Pública Moinhos, Agrupamento de Centros de Saúde Oeste Sul, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Lisboa, Portugal.


Resumo

Introdução:

Em Portugal, 20% a 40% das crianças e adolescentes têm excesso de peso (EP) e 10% a 15% tem obesidade. Os pais têm um papel fulcral na sua prevenção, uma vez que determinam a alimentação e estilo de vida das crianças.

Métodos:

Estudo transversal da perceção da imagem corporal de 131 crianças com 10 anos de idade e dos seus cuidadores. Os participantes selecionaram as silhuetas de Collins que consideraram ser as imagens reais e ideais das crianças. As imagens escolhidas foram comparadas com as categorias de índice de massa corporal (IMC) das crianças, de forma a caracterizar a autoperceção corporal (IMC versus imagens reais) e o desejo de mudança das mesmas (IMC versus imagens ideais).

Resultados:

A maioria dos participantes eram do sexo feminino (62,6%) e estavam acompanhadas pelos pais (94,9%). Cerca de 40% das crianças tinham EP e 17% obesidade. Cerca de 15% das crianças (p<0,05) e 25% dos cuidadores (p=0,48) subestimou a imagem real. Cinquenta porcento das crianças (p<0,05) e um terço dos cuidadores (p<0,05) desejava uma imagem de uma categoria inferior. Dezoito porcento das crianças com EP e obesidade desejavam ter uma imagem de uma categoria inferior e 5% das crianças normoponderais queriam ter baixo peso.

Conclusão:

Identificamos uma elevada proporção de indivíduos sem perceção real da imagem corporal e com desejo de mudança, uma oportunidade de intervenção das equipas de saúde.

Palavras-chave: Criança; Cuidadores; Imagem Corporal; Obesidade Infantil; Perceção

Abstract

Introduction:

In Portugal, 20% to 40% of children and adolescents are overweighted and 10% to 15% are obese. Parents play a key role in its prevention, as they determine their children's diet and lifestyle.

Methods:

Cross-sectional study of 131 10-year-old children’s and their caregivers’ body image perception. Participants selected the Collins silhouettes according to what they perceived as real and ideal body images. The chosen images were compared with the children's body mass index (BMI) categories, to characterize their body self-perception (BMI versus real images) and their desire to change (BMI versus ideal images).

Results:

Most participants were female (62.6%) and accompanied by their parents (94.9%). About 40% of the children were overweight and 17% had obesity. About 15% of children (p<0.05) and 25% of caregivers (p=0.48) underestimated the real image. Fifty percent of children (p<0.05) and one-third of caregivers (p<0.05) wanted an image of a lower category. Eighteen percent of children with overweight and obesity wanted to have an image of a lower category and 5% of normal-weight children wanted to be underweight.

Conclusion:

We identified a high proportion of individuals without a real perception of body image and with a desire for change, an opportunity for intervention by healthcare teams.

Keywords: Body Image; Caregivers; Child; Pediatric Obesity; Perception

Introdução

A obesidade infantil é um problema de Saúde Pública global. Mundialmente, os seus valores rondam os 41 milhões na faixa etária até aos 5 anos, passando para os 340 milhões entre os 5 e os 19 anos.1 Em 2050, esta pandemia poderá afetar 25% das crianças a nível mundial,2 principalmente nos países em desenvolvimento e nas franjas mais desfavorecidas das sociedades ocidentais.

Em Portugal, estima-se que a prevalência de obesidade e excesso de peso (EP) (incluindo obesidade) infantis variem entre os 10% a 15% e 20% a 40%, respetivamente. A obesidade parece ser mais prevalente entre os 8 e os 10 anos e no sexo feminino, não havendo, no entanto, consenso em relação às diferenças entre sexos.3,4

Esta doença, complexa e multifatorial, resulta do balanço energético positivo gerado pelo excesso de quilocalorias ingeridas, face ao seu gasto. Adicionalmente, o sedentarismo, a inatividade física e o acesso facilitado a alimentos altamente calóricos contribuem negativamente para a problemática.5

A obesidade infantil contribui para o aparecimento de outras patologias, nomeadamente fatores de risco cardiovascular, e tende a manter-se ao longo da vida - cerca de 55% das crianças obesas perpetuarão esta doença na adolescência, e destes cerca de 80% manterão este distúrbio na vida adulta.3,5,6 Por outro lado, tem forte impacto na saúde mental, contribuindo para o desenvolvimento de baixa autoestima, dificuldade na relação com os pares e fenómenos de bullying,3 podendo potenciar o aparecimento de depressão e perturbações do comportamento alimentar.5 Representa, assim, um acréscimo de encargos económicos, uma vez que o desenvolvimento precoce destas doenças contribui para maior número de anos de doença, maiores custos com tratamentos e maior probabilidade de complicações a longo prazo.

O ambiente familiar molda os comportamentos adotados pelas crianças ao longo da vida, nomeadamente no nível de atividade física, alimentação, sono e tempo de exposição a ecrãs, ajudando a prevenir o desenvolvimento de obesidade. Assim, os cuidadores e a família tanto podem contribuir para o desenvolvimento da doença, como também para a sua prevenção, através da promoção dos estilos de vida saudáveis.5

Para a prevenção e tratamento desta patologia, é fulcral que a mesma seja reconhecida pelos profissionais de saúde, e principalmente pelas crianças e pelos seus cuidadores.7 A autoimagem é uma construção dinâmica sobre o tamanho e forma do nosso corpo, que varia ao longo de toda a vida. Dela fazem parte a capacidade de perceber a imagem real corporal, bem como os sentimentos que esta imagem gera. Existem várias escalas para avaliar a perceção da autoimagem, entre elas a escala de silhuetas de Collins, desenvolvida para crianças. As crianças entre os 7 e 10 anos têm dificuldade em avaliar a sua autoimagem, aumentando esta capacidade ao longo da adolescência e idade adulta.1,4 Estima-se que cerca de 47%-55% dos cuidadores subestima o peso de crianças com EP ou obesidade.7 O não reconhecimento do EP nas crianças constitui uma barreira na aceitação de estratégias de intervenção. Vários fatores podem condicionar a perceção do peso corporal por parte dos pais, como a idade da criança, a prevalência de obesidade na população, a escolaridade e o próprio estado ponderal dos pais. A resistência psicológica em aceitar um diagnóstico de obesidade, devido ao estigma e sentimentos de culpa, diminui a recetividade às medidas de intervenção propostas.4,7,8

Este estudo visa estudar a prevalência de EP e obesidade nas crianças de 10 anos de uma USF e as perceções em relação à imagem corporal real e desejada, por parte das crianças e dos seus cuidadores.

Material e Métodos

Desenho do estudo

Estudo transversal sobre a perceção da imagem corporal real e a imagem corporal ideal de crianças com 10 anos de idade e seus cuidadores.

Amostra

Definiu-se que este estudo seria aplicado às crianças de 10 anos de idade (n=188) convocadas para realizar as vacinas do Programa Nacional de Vacinação em 2022 e os respetivos cuidadores (n=188). Os critérios de exclusão incluíram institucionalização, doença mental ou do desenvolvimento, doença genética ligada à obesidade (síndrome de Prader Willi, Cushing, hipotiroidismo) ou incapacidade/recusa em compreender o questionário.

Este estudo foi desenvolvido numa Unidade de Saúde Familiar (USF) da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), durante o ano de 2022.

Instrumentos e Procedimentos

Aquando da deslocação à USF, as crianças e seus cuidadores foram convidados a participar pelo profissional de saúde de contacto. Caso aceitassem, era aplicado o consentimento informado por um dos investigadores, e recolhidas as respostas ao questionário. Foram avaliadas as medidas antropométricas das crianças (peso, em quilogramas, e a altura, em metros), e calculado o índice de massa corporal (IMC, em kg/m2) que posteriormente permitiu a sua categorização de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde (Percentil (P) ≥3 e <P85 - normoponderal; ≥P85 e <P97 - EP; ≥97 obesidade).9,10

A perceção da imagem corporal foi aferida utilizando a Escala de Silhuetas de Collins (1991), validada para as crianças e adolescentes portugueses.11 Este questionário tem 7 imagens corporais masculinas e femininas, progressivamente maiores, desde a magreza (silhueta 1) à obesidade (silhueta 7), correspondendo as figuras intermédias a peso normal (Figs. 2 a 4) e a EP (Figs. 5 e 6).11 Foi solicitado às crianças que selecionassem a imagem que corresponderia à perceção da sua imagem corporal atual (imagem real) e à desejada (imagem ideal). Utilizando esta escala, as mesmas questões sobre a perceção da imagem das crianças foram colocadas aos cuidadores, havendo diferenciação entre o tipo de cuidador (pais versus outros).

Análise Estatística

Foi realizada uma análise descritiva das medidas de frequência absoluta e relativa no total e por sexo. Para comparar as categorias de IMC entre as imagens entre os sexos foi realizado um teste Qui-quadrado. Para avaliar as diferenças entre as categorias de IMC e as silhuetas escolhidas pelas crianças e pelos cuidadores foi aplicado um teste de Wilcoxon. Assumiu-se um nível de significância estatística de 0,05 e intervalos de confiança de 95%. Para realizar a análise estatística foi utilizada a versão 27 do programa IBM SPSS.

Considerações Éticas

O protocolo de estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da ARSLVT (ofício 147/CES/2023) e foram obtidos consentimentos informados de todos os cuidadores e das crianças que participaram no estudo.

Resultados

Do total das 188 crianças convocadas para realizar a vacinação dos 10 anos, foram conseguidos 131 questionários válidos (Fig. 1).

Figura 1.  Fluxograma de seleção da amostra de estudo. 

A maioria dos participantes eram do sexo feminino (62,6%), e estavam acompanhadas pelos pais (94,9%). Cerca de 40% das crianças tinham EP (incluindo obesidade), e 17% apresentavam obesidade (Tabela 1).

Tabela 1 Imagens reais e ideais selecionadas pelas crianças e pelos cuidadores, em função da categoria do IMC. 

Categoria IMC → Normal (n=77) Excesso de peso (=32) Obesidade (n=22) Total (n=131)
Imagens↓ N % N % N % N %
Criança (n=131)
Real (n=131)
Baixo peso 2 2,6 0 - 0 - 2 1,53
Normoponderal 72 93,51 15 46,88 4 18,18 91 69,47
Excesso de peso 3 3,9 17 53,13 17 77,27 37 28,24
Obesidade - - - - 1 4,55 1 0,76
Ideal (n=131)
Baixo peso 3 3,9 1 3,13 1 4,55 5 3,82
Normoponderal 70 90,91 29 90,63 21 95,45 120 91,6
Excesso de peso 4 5,19 2 6,25 - - 6 4,58
Cuidador (n=131)
Real (n=131)
Normoponderal 76 98,7 22 68,75 5 22,73 103 78,63
Excesso de peso 1 1,3 10 31,25 17 77,27 28 21,37
Ideal (n=131)
Normoponderal 77 100 31 96,88 22 100 130 99,24
Excesso de peso - - 1 3,13 - - 1 0,76

Legenda: Frequências relativas das imagens reais e ideais das crianças, em função da categoria do IMC - % calculada tendo em conta o nº total de crianças de cada categoria de IMC. As cores verde, amarelo e vermelho correspondem, respetivamente, aos indivíduos cuja imagem real/real corresponde, subestima e sobrestima o IMC. Categorias das imagens de acordo com a escala das silhuetas de Collins: baixo peso - 1; normoponderal - 2 a 4; excesso de peso - 5 e 6; obesidade - 7. Categoria da IMC (OMS): Peso normal - percentil (P) ≥3 e <85; excesso de peso - ≥P85 e <P97; obesidade - ≥P97.

Comparação do IMC com a Imagem Real

No que diz respeito à comparação do IMC calculado com a imagem real selecionada, 45,04% das crianças e 52,67% dos cuidadores escolheram silhuetas correspondentes aos IMC; 38,93% das crianças e 25,19% dos cuidadores subestimaram as suas imagens reais e, por fim, 16,03% das crianças e 22,14% dos cuidadores sobrestimaram as imagens reais face aos IMC das crianças (Tabelas 1 e 2).

Tabela 2 Comparações entre categoria IMC e as imagens utilizando o Teste de Wilcoxon.  

Comparações N % Rank Sum of ranks z Valor-p
Criança - criança
Real < IMC 21 16,03 34,93 733,50 -3,548 <0,001*
Real > IMC 51 38,93 37,15 1894,50
Real = IMC 59 45,04
Ideal < IMC 52 39,69 43,35 2254,00 -3,447 <0,001*
Ideal > IMC 27 20,61 33,56 906,00
Ideal = IMC 52 39,69
Ideal < real 63 48,09 42,03 2648,00 -5,698 <0,001*
Ideal > real 15 11,45 28,87 433,00
Ideal = real 53 40,46
Cuidador - cuidador
Real < IMC 29 22,14 30,57 886,50 -0,705 0,481
Real > IMC 33 25,19 32,32 1066,50
Real = IMC 69 52,67
Ideal < IMC 42 32,06 34,60 1453,00 -3,021 0,003*
Ideal > IMC 22 16,79 28,50 627,00
Ideal = IMC 67 51,15
Ideal < real 41 31,30 33,20 1361,00 -3,3130 0,002*
Ideal > real 20 15,27 26,50 530,00
Ideal = real 70 53,44
Cuidador - criança
Real < real 45 34,35 37,58 1691,00 -2,819 0,005*
Real > real 25 19,08 31,76 794,00
Real = real 61 46,56
Ideal < ideal 24 18,32 34,54 829,00 -1,503 0,133
Ideal > ideal 40 30,53 31,28 1251,00
Ideal = ideal 67 51,15

Legenda: verde - correspondência na escolha das imagens/IMC, amarelo - subestimar as imagens e vermelho - sobrestimar as images/IMC. *- valores estatisticamente significativos (p<0,05).

Comparação do IMC com a Imagem Ideal

Comparando o IMC com a seleção de silhuetas ideais (Fig. 2), 39,69% das crianças e 32,06% dos cuidadores referiu preferir uma imagem de uma silhueta inferior. Das crianças, 44,74% tinham obesidade e desejavam ter EP, 39,47% tinham EP e desejavam ter um IMC normal, 10,53% tinham obesidade e desejavam ter peso normal e 5,26% tinham IMC normal e desejavam ter baixo peso. Cerca de 3% das crianças que tinham IMC normal, referiu desejar ter uma imagem de uma silhueta superior, correspondente a EP. Dos adultos que referiram preferir uma imagem da criança com uma silhueta de uma categoria inferior, 58,49% e 41,51% eram, respetivamente, cuidadores de uma criança com EP e obesidade e referindo que esta devia ter uma silhueta normoponderal (Tabelas 1 e 2).

Existem diferenças estatisticamente significativas entre a categoria de IMC e as imagens (real e ideal) escolhidas pelas crianças (p<0,001 e p<0,001, respetivamente), entre as categorias de IMC e a imagem ideal escolhida pelos cuidadores (p=0,003) e entre as imagens reais e ideais selecionadas pelas crianças (p<0,001). Adicionalmente, existem diferenças entre as imagens reais selecionadas entre cuidadores e crianças (p=0,005) (Tabela 1 e Fig. 2).

Figura 2.  Comparação das imagens escolhidas pelas crianças e os seus cuidadores em função do IMC (A) e em função do sexo. (F - feminino; M - masculino) (B). 1 - Baixo peso; 2 a 4 - normoponderal; 5 e 6 - excesso de peso; 7 - obesidade. 

Comparação IMC com as Imagens, por Sexo

Não houve diferença estatisticamente significativa dos IMC entre sexos (p=0,19) (Tabelas 3 e 4). Os cuidadores selecionaram imagens reais diferentes entre sexos (p=0,04). Não houve diferença entre sexos na seleção das imagens real (p=0,17) e ideal (p=0,56) pelas crianças e da imagem ideal pelos cuidadores (p=0,44).

Tabela 3 Imagens reais e ideais selecionadas pelas crianças e pelos cuidadores, em função do IMC, por sexo. 

Sexo (criança) Feminino (n=82) Masculino (n=59)
Categoria IMC → Imagens↓ Normal (n=53) Excesso de peso (n=18) Obesidade (n=11) Normal (n=24) Excesso de peso (n=14) Obesidade (n=11)
n % n % n % n % n % n %
Criança(n=131)
Real
Baixo peso 1 1,89 -   - - 1 4,17 - - - -
Normoponderal 51 96,23 9 50 2 18,18 21 87,50 6 42,86 2 18,18
Excesso de peso 1 1,89 9 50 8 72,73 2 8,33 8 57,14 9 81,82
Obesidade - - - - 1 9,09 - - - - -
Ideal
Baixo peso 1 1,89 - - 1 9,09 2 8,33 1 7,14 - -
Normoponderal 50 94,34 16 88,89 10 90,91 20 83,33 13 92,86 11 100,00
Excesso de peso 2 3,77 2 11,11 - - 2 8,33 - - - -
Cuidador(n=131)
Real
Normoponderal 52 98,11 14 77,78 3 27,27 24 100,00 8 57,14 2 18,18
Excesso de peso 1 1,89 4 22,22 8 72,73 - - 6 42,86 9 81,82
Ideal
Peso normal 53 100 17 94,44 11 100 24 100,00 14 100 11 100

Legenda: Frequências relativas das imagens reais e ideais das crianças e em função da categoria do IMC, por sexo - % calculada tendo em conta o nº total de crianças de cada categoria de IMC por sexo. As cores verde, amarelo e vermelho correspondem, respetivamente, aos indivíduos cuja imagem real/real corresponde, aos que subestima e sobrestima o IMC. Categorias das imagens de acordo com a escala das silhuetas de Collins: baixo peso - 1; normoponderal - 2 a 4; excesso de peso - 5 e 6; obesidade - 7. Categoria da IMC (OMS): Peso normal - percentil (P) ≥3 e <85; excesso de peso - ≥P85 e <P97; obesidade - ≥P97.

Tabela 4 Comparações entre sexos na seleção das imagens pelas crianças e pelos cuidadores. 

Testes qui-quadrado de Pearson
Sexo
Criança: imagem real
Qui-quadrado 4,998
gl 3
Sig. 0,172
Criança: imagem ideal
Qui-quadrado 1,161
gl 2
Sig. 0,560
Cuidador: imagem real
Qui-quadrado 3,975
gl 1
Sig. 0,046*
Cuidador: imagem ideal  
Qui-quadrado 0,602
gl 1
Sig. 0,438

*. A estatística qui-quadrado é significativa no nível 0,05.

Discussão

A amostra selecionada apresentou um número de indivíduos com EP (incluindo obesidade) (41%) e obesidade (18%) discretamente acima do esperado (20%-40% e 10%-15%, respetivamente).10 Estes achados poderão dever-se ao facto de a amostra selecionada coincidir com a faixa etária infantil com maior prevalência de obesidade e EP. Teria sido interessante avaliar a escolaridade dos progenitores, o estatuto socioeconómico ou aspetos demográficos que poderiam ajudar a explicar esta discrepância.4,9,10

Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre sexos, resultado que atribuímos ao tamanho amostral. Não obstante, existem estudos que descrevem que as raparigas portuguesas nesta faixa etária tendem a ter uma melhor perceção da sua imagem corporal, podendo este resultado estar relacionado com o facto de a puberdade acontecer mais cedo do que nos rapazes e ser responsável pelo aumento da preocupação com a imagem corporal, bem como com a maior pressão social que existe sobre a imagem feminina.12,13

Neste estudo cerca de um terço das crianças e dos cuidadores não tiveram uma ideia correta da imagem real da criança (Tabela 1). Destes, a maioria subestimou e apenas cerca de 2% sobrestimou a imagem corporal. Este último grupo de crianças deve ser alvo de preocupação dos profissionais de saúde por eventual risco de perturbação da imagem corporal.14 As crianças que subestimam o peso tendo EP ou obesidade (27,48%) demonstram não ter correta autoperceção da sua imagem, o que pode constituir um problema na medida em que a inexistência de consciência para o problema poderá dificultar a implementação de medidas de controlo de peso. Não obstante, ao identificar estas crianças encontramos uma oportunidade para atuar também neste aspeto. Adicionalmente, alguns autores propõem que os valores de referência da escala de Collins para o EP e obesidade (a partir da silhueta 5) variam a cada meio ano entre os 2 e os 18 anos, assumindo que este deve ser ajustado à idade e sexo.13

Os cuidadores influenciam as escolhas e os estilos de vida das crianças de 10 anos.5 Neste estudo, 34% dos cuidadores subestimaram o peso real das crianças sendo que, deste grupo, todas elas tinham EP ou obesidade (Tabela 1). A incapacidade do cuidador de reconhecer o EP e a obesidade poderá constituir, a nosso ver, parte da razão pela qual a criança não tem um IMC normal. Consideramos, pois, que conhecer estes resultados revela a necessidade de dirigir intervenções para capacitação/aumento da literacia em saúde e sobre hábitos de vida saudáveis aos cuidadores.

Neste estudo, interpretou-se a correspondência entre o IMC e a seleção de silhuetas ideais como a existência de satisfação com a imagem corporal (Tabela 2). Apesar de 55% das crianças e quase 60% dos adultos se terem mostrado satisfeitos com as silhuetas, 42% das crianças e 40% dos cuidadores referiu desejar silhuetas inferiores. Destes, constatámos que todos os adultos e a maioria das crianças revelaram ter noção de que quando as crianças apresentavam EP ou obesidade deviam ter um peso normal, o que considerámos poder ser uma oportunidade para intervenção, pelos motivos já supramencionados. Não obstante, 5% das crianças normoponderais queriam ter baixo peso, o que nos remete para a problemática das perturbações do comportamento alimentar (Tabela 1).15,16

Forças e Limitações

O EP e a obesidade infantis são temas relevantes pela sua magnitude e transcendência. Neste estudo, a análise das perceções sobre estas condições poderá ter contribuído para identificar as crianças mais suscetíveis à mudança - as que manifestam desejo de mudança e cujos cuidadores reconhecem o EP/obesidade. Adicionalmente, a metodologia selecionada poderá ter aplicação na identificação de crianças normoponderais com desejo de baixo peso, grupo em quem reconhecemos a necessidade de melhor avaliar o potencial risco de perturbação dismórfica corporal e do comportamento alimentar.

Neste estudo foi utilizado um questionário validado para a população de crianças e adolescentes portugueses, o que constitui uma vantagem a favor da robustez dos resultados. No entanto, o mesmo questionário foi utilizado para avaliar a perceção dos cuidadores, o que pode contribuir para a perda de robustez dos dados sobre as perceções dos cuidadores. Admite-se ainda que o facto de os questionários das crianças terem sido respondidos na presença dos seus cuidadores e do profissional de saúde, ainda que individualmente, pode ter influenciado as respostas das mesmas em relação às suas autoperceções.

A amostra não é representativa da população geral, ou da população do concelho de residência/agrupamento de centros de saúde. Não obstante, permite caracterizar a população de crianças de 10 anos desta unidade e as tendências em relação às perceções/desejos sobre as suas, e dos seus cuidadores, imagens corporais. Poderia ter sido interessante recolher dados sociodemográficos (sexo, idade, biometrias e escolaridade) sobre os cuidadores, de modo a compreender se estes fatores têm influência no estado nutricional das crianças e na perceção corporal. Não foi possível tecer conclusões acerca das perceções entre as diferentes categorias de cuidadores, não só porque a grande maioria eram pais (95%), mas também, eventualmente, devido ao número de indivíduos da amostra.

O envolvimento de todos os profissionais de saúde no recrutamento das crianças aquando da vacinação constituiu uma vantagem na colheita dos dados, apesar de não excluirmos uma maior variabilidade das medições (pessoas diferentes e instrumentos de medição diferentes). Além disso, admitimos que algumas das crianças convocadas para vacinação possam não ter sido convidadas a participar no estudo pelo facto dos procedimentos não estarem bem sistematizados nas fases iniciais.

Conclusão

Um terço dos cuidadores das crianças de 10 anos com EP e obesidade da unidade em estudo não tem uma correta perceção da imagem corporal da sua criança, o que pode constituir uma dificuldade no processo de reconhecimento e consequente atuação na resolução do EP e obesidade das crianças. Um terço das crianças tem uma noção errada acerca da sua imagem corporal, facto que pode ser explicado pela fase do desenvolvimento em que se encontram e pela influência da perceção que os próprios cuidadores têm delas. A maioria das crianças com EP e obesidade e todos os cuidadores reconhecem que estas devem ter uma imagem de uma categoria inferior, facto que identificamos como uma oportunidade de intervenção. Adicionalmente, a metodologia utilizada permitiu identificar crianças que, tendo um peso normal, desejavam ter um peso menor, um problema a ter em consideração.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos profissionais da USF, que apoiaram e possibilitaram a execução deste estudo, ao Dr. Ricardo Marques Sá pela partilha da ideia e pelo apoio dado e à Dra. Teresa Raposo pela participação no desenho do estudo e na recolha de dados.

Referências

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Declaração de Contribuição/Contributorship Statement

CP: Desenho de estudo, recolha de dados, discussão dos resultados, redação e revisão do artigo

OC: Recolha de dados, discussão dos resultados, redação e revisão do artigo

MO: Análise e interpretação dos dados, discussão dos resultados, redação e revisão do artigo

CP e LA: Desenho de estudo, recolha de dados e revisão do artigo

CP: Study design, data collection, discussion of results, writing and article review

OC: Data collection, discussion of results, writing and article review

MO: Data analysis and interpretation, discussion of results, writing and article review

CP and LA: Study design, data collection and article review

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Pessoas e Animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pela Comissão de Ética responsável e de acordo com a Declaração de Helsínquia revista em 2013 e da Associação Médica Mundial.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

Ethical Disclosures

Conflicts of Interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship.

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki as revised in 2013).

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer reviewed.

Recebido: 12 de Abril de 2023; Aceito: 19 de Julho de 2023; : 15 de Setembro de 2023; Publicado: 30 de Setembro de 2023

Autor Correspondente/Corresponding Author: Catarina Pinhão ENT#091;Catarina Pinhão@arslvt.min-saude.ptENT#093; ORCID iD: 0000-0002-8249-829X

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