SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Violência doméstica contra a mulher: conhecimentos e atitudes do enfermeiro da urgênciaAnsiedade associada ao desempenho do papel de cuidador familiar de pessoa dependente índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Investigação & Inovação em Saúde

versão impressa ISSN 2184-1578versão On-line ISSN 2184-3791

RIIS vol.4 no.2 Oliveira de Azeméis dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.37914/riis.v4i2.166 

Artigos de investigação

Tutoria por pares na educação em enfermagem: a voz dos tutores

Peer tutoring in nursing education: the voice of tutors

Tutoría entre pares en educación en enfermería: la voz de los tutores

Cláudia Augusto1 

Goreti Mendes1 

Ermelinda Macedo1 

Manuela Machado1 

Analisa Candeias1 

Paula Encarnação1 

Teresa Freire1 

Odete Araújo1 

1Phd, Escola de Enfermagem da Universidade do Minho, 4710-057 Braga, Portugal


Resumo

Enquadramento:

as experiências pedagógicas que envolvem tutoria por pares têm sido cada vez mais diversificadas. No caso do ensino de enfermagem, a tutoria tem registado um aumento significativo. O presente estudo insere-se num Projeto de Inovação e Desenvolvimento do Ensino e da Aprendizagem - Tutorias por pares em contexto académico de Enfermagem (TutorParE). Tem como finalidade a promoção de estratégias pedagógicas inovadoras e promotoras do desenvolvimento de competências académicas e transversais nos estudantes do ensino superior.

Objetivos:

analisar a experiência dos tutores sobre a tutoria académica no ensino de enfermagem.

Metodologia:

o estudo desenvolvido, qualitativo, exploratório e descritivo, envolveu onze estudantes tutores do 4.º ano do curso de licenciatura em enfermagem, numa Unidade Curricular do 1.º ano do curso.

Resultados:

emergiram duas categorias: (1) desenvolvimento pessoal e; (2) aprendizagem colaborativa. A estratégia de tutoria por pares foi considerada útil na aquisição de conhecimentos e de competências nos estudantes, facilitando o desenvolvimento pessoal e a aprendizagem colaborativa.

Conclusão:

os achados reforçam a importância da adoção de práticas pedagógicas ativas e inovadoras, baseadas na tutoria por pares.

Palavras chave: tutoria; enfermagem; estudantes; aprendizagem

Abstract

Background:

pedagogical experiences involving peer tutoring have been increasingly diversified. In the case of nursing education, tutoring has registered a significant increase This study is integrated in Project for Innovation and Development of Teaching and Learning - Peer tutoring in the academic context of nursing (TutorParE). It aims to promote innovative pedagogical strategies in order to facilitate both the development of academic and transversal skills in nursing students.

Objectives:

analyze the experience of tutors on academic tutoring in nursing education.

Methodology:

this study, qualitative, exploratory and descriptive design enrolled eleven students from the 4th year of the nursing degree in one discipline of the 1st year.

Results:

two categories emerged from the Results: (1) personal development and; (2) collaborative learning. The strategy adopted in peer tutoring in nursing education was considered useful to enhance the acquisition of students' knowledge and skills, allowing personal development and collaborative learning.

Conclusion:

the findings achieved reinforce the importance of adopting active and innovative pedagogical practices, based on peer tutoring.

Keywords: tutoring; nursing; students; learning

Resumen

Marco contextual:

las experiencias pedagógicas que involucran la tutoría entre pares se han diversificado cada vez más. En el caso de la formación en enfermería, la tutoría ha registrado un aumento significativo. Este estudio es parte de un Proyecto de Innovación y Desarrollo para la Enseñanza y el Aprendizaje - Tutoría entre pares en el contexto académico de enfermería (TutorParE). Su propósito es promover estrategias pedagógicas innovadoras que promuevan el desarrollo de habilidades académicas y transversales en los estudiantes de Educación Superior.

Objetivo: analizar la experiencia de los tutores en la tutoría académica en la educación en enfermería.

Metodologia:

este estudio, cualitativo, exploratorio y descriptivo involucró a once estudiantes de cuarto año de la carrera de Enfermería en una matéria de primero ano.

Resultados:

surgieron dos categorías: (1) desarrollo personal y; (2) aprendizaje colaborativo. La estrategia de tutoría entre pares se consideró útil para mejorar la adquisición de conocimientos y habilidades de los estudiantes al permitir su desarrollo personal al tiempo que mejora el aprendizaje colaborativo.

Conclusiones:

los hallazgos son pistas válidas que refuerzan la importancia de adoptar prácticas pedagógicas activas e innovadoras, basadas en la tutoría entre pares.

Palabras clave: tutoría; enfermería; estudiantes; aprendizaje

Introdução

A tutoria por pares, frequentemente utilizada no ensino de enfermagem, compreende uma relação entre dois estudantes em estadios de aprendizagem diferentes (Hawkins & Fontenot, 2010). Assenta na ideia de que um estudante num estadio mais inicial da sua formação sentir-se-á mais confortável e seguro ao abordar um colega (tutor), com idade e status aproximados, em contexto de aprendizagem, em detrimento do professor, cujo papel está frequentemente associado à figura de avaliador do processo de ensino aprendizagem (Bulut, Hisar, & Demir, 2010). Em contextos laboratoriais e de simulação o estudante tem oportunidade de executar procedimentos técnicos, sem receio de falhar, num ambiente de aprendizagem colaborativo, que o ajudará a adquirir progressivamente maior confiança nas suas capacidades, facilitando o desenvolvimento de competências práticas (Kim, Jillapali & Boyd, 2021). Promove uma aprendizagem mais significativa e a transferência de competências comunicacionais para as experiências clínicas (Svellingen, Røssland, & Røykenes, 2021).

A implementação de programas de tutoria por pares no ensino de enfermagem, focadas em abordagens centradas no estudante, são muito relevantes para o desenvolvimento da autonomia, do pensamento crítico e da responsabilidade profissional do futuro enfermeiro.

Com o propósito de analisar a experiência dos tutores que realizaram tutorias em contexto académico do ensino de enfermagem, foi desenvolvido o presente estudo de natureza qualitativa.

Enquadramento/fundamentação teórica

Os programas de tutoria têm sido descritos como uma estratégia, centrada no estudante, que permite melhorar a sua aprendizagem e o seu desempenho académico, potencia o desenvolvimento de competências transversais, como o trabalho em equipa e as relações interpessoais, promove a motivação e o crescimento pessoal de todos os envolvidos no processo, tutores e tutorandos (Kim, Jillapali & Boyd, 2021). Têm sido amplamente adotados no ensino superior e configuram uma estratégia importante de facilitação da integração dos estudantes do primeiro ano, ajudando-os nessa transição. Constituem uma oportunidade de construção identitária, podendo os tutores ser um “modelo” para os seus tutorandos que, por sua vez, desenvolvem competências intelectuais e emocionais (Freire & Beiramar, 2017; Hall & Jaugietis, 2011). São facilitadoras de realização, em contextos gerais de vida, ao permitirem o contacto com experiências desenvolvimentais positivas, o desenvolvimento da auto complexidade, e que conferem um elevado sentido de autoeficácia (Freire & Beiramar, 2017).

Kim e colaboradores (2021) reportam a satisfação do tutor e do tutorando com as sessões de tutoria, a criação de um ambiente promotor da aprendizagem, o fornecimento de feedback útil, a comunicação efetiva tutor/tutorando e a melhoria da capacidade na resolução de problemas.

Tendo em conta as vantagens enunciadas, surge o projeto “Tutorias por pares em contexto académico de enfermagem” (TutorParE) desenvolvido na Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho.

Metodologia

O presente estudo, de carácter exploratório e descritivo, insere-se no paradigma de investigação qualitativa. Envolveu a participação de 11 estudantes do 4.º ano, finalistas do Curso de Licenciatura em Enfermagem (CLE), que assumiram o papel de tutores dos seus pares, estudantes do 1.º ano do mesmo curso, no âmbito do projeto TutorParE.

O projeto TutorParE, inovador no ensino de enfermagem, foi financiado por um Programa de Apoio a Projetos de Inovação e Desenvolvimento do Ensino e da Aprendizagem. Foi implementado no ano letivo 2018/2019. A tutoria decorreu ao longo de 20 horas de aulas de prática laboratorial no âmbito da Unidade Curricular (UC) Fundamentos de Enfermagem II, do 1º ano, 2º semestre do CLE e de uma UC do último semestre do mesmo curso (4º ano, 2º semestre), Estágio de Integração à Vida Profissional. Integraram este projeto 85 estudantes do 1.º ano (tutorandos); 11 estudantes do 4.º ano, finalistas (tutores) e 4 docentes da equipa pedagógica da UC do 1.º ano.

Previamente a este projeto, havia já sido desenvolvida uma experiência piloto no ano letivo 2017/2018, experiência que motivou a continuidade de implementação da estratégia pedagógica e da qual emergiram contributos para o aprimoramento da mesma para o ano letivo subsequente. A avaliação feita dessa experiência, permitiu chegar a algumas conclusões qualitativas interessantes tendo sido, o número reduzido de tutores, um aspeto apreciado de forma menos favorável pelos tutorandos, o que desafiou a refletir sobre novas estratégias de captação de tutores, de forma a ampliar a iniciativa.

À data da realização da tutoria, os tutores, encontravam-se a realizar uma UC de estágio a qual, no projeto individual do estudante, valoriza o desenvolvimento de competências académicas e transversais (nomeadamente o trabalho em equipa, a relação interpessoal, capacidade de liderança, entre outras) decorrentes de várias experiências. Sendo este estágio a última UC do CLE, estas competências revestem-se de particular importância, uma vez que correspondem em parte às competências requeridas pelo órgão regulador da profissão de enfermagem em Portugal (Ordem dos Enfermeiros) no Perfil de Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais (Ordem dos Enfermeiros, 2011)

Aquando da realização do estágio, os estudantes tutores encontravam-se dispersos por diferentes instituições de saúde, algumas das quais distantes geograficamente do campus universitário onde decorreram as práticas laboratoriais do 1.º ano. O exercício do papel de tutor implica a deslocação destes estudantes ao campus, variável que influenciou a captação de tutores na experiência piloto desenvolvida.

O financiamento do projeto veio permitir colmatar o constrangimento identificado, ao possibilitar, pela via da gratificação, ou seja, ao suportar os custos acrescidos decorrentes das deslocações dos estudantes tutores ao campus, ampliar os benefícios da experiência, com maior expressão do número de tutores.

O exercício do papel de tutores obedeceu a critérios previamente estabelecidos pela equipa pedagógica e de investigação. Puderam candidatar-se de forma livre, os estudantes com manifesto interesse em ser tutor e a participar no projeto, com aproveitamento em 180 ECTS e média de curso ≥ 14 valores. Estes estudantes frequentaram 6h de formação de preparação que versou, por um lado, a caraterização da UC onde decorreriam as sessões de tutoria e, por outro, orientações para o desempenho do papel de tutor, designadamente preparação teórica para as sessões, comunicação com o tutorando, responsabilidade com o planeamento, entre outros. Para melhor se enquadrarem nos conteúdos teóricos que estavam a ser lecionados na UC do 1.º ano, os estudantes tutores foram inscritos na mesma, na plataforma digital, com o perfil de estudante convidado.

A função de cada tutor foi mediada por um docente da equipa pedagógica da UC do 1.º ano. Aquando da abordagem dos conteúdos teóricos pelo docente, foi permitido ao tutor assistir à lecionação destes conteúdos para que, de uma forma concertada, pudesse posteriormente sustentar as aulas de prática laboratorial. Cada tutor realizou sessões de tutoria a grupos de 10 a 12 tutorandos, ao longo de 20 horas letivas da UC do 1.º ano. Nas aulas de prática- laboratorial, o tutor participou nas atividades de simulação, adequação e treino de procedimentos técnicos, bem como, esclarecimento de dúvidas. A participação dos tutores incluiu ainda, complementarmente, testemunhos de experiências de aprendizagem, de prática clínica e vivências académicas.

Os docentes envolvidos no projeto participaram também em sessões de formação sobre tutoria por pares e qual o papel do docente na promoção da aprendizagem de tutores e tutorandos. Cada tutor acompanhou um docente vinculado às aulas práticas laboratoriais dos estudantes do 1.º ano. Esta experiência pedagógica decorreu entre fevereiro e maio de 2019.

No final das sessões de tutoria, foi solicitado que docentes, tutores e tutorandos efetuassem uma apreciação global qualitativa da participação na experiência. Os resultados deste estudo dizem respeito aos dados obtidos da avaliação qualitativa dos estudantes tutores.

Os tutores foram convidados a responder através da ferramenta formulário da plataforma Google Forms, à questão “De um modo geral, que apreciação faz da sua experiência como tutor?” Os tutores foram sensibilizados para a importância de integrar o estudo de forma voluntária, tendo sido assegurado o anonimato e a confidencialidade dos dados, bem como todos os princípios éticos previstos em estudos de investigação científica.

A informação foi analisada tendo por base os pressupostos da análise de conteúdo de Bardin (2018). Recorreu-se à utilização de dois códigos: (1) o código (...) significa um corte na narrativa sem significado relevante para a interpretação dos dados, ou seja, não compromete a interpretação e a compreensão dos mesmos; e, (2) recorreu-se à utilização de um código de dois dígitos composto por uma letra, letra E (de estudante) e um número decimal que corresponde à ordem pela qual foi obtida a resposta. Assim obteve-se E1, E2, E3, …E11, que corresponde ao número total de estudantes participantes.

Resultados

Recolheram-se respostas de 8 tutores participantes. A maioria é do género feminino (87,4%), com uma idade média de 22 anos.

Da análise dos dados, relativamente à questão aberta “De um modo geral, que apreciação faz da sua experiência como tutor?” resultou um conjunto de linhas discursivas que foram agrupadas em duas categorias: (i) Desenvolvimento Pessoal e (ii) Aprendizagem colaborativa.

Toda a informação foi analisada tendo por base os pressupostos da análise de conteúdo de Bardin (2018) o que permite a explicitação e sistematização do conteúdo das respostas, a categorização dos dados, com base nas seguintes fases: i) a pré-análise; ii) a exploração do material; iii) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Nesta análise, o critério de categorização adotado foi o semântico, originando categorias temáticas que foram criadas à posteriori, ou seja, tomaram forma no curso da própria análise, respeitando as características específicas definidas por Bardin (2018): exclusão mútua; homogeneidade; objetividade, fidelidade e produtividade. De referir, ainda, que o processo de categorização teve por base a análise indutiva e pormenorizada levada a cabo por dois investigadores independentes. A evidência dos resultados é visível na Tabela 1.

Tabela 1 Categorias emergentes (“desenvolvimento pessoal” e “aprendizagem colaborativa”) e respetivas unidades de análise 

Os resultados mostraram, que os estudantes tutores envolvidos nas atividades de tutoria experimentaram sentimentos de gratificação e realização, mas também de responsabilidade e autonomia, resultados que refletem o contributo no seu próprio desenvolvimento pessoal, mas também dos estudantes que acompanharam.

Os estudantes tutores reconheceram, na sua maioria, que da interação entre tutores e tutorandos resulta uma aprendizagem colaborativa sendo por meio da participação de todos os intervenientes que se realiza o processo de construção coletiva do conhecimento.

Discussão

Em consonância com outras investigações, os estudantes tutores participantes deste estudo reconheceram que a tutoria por pares traz genericamente contributos para o seu desenvolvimento de competências (Bulut et al., 2010; Sim-Sim, Marques, Frade, & Chora, 2013).

Relativamente ao desenvolvimento pessoal, este pressupõe o crescimento de habilidades pessoais que potenciam o conhecimento humano. A par da gratificação monetária, a participação voluntária dos tutores determinou a motivação e o envolvimento na experiência pedagógica. Alguma da investigação desenvolvida sobre as experiências de tutoria sugere que os estudantes mais motivados e mais envolvidos nestas atividades, experimentam sentimentos de gratificação e realização, ajudando, por um lado, os tutorandos no processo de aprendizagem e, por outro, na atribuição de um maior sentido à sua vida profissional (Dennison, 2010).

A experiência de tutoria é compreendida pelos tutores como uma oportunidade de desenvolverem capacidades como a confiança, o sentido de responsabilidade e a liderança. Os estudos desenvolvidos por Dennison (2010); Ford (2015); Hall e Jaugietis (2011) e Rosenau e colaboradores (2015), suportam esta ideia ao afirmarem que o processo de tutoria traduz maior autoconfiança, sentido de responsabilidade e desenvolvimento intelectual nos tutores que participam em experiências desta natureza.

Tratando-se de tutoria académica, os tutores reportaram que esta prática pedagógica constituiu uma exigência pessoal, que gerou simultaneamente aprendizagem para o próprio tutor, nomeadamente ao nível da comunicação e da mobilização de conhecimentos técnicos. Alguma investigação desenvolvida sobre as experiências de tutoria por pares no ensino superior, demonstra o impacto das experiências de tutoria na melhoria generalizada do desempenho académico do tutor (Aponte et al., 2015; Rosenau et al., 2015; Tabloski, 2016).

Ao assumir o papel de tutores, os estudantes de enfermagem experimentam auto crescimento e desenvolvem competências de liderança, representando uma aproximação ao exercício do seu papel enquanto futuros enfermeiros (Ford, 2015; Rosenau et al., 2015). Estes dados são corroborados por James e colaboradores (2014) ao revelarem que os tutores expressam, frequentemente, sentido de crescimento e de maturidade pessoal, constituindo a vivência de tutoria em enfermagem uma verdadeira gratificação para os tutores, tal como os participantes deste estudo. James e colaboradores (2014) consideram o treino de competências comunicacionais como um dos principais benefícios deste tipo de programas, na medida em que envolve habilidades básicas de comunicação destacando o feedback, a capacidade de auscultar ou mesmo a capacidade de ouvir uma questão sem influenciar a resposta.

No que concerne à aprendizagem colaborativa, metodologia de ensino pautada pela interação, colaboração e participação ativa dos estudantes, é reconhecido o seu potencial de promover uma aprendizagem mais ativa por meio do estímulo, particularmente, ao nível do pensamento crítico (Pereira, 2017; Rosenau et al., 2015; Torres & Irala, 2014) e do desenvolvimento de competências de interação, de resolução de problemas e do desenvolvimento da capacidade de autorregulação do processo de ensino-aprendizagem (Torres & Irala, 2014). Numa visão mais ampla do que significa aprendizagem colaborativa, estes autores advogam que é esperado que a aprendizagem ocorra como efeito paralelo a uma interação entre os pares que trabalham num processo de interdependência na resolução de problemas ou na realização de tarefas propostas pelo tutor, conduzindo deste modo a uma aprendizagem mais eficiente, em vez de competitiva e isolada (Torres & Irala, 2014). A aprendizagem colaborativa é um processo partilhado entre os estudantes e mediado pelo docente que, além de fomentar a interação e a colaboração promove o desenvolvimento do grupo, o desenvolvimento da autonomia, da aprendizagem pelo processo de interação e o desenvolvimento da responsabilidade sobre a sua própria aprendizagem (Klein & Vosgerau, 2018). A aprendizagem colaborativa tem vindo a ser usada, há já algum tempo no ensino superior e os achados deste estudo revelaram que participação em programas de tutoria por pares na educação em enfermagem traz benefícios e desafios para os estudantes tutores e tutorandos. Os estudantes tutores, participantes neste estudo, reconheceram que todos os envolvidos são agentes ativos que contribuem para a construção do conhecimento mútuo. Também na perspetiva de Klein & Vosgerau (2018), a prática de aprendizagem colaborativa permite que docentes e estudantes construam em conjunto a aprendizagem e compartilhem conhecimentos e experiências. O professor assume também um papel fundamental em todo o processo, na medida em que deve proporcionar aos tutores o acesso ao maior conhecimento possível, é esperado que os estudantes compreendam bem o que estão a estudar, com o máximo de profundidade possível (Pereira, 2017).

Um dos tutores classificou esta experiência como focada, despertando o interesse por aprender com alguém que já enfrentou desafios semelhantes. O envolvimento dos participantes e a troca de experiências, na perspetiva de Brody e colaboradores (2016) será tão melhor conseguida se realizada por quem já passou pela experiência, ou seja, por quem está familiarizado com as exigências do curso e os desafios académicos do mesmo.

Da interação entre tutores e tutorandos resulta uma construção coletiva, sendo por meio da participação de todos os que interagem entre si que se realiza o processo de construção do conhecimento (Torres & Irala, 2014). Como referem Rosenau e colaboradores (2015), a tutoria por pares promove a maturidade e a responsabilidade dos tutores e, por conseguinte, competências de liderança, essenciais ao perfil profissional do enfermeiro.

A aprendizagem colaborativa, frequentemente defendida no ensino superior e considerada uma forma de ensinar e aprender com inúmeros benefícios (Klein & Yosgerau, 2018), foi referida pelos participantes neste estudo como uma estratégia potenciadora da aprendizagem, uma vez que coloca todos os elementos envolvidos como agentes do seu próprio desenvolvimento. O estudo desenvolvido por Rosenau e colaboradores (2015), evidencia o impacto que estas estratégias de ensino e aprendizagem têm no desenvolvimento dos tutores, ao promoverem uma consciência aumentada das suas próprias crenças e valores e enquanto pessoas e profissionais. Além de promover a responsabilidade profissional, esta estratégia de ensino aprendizagem estimula os processos de pensamento reflexivo do estudante tutor, melhora a sua confiança e competência (Rosenau et al., 2015). A aprendizagem colaborativa possibilita a construção da aprendizagem e do conhecimento de forma compartilhada entre os estudantes, permanecendo como grandes desafios a compreensão do conceito pelos próprios docentes e a aceitação por parte dos estudantes (Klein & Vosgerau, 2018). Esta prática pedagógica consegue envolver os estudantes em um nível de problematização que as aulas expositivas tradicionais dificilmente conseguiriam. A capacidade de ouvir outros colegas sobre determinado assunto torna-se chave para aprendizagens mais profundas (Pereira, 2017).

Conclusão

A análise dos resultados demonstrou a importância da participação de estudantes de anos mais avançados na tutoria académica dos seus pares, no sentido em que melhora o conhecimento e as competências dos estudantes, nomeadamente competências relacionais e comunicacionais promovendo o seu desenvolvimento pessoal, ao mesmo tempo que potencia a aprendizagem colaborativa.

Os contributos deste estudo constituem, assim, pistas válidas que reforçam a importância da adoção de práticas pedagógicas ativas e inovadoras, baseadas na tutoria por pares em contexto académico. A participação em atividades que desenvolvem as competências transversais no contexto da formação em enfermagem conduz a uma melhor performance académica, ao estabelecimento de relações interpessoais positivas, pela aprendizagem colaborativa que proporciona.

Ao discutir-se os benefícios e desafios da aprendizagem colaborativa no ensino superior, propõe-se contribuir para o fortalecimento e promoção do uso destas práticas pedagógicas. Sugere- se que estudos futuros enquadrem as experiências de tutoria por pares como estratégia pedagógica centradas nos estudantes potenciadora da qualidade ao nível dos diferentes ciclos de estudo. A implementação do projeto TutorParE apela à continuidade, pelo que se sugere que estudos futuros possam contemplar a perspetiva dos estudantes tutorandos e, ainda, o desenvolvimento de competências monitorizadas por instrumentos de avaliação das práticas laboratoriais e de simulação.

Agradecimentos

Agradecemos ao Centro IDEA UMinho, designadamente ao Programa de Apoio a Projetos de Inovação e Desenvolvimento do Ensino e da Aprendizagem, o financiamento do projeto TutorParE onde este estudo se insere.

Referências bibliográficas

Aponte, J., Figueroa, B. N., Madera, M., Campos- Dominguez, G., Panora, E., & Jaramillo, D. (2015). Mentoring Hispanic Undergraduate and Graduate Research Assistants: Building Research Capacity in Nursing. Journal of Nursing Education, 54(6), 328-334. DOI: https://doi.org/10.3928/01484834-20150515-03 [ Links ]

Bardin, L. (2018). Análise de Conteúdo. Edições 70. Brody, A. A., Edelman, L., Siegel, E. O., Foster, V., [ Links ]

Bailey Jr., D. E.,, Bryant, A. L., & Bond, S. M. (2016). Evaluation of a peer mentoring program for early career gerontological nursing faculty and its potential for application to other fields in nursing and health sciences. Nursing Outlook, 64(4), 332-338. DOI: https://doi.org/10.1016/j.outlook.2016.03.004 [ Links ]

Bulut, H., Hisar, F., & Demir, S. G. (2010). Evaluation of mentorship programme in nursing education: A pilot study in Turkey. Nurse Education Today, 30(8), 756- 762. DOI: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2010.01.019 [ Links ]

De Backer, L., Van Keer, H., & Valcke, M. (2012). Exploring the potential impact of reciprocal peer tutoring on higher education students' metacognitive knowledge and regulation. Instructional Science, 40(3), 559-588. DOI: https://doi.org/10.1007/s11251-011-9190-5 [ Links ]

Dennison, S. (2010). Peer Mentoring: Untapped Potential. Journal of Nursing Education, 49(6), 340- 342. DOI: https://doi.org/10.3928/01484834-20100217-04 [ Links ]

Ford, Y. (2015). Development of Nurse Self-Concept in Nursing Students: The Effects of a Peer-Mentoring Experience. Journal of Nursing Education , 54(9), S107- S111. DOI: https://doi.org/10.3928/01484834-20150814-20 [ Links ]

Freire, T., & Beiramar, A. (2017). Tutorias por pares: acolher, promover e potenciar os estudantes do ensino superior. In L. S. Almeida & R. V. Castro (Eds.), Ser estudante do ensino superior: as respostas institucionais à diversidade de públicos. Centro de Investigação em Educação. [ Links ]

Hall, R., & Jaugietis, Z. (2011). Developing Peer Mentoring through Evaluation. Innovative Higher Education, 36(1), 41-52. DOI: https://doi.org/10.1007/s10755-010-9156-6 [ Links ]

Hawkins, J. W., & Fontenot, H. B. (2010). Mentorship: the heart and soul of health care leadership. Journal of Healthcare Leadership, 2, 31-34. [ Links ]

James, A., Smith, P., & Radford, L. (2014). Becoming grown-ups: a qualitative study of the experiences of peer mentors. Pastoral Care in Education, 32(2), 104- 115. DOI: https://doi.org/10.1080/02643944.2014.893008 [ Links ]

Kim, S., Jillapali, R. & Boyd, S. (2021). Impacts of peer tutoring on academic performance of first-year baccalaureate nursing students: A quasi-experimental study. Nursing Education Today, 96, 1046-58. [ Links ]

Klein, E., & Vosgerau, D. (2018). Possibilidades e desafios da prática de aprendizagem colaborativa no ensino superior. Educação (UFSM), 4(43), 667-698. [ Links ]

Ordem dos Enfermeiros (2011). Regulamento do Perfil de Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais. Ordem dos Enfermeiros. [ Links ]

Pereira, F. (2017). Aprendizagem por pares e os desafios da educação para o senso crítico. Int. J. Activ. Learn ., 2(1), 6-12. [ Links ]

Rosenau, P. A., Lisella, R. F., Clancy, T. L., & Nowell, L. S. (2015). Developing future nurse educators through peer mentoring. Nursing-Research and Reviews, 5, 13- 21. DOI: https://doi.org/10.2147/nrr.s73432 [ Links ]

Sim-Sim, M.M., Marques, M.d.C., Frade, M.d.A., & Chora, M.A. (2013). Tutoria: perspetiva de estudantes e professores de enfermagem. Revista Iberoamericana de Educación Superior, 4(11), 45-59. https://doi.org/10.1016/S2007-2872(13)71932-2 [ Links ]

Svellingen, A., Røssland, A. & Røykenes, K. (2021). Students as Facilitators: Experiences of Reciprocal Peer Tutoring in Simulation-Based Learning. Clinical Simulation in Nursing, 54, 10-16. https://doi.org/10.1016/j.ecns.2021.01.008. [ Links ]

Tabloski, P. A. (2016). Setting the stage for success: mentoring and leadership development. Journal of Professional Nursing, 32(5), S54-S58. DOI: https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2016.03.003 [ Links ]

Torres, P., & Irala, E. (2014). Aprendizagem colaborativa: teoria e prática. In P. Torres (Ed.), Complexidade: Redes e Conexões na Produção do Conhecimento (pp. 61-93). Curitiba: SENARP [ Links ]

Recebido: 23 de Julho de 2021; Aceito: 15 de Novembro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons