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Political Observer - Revista Portuguesa de Ciência Política

versión impresa ISSN 1647-4090versión On-line ISSN 2184-2078

PO-RPCP vol.13  Lisboa jun. 2020  Epub 18-Mayo-2021

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2020.13/pp.69-86 

Artigo Original

A Ciência Política e a Crise da Democracia

Pedro Fonseca1 

1Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Portugal.


Resumo

O artigo explora as conexões entre a Ciência Política e a democracia diante da atual crise da democracia a nível global. Num momento em que se exige à Ciência Política que lidere a investigação sobre a referida crise, sobre as suas causas e consequências, o artigo desenvolve três argumentos principais e interrelacionados. Em primeiro lugar, defende que, na medida em que a democracia se revelou determinante para o nascimento, autonomização e evolução da Ciência Política nos países ocidentais, tal facto favoreceu o desenvolvimento de uma agenda de investigação claramente comprometida normativamente com a democracia e com a sua promoção. Em segundo lugar, argumenta que tal agenda de investigação desvalorizou largamente a possibilidade de ocorrer uma fragilização da democracia ou mesmo um recuo democrático nas democracias ocidentais. Em terceiro lugar, o artigo advoga que o avanço da crise da democracia em diversos países ocidentais, até recentemente classificados como democracias consolidadas, pode ameaçar o perfil que a Ciência Política enquanto disciplina desenvolveu ao longo de várias décadas no Ocidente. Este aspeto ajuda a compreender a dificuldade em conceber uma Ciência Política neutral e descomprometida normativamente face à democracia.

Palavras-chave: abordagem normativa; Ciência Política; crise da democracia; democracia

Abstract

The paper explores the connections between Political Science and democracy facing the current global crisis of democracy. At a time when it is required that Political Science take the lead in the research about the crisis of democracy, focusing on its causes and consequences, the paper developed three main and interrelated arguments. First, since that democracy was crucial for the birth, autonomy, and evolution of Political Science in Western countries, the paper argues that this favoured the development of a normative research agenda committed with democracy and its promotion. Secondly, it is argued that this research agenda largely downplayed the risk of a weakening of democracy or even the possibility of a democratic retreat in the Western democracies. Thirdly, the paper argues that the deepening of the crisis of democracy in several Western countries, until recently classified as consolidated democracies, may threaten the Political Science discipline profile developed in the West over several decades. Consequently, this fact also helps to understand the difficulty in conceiving a political science neutral and normatively uncommitted with democracy.

Keywords: normative approach; Political Science; crisis of democracy; democracy

1. Introdução

Poucos meses após a queda do muro de Berlim, o cientista político norte-americano Lucian W. Pye publicava um artigo intitulado Ciência Política e a crise do autoritarismo (Pye, 1990). Resultado de intensas disputas entre diferentes tradições científicas acerca do seu objeto e metodologia, o texto argumentava que a Ciência Politica enfrentava frequentemente sérias ameaças de fragmentação e mesmo desagregação. Contudo, a disciplina também se caracterizava pela elevada sensibilidade face a problemas políticos emergentes na realidade empírica que periodicamente moldavam ‘universo político’ e que fomentavam a união e o trabalho conjunto entre os cientistas políticos (Pye, 1990, pp. 3-5).

Naquele contexto histórico, Pye (1990, p. 5) identificava a ‘crise do autoritarismo’ que ‘varria o mundo’ como a origem de ‘uma grande transformação’ que colocava relevantes desafios a diversos regimes autoritários. Nalguns casos, verificaram-se ações decisivas em direção à democracia. Já noutros, a situação era muito conturbada e incerta. Na perspetiva de Pye (1990, pp. 1, 5-7), o resultado desta ‘crise do autoritarismo’ e o futuro pós-autoritário seria determinado pelas respostas políticas que viessem a ser adotadas e, nessa medida, importava analisar e explicar a crise de forma a influenciar o seu resultado final. Assim, compreender o processo de fragilização dos regimes autoritários, o impacto do fracasso do autoritarismo, bem como as transições políticas subsequentes assumem-se tarefas prioritárias para Ciência Política, tendo esta a ‘responsabilidade de elucidar o mundo’ acerca da crise do autoritarismo (Pye, 1990, p. 16).

Passados cerca de 30 anos desde da publicação do artigo de Pye (1990), um novo e crucial desafio tem vindo a moldar o ‘universo político’. Em sentido inverso ao assinalado por Pye em 1990, a democracia, regime político que aparecia vitorioso após a queda do muro de Berlim, tem vindo a enfrentar ao longo dos últimos anos desafios muito relevantes. Num contexto de crise democrática que ‘varre o mundo’, a fragilização da democracia também chega a países que até há pouco tempo se assumiam como baluartes das liberdades políticas e ostentavam regimes políticos democráticos considerados consolidados. À semelhança da ‘crise do autoritarismo’ do início da década de 1990, restam poucas dúvidas que cabe novamente à Ciência Política a ‘responsabilidade de elucidar o mundo’ acerca da crise da democracia em curso, das suas causas e consequências. De igual forma, considerando a sua relevância, abrangência e complexidade, as alterações em curso e os desafios que as democracias enfrentam na contemporaneidade parecem também exigir e propiciar o trabalho conjunto dos cientistas políticos.

Feito este enquadramento, e num momento em que se exige à Ciência Política que lidere a investigação sobre a crise contemporânea da democracia, o artigo visa explorar as conexões entre a Ciência Política e a democracia diante da referida crise, desenvolvendo neste percurso três argumentos interrelacionados. Em primeiro lugar, o artigo defende que, na medida em que a democracia se revelou determinante para o nascimento, autonomização e evolução da Ciência Política nos países ocidentais, tal facto favoreceu o desenvolvimento de uma agenda de investigação claramente comprometida normativamente com a democracia e com a sua promoção. Em segundo lugar, argumenta que essa agenda investigação desvalorizou largamente a possibilidade de ocorrer uma fragilização da democracia ou mesmo de um recuo democrático nas democracias ocidentais. Em terceiro lugar, o artigo advoga que o avanço da crise da democracia em diversos países ocidentais até recentemente classificados como democracias consolidadas ameaça o perfil que a Ciência Política enquanto disciplina desenvolveu ao longo de várias décadas no Ocidente. Este aspeto ajuda a compreender a dificuldade em conceber uma Ciência Política neutral e descomprometida normativamente face à democracia.

2. A “Ciência Democrática da Política”

O impulso de autonomização e institucionalização da moderna Ciência Política foi particularmente notado de forma pioneira nos Estados Unidos da América (EUA) na segunda metade do século XIX e princípios do século XX. Em 1880 é criada a Columbia School of Political Science onde, em 1886, se inicia a publicação do Political Science Quarterly. O que se seguiu foi a proliferação de departamentos académicos e científicos de Ciência Política, de programas de formação superior e de revistas especializadas nesta área nos EUA. Consagrando uma nova atividade profissional, em 1903 é criada a American Political Science Association (Almond, 2003; Berndtson, 1991; Gunnell, 2014; Hurtig, 2012, pp. 2014-2016; Maltez, 2007, pp. 52-55).

Fora dos EUA, o processo de afirmação da Ciência Política é mais lento e hesitante. Não obstante existirem manifestações de autonomização na Europa na primeira metade do século XX, apenas após a II Guerra Mundial se verificam avanços significativos em diversos países europeus com o surgimento de departamentos de Ciência Política, com o crescimento de programas de formação na área, bem como com a criação de diversas associações de Ciência Política (Almond, 2003; Cohen, Bernard, & Riutort, 2009, pp. 22-25; Hurtig, 2012; Maltez, 2018, pp. 145-148; Morlino, Berg-Schlosser, & Badie, 2017, pp. 9-10).

São várias as explicações para o desenvolvimento pioneiro da Ciência Política contemporânea verificado nos EUA. Nesta matéria, importa salientar que, mais do que outras ciências sociais, a Ciência Política necessita de ‘um espaço para respirar’, alicerçado nas ‘liberdades de pensamento e de expressão’ que regularmente não são garantidas e protegidas nos regimes autoritários mas que são asseguradas pela democracia (Morlino et al., 2017, pp. 1-2). Consequentemente, nos finais do século XIX, o aprofundamento da democracia nos EUA assumiu-se como ‘um pré-requisito para a emergência da Ciência Política como disciplina autónoma’ (Berndtson, 1991, p. 39), daí que ela se tenha desenvolvido e institucionalizado mais rapidamente nos EUA do que na Europa (Morlino et al., 2017, pp. 9-12). A este respeito, Huntington, (1988, p. 3), argumentava que ‘historicamente a democracia e a Ciência Política tenderam a desenvolver-se em conjunto’, considerando também que é ‘impossível existirem cientistas políticos na ausência de participação política’ e que a ‘ciência política apenas se desenvolveu com a expansão da participação política’. Com efeito, ‘numa sociedade onde não existe participação - nem competição pelo poder - os cientistas políticos não teriam nada para fazer’, podendo assim concluir-se pela existência de uma intima relação entre a Ciência Política e a própria democracia (Huntington, 1988, p. 6).

Em meados do século XX, Friedrich (1947, p. 978) argumentava que a ‘Ciência Política é, em boa medida, uma disciplina especialmente americana’. Anos mais tarde, Crick (1964, p. XI), reconhecendo que o estudo da política nos EUA, pela sua ‘dimensão’, ‘conteúdo’ e ‘método’ representa algo único e singular no seio da ‘história intelectual do ocidente’, anunciava uma ‘ciência americana da política’. Tal denominação foi contudo rejeitada por Huntington (1988, pp. 6-7), que concebia antes uma ‘ciência democrática da política’ que emerge e se desenvolve pioneiramente nos EUA porque o país possuía a mais desenvolvida democracia do mundo moderno. Assim, tal ciência não é exclusivamente americana e tenderá a expandir-se com a expansão da democracia, visto que ‘a emergência da democracia encoraja o desenvolvimento da ciência política’, a qual contribui também para estabilização da própria democracia. Com efeito, Huntington (1988, p. 7) salienta precisamente que ‘onde a democracia é forte, a ciência política é forte; onde a democracia é fraca a ciência política é fraca’, considerando que nos regimes autoritários os cientistas políticos encontram severas limitações.

Em meados do século XX, parecia evidente que o desenvolvimento da Ciência Política e da sua autonomia exige um ambiente favorável que consagre e proteja as liberdades académica, de investigação e de pensamento. É certo que, por exemplo, na União Soviética foram constituídos centros fortemente controlados pelo poder político para desenvolver investigação nos domínios da política tendo em vista apoiar a ação dos decisores políticos. Contudo, em linha com a matriz desenvolvido nos EUA, uma Ciência Política empenhada na análise do processo político, no escrutínio do exercício do poder, bem como na avaliação das decisões políticas e da ação dos diferentes grupos que procuram influenciar essas decisões, não é tolerada por regimes políticos não democráticos (Hurtig, 2012, p. 2016).

No debate que temos vindo a prosseguir o caso português é paradigmático. Antes da revolução de 1974, a autonomização científica e académica da Ciência Política enfrentou grandes dificuldades e resistências, desde logo associadas à natureza autoritária do regime. No contexto do Estado Novo, a investigação e publicação em Portugal na área da Ciência Política era irregular, incipiente e paroquial (Cancela, Coelho, & Ruivo, 2014, p. 329). A este respeito, Maltez (2007, p. 117) enfatiza que, ao contrário do verificado noutras paragens, no ‘Portugal do crepúsculo do Estado Novo, falar em Ciência Política era dizer quase o mesmo que direito constitucional (….). Não por culpa dos constitucionalistas, mas por falta de condições sociais e mentais para o desenvolvimento de uma disciplina que, em qualquer tempo e espaço, só pode desenvolver-se em ambiente de pluralismo, sociedade aberta e democracia política’.

Em consequência do referido, após a revolução de 1974, à Ciência Política portuguesa faltava quase tudo. A comunidade académica especializada e dedicada exclusivamente era insipiente, os departamentos universitários e unidades de investigação a ela dedicados eram quase inexistentes, a oferta graduada e pós-graduada existente na área era marginal e as associações e revistas científicas dedicadas especificamente à Ciência Política estavam ainda por criar (Cancela et al., 2014, p. 329).Todavia, em paralelo com consolidação da democracia em Portugal, as décadas seguintes são marcadas por um evidente desenvolvimento da Ciência Política (Camerlo, Cristo, & Koçak, 2017, pp. 46-63; Maltez, 2007, pp. 127-131).

A estreita relação entre a Ciência Política e a democracia sumariamente tratada teve evidentes reflexos na agenda de investigação da própria da disciplina. Os regimes políticos democráticos propiciaram as condições para o surgimento e desenvolvimento da Ciência Política contemporânea e, paralelamente, a democracia tornou-se um dos tópicos privilegiados da sua agenda de investigação, a qual evoluiu normativamente comprometida com a democracia e com a sua promoção.

3. Um Compromisso com a Democracia

Visto que a Ciência Política se desenvolve e ‘prospera’ particularmente nas democracias, verificou-se uma propensão para a democracia (Huntington, 1988, p. 6) e uma ‘devoção à política democrática’ (Ricci, 1984, p. 24) por parte da generalidade dos cientistas políticos e suas agendas de investigação. Em consequência, as investigações sobre regimes políticos são frequentemente enquadradas através de uma ‘dicotomia normativa’ implícita, e por vezes explicita, que considera os regimes democráticos ‘benignos’ e os regimes não democráticos um ‘mal’ que deve ser evitado (Alt, Chaambers, Garrett, Levi, & Mcclain, 2011, pp. LXI-LXII).

Após a II Guerra Mundial e ao longo das décadas de 1950, 1960 e 1970, sobretudo nos EUA, verificou-se um rápido desenvolvimento da política comparada direcionada para o estudo dos novos países saídos da dominação colonial (Eisenstadt, 2011, pp. 1608-1622; Gilman, 2003; Klesner, 2011, pp. 1048-1052; Volpe, 2010, pp. 895-899). Face a este novo laboratório para a teoria social, a politologia norte americana abraçou o empreendimento de elaborar uma grande teoria do desenvolvimento político, procurando dissecar as possíveis transformações políticas em curso (Almond & Coleman, 1960; Huntington, 1965, 1968; Kahin, Pauker, & Pye, 1955; Levy, 1952; Olson, 1963; Pye, 1958; Rostow, 1971; Shils, 1960).

O debate sobre o desenvolvimento político foi profundamente marcado pela teoria da modernização, a qual se assumiu, na década de 1950 e princípios da década de 1960, como o paradigma teórico dominante. Na Ciência Política, um dos expoentes máximos deste paradigma foi Lipset (1959) quando argumentava que a democracia está intimamente relacionada com a evolução económica de um país. Assim, uma melhor performance económica significa também ‘maiores hipóteses’ de um país sustentar uma democracia, na medida em que rendimentos médios mais altos, maior industrialização e urbanização, bem como níveis de educação mais elevados, verificam-se precisamente nos países democráticos (Lipset, 1959, p. 75). Constatando-se uma forte correlação estatística entre o desenvolvimento económico, medido em termos de rendimento per capita, e o tipo de regime político, Lipset (1959, pp. 69-105) observa o desenvolvimento económico como um ‘requisito social da democracia’, sugerindo que os regimes democráticos resultam de processos de modernização política apoiados por um prévio desenvolvimento económico. As transformações sociais resultantes de longos processos de desenvolvimento económico, industrialização e urbanização levam à melhoria das condições de vida das populações, com o surgimento de uma classe média numerosa, e também dos níveis de educação. Criam-se assim as condições para o desenvolvimento da democracia porque os cidadãos deixam de tolerar regimes políticos autoritários e repressivos.

Revelador do compromisso da Ciência Política com a democracia, no contexto da teoria da modernização predominava a visão de que o desenvolvimento político estava associado ao surgimento de regimes políticos estáveis e democráticos similares aos encontrados nos países industrializados do ocidente (Gilman, 2003, p. 230). É certo que se vislumbra em Lipset (1959, p. 103) alguma cautela e encontramos em Huntington (1968) uma severa crítica a este determinismo. Contudo, a ideia de que de que os países em desenvolvimento, à medida que se modernizavam, estavam destinados a desenvolver regimes democráticos ganhou seguidores (Bates, 2011, p. 645).

Ao longo da década de 1970 verificaram-se várias transições democráticas em países europeus, entre os quais Portugal. Tal impulso democrático expandiu-se nos anos seguintes a países da América Latina, da Ásia, de África, bem como do espaço pós-soviético após a queda do muro de Berlim. Em face destas transformações, a partir da década de 1980 proliferaram as investigações sobre transições para a democracia, democratização e consolidação democrática (Cassani, 2012, p. 3), as quais foram muito marcadas pela teoria da modernização. É certo que em meados da década de 1980, O’Donnell e Shmitter (1986, p. 3) alertavam que o resultado de uma transição política de um regime autoritário é incerto, não está predeterminado e pode não ser o desenvolvimento de um regime democrático. Contudo, era já evidente um claro otimismo quanto ao futuro da democracia. No final da década de 1980, Fukuyama (1989, pp. 3-4) assistia ao ‘fim da história’ e à ‘universalização da democracia liberal do ocidente como forma final do governo humano’. No início da década de 1990, Huntington (1991a) anunciava a terceira ‘vaga de democratização’, um movimento mundial em direção à democracia que tinha começado precisamente em 1974 em Lisboa (Huntington, 1991b, pp. 3-4). Em consequência, uma agenda de investigação centrada no compromisso com a democracia e com a sua promoção, apostada em tornar a democracia ‘the only game in town’ (Linz & Stepan, 1996, p. 5), marcou a Ciência Política ao longo de toda a década de 1990 (Diamond, 1999; Gunther, Diamandouros, & Puhle, 1995; Linz, 1990b; Mainwaring, 1989; Mainwaring, O’Donell, & Valenzuela, 1992; Morlino, 1998). Finalmente, após o fim da Guerra Fria, em face da estratégia de promoção da democracia no mundo promovida pela administração dos EUA liderada por Bill Clinton, voltou-se a reequacionar a denominada teoria da paz democrática e o possível efeito pacificador da democracia na política mundial (Doyle, 1997; Gowa, 1999; Ray, 1995; Russett & Oneal, 2001; Weart, 1998).

Após mais de meio século com uma agenda de investigação comprometida normativamente com a democracia, a Ciência Política acumulou um volumoso conhecimento sobre o colapso de regimes políticos não democráticos, bem como sobre as transições para a democracia e a consolidação democrática. Numa agenda marcada pela promoção da democracia no mundo e por um certo otimismo quanto à sua expansão e desenvolvimento a nível global, a Ciência Política centrou-se no estudo dos fatores que favorecem e permitem a democracia prosperar. Contudo, o século XXI trouxe importantes novidades que uma agenda muito comprometida com a democracia e com a sua promoção provavelmente não permitiu antecipar.

4. Recuo Democrático nas Democracias Consolidadas?

No inicio do século XXI tornou-se evidente na Ciência Política um certo desafio ao paradigma das transições para a democracia, questionando-se a evolução da terceira ‘vaga de democratização’. Contudo, já antes se vislumbravam algumas dúvidas sobre o progresso da democracia no mundo. Sartori (1995) mostrava-se reservado quanto à possibilidade de a democracia liberal ocidental se expandir universalmente e ser implementada na sua plenitude em todos os países do mundo. Por seu lado, Diamond (1997, pp. 37-38) argumentava que a ‘terceira vaga de expansão da democracia estagnou e provavelmente terminou’. Zakaria (1997, pp. 22, 42) denunciava também a propagação do ‘vírus do iliberalismo’ e ‘das democracias iliberais’, revelando que a democracia liberal podia não ser o destino final de muitas transições da terceira vaga e que muitos países estão a acomodar-se a regimes políticos que misturam caraterísticas da democracia com aspetos do iliberalismo (Zakaria, 1997, p. 24). Finalmente, ainda no início da década de 1990, também O’Donnell (1992, p. 19) alertava que o caminho para um regime democrático consolidado era ‘incerto e complexo’, sendo que as possibilidades de retrocesso ou mesmo retorno ao autoritarismo eram relevantes e credíveis. Tal podia acontecer através da ‘morte súbita’ do regime democrático, por exemplo em consequência de um golpe militar, ou através de uma ‘morte lenta’ com a diminuição progressiva das possibilidades de as autoridades civis exercerem o poder e com a redução da eficácia das garantias típicas do constitucionalismo liberal.

Em 2002, Carothers (2002, p. 9) anunciava o ‘fim do paradigma da transição’, visto que menos de 20 países dos quase 100 considerados ‘em transição’ registam algum progresso em direção à democracia. De facto, a maior parte destes países não desenvolveu uma democracia funcional, verificando-se ou uma estagnação do processo de democratização ou mesmo um regresso ao autoritarismo. Contudo, a maioria dos países considerados ‘em transição’ localizam-se numa ‘zona política cinzenta’, ostentando ‘alguns atributos da vivência democrática’ mas também caraterísticas que os afastam claramente da democracia (Carothers, 2002, pp. 9-10). Além disso, Carothers (2002, p. 10) enfatiza que os regimes da ‘zona política cinzenta’ são frequentemente descritos como tipos de democracia, visto que no contexto da ‘terceira vaga de democratização’ todos os países em que se verificava o derrube de um regime autoritário eram caraterizados como em transição para a democracia. Verificando-se que tal não corresponde à realidade, como demonstram diversas investigações empíricas, o paradigma da transição para a democracia perdeu utilidade, é contraproducente e deve ser abandonado (Carothers, 2002, pp. 15-16).

Ao longo da década de 2000, um conjunto de cientistas políticos procura redefinir o enquadramento e a abordagem aos numerosos regimes políticos frequentemente caracterizados como ‘em transição para a democracia’ mas que tinham estabilizado numa ‘zona política cinzenta’ (Diamond, 2002; Levitsky & Way, 2010, 2002; Morlino, 2009; Schedler, 2002, 2006). Utilizando frequentemente a denominação de ‘regime híbrido’, reconheceu-se progressivamente que mais do que um processo de democratização em massa, a terceira vaga caracterizou-se por importantes transformações políticas em inúmeros regimes autoritários que não conduziram necessariamente à democracia (Cassani, 2012, 2014). Aliás, também Linz (2000, p. 34) considerou que estes regimes tinham sido, ao longo da década de 1990, frequentemente conceptualizados através da adjetivação da democracia por investigadores comprometidos que desejavam a aproximação desses regimes às caraterísticas das democracias liberais. Contudo, seria mais coerente conceptualizar tais regimes através da adjetivação do autoritarismo, argumenta Linz.

Num balanço recente sobre as transições democráticas entre 1974 e 2012 em todo o mundo, Mainwaring e Bizzarro (2019) concluem que o resultado mais comum verificado foi o colapso do processo de transição, logo seguido dos casos em que se verifica uma estagnação. Já os países em que se verificaram avanços são claramente minoritários no universo global dos regimes analisados. Assim, resulta evidente que o novo milénio trouxe consigo um certo ceticismo acerca do desenvolvimento da democracia num conjunto bastante relevante de transições democráticas da denominada terceira vaga. Em consequência, uma considerável literatura e investigação ponderou sobre a estagnação e mesmo fracasso das transições para a democracia e mesmo sobre o recuo e colapso das democracias (Bermeo, 2016).

É certo que as consequências para a democracia e para a estabilidade democrática de fatores como a apatia política, o declínio da participação eleitoral e o crescimento da desconfiança nas instituições democráticas por parte dos cidadãos é um já longo debate que prossegue na Ciência Política desde há várias décadas (Martins, 2010, pp. 217-235). Contudo, em linha com a teoria da modernização anteriormente referida, a hipótese de um retrocesso nos regimes democráticos consolidados da América do Norte e da Europa foi frequentemente considerada residual e pouco relevante. Além disso, Prezeworski et al. (2000) testaram a correlação entre desenvolvimento e democracia, argumentando que é muito provável que regimes autoritários resistam e sobrevivam a processos de democratização quando os países são ou muito pobres ou muito ricos. Contudo, a correlação entre desenvolvimento económico e democracia é muito mais evidente no facto de ser muito pouco provável que num país rico e com uma democracia consolidada o regime político democrático colapse. Ou, dito de outro modo, é muito provável que a democracia sobreviva em países ricos e desenvolvidos.

Tais democracias eram ‘dominadas’ por partidos políticos moderados que alternavam no poder através de eleições livres e justas, as políticas que promoviam eram moderadas, as instituições democráticas eram robustas e o regime político era suportado por economias relativamente prósperas. Assim, a não ser que se verificasse uma ‘calamidade inesperada’, estes regimes políticos permaneceriam estáveis num futuro previsível (Mounk, 2018b, p. 98). Contudo, ao longo dos últimos anos, estas certezas transformaram-se em sérias dúvidas em consequência de importantes mudanças verificadas em vários países desenvolvidos e democráticos da Europa e América do Norte. Entre as alterações relevantes, Mounk (2018b, p. 98) refere o crescente descontentamento dos cidadãos com as instituições democráticas, a progressiva desintegração dos sistemas partidários, bem como a ascensão do populismo que ganha dimensão política com a entrada de grupos desta natureza nos parlamentos e mesmo nos governos.

No relatório Freedom in the World 2020 escrevia-se que ‘a democracia e o pluralismo estão sob ataque’ a nível mundial, sendo o décimo quarto ano consecutivo em que se verificava um declínio da liberdade a nível global. Vários pilares da liberdade, como eleições livres e justas, os direitos das minorias, a liberdade de imprensa e o estado de direito encontravam-se seriamente ameaçados num número crescente de países, destaca a Freedom House (2020, pp. 1-2). Adicionalmente, a fragilização da liberdade e da democracia tinha chegado a países que historicamente são baluartes da democracia liberal ocidental, como por exemplo os EUA. O relatório alertava que, nos últimos 14 anos, mais de metade das democracias estabelecidas tinham registado uma deterioração em vários indicadores (Feedom House, 2020, pp. 2-15). Já o relatório de 2020 do Varieties of Democracy Institute (2020, pp. 4-7) também assinalava um declínio global das instituições da democracia liberal e, pela primeira vez desde 2001, existiam no mundo mais autocracias do que democracias. Por um lado, a União Europeia tinha pela primeira vez um país membro com um regime não democrático (Hungria) e a maior democracia do mundo (Índia) registava um declínio acentuado. Por outro lado, nos EUA, antes na vanguarda da democracia liberal, verificava-se também um retrocesso democrático.

A possibilidade de se verificar um recuo democrático nos países mais desenvolvidos e com uma longa tradição democrática, bem como os desafios que se colocam à democracia, ganharam proeminência na agenda de investigação nos últimos anos. Paralelamente, prominentes cientistas políticos ‘penitenciavam-se’ por, ao longo de décadas de investigação, terem desconsiderado esta possibilidade. Diamond (2020, p. 2), por exemplo, reconhecia que sempre argumentou que a eleição de Trump não poderia acontecer nos Estados Unidos. As instituições dos EUA ‘eram muito sólidas’ e as ‘nossas normas democráticas eram muito resilientes’, afirmava Diamond, e nunca permitiriam a eleição de um presidente que ‘grosseiramente rebaixava a imprensa, o poder judicial e os imigrantes’, que ‘encorajou os seus apoiantes a atacarem fisicamente manifestantes e gritava para que a sua oponente fosse presa’, ou que ‘se recusou a divulgar as suas declarações fiscais; e que apelou de forma dissimulada a sentimentos de base racista’(Diamond, 2020, pp. 2-3). Finalmente, Diamond (2020, p. 3) reconhece que estava errado, bem como a maior parte dos seus colegas cientistas políticos e especialistas sobre a democracia.

Também Levitsky e Ziblatt (2018, pp. 1-7), questionando se a democracia dos EUA corria perigo, reconhecem que é uma pergunta que nunca pensaram que viriam a fazer. Contudo, com a polarização política, com a hostilidade à impressa livre, bem como com a eleição de um presidente dúbio em relação às normas democráticas, era agora tempo de olhar para os EUA que durante décadas pareciam imunes a um retrocesso democrático. Já David Runciman, na sua obra intitulada Como a democracia chega ao fim (Runciman, 2018), intitula sugestivamente o prefácio do livro de ‘pensando o impensável’, reconhecendo que até recentemente poucos pensariam que ainda antes do fim da segunda década do século XXI se colocasse a pergunta: ‘é assim que a democracia chega ao fim?’ Um cenário de colapso da democracia não estava até recentemente no horizonte da maioria dos cidadãos das democracias ocidentais e o próprio Runciman (2018, p. 1) reconhece que ele próprio apenas se deparou com a pergunta após a eleição de Donald Trump nos EUA.

No início do século XXI, Prezeworski et al. (2000) argumentavam que era pouco provável que num país rico, desenvolvido e com uma democracia consolidada se verificasse uma crise do regime democrático ou o seu colapso. Na visão de Foa e Mounk (2016, pp. 15-16), tal conclusão levou muitos cientistas políticos a ignorar a possibilidade de os regimes políticos democráticos nos países mais ricos, desenvolvidos e com larga tradição democrática poderem degradar-se e mesmo colapsar. Contudo, nas ultimas três décadas verificou-se nestas democracias uma diminuição da confiança nas instituições políticas, a participação eleitoral diminuiu, bem como a identificação partidária e o número de membros dos partidos também diminuiu. Por outro lado, aumentaram os eleitores que votam em movimentos populistas e que apoiam partidos antissistema (Foa & Mounk, 2016, p. 6).

Em face destas evidências, Foa e Mounk (2016, p. 6) assinalam que proeminentes cientistas políticos argumentam que tais tendências não denunciam qualquer problema estrutural das democracias liberais que possa ameaçar a sua existência, permanecendo robusto o apoio à democracia. Assim, até recentemente, a democracia liberal ‘reinava triunfante’ e os cientistas políticos pensavam que a democracia em países como os EUA ou a França era inabalável e não seria colocada em causa ao longo dos próximos anos, argumenta Mounk (2018a, pp. 1-2). Contudo, o futuro chegou a realidade é bem diferente (Mounk, 2018a, pp. 1-2). Foa e Mounk (2016, p. 6) encontraram tendências ‘profundamente preocupantes’ como o crescimento dos cidadãos céticos em relação à democracia e recetivos a apoiar alternativas autoritárias. Além disso, diminui a participação política e o interesse pela política, cada vez menos indivíduos consideram importantes os direitos cívicos para proteger a liberdade, ao mesmo tempo que cresce o número dos que não consideram relevante escolher os lideres políticos em eleições livres e justas. Esta diminuição do apoio à democracia é particularmente relevante na frequentemente denominada ‘geração milénio’ (os nascidos após 1980), os quais são cada vez mais indiferentes à democracia e um número crescente de indivíduos nem considera sequer essencial viver num regime democrático (Foa & Mounk, 2016, pp. 6-14, 2017, pp. 6-7).

Foa e Mounk (2016, pp. 15-16, 2017, p. 9) referem que uma democracia consolidada baseia-se num forte apoio popular ao regime político democrático e aos seus valores, rejeitando alternativas autoritárias e assentando na inexistência ou na debilidade de partidos ou movimentos antissistema. Nas democracias consolidadas, uma esmagadora maioria dos cidadãos apoia candidatos e partidos comprometidos com a democracia e verifica-se uma aceitação generalizada das regras e das instituições democráticas. Tais características podem ser avaliadas empiricamente, permitindo questionar o destino das democracias liberais dos países mais ricos e desenvolvidos quando muitos dos seus cidadãos se mostram céticos quanto à democracia e manifestam apoio a alterativas autoritárias. Tal questionamento é possível se concebermos a possibilidade de uma ‘desconsolidação’ democrática, processo em que se verifica uma fragilização das características típicas de uma democracia consolidada que pode já estar em curso em várias democracias estabelecidas na América do Norte e na Europa Ocidental’ (Foa & Mounk, 2016, p. 15).

Os argumentos de Foa e Mounk (2016, 2017) geraram importantes reações de cientistas políticos de referência. Alexander e Wetzel (2017), Norris (2017) e Voeten (2016) vieram questionar algumas posições e conclusões de Foa e Mounk (2016, 2017), concordando no entanto com a ideia de que a democracia enfrenta na atualidade desafios e ameaças relevantes que exigem respostas adequadas. Depois de ter recolhido a atenção de Juan Linz (1978) nos finais da década de 1970, o que parece evidente na agenda de investigação sobre a democracia é o ressurgimento na atualidade das temáticas da crise da democracia, do recuo democrático e mesmo da possibilidade de colapso de democracias anteriormente consideradas consolidadas, aspeto anteriormente subvalorizado na Ciência Política. A finalizar, são as consequências para própria a Ciência Política decorrentes da evolução retratada e das dinâmicas assinaladas que importa considerar seguidamente.

5. A Ciência Política e a Democracia: Uma Relação Simbiótica

Em 2008, Robert O. Keohane, antigo presidente da APSA e da ISA, declarava numa palestra que a Ciência Política e a democracia viviam em simbiose, mantendo uma relação próxima e cultivando uma associação da qual resultavam benefícios comuns. Por um lado, na sua origem e evolução, a Ciência Política contemporânea está profundamente ligada à civilização ocidental e à tradição intelectual e científica dos EUA e da Europa. Por outro lado, a Ciência Política apenas se desenvolve e prospera num contexto em que a democracia liberal também prospera (Keohane, 2009, p. 363).

A Ciência Política contemporânea, tal como ela se desenvolveu no quadro das democracias liberais de matriz ocidental, assumiu um perfil centrado no questionamento do exercício do poder político, bem como na análise e avaliação das decisões e ações políticas. Nas palavras de Duverger (1972, p. 14), emergiu assim uma disciplina que se propõe desvendar a ‘diferença entre os fins proclamados [pelo poder] e os que realmente se pretendem alcançar’, desvendando o que fica encoberto e, nas palavras de Moreira (1997, p. 71), estudando sistematicamente a ‘falta de autenticidade do Poder’. Considerando que os regimes autoritários se apoiam na ameaça de punição da dissidência, questionar o exercício do poder, analisar o processo decisório e ponderar decisões políticas alternativas é problemático e mesmo perigoso nos regimes autoritários (Ahram & Goode, 2016, pp. 838-839). A este respeito, de forma eloquente, Keohane (2009, p. 363) afirmava:

[S]e nós, cientistas políticos, fizermos o nosso trabalho estaremos a irritar os líderes políticos, visto que nós denunciamos o obscurantismo e os enganos deliberados, nós identificamos políticas alternativas que podem ser seguidas, nós questionamos as suas motivações e dissecamos as operações das organizações que os apoiam e os governos aos quais presidem. Eles irão tentar comprar-nos ou, falhando isso, e caso não sejam impedidos de o fazer, irão tentar silenciar-nos. Como resultado, nós temos uma relação simbiótica com a democracia. Nós apenas podemos prosperar quando a democracia floresce.

Vivemos num tempo em que se verifica a projeção de mensagens e ações antidemocráticas de alcance global por parte de diversos regimes não democráticos, as quais visam influenciar as atitudes dos cidadãos de países democráticos quanto à sua própria democracia, bem como a subverter os valores e as instituições da ordem mundial liberal. Como sugerem Diamond et al. (2016, p. 5), ‘os mais influentes regimes antidemocráticos já não estão satisfeitos com a simples contenção da democracia’, ambicionando agora inverter avanços democráticos verificados desde há várias décadas, bem como subverter as normas e as instituições democráticas (Diamond, 2020, p. 10) Adicionalmente, os próprios regimes políticos demoliberais, mesmo em países com uma longa e profunda tradição democrática, parecem altamente vulneráveis perante dinâmicas politicas, económicas, sociais e culturais emergentes. Assim, a fragilização da democracia e o recuo democrático personificam um claro desafio para a Ciência Política, representando uma ameaça ao perfil e postura que a disciplina desenvolveu ao longo das últimas décadas no contexto das democracias ocidentais. Por um lado, é a liberdade proporcionada pelos regimes demoliberais que garante as liberdades académica, de pensamento e de expressão fundamentais para garantir a autonomia científica e académica da Ciência Política, criando também as condições para o seu desenvolvimento. Por outro lado, como vemos por esse mundo fora, regimes de natureza não democrática colocam constrangimentos muito relevantes às liberdades acima referidas.

O enquadramento anterior da problemática em análise sugere que a democracia não é simplesmente um objeto de estudo (mesmo que privilegiado) da Ciência Política. Por um lado, a crise global da democracia que também afeta as democracias ocidentais parece ser um daqueles desafios cuja compreensão e explicação exige a união e o trabalho conjunto dos cientistas políticos de que falava Pye (1990, p. 3). Por outro lado, a disciplina deve certamente liderar o estudo da crise da democracia em curso e ‘elucidar o mundo’ acerca desta crise (Pye, 1990, p. 16). Contudo, mesmo buscando incessantemente a objetividade indispensável para garantir o rigor e a credibilidade das pesquisas, em face dos argumentos desenvolvidos ao longo do artigo permanece difícil e problemático conceber uma Ciência Política neutral e descomprometida normativamente face à democracia (Ahram & Goode, 2016, pp. 844-845; Gunnell, 2014, p. 1278; Keohane, 2009, p. 363).

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Sobre o autor PEDRO FONSECA é Professor Associado do Instituto Superior Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL). É licenciado, mestre e doutor em Ciência Política pelo ISCSP-UL. É investigador integrado do Centro de Administração e Política públicas (CAPP do ISCSP-UL) e investigador do Observatório Político.

About the author PEDRO FONSECA is Associate Professor at School of Social and Political Sciences, University of Lisbon (ISCSP-UL). Bachelor, M.A. and PhD in Political Science (ISCSP-UL). Researcher at Centre for Administration and Public Policy (CAPP of ISCSP-UL) and at Political Observatory.

Recebido: 24 de Junho de 2020; Aceito: 02 de Julho de 2020

Autor correspondente: Pedro Fonseca, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Portugal. E-mail: pfonseca@iscsp.ulisboa.pt.

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