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Political Observer - Revista Portuguesa de Ciência Política

versão impressa ISSN 1647-4090versão On-line ISSN 2184-2078

PO-RPCP vol.13  Lisboa jun. 2020  Epub 18-Maio-2021

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2020.13/pp.149-153 

Recensões

A Estranha Morte da Europa

Ana Rita Reis Soares Dias1 

1 Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Portugal


Murray, D. (2018). A Estranha Morte da Europa: Imigração, Identidade, Religião. Lisboa: Desassossego.

A Estranha Morte da Europa pretende dar a conhecer ao público a visão de uma Europa à beira do suicídio. O autor e jornalista, David Murray, defende que a Europa já não é mais a casa dos povos europeus, é uma ‘utopia’ um ‘não-lugar’, é a casa do mundo. Contudo, não existe uma causa única para o “alastramento desta doença”, são diversas as razões e acontecimentos para este fenómeno (Murray, 2018, p. 9-16). Assim sendo, o autor ao escrever este livro tem como o objetivo demonstrar como é que este processo surge e evolui. É de destacar que, as temáticas abordadas nesta obra não são algo de novo para o autor. Em 2007, Murray fundou o Centro de Inclusão Social (Center for Social Inclusion), onde estudou o terrorismo e o extremismo. David Murray, é igualmente editor associado do The Spetactor e escreve frequentemente para várias outras publicações.

Os antecedentes e os argumentos políticos

Nos primeiros dois capítulos, o autor recua até uma Europa a sofrer as repercussões da 2ª Guerra Mundial. O continente europeu procurava restabelecer-se economicamente preenchendo “a lacuna do mercado de trabalho” (Murray, 2018, p. 19). Países como a Alemanha, a Holanda, a Inglaterra e a França promoveram a Europa enquanto destino de trabalho, recebendo milhares de emigrantes vindos do Norte de África, da Índia e da Turquia. Contudo, os países europeus subestimaram a atração da Europa, e o que seria uma política provisória de trabalho transformou-se numa crise migratória. Esta crise, para além de impulsionada pelo desejo dos ex-colonos de uma vida melhor foi igualmente promovida pela expansão da União Europeia.

Ao longo de toda a obra, Murray, tece duras críticas à passiva dos governos face a esta temática. Para além de não terem sido criadas políticas assertivas na área da imigração, existe um crescente descontentamento da população face a esta situação, ao qual o governo não é capaz de dar resposta. Recorrendo ao caso britânico, Murray, justifica que as preocupações dos cidadãos acabam por ser justificadas, apontando as previsões de David Coleman para 2060, onde os “britânicos brancos” irão deixar de ser uma maioria.

O capítulo seguinte é dedicado à análise dos argumentos utilizados pelos governos europeus para prosseguirem com políticas de imigração em massa sem aprovação pública. Murray desmistifica as justificações apresentadas pelos governos, demonstrando que a imigração é um problema político que foi ignorado pelos governos nacionais durante décadas. São apresentados argumentos com base em: a) justificações económicas: dadas as implicações do Sistema Social Europeu, a Europa detém mais a perder monetariamente do que a ganhar com a imigração; b) justificações demográficas: a imigração não é uma solução para o problema do envelhecimento da população. Antes deveriam ser consideradas as razões para a população europeia não querer ter filhos; c) justificações culturais: os imigrantes aumentam a diversidade cultural de um país. Contudo, a diversidade cultural detém também fatores negativos e algumas culturas não querem ser integradas; d) globalização: como é visível pelo o caso do Japão, a globalização e a riqueza de um país não são justificações plausíveis. A europa é atrativa para os emigrantes por ser “um lugar tolerante, pacífico, acolhedor” (Murray, 2018, p. 64).

Guerra e Fuga

As viagens do autor levam-nos até à Lampedusa e às Ilhas Gregas, dois dos pontos geográficos, que pela sua proximidade, são a “porta de entrada” para a Europa. Muito antes da imigração ser um problema europeu, já era um problema italiano, grego e de muitos outros países que recebiam anualmente milhares de imigrantes vindos do Norte de África, da Turquia e do Médio Oriente. Estes dois capítulos, retratam o desenvolvimento histórico da situação dos refugiados. Desde o aumento do fluxo de imigrantes com a Primavera Árabe ao estabelecimento de uma política de salvamento de navios com imigrantes em Itália (Operação Tritão), à Guerra na Síria. Contudo, o que torna esta história única, são os relatos de refugiados que conseguiram chegar à Europa. Desde a experiência traumática no país de origem, às dificuldades de travessia até à Europa, à possível integração na Europa, Murray, dá-nos a conhecer o lado humano de uma história que muitas vezes não detém um final feliz.

É em 2015, que o mundo abre os olhos para o problema dos refugiados. Face ao aumento do fluxo das migrações e à constante violação dos direitos humanos, a Chanceler Angela Merkel faz um apelo à Europa para abrir as fronteiras. Contudo, muitos dos países não ficaram convencidos com o discurso da Chanceler. Foi apenas quando foi demonstrado o lado humano da história, com a imagem de Aylan Kurdi morto numa praia Turca, que a Europa “abriu as portas” aos refugiados. Merkel “e os seus colegas acertaram numa parte da resposta ao reconhecerem que o nosso continente está a provavelmente a fazer a única coisa que um povo civilizado pode fazer. Contudo, “este intuito generoso pode muito bem revelar-se tanto para as pessoas que atravessam as águas como para o continente que as tenta acolher” (Murray, 2018, p. 94).

Multiculturalismo e Religião

O apelo de Angela Merkel em 2015, não foi o primeiro discurso que a Chanceler fez sobre o tema. Em 2010 Merkel faz um discurso afirmando que “o multiculturalismo tinha falhado por completo” e se os imigrantes queriam participar na sociedade alemã tinham que aprender a falar a língua do país e a agir consoante a lei. Murray, considera este discurso como uma “admissão por parte da Chanceler que a Alemanha falhara na integração das pessoas que tinham chegado até à data” (Murray, 2018, p. 122). O que fez a Chanceler mudar de opinião num espaço de 5 anos? Se o multiculturalismo não funcionou em 2010, como era esperado funcionar em 2015, com um número superior de imigrantes?

De forma a entendermos o conceito de multiculturalismo, o autor dedica parte do capítulo à explicação do mesmo destacando o longo processo e o esforço necessário para que este tema tenha entrado no debate político. Interligando, com casos de autores que foram censurados e acusados de “racismo” (ex: Sarrazin), Murray afirma que apesar dos políticos tecerem considerações positivas sobre a imigração, a popularidade destas obras sugere que os europeus não estavam em consenso com o governo. Assim, os europeus mantiveram duas ideias contraditórias sobre o multiculturalismo, a ideia de que os imigrantes deveriam ser integrados e iriam eventualmente adaptar-se à sociedade europeia e a ideia de preservação da própria cultura, de um medo constante que a cultural europeia fosse subjugada pela cultura dos imigrantes.

Para abordar a cultura dos imigrantes, mais propriamente a religião, Murray leva-nos até França. Muito antes do multiculturalismo ser um assunto aceite pelo o debate político, Jean Raspail publicou uma obra intitulada de Les Chan des Saints, prevendo que em 2015 o Islão seria a religião dominante em França. Esta exposição sofreu diversas críticas, contudo, os únicos erros da mesma foram em termos numéricos, visto que atualmente o Islão é a 2ª religião mais popular da França. Observando o número de imigrantes muçulmanos a entrar para a europa, os cidadãos europeus começam a temer possíveis alterações nas sociedades. Estas alterações foram justificadas igualmente pelo o aumento dos ataques terroristas e pela morte e perseguição de indivíduos que criticaram publicamente as premissas do islão (como Oriana Fallaci e Fortuyn).

Outros Alarmes

O autor explica que parte deste problema advém da Europa se sentir culpada dos acontecimentos históricos do passado, como o colonialismo e as duas grandes guerras. Assim, os países europeus vêm a necessidade de acolher os refugiados como uma forma de compensar pelos os erros do passado. Contudo, esta “culpa hereditária” não é sentida pelos países fora da Europa. É de destacar que o Império Otomano foi responsável pelo primeiro genocídio do século XX. A realidade é que todos os países algures na história cometerem algum ato terrível, mas nem todos estão dispostos a abrir as suas fronteiras.

Em 2015, o “sonho europeu de um continente sem fronteiras começou a desabar” (Murray, 2018, p. 180) quando a Hungria, a Áustria e outros países, começaram a criar cercas de proteção e a repor as fronteiras de forma a conter o fluxo de imigrantes que chegavam à Europa. Contudo, outros alarmes soaram por todo o continente europeu. Desde o aumento de casos registados de homofobia islâmica e de agressão sexual a mulheres por homens muçulmanos, ao aumento dos ataques terroristas por toda a Europa (ex: o massacre da redação do Charlie Hebdo em 2015 e no Aeroporto de Bruxelas em 2016)

Jean-Claude Juncker e outros políticos insistiam que o Islão era uma religião de paz e que os atacantes eram criminosos e não refugiados a pedir asilo, minimizando as diferenças em vez de resolver o problema. Efetivamente, alguns destes ataques foram “levados a cabo por pessoas que tinham chegado à Europa durante os anos da recente vaga de migração” (Murray, 2018, p. 190) e outros ataques foram realizados por pessoas criadas na Europa que se converteram ao Islão. O “cansaço da Europa”, a necessidade de ter que acreditar em algo e o consequente desinteresse para com a religião católica, fazem com que o Islão seja um polo atrativo para muitos indecisos.

Ao longo da obra, o autor aponta diversas sondagens que demonstram o crescente descontentamento da população face a esta situação. Uma sondagem da Ipsos (2016), demonstra que poucas pessoas acreditam que a imigração tenha detido um impacto positivo na sociedade. Ao longo do tempo, este descontentamento expressou-se na criação de movimentos de oposição aos muçulmanos radicais, como o English Defense League, na Inglaterra e o Pegida, na Alemanha e pelo aumento da popularidade dos partidos que apelavam à criação de políticas de controlo de imigração, como a Alternativa para a Alemanha. Contudo, como já tinha acontecido anteriormente não lhes foi dado qualquer espaço para discussão, mesmo que as intenções não fossem extremistas.

Foi unicamente com a eleições regionais da Alemanha em 2016, que Merkel despertou para o problema que causou. A população alemã demonstrou o seu descontentamento ao atribuir mais votos no próprio círculo eleitoral de Angela Merkel, à Alternativa para a Alemanha. Depois do anúncio dos resultados, Merkel afirma que “Se pudesse, faria o tempo voltar muitos e muitos anos atrás” (Murray, 2018, p. 284), contudo agora só nos resta perceber a perspetiva do autor do que poderia ter sido a europa.

O que poderia ter sido

Para terminar Murray dá-nos uma perspetiva que a Europa com “a liderança política e moral certa poderia ter funcionado diferente” (Murray, 2018, p. 287). Em primeiro lugar, é importante constatar que a Europa não pode ser responsável por resolver os problemas do mundo inteiro e assim não pode ser “a casa do mundo inteiro”. Depois apresenta-nos possíveis soluções para o problema da imigração: 1) a criação de uma política que aloca os imigrantes a cidades mais próximas da sua cidade natal. Esta política irá evitar mais facilmente possíveis desafios culturais que possam surgir; 2) assegurar que os pedidos de asilo são processados fora da Europa, tornando mais fácil perceber quem é um requerente legitimo e quem não é; 3) deportação de todos os imigrantes que não detém direito legal a estarem na europa; 4) criação de um sistema de asilo temporário, onde era reconhecida que a estadia na Europa não era permanente; 5) reconhecimento dos erros do passado, os políticos têm que reconhecer que falharam. O autor igualmente recomenda alargar o consenso político e aceitar a existência de partidos que por um lado acreditem em políticas que limitam o fluxo da imigração e por outro, não defendam valores extremistas. A Europa tem igualmente que perdoar o seu passado e pensar no positivo que existe nele. E enquanto parte essencial do nosso passado histórico, tem que existir uma maior abertura por parte da Igreja Católica. Só através destas medidas é que a Europa pode “sarar”.

Referências

1. Murray, D. (2020). About. Douglas Murray Autor & Journalist. Retirado de https://douglasmurray.net/about/. [ Links ]

2. Murray, D. (2018). A Estranha Morte da Europa: Imigração, Identidade, Religião. Lisboa: Desassossego. [ Links ]

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