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Political Observer - Revista Portuguesa de Ciência Política

versão impressa ISSN 1647-4090versão On-line ISSN 2184-2078

PO-RPCP vol.16  Lisboa dez. 2021  Epub 02-Mar-2022

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2021.16/pp.185-189 

Rescenção

O Regresso das Ditaduras?

Margarida de Brito Rosa1 
http://orcid.org/0000-0002-5603-4686

1 Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Portugal.


Pinto, A. C. (2021). O Regresso das Ditaduras? Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos

A presente obra, designada como um ensaio pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, explora o percurso das ditaduras ao longo da sua existência como regime político que perdura no mundo contemporâneo.

António Costa Pinto é atualmente Investigador Coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Convidado no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. Foi presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política e consultor científico do Museu da Presidência da República Portuguesa. O seu percurso conta com inúmeras publicações em torno das transições democráticas, das mudanças de regime e do autoritarismo e fascismo, desenvolvendo ainda análises comparadas dos sistemas autoritários. Ao longo da sua carreira tem assumido funções e estabelecido relações quer no âmbito nacional quer internacional, assim como tem colaborado regularmente com os meios de comunicação social.

Nas palavras do autor, esta obra, dividida em capítulos, pretende ser uma introdução às ditaduras e aos seus modelos de dominação política, através de uma análise teórica, factual e concetual que viaja entre o passado e o presente. Procura apresentar e explicar as características dos regimes autoritários, identificando o que se mantém, o que se anulou e o que sofreu mutações.

A terceira vaga de democratização e a nova ordem internacional pós-Guerra Fria suscitaram mudanças na política internacional e deram início a uma nova era. Se para uns este foi um momento potenciador de esperança sobre o futuro e de esquecimento dos períodos mais negros do último século, para outros abria-se caminho a novas incertezas e desafios. Depressa tornou-se evidente que os autoritarismos não tinham sido totalmente derrotados e que, mesmo com as inúmeras transições democráticas do final do século XX, a apologia às ditaduras permanecia no vasto espetro político, da direita à esquerda.

Após o capítulo introdutório, é dada ênfase ao passado histórico da ditadura, com a contextualização do próprio conceito. De acordo com António Costa Pinto, durante grande parte do século XX, o conceito esteve relacionado com a ditadura do proletariado, identificando como ponto de viragem a década de 1930, momento em que o termo ganhou conotações mais negativas dadas as experiências fascistas e ditatoriais de direita a si associadas. Já a primeira ditadura socialista dá-se aquando da criação da União Soviética. A legitimação dos regimes democráticos na ordem internacional, apoiada por organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), potenciou ainda mais a negatividade das ditaduras em contrapartida com o vigor da democracia liberal. É, então, apresentada a definição de Gandhi como a que melhor define a fronteira entre a democracia e a ditadura e que olha para esta última como um “regime político em que a elite política governa por meios outros que não eleições livres e justas” (Pinto, 2021, pp. 12), sendo claro que nenhuma democracia se constrói e funciona sem pluralidade ideológica e voto popular.

Esta família política partilha certos traços universais no que respeita à sua natureza e essência. No entanto, além dessas semelhanças, há um conjunto de particularidades. A análise é sempre feita em torno de três principais categorias de ditadura ou regime: fascista, socialista ou comunista, militar, entre outras que podem ser pontualmente citadas. Depois de ser feito o enquadramento geral dos vários tipos de ditadura conhecidos, o autor incide sobre as instituições políticas associadas, nomeadamente o ditador e a pessoalização do poder, o partido único ou dominante, o governo, os parlamentos e o processo eleitoral. A estas instituições juntam-se as instituições de coerção e controlo político ligadas à repressão, ao medo e à censura.

Aos olhos do senso comum e dos opositores, as instituições políticas constroem uma imagem falsa e artificial do funcionamento político e raramente são efetivas e respeitadas, sobretudo quando são inspiradas em instituições democráticas. Ainda assim, a simulação destas instituições é essencial à consolidação, legitimação e sobrevivência do regime, ainda que funcionem de maneira muito diferente comparativamente com os seus equivalentes em democracia.

Quando confrontados com os problemas comuns a todos os regimes políticos, estes regimes encontram a solução na manutenção e renovação do controlo e da legitimidade, assumindo uma forte dominação com um líder, e uma elite política de apoio, que exerce o poder com limites mal definidos. Segundo o autor, a maioria dos estudiosos argumentam que os regimes em causa são dominados por duas tensões fundamentais, sendo elas “o controlo autoritário, ou seja, como controlar a sociedade, e a partilha do poder, ou seja, como encontrar e cooptar aliados e neutralizar eventuais opositores” (Pinto, 2021, pp. 33).

Atualmente, mais de um terço do mundo é dominado por ditaduras, conquista esta caracterizada por um progresso evolutivo ao longo do tempo. São vários os estudos internacionais levados a cabo por diferentes entidades que alertam para o seu crescimento evidente e para a consequente ameaça à liberdade global e aos valores democráticos. É o caso do quadro, presente no segundo capítulo, que apresenta uma perspetiva cronológica com a evolução das ditaduras e democracias entre 1922 e 2000, retratando a passagem de 29 democracias e 35 ditaduras, num total de 64 Estados, no ano de 1922, para 117 democracias e 74 ditaduras, num universo de 191 Estados, em 2000. Por um lado, estes números englobam algumas ditaduras antigas que sobreviveram, mas por outro refletem, claramente, os novos projetos autoritários.

Os regimes autoritários “cresceram em número, mas sobretudo em variedade, marcando desde a quase totalidade dos países que nasceram da antiga União Soviética à ainda hesitante deriva autoritária de Erdogan na Turquia, ou de Orbán na Hungria” (Pinto, 2021, pp. 8). Dominam grandes potências mundiais, como a Rússia e a China, mas também países ou regiões de grande importância estratégica, como a Arábia Saudita e a Venezuela. A nova vaga dos últimos anos reflete o predomínio de regimes muito diversificados, motivados em chegar ao poder mascarados de democracias, aludindo a perfis híbridos, iliberais e populistas.

O capítulo dedicado ao autoritarismo contemporâneo e à “nova vaga de «autocratização»” (Pinto, 2021, pp. 73) começa, precisamente, por expor a forma como os novos projetos populistas e de direita radical aceleram a erosão da democracia. São partidos, líderes e regimes que afirmam o seu verdadeiro perfil através de um processo lento de transição para o autoritarismo. O acesso ao poder é facilmente feito por meios ditos legais ou democráticos, ainda que se registem ações corruptas, eleições manipuladas ou mesmo fraudes eleitorais, o que contrasta com o passado, quando a afirmação de um regime autoritário estava muitas vezes associada a um derrube súbito e abrupto da democracia pelo meio de, por exemplo, um golpe de Estado. Daí assistir-se a uma vasta gama de projetos e perfis vigentes com caminhos mais difusos e uma identificação complexa, apesar de haver um certo padrão de transição ou modelo de atuação.

São cada vez mais os exemplos possíveis de identificar em vários países e continentes. António Costa Pinto selecionou três casos para analisar: a Turquia de Erdogan, a Rússia de Vladimir Putin e a China contemporânea.

No caso da Turquia, o lento processo de transição deu-se a partir do poder com a chegada de Erdogan que rapidamente introduziu reformas e implementou uma chefia personalizada e dominante, representando um novo tipo de autoritarismo distante da tradição ditatorial do país. Desde 2017 que funciona no país um regime presidencialista.

A Rússia de Putin é para muitos um regime autoritário consolidado, denominado como “putinismo”, proveniente de um processo de democratização com instituições fracas e ineficientes. A consolidação autoritária deu-se com a chegada de Putin ao poder, que de imediato reforçou a autoridade do Estado, o controlo de determinados setores e a recentralização política e administrativa, afirmando igualmente o presidencialismo russo e o partido e figura dominante.

A China contemporânea é um caso diferente, já que o processo de mudança ocorreu dentro do mesmo quadro autoritário. As sucessivas reformas distinguem o presente da China comunista do passado, mas há linhas que permanecem, como é o caso da tradição do regime de partido único. Xi Jinping concentra em si o poder e alimenta o culto da personalidade. Conforme dito pelo autor, “A cidadania chinesa é hoje bem mais livre do que no passado, ainda que sempre com os limites habituais (…) estando presos a uma gigante estrutura neocorporativa, dominada pelo partido-Estado” (Pinto, 2021, pp. 84).

Na sua conclusão, António Costa Pinto sumariza aqueles que são os traços de continuidade ou de mudança que ao longo do tempo acompanharam as ditaduras, apesar dos pomos que as distinguem. A pessoalização do poder, assim como a repressão, a censura e o controlo da informação, são elementos de continuidade universal. Os regimes são agora menos ideológicos e recorrem mais à mimetização das democracias. Por último, há uma maior integração nos mercados da economia de mercado resultante da adaptação ao capitalismo, o que tem originado mais corrupção e ações ilegais do Estado em benefício próprio.

Aos novos regimes autoritários ou autocráticos estão, frequentemente, associadas políticas populistas e iliberais que de forma clara comprometem a qualidade da democracia, situadas à direita do espetro político. Este mostra-se ser o principal desafio da atualidade, uma nova forma de governar, com líderes motivados em transformar a democracia liberal. O autor espelha a sua preocupação ao terminar com a seguinte questão: “Será a democracia iliberal uma forma de regime político?” (Pinto, 2021, pp. 91).

Trata-se de uma obra muito pertinente, desde logo pela sua atualidade. Uma reflexão que aborda o passado e evidencia as bases que estiveram na origem das ditaduras, permitindo sustentar o estudo no presente de um assunto perene.

Referências

1. Pinto, A. C. (2021). O Regresso das Ditaduras? Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. [ Links ]

1. MARGARIDA DE BRITO ROSA é estudante da Pós-Graduação em Assessoria de Comunicação e Política no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. É licenciada em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Membro Associado do Observatório Político. Interesses de investigação: política internacional, representação política, segurança e defesa, direitos humanos. ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-5603-4686

2. MARGARIDA DE BRITO ROSA is a Post-Graduate student in Communication and Policy Advisory at ISCTE-University Institute of Lisbon. He holds a BA in International Relations by the Institute of Social and Political Sciences - University of Lisbon. Associate Member of the Political Observatory. Research interests: international politics, political representation, security and defense, human rights. ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-5603-4686

Recebido: 06 de Abril de 2021; Aceito: 21 de Outubro de 2021

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