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Political Observer - Revista Portuguesa de Ciência Política

versão impressa ISSN 1647-4090versão On-line ISSN 2184-2078

PO-RPCP vol.17  Lisboa jul. 2022  Epub 28-Set-2022

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2022.17/pp.9-13 

Edital

Teorias e Práticas

Cristina Montalvão Sarmento
http://orcid.org/0000-0002-8068-4478


Atualmente, os investigadores de todas as áreas de estudo reconhecem a necessi dade de rigor, lógica e coerência, que deve resistir à revisão pelos pares, bem como verificar a abordagem fundamental à realidade. A ciência política não é alheia a este fenómeno.

Estudar a realidade, na maioria das disciplinas científicas, consiste em juntar evi dências empíricas verificáveis - baseadas na observação sistemática e controlada - e analisá-las com o uso da lógica. Neste sentido, o método científico nada mais é do que a lógica aplicada à ciência.

É certo que as descrições de métodos são encontradas desde as civilizações anti gas, seja no Antigo Egito ou na Grécia Clássica. Na sociedade árabe, há cerca de mil anos, as bases do que seria o método científico atual foram sendo construídas, com o trabalho de Ibn Al-Haytham. A metodologia científica foi reforçada pelo pensamento de René Descartes e pelos desenvolvimentos empíricos do físico inglês Isaac Newton. O famoso Círculo de Viena acrescentou a esses princípios a necessidade de verifica ção e o método indutivo de Karl Popper veio demonstrar que nem a verificação, nem a indução sozinhas serviam ao propósito em questão - o de compreender a reali dade conforme esta é, e não conforme se gostaria que fosse - pelo que o cientista deve trabalhar com o falseamento até encontrar, sobretudo, evidências de que a hi pótese está errada. Popper, com este racionalismo crítico, demonstrou que a ciência é um conhecimento provisório que funciona através de sucessivos procedimentos de falsidade.

Deste modo, nunca se prova uma teoria científica e foi preciso esperar pelos seus discípulos, entre os quais, Thomas Kuhn, para esclarecer que os paradigmas são ele mentos essenciais do método científico. Isto para não referir um outro dos seus discí pulos, radicalmente contra o método, o físico austríaco, Paul Feyerabend. O seu livro Contra o Método, tornou-se um dos mais discutidos livros de filosofia da ciência em língua inglesa. Passou a reconhecer-se que a relação da teoria com os factos e destes com os elementos teóricos são informados pelos paradigmas científicos.

Entre estes, na história recente, essa relação é demonstrada pela oposição maior entre o paradigma positivista e construtivista. O positivismo sustenta que a verdade está lá fora, “à espera de ser descoberta”. Nesta visão, os factos existem indepen dentemente de quaisquer teorias ou observação humana. Esta perspetiva domina a tradição filosófica ocidental, que tem fornecido, em geral, a fundação da ciência ocidental. Neste paradigma, nem a busca da verdade, nem a própria verdade são problemáticas: a verdade é definitiva e verificável. Em alternativa, para muitos cons trutivistas, a verdade é fabricada na mente das pessoas e entre as pessoas de determi nada cultura. Nesta segunda visão, os factos e, consequentemente a verdade são uma construção de teorias e pontos de vista. Este paradigma construtivista sustenta que a natureza da verdade e do inquérito é problemática, porque a verdade é construída nos processos em curso de negociação, de reavaliação e de aperfeiçoamento dos indi víduos.

Assim, hoje dispomos da consciência sobre a forma como os referenciais teórico -filosóficos de cada método influem, informam e distorcem as múltiplas perspetivas que alteram a realidade observada e de como se podem transformar afinal numa composição de ideias e ideologias que a história altera e o futuro pode condenar, o que se revela fundamental no domínio da ciência política. Ora, a teoria em ciência política não é prescritiva, mas está informada pelos valores axiológicos e pela compo nente normativa que a sua conceção impõe, o que é manifesto na maioria dos textos que se lhe referem.

Nos trechos que trazemos à luz na primeira parte deste número da Political Ob server - Revista Portuguesa de Ciência Política, esta condição comprometida é ine lutável. Seja quando se recria a importância dos clássicos para a teoria atual, como Tomé Ribeiro Gomes faz com o seu texto sobre Tucídides, ou quando Manuel Mor gado se envolve na discussão acerca da moral e da ética. Da mesma forma, o debate sobre a condição feminina e o ambiente, de Lucie Calléja e de João Augusto, sobre o feminismo islâmico, não escapam às matrizes axiológicas que lhe estão subjacentes, que por sua vez se manifestam na análise dos movimentos jihadistas no corno de África de Ana Carina Franco e Miguel Ajú.

No entanto, do ponto de vista das práticas políticas, na segunda parte, temos uma certa confirmação da crueldade da realidade que pressentimos quando se discutem as políticas distributivas de renda garantida, como o faz Julio Aurelio Vianna Lopes ou como se perceciona a presença policial na proteção civil ou se faz uma análise aos programas dos XXII governos constitucionais de Portugal sobre a matéria, pela pena de Ricardo Claro, no primeiro caso e, Leandro Berenguer, no segundo. Finalmente este tema agudiza-se quando se politiza a saúde e se debate a desinformação neste domínio, como nos chama a atenção, Francisco Cabral. No final, a nossa recensão da obra de Karen Cox, No common ground. Confederate monuments and the ongoing fight for racial justice, analisada pelo Carlos Vargas, posiciona-se neste terreno da revisitação de práticas culturais e de ideias, que ganham corpo nos monumentos e, com a sua retirada, expressam novas ideias e ideologias que o tempo alterou.

Se os factos e, consequentemente a verdade, são uma construção de teorias e pon tos de vista, ou se se manifestam em si mesmo como a verdade a ser descoberta, con tinuará a ser, por enquanto, uma discussão do nosso mundo hodierno. Para ilustrar como as múltiplas perspetivas alteram a realidade observada e de como se podem transformar afinal numa composição de ideias e ideologias, a nossa capa é um mural da autoria de Pariz One e Mr. Dheo. Artistas reconhecidos na arte urbana portuguesa que recriaram o 25 de Abril, numa versão em que os revolucionários são conhecidas personagens animadas, chamando a atenção dos mais novos. Uma curiosa e criativa forma de ilustrar a realidade, a que PO-RPCP sempre deu atenção.

Para encerrar, é uma módica de justiça agradecer aos membros do Observatório Político que ao longo de mais de dez anos têm permitido continuar este projeto e, muito particularmente, são devidos agradecimentos aos nosso jovens estagiários e à Patrícia Tomás, que com o rigor e o cuidado que sempre coloca nas tarefas a que se propõe, foram essenciais para tornar este número dezassete uma realidade, pelo que a comunidade da ciência política agradece.

Theories and Practices

Currently, researchers from all fields of knowledge recognize the need for accuracy, logic, and coherence, which must resist to peer review as well as verify the funda mental approach to reality. Political science do not stand unacquainted to this phe nomenon.

Studying reality, in most scientific disciplines, consists on gathering verifiable empirical evidence - based on systematic and controlled observation - and on ana lyzing it using logic. In this sense, the scientific method is nothing more than logic applied to science.

It is certain that descriptions of methods are found since ancient civilizations, whether in Ancient Egypt or Classical Greece. In Arab society, about a thousand years ago, the foundations of what would be the current scientific method were be ing built, with the work of Ibn Al-Haytham. The scientific methodology was rein forced by the thinking of René Descartes and by the empirical developments of the English physicist Isaac Newton. The famous Vienna Circle added to these principles the need for verification, and Karl Popper’s inductive method came to demonstrate that neither verification nor induction alone served the purpose in question - that of understanding reality as it is, and not as if would like it to be - so the scientist must work with the falsification until he finds mainly evidence that the hypothesis is wrong. Popper, with this critical rationalism, demonstrated that science is a provi sional knowledge that works through successive procedures of falsity.

Thus, a scientific theory is never proved and it was necessary to wait for his disci ples, including Thomas Kuhn, to clarify that paradigms are essential elements of the scientific method. Not to mention another of his disciples, who was radically against the method, the Austrian physicist Paul Feyerabend. His book Against Method has become one of the most discussed books on philosophy of science in the English lan guage. It came to be recognized that the relationship between theory and facts and between facts and theoretical elements is informed by scientific paradigms.

Among these, in recent history, a greater opposition between the positivist and constructivist paradigms demonstrates this relationship. Positivism holds that the truth is out there, “waiting to be discovered.” In this view, facts exist independently of any theories or human observation. This perspective dominates the Western phil osophical tradition, which has generally provided the foundation of Western science. In this paradigm, neither the search for truth nor the truth itself is problematic: truth is definitive and verifiable. Alternatively, for many constructivists, truth is fabricated in people’s minds and among people of a particular culture. In this second view facts and hence truth are a construction of theories and points of view. This constructivist paradigm holds that the nature of truth and inquiry is problematic, because truth is constructed in the ongoing processes of negotiation, reassessment and improvement of individuals.

Therefore, we are aware of how the theoretical-philosophical references of each method influence, inform and distort the multiple perspectives that change the observed reality and how they can ultimately be transformed into a composition of ideas and ideologies that history and the future change or can condemn, which is fundamental in the field of political science. The theory in political science is not prescriptive, but it is informed by the axiological values and by the normative compo nent that its conception imposes, which is manifest in most of the texts that refer to it.

In the texts that we bring to light in the first part of this issue of Political Observer - Revista Portuguesa de Ciência Política, this compromised condition is unavoidable. Whether when recreating the importance of the classics for current theory, as Tomé Ribeiro Gomes does with his text on Thucydides, or when Manuel Morgado gets in volved in the discussion about morals and ethics. In the same way, the debate on the feminine condition and the environment, by Lucie Calléja and João Augusto, about Islamic feminism, does not escape the axiological matrices that underlie it, which in turn are manifested in the analysis of jihadist movements in the horn of Africa by Ana Carina Franco and Miguel Ajú.

However, from the point of view of political practices, in the second part, we have a certain confirmation of the cruelty of reality that we sense when discussing the distributive policies of guaranteed income, as Julio Aurelio Vianna Lopes does or how the police presence in the civil protection or in the analysis made of the pro grams of the XXII constitutional governments of Portugal, on the matter, by the pen of Ricardo Claro in the first case, and Leandro Berenguer, in the second. Finally, this issue becomes more acute when health is politicized and disinformation in this field is debated, as Francisco Cabral draws our attention. In the end, our review of Karen Cox’s work, No common ground. Confederate monuments and the ongoing fight for racial justice, analyzed by Carlos Vargas, is positioned in this field of revisiting cul tural practices and ideas that take shape in the monuments and, with their removal, express new ideas and ideologies that time has changed.

Whether the facts and consequently the truth, are a construction of theories and points of view or manifest themselves as the truth to be discovered, it will continue, for now, to be a discussion of our current world and to illustrate how the multiple perspectives change the observed reality and how they can ultimately be transformed into a composition of ideas and ideologies, our cover is a mural by Pariz One and Mr. Dheo. They are recognized artists in Portuguese urban street art who recreated the 25th of April, in a version in which the revolutionaries are replaced by known ani mated characters, drawing the attention of the younger ones. A curious and creative way of illustrating reality that PO-RPCP has always paid attention.

Lastly, it is a modicum of justice to thanks the members of the Political Obser vatory who have allowed this project to continue for more than ten years and, in particular, to thanks our young interns and Patrícia Tomás, who with the accuracy and care that puts into the tasks she sets out to do, was essential to make this number seventeen a reality, for which the political science community is grateful.

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