SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 suppl.1Decúbito ventral na Síndrome de Dificuldade Respiratória no Adulto após infeção por coronavírusEfeitos de um programa de (tele)reabilitação respiratória na pessoa com COVID-19: Um estudo de caso índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação

versão impressa ISSN 2184-965Xversão On-line ISSN 2184-3023

RPER vol.3  supl.1 Silvalde out. 2020  Epub 27-Out-2020

https://doi.org/10.33194/rper.2020.v3.s1.2.5756 

Artigos

Intervenção do enfermeiro especialista em reabilitação na capacitação do cuidador familiar após AVC: estudo de caso

Intervención del enfermero especialista en rehabilitación en la capacitación del cuidador después de AVC: estudio de un caso

Intervention of rehabilitation nurse in family caregiver empowerment after stroke: case study

1- Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca

2- Hospital de Egas Moniz

3- Escola Superior de Saúde Atlântica

4- Universidade de Évora

5- Comprehensive Health Research Centre


RESUMO

Introdução:

O acidente vascular cerebral é considerado uma doença crónica com implicações na saúde, funcionalidade e qualidade de vida. É fundamental capacitar a pessoa com acidente vascular cerebral assim como a sua família, melhorando as competências do cuidador familiar.

Objetivo:

Avaliar a intervenção do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação na capacitação do cuidador familiar e na prestação de cuidados a uma pessoa com acidente vascular cerebral.

Metodologia:

Estudo de abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, centrado na aplicação do processo de enfermagem, de acordo com a linguagem CIPE®, com recurso ao Padrão Documental dos Cuidados da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação. É apresentado a elaboração de um cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico e a sua uniformização de conteúdos. Posteriormente, são realizadas sessões educativas com apoio do poster com o cuidador familiar da pessoa alvo dos cuidados com elevada dependência e portadora de espasticidade.

Resultados:

Com a implementação do cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico e de um plano de sessão de formação estruturado e direcionado às necessidades do cuidador verificou-se um aumento da capacidade em executar os diferentes posicionamentos em padrão antiespástico; contacto com produtos de apoio; redução da dor no ombro hemiplégico, prevenção do desenvolvimento da espasticidade e prevenção de úlceras por pressão.

Conclusão:

Com a implementação de um cartaz informativo sobre posicionamento em padrão antiespástico foi possível desenvolver no cuidador competências e capacidade na prestação de cuidados à pessoa com acidente vascular cerebral, assim como prevenir complicações que podem pôr em risco o processo de reabilitação.

Palavras-chave: Espasticidade Muscular; Cuidadores; Capacitação; Enfermagem de Reabilitação; Relatos de Casos

RESUMEN

Introducción:

El accidente cerebrovascular se considera una enfermedad crónica con implicaciones para la salud, la funcionalidad y la calidad de vida. Es esencial formar a la persona con accidente cerebrovascular, así como a su familia, mejorando las habilidades del cuidador.

Objetivo:

Evaluar la intervención de especialistas en enfermería de rehabilitación, en la capacitación de cuidadores familiares y en la atención a una persona con accidente cerebrovascular.

Metodología:

Este es un estudio de caso cualitativo, centrado en la aplicación del proceso de enfermería, de acuerdo con el lenguaje CIPE®, utilizando el Estándar Documental de Atención de Enfermería de Rehabilitación. Se presenta la elaboración de un póster informativo de posicionamiento antiespástico y su estandarización de contenidos. Posteriormente, se llevan a cabo sesiones educativas con apoyo de póster con el cuidador familiar de la persona con alta dependencia y con espasticidad.

Resultados:

La implementación del póster informativo de posicionamiento antiespástico y un plan de sesiones de entrenamiento estructurado centrado en las necesidades del cuidador aumentaron la capacidad de realizar las diferentes posiciones antiespásticas; contacto con productos de soporte; reducción del dolor del hombro hemipléjico; prevención del desarrollo de espasticidad y prevención de úlceras por presión.

Conclusión:

Con la implementación de un póster informativo sobre el posicionamiento en el patrón antiespástico, fue posible desarrollar en el cuidador habilidades y la formación para atender a la persona con accidente cerebrovascular, así como prevenir complicaciones que pueden poner en riesgo el proceso de rehabilitación.

Palabras clave: Espasticidad Muscular; Cuidadores; Capacitación; Enfermería en Rehabilitación; Informes de Casos

ABSTRACT

Introduction:

Stroke is considered a chronic disease with implications for health, functionality and quality of life. It is essential to empower the person with stroke as well as their family, improving the skills of the family caregiver.

Objective:

To evaluate the intervention of the rehabilitation nurse specialist in the training of family caregivers and in providing care to the person with stroke.

Methodology:

This is a qualitative case study, centered on the application of the nursing process, according to the ICNP® language, using the Documentary Standards of Rehabilitation Nursing Care. The elaboration of an informative poster regarding anti-spastic positioning and its standardization of contents is presented. Subsequently, educational sessions with poster support are held with the family caregiver of the person with high dependence and presenting spasticity.

Results:

With the implementation of the anti-spastic positioning informative poster and a structured training session plan focused on the caregiver's needs the ability to perform the different anti-spastic positioning positions was increased; contact with support products; reduction of hemiplegic shoulder pain, prevention of spasticity development and prevention of pressure ulcers.

Conclusion:

By implementing an informative poster about positioning in anti-spastic pattern, it was possible to develop in the caregiver skills and ability to provide care to the person with stroke, as well as to prevent complications that may endanger the rehabilitation process.

Key words: Muscle Spasticity; Caregivers; Training; Rehabilitation Nursing; Case Reports

INTRODUÇÃO

Portugal segue a tendência dos países ditos desenvolvidos, apresentando uma população a viver cada vez mais anos derivado aos sucessivos avanços da medicina e tecnologias, com um aumento da cronicidade dos problemas em saúde. Esta é uma situação a que se atribui igualmente uma considerável causalidade aos estilos de vida atuais, que revelam comportamentos associados a fatores de risco importantes para a saúde1.

Na União Europeia, a principal causa de morte é liderada pelas doenças cardiovasculares representando cerca de 36% das mortes em 2010, onde se incluem essencialmente a doença isquémica cardíaca e a doença cerebrovascular2. No ano de 2014, em Portugal, foram registados 20 mil episódios de internamento por acidente vascular cerebral (AVC), apresentando em 2015 pela primeira vez valores de mortalidade inferiores a 30%1.

Deste modo, o AVC é problema de saúde publica com sequelas potencialmente permanentes, com implicações para os profissionais de saúde, políticos e comunidades, sendo imprescindível a implementação de estratégias que maximizem as potencialidades destas pessoas, a adaptação do contexto de modo a promover sociedades sustentáveis3.

O AVC consiste num distúrbio na irrigação sanguínea com envolvimento focal de parte do cérebro, com início agudo e rápido desenvolvimento de um déficit neurológico com uma duração superior a 24 horas4. Esta patologia pode ocorrer pela oclusão de um vaso sanguíneo, denominando-se AVC isquémico (85% dos casos), ou por rotura do vaso e consequente extravasamento sanguíneo para o tecido cerebral e espaço subaracnóide, considerando-se AVC hemorrágico (15% dos casos)4.

De acordo com a Sociedade Portuguesa do AVC, os principais fatores de risco para o AVC são a idade, sexo, etnia, hipertensão arterial, tabagismo, diabetes mellitus, dislipidemia, fibrilhação auricular, entre outros5.

A ocorrência de um AVC é maior após os 65 anos, embora possa ocorrer em qualquer faixa etária, inclusivé na infância6. Prevê-se para o ano 2023 um aumento do número de primeiros AVC, com uma prevalência de 5/1000 na população, permanecendo 65% dos sobreviventes dependente nas atividades de vida3. Esta dependência resulta de diversas alterações nomeadamente, a ansiedade, depressão, distúrbios do sono, distúrbios motores, sensoriais, cognitivos e comunicacionais, entre outros6.

A espasticidade está presente em 19% a 43% das pessoas após o AVC e manifesta-se clinicamente como uma resistência ao alongamento passivo. Entende-se por espasticidade, o aumento dos reflexos de estiramento do músculo e resistência excessiva do músculo quando se alonga passivamente7. O estiramento resulta da hiperexcitabilidade do arco reflexo sem controlo na via descendente do sistema nervoso central, surgindo dos segmentos distais para os proximais, nos padrões musculares compostos pelos anti-gravíticos3.

Nos membros superiores existe um predomínio do grupo dos músculos flexores, verificando-se uma adução e rotação interna do ombro; flexão do cotovelo; pronação do antebraço, flexão do punho e dedos. Nos membros inferiores o predomínio será dos músculos extensores, marcado pela rotação externa da coxofemoral, extensão da coxofemoral e joelho; inversão da tibiotársica e dorsiflexão do pé. Esta é uma postura que mantida por um período de tempo prolongado promove um endurecimento muscular e limitações na amplitude articular acompanhada de dor3,8.

A espasticidade, pelo seu impacto negativo na capacidade funcional, é considerada um dos distúrbios motores mais incapacitantes, estabelecendo limitações em tarefas diárias como a alimentação, cuidados de higiene, mobilidade entre outras8).

A espasticidade do ombro, subtensão do ombro, perda da função motora, alterações sensoriais e depressão são as principais causas para instalação do ombro doloroso na pessoa com hemiplegia9,11.

O ombro doloroso hemiplégico consiste numa das mais comuns complicações em pessoas com AVC, registando prevalências entre os 22 a 23% da generalidade das pessoas sobreviventes de AVC sendo que 54 a 55% corresponde a pessoas com AVC em ambiente hospitalar de reabilitação9. O ombro doloroso hemiplégico pode surgir entre duas semanas a quatro meses após o AVC. Apresenta elevada incidência e tem frequentemente etiologia multifatorial10, interferindo com o processo de reabilitação, aumentando tempos de hospitalização, reduzindo a qualidade de vida9.

O efeito da gravidade na instabilidade da articulação do ombro em simultâneo com a execução de técnicas incorretas durante as transferências, na realização de procedimentos e na adoção de posições inadequadas nos respetivos decúbitos da pessoa, são aspetos que contribuem para disfunção dos músculos, tendões e estruturas artículo-capsulares no ombro parético12.

Neste seguimento, o padrão antiespástico assume-se como fundamental até à total recuperação. Apesar do correto posicionamento da pessoa com AVC não garantir a total prevenção da espasticidade, permite reduzir consideravelmente o seu desenvolvimento, evitando também a ocorrência de espasmos nos membros lesados3.

Além da promoção do conforto e bem estar e da prevenção das complicações anteriormente abordadas, permite que as proeminências ósseas fiquem salvaguardadas, mantendo a integridade cutânea e tecidos subjacentes, prevenindo o surgimento de úlceras por pressão resultantes da pressão constante sobre uma superfície dura ou de uma combinação entre esta com forças de torção3.

Para o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação é fundamental acompanhar a pessoa com AVC assim como a sua família, facilitando transições saudáveis para o domicílio como preconizado por Meleis. Torna-se assim fundamental a procura e adoção de estratégias de adaptação às novas circunstâncias de forma a posteriormente proporcionar uma autonomia responsável ao cuidador familiar. Nesta fase, é favorecida a capacitação do cuidador familiar, ou seja, a sua perceção de empowerment, sendo capaz de fazer opções informadas3.

É considerado um cuidador familiar, o familiar que presta cuidados a um elemento da sua família que seja idoso e/ou portador de doença crónica13. Este grupo na sua maioria não apresenta conhecimentos e formação que permita garantir com segurança a qualidade nos cuidados prestados3. O enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação tem o papel de transmitir esses conhecimentos, capacitando-o para a prestação de cuidados, desempenhando tarefas do quotidiano como atividades de vida diária, resolução de problemas, cuidados preventivos e de vigilância, entre outros3,13. Este processo contribui ainda, para prevenir o aparecimento de complicações com impacto direto no processo de reabilitação, atrasando o mesmo, assim como desenvolver estratégias adaptativas e contactar com material de apoio disponível junto do cuidador familiar14.

Assim, ao capacitar o cuidador familiar promove-se um parceiro dos cuidados, contudo, não dispensa da necessidade de existir um profissional de saúde que valide o conhecimento e competências ao longo do processo e que apoie de um modo contínuo14.

O presente estudo de caso remete-nos para a importância de capacitar o cuidador familiar e apresenta como questão norteadora: “qual o contributo da elaboração de um cartaz informativo na capacitação do cuidador familiar de uma pessoa com espasticidade após AVC?”.

O objetivo geral consiste na avaliação do impacto da intervenção da enfermagem de reabilitação ao elaborar um cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico na capacitação do cuidador familiar e na prestação de cuidados a uma pessoa com espasticidade após AVC. Por esta finalidade, identificam-se os seguintes objetivos específicos:

Desenvolver um cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico promovendo um recurso educativo disponível para enfermeiros, e para cuidadores familiares;

Identificar os benefícios da capacitação do cuidador familiar com recurso a material educativo como um cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico em contexto de AVC;

Identificar os benefícios da exposição de um cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico na prestação de cuidados do cuidador familiar.

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo de caso é defendido por Yin como uma pesquisa empírica através de um método estruturado para conhecimento de fenómenos individuais ou de grupos. Tem como objetivo explorar, descrever e explicar o evento15. Direcionando para a investigação em enfermagem, por meio de diversas fontes de evidência, o estudo de caso possibilita estudar fenómenos da vida complexos15.

De acordo com Andrade e colaboradores, este estudo de caso assume uma estrutura de seis etapas: definição do problema; definição do caso; fundamentação teórica; elaboração do protocolo de estudo; colheita de dados; análise e discussão dos resultados15.

Neste estudo de caso é apresentado a elaboração de um cartaz informativo sobre o posicionamento em padrão antiespástico com o objetivo de permanecer afixado. Pretende-se que o mesmo se assuma como uma ferramenta facilitadora para a prevenção da espasticidade e de fácil acesso tanto pelo cuidador informal, como para enfermeiros-

O programa de capacitação do cuidador familiar teve início a dia 15 de abril de 2019, estava inserido num ensino clínico I do curso de Pós-Licencitura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação, após a validação de conteúdos e consequente conclusão do cartaz informativo. O cuidador familiar, de 73 anos, foi designado como indivíduo de modo a salvaguardar a confidencialidade de dados e anonimato. Pelas questões pessoais, intransmissíveis e de confidencialidade da clínica hospitalar, tornou-se fundamental respeitar as diretrizes da ética para a investigação em enfermagem seguindo os princípios da Beneficiência; Não maleficência; Fidelidade; Justiça; Veracidade e Confidencialidade, informando assim sobre os riscos e benefícios16. Foi pedido consentimento livre esclarecido e assinado o termo de consentimento para participar no estudo de caso.

Participantes

Como participante deste estudo foi incluído o cuidador familiar assumido como cuidador primário da pessoa com AVC. O cuidador familiar selecionado sabe ler e escrever, conseguindo participar na validação de conteúdos apresentados no cartaz informativo e posteriormente recorrer ao mesmo para esclarecimento de dúvidas na realização do posicionamento. O cuidador familiar mostrou vontade de aprender e participar no programa de capacitação. O alvo dos cuidados apresentava uma doença no foro neurológico, nomeadamente AVC. O alvo dos cuidados apresentava uma dependência de moderada a total de acordo com avaliação realizada com Escala de Barthel. Foi critério de inclusão, na seleção da pessoa alvo de cuidados, que ela apresentasse uma grande dependência, nomeadamente, hemiparesia grave ou hemiplegia.

Instrumentos

Para melhorar a capacidade do cuidador familiar em atuar na inibição da espasticidade da pessoa alvo dos cuidados foi desenvolvido um cartaz informativo como instrumento de suporte ao longo de cinco sessões promotoras de capacidade. O cartaz informativo abordou os posicionamentos em padrão antiespástico, nomeadamente para o lado afetado, para o lado são ou lado menos afetado de acordo com alguns autores, e em dorsal3. As sessões promotoras de capacidade abordaram os conteúdos teóricos e a componente prática (Tabela 2).

O cartaz informativo foi previamente submetido a uma etapa de pré-teste. Para tal, foi selecionado um pequeno grupo constituído por enfermeiros e familiares de pessoas atualmente internadas que contribuíram para a validação e uniformização dos conteúdos de texto, conteúdos de imagem e layout (figura 1).

Direcionado ao cuidador familiar, o cumprimento dos princípios do posicionamento em padrão antiespástico e a sua progressiva capacitação foi avaliada através do método qualitativo, assumindo se o mesmo consegue cumprir com sucesso ou não os três posicionamentos propostos.

Figura 1 Cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico 

Para reunir informações relativas à pessoa alvo dos cuidados, foi necessário recorrer a instrumentos de medida que permitam identificar a efetividade no desempenho da técnica sobre as consequências inerentes ao processo de AVC. Foi realizada uma avaliação do desempenho de atividades de vida diária com recurso à Escala de Barthel. A avaliação inicial da integridade cutânea assim como a monitorização contínua do risco de úlceras por pressão pela Escala de Braden. A presença do ombro doloroso hemiplégico e sua monitorização foi garantida recorrendo à escala numérica da dor. A presença da espasticidade no hemicorpo afetado foi inicialmente avaliada pela Escala de Ashworth Modificada.

Procedimento

Uma vez realizado o pré-teste do cartaz informativo, garantindo uma uniformização para os diferentes intervenientes alvo, este foi fixado em local bem visível e de fácil acesso.

Foram realizadas cinco sessões de formação dirigidas ao cuidador familiar, abordando numa fase inicial a condição clínica associada ao AVC e suas consequências. Posteriormente, foram abordados os princípios da inibição da espasticidade presentes no cartaz informativo.

Diagnósticos de enfermagem de reabilitação

Foram identificados dois diagnósticos (de acordo com Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®)), 17 dirigido ao cuidador:

Potencial para melhorar conhecimento sobre técnica de posicionamento em padrão inibitório de espasticidade.

Potencial para melhorar capacidade do prestador de cuidados para posicionar em padrão inibitório de espasticidade.

Programa de capacitação do cuidador familiar

De acordo com o Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem de Especialidade de Enfermagem de Reabilitação17 foram identificadas as intervenções:

Tabela 1 Enunciado de diagnósticos e intervenções de enfermagem de reabilitação 

Diagnóstico de Enfermagem
Potencial para melhorar conhecimento sobre técnica de posicionamento em padrão inibitório de espasticidade
Intervenções de Enfermagem • Avaliar conhecimento sobre técnica de posicionamento em padrão inibitório de espasticidade
• Ensinar sobre processo patológico
• Ensinar sobre técnica de posicionamento em padrão inibitório de espasticidade [para o lado afetado, para o lado são, dorsal]
• Providenciar material educativo [cartaz informativo do posicionamento em padrão anti espástico]
Potencial para melhorar capacidade do prestador de cuidados para posicionar em padrão inibitório de espasticidade
Intervenções de Enfermagem • Avaliar capacidade do prestador de cuidados para posicionar em padrão inibitório de espasticidade
• Instruir o prestador de cuidados para posicionar em padrão inibitório de espasticidade [para o lado afetado, para o lado são, dorsal]
• Treinar o prestador de cuidados para posicionar em padrão inibitório de espasticidade

Para dar resposta ao programa de reabilitação elaborado foram organizadas sessões junto do cuidador familiar tendo em vista o processo de transição que envolve o regresso a casa. Secundário a esta intervenção, as seguintes sessões foram incidentes na instrução e treino dos diferentes posicionamentos (tabela 2).

Tabela 2 Plano das sessões de formação 

Sessão Assuntos abordados Ação
Primeiro encontro
15/04
- Fisiopatologia do AVC (o que é o AVC. Quais os sinais e sintomas)
- Complicações do AVC (quais)
> Hipotonia muscular/ Espasticidade;
> Ombro doloroso hemiplégico;
> Úlceras por pressão.
- Posicionamento em padrão antiespástico (aspetos principais)
- Apresentação do material educativo: cartaz informativo do posicionamento em padrão antiespástico realizado por enfermeiro.
- Afixado cartaz informativo no quarto de enfermaria
Segundo encontro
21/04
- Posicionamento em dorsal
- Posicionamento para o lado afetado.
- Instruído cuidador familiar para os respetivos posicionamentos com recurso ao cartaz informativo
Terceiro encontro
23/04
- Posicionamento para o lado são - Instruído cuidador familiar para o posicionamento com recurso ao cartaz informativo
- Treino de posicionamento com cuidador familiar suportado por cartaz informativo
Quarto encontro
06/05
- Esclarecimento de dúvidas - Treino de posicionamento com cuidador familiar suportado por cartaz informativo
Quinto encontro
09/05
- Avaliação do posicionamento em padrão antiespástico - Realização de um posicionamento com o cuidador familiar suportado por cartaz informativo

Fonte: Dados próprios

O primeiro encontro marcou o contacto inicial com o cartaz informativo, e foi compreendido pelo indivíduo cuidador como o mais teórico. Os temas selecionados foram abordados de um modo simples com linguagem adequada à pessoa alvo, contribuindo posteriormente para uma melhor fundamentação dos diferentes posicionamentos. Santos constata que a responsabilidade de cuidar de alguém promove no cuidador a necessidade de obter formação que suporte a capacidade de prestar cuidados no domicílio, assumindo-se como uma oportunidade do enfermeiro proporcionar a segurança e confiança necessárias para enfrentar os desafios14.

No segundo encontro optou-se por abordar o posicionamento em dorsal e para o lado afetado pois eram os mais tolerados pela pessoa alvo. Ambos tiveram em comum a dificuldade apresentada pelo indivíduo cuidador em manter a posição do membro superior afetado de acordo com as indicações e representação. Tal facto foi compreendido pelo conhecimento adquirido no primeiro encontro, assumindo-se a espasticidade instalada (ver tabela 4) como elemento dificultador. De modo a cumprir o padrão antiespástico do membro superior afetado, aproveitando o facto do indivíduo cuidador permanecer sentado junto ao lado afetado durante a visita, este foi instruído a realizar o movimento de supinação do antebraço, extensão do punho, polegar e dedos, como se pode observar na figura 2.

O terceiro encontro apenas abordou o posicionamento para o lado são, que foi o menos tolerado pela pessoa alvo pelo agravamento da dor no ombro esquerdo e consequente desconforto com redução da tolerância de permanência do decúbito. Este posicionamento permitiu cumprir todos os aspetos técnicos presentes no cartaz informativo em pessoas com grau de espasticidade instalada, contudo, apesar do correto alinhamento do membro superior, não se apresentou suficientemente confortável de modo a aliviar a dor sentida no ombro doloroso hemiplégico.

O quarto encontro foi essencial para o esclarecimento de dúvidas, nomeadamente na correção do alinhamento corporal e aperfeiçoamento na promoção da supinação do antebraço, extensão do punho, polegar e dedos no posicionamento para o lado afetado. Foi também possível realizar ações de treino com suporte no cartaz informativo. O quinto e último encontro foi marcado por uma avaliação final, tendo sido selecionado um posicionamento aleatório pela pessoa alvo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este estudo tem um grande protagonismo direcionado para a realização de um cartaz informativo sobre o posicionamento em padrão antiespástico. A sua realização inicial teve como base de fundamentação a pesquisa bibliográfica e, sendo este um instrumento de suporte para diferentes profissionais e para cuidadores principais que irão passar pelo internamento, foram realizados pré testes que permitiram uniformizar os seus conteúdos.

No pré teste realizado a enfermeiros, a principal dúvida incidiu no conteúdo de imagem, mais precisamente na posição do pé afetado em decúbito dorsal. Neste sentido, foi realizada uma repetição da imagem, com maior foco no posicionamento do pé afetado, reduzindo o risco de instalação do pé equino.

Para os familiares, a dúvida recaiu sobre o conteúdo de texto, com a apresentação de termos técnicos. Numa fase inicial, a presença de termos cujo significado ou representação eram desconhecidos pelos mesmos, colocavam em dúvida o conteúdo fornecido pelas imagens, correndo o risco de induzir a posicionamentos sem garantia da sua validade de conteúdo.

Nos termos técnicos que manifestaram maior dificuldade de compreensão e exemplificação na sua realização encontram-se a protração, abdução, rotação externa, supinação, pronação e a localização da região popliteia. Pela uniformização do conteúdo de texto estes foram os termos técnicos substituídos, optando-se por definições mais simples que permitissem atingir o mesmo objetivo, tais como “colocar o ombro afetado bem para a frente”, “palma da mão aberta virada para cima”, “braço virado para cima”.

Assumindo que o objetivo deste cartaz informativo, que se encontrará exposto na enfermaria para consulta, é o de transmitir uma informação simples, clara e objetiva, direcionada a pessoas alvo portadoras de diferentes níveis de literacia em saúde, foi ajustado ao nível do conteúdo de texto por termos de fácil compreensão geral em sobreposição aos termos técnicos. Foi possível constatar que não é necessário apresentar todos os termos na forma escrita, podendo apenas a imagem por si só ser suficientemente esclarecedora do posicionamento, como no caso da abdução, com a edição de marcadores da articulação e segmento.

Por fim, no que respeita ao layout do cartaz informativo, o mesmo reuniu consenso nos vários pré testes realizados. Apresenta uma correta proporção entre título, imagem e texto, refletindo-se em simplicidade e objetividade. O número de imagens foi considerado suficiente, focando os principais aspetos e apresentando-se envolvidas num espaço vazio suficiente para lhes atribuir destaque. O conteúdo de texto está ajustado às imagens, sem excessos potenciadores de exaustão na leitura.

Neste seguimento, a conclusão do cartaz informativo permitiu a aplicação do mesmo como material educativo para melhorar o conhecimento e capacitação do cuidador familiar, de acordo com as atividades estabelecidas no plano de cuidados (Tabela 1).

Para dar resposta às atividades estabelecidas no plano de cuidados foi necessário estabelecer um plano de ação junto do indivíduo cuidador organizado num total de cinco encontros.

Na análise da tabela 3 é possível verificar que o cuidador familiar, ao longo das cinco sessões promotoras de capacidade, demonstrou um progressivo potencial para melhorar tanto o conhecimento como a capacidade, conseguindo-se resolver os enunciados de diagnósticos identificados na quarta e quinta sessão, respetivamente.

O primeiro encontro foi fundamental para abordar a comunicação. Compreendida como um instrumento básico, poderá exigir a elaboração de estratégias como resultado dos baixos níveis de escolaridade, contendo orientações educativas compreendidas pelos cuidadores, garantindo a efetividade das intervenções e a implementação de cuidados14. As instituições de saúde devem repensar novas estratégias para apoiar os cuidadores, assim como, avaliar a efetividade e a eficiência dos programas de treino disponibilizados pelos diferentes estabelecimentos de cuidados 18.

Tabela 3 Diagnósticos de enfermagem 

Dimensão Do Conhecimento
Enunciado de diagnóstico Sessões
Potencial para melhorar conhecimento sobre técnica de posicionamento em padrão inibitório de espasticidade 1 2 3 4 5
X X X
Dimensão Da Aprendizagem De Capacidades
Enunciado de diagnóstico Sessões
Potencial para melhorar capacidade do prestador de cuidados para posicionar em padrão inibitório de espasticidade 1 2 3 4 5
X X X X

Legenda: X Não Demonstra; ✓ Demonstra.

Fonte: dados próprios

Outro aspeto abordado neste primeiro encontro remete-nos para a literacia em saúde. Portugal apresenta baixos níveis de literacia em saúde, sendo mesmo considerado como problemático ou inadequado, com implicações significativas nos resultados em saúde, na utilização dos serviços em saúde e gastos em saúde19. Na revisão sistemática da literatura desenvolvida por Santos (2019), é reforçado que o familiar cuidador se apresenta maioritariamente do sexo feminino, acompanhado por reduzidos níveis de literacia14. Por ser o profissional de saúde que permanece mais junto das pessoas, cabe ao enfermeiro ter a responsabilidade de contribuir para uma estratégia nacional de literacia em saúde19.

O processo de capacitar é para Reis e colaboradores multidimensional, envolvendo o conhecimento (anteriormente abordado), a decisão e ação20. Neste seguimento, o segundo e terceiro encontro marcaram a instrução do prestador de cuidados e deram início ao treino do procedimento. Os mesmos autores referem que as necessidades e a sua satisfação estão interligadas às expetativas individuais que diferem ao longo da vida. Defendem que a enfermagem deve ensinar e intervir de modo a restabelecer a recuperação e manutenção da saúde, criando condições para que motivações pessoais sejam alcançadas20. Perante esta situação, a formulação do plano das sessões nunca assumiu um carácter definitivo, ficando sempre disponível a alterações mediante a disponibilidade e vontade tanto do indivíduo cuidador como da pessoa alvo dos cuidados, permitindo uma melhor personalização da atuação como uma adequação ao interesse e expectativas de ambos.

Na análise da imagem é possível constatar que em ambas existe o cumprimento do padrão inibitório da espasticidade ao nível do antebraço, punho e dedos. Numa perspetiva de comparação, existe uma capacitação evolutiva do indivíduo cuidador na redução do estímulo na palma da mão.

Figura 2 Supinação do antebraço, extensão do punho, polegar e dedos 

No final das cinco sessões de capacitação, com a realização dos diferentes posicionamentos de acordo com os princípios registados no cartaz informativo, foi demonstrada capacidade do prestador de cuidados para posicionar em padrão inibitório de espasticidade.

No decorrer destes encontros, o indivíduo cuidador teve oportunidade de contactar com as superfícies de apoio estáticas disponíveis no internamento, nomeadamente as almofadas, para cumprir o posicionamento. Com as atividades de instrução e treino, no decorrer da sua capacitação, demonstrou raciocínio crítico face à melhor adaptação destas superfícies na pessoa alvo. Refere que no domicílio irá adotar estratégias adaptativas no material, optando por diferentes tamanhos, consistências e formas.

A existência de necessidades superiores à capacidade da pessoa remete-nos para a teoria do défice de autocuidado de Orem, norteadora da intervenção do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação, identificando métodos de ajuda, entre os quais “guiar e orientar, proporcionar apoio físico e psicológico, proporcionar e manter um ambiente de apoio ao desenvolvimento pessoal e ensinar”(21:7). Ao longo deste estudo, este foi um conceito orientador dos cuidados instituídos, coincidindo com Petronilho e colaboradores, quando referem que o mesmo permite adequar os métodos de auxílio e a compreensão do papel das pessoas no autocuidado21.

A identificação de um défice de autocuidado estabeleceu a intervenção do enfermeiro de reabilitação de modo a minimizá-lo, atuando em conformidade com a área de atividade definida por Orem, na prescrição e prestação de ajuda direta à pessoa alvo dos cuidados e seu cuidador familiar/pessoa significativa de modo a integrar os cuidados de enfermagem na vida diária da pessoa21.

A capacitação do cuidador familiar desenvolvida neste estudo coincide com os resultados obtidos por Petronilho e colaboradores num estudo de revisão de literatura sobre o conceito do autocuidado, quando fazem referência à preparação da alta hospitalar, devendo esta ser um planeamento de assistência estruturado, personalizado e sistematizado21. De igual modo, o estudo de revisão da literatura desenvolvido por Santos também identifica existir falta de informação sobre a doença, a sua evolução e cuidados a ter em domicílio no momento da alta hospitalar, não existindo aproveitamento do cuidador familiar na manutenção da reabilitação14. A capacitação gere comportamentos adequados na realização das intervenções, com redução nos reinternamentos21.

A aquisição de competências, o desenvolvimento de estratégias adaptativas, o contacto e conhecimento do material existente vai de encontro com as conclusões obtidas por Santos nos ganhos obtidos pela capacitação do familiar14. A importância atribuída à capacitação do familiar é igualmente suportada por Martins e seus colaboradores, quando referem a família como a primeira unidade social do indivíduo, onde diferentes gerações assumem a responsabilidade para com os seus elementos, resistindo a confrontos como os económicos e transformando-se, ao contrário das instituições. A intervenção da enfermagem de reabilitação torna-se fundamental quando atualmente a Segurança Social não consegue acompanhar o desenvolvimento do Sistema Nacional de Saúde, não existindo respostas sociais às reais necessidades apresentadas pelas pessoas em estado de dependência e respetivos cuidadores22.

No período de tempo em que decorreram as sessões de formação o cartaz informativo foi consultado diariamente pela restante equipa, nomeadamente enfermeiros. Pela uniformização dos diferentes conteúdos foi considerado um apoio de rápida consulta na validação dos posicionamentos instituídos ao longo dos turnos. Neste sentido foi monitorizada a relação entre o cumprimento dos posicionamentos em padrão antiespástico e as complicações resultantes do AVC, nomeadamente a espasticidade7, o ombro doloroso hemiplégico9 e o risco de úlceras por pressão3.

A pessoa alvo dos cuidados selecionada para este estudo apresenta um score 10 na Escala de Barthel, assumindo-se dependência total nas suas atividades de vida diária. Uma reduzida pontuação fundamentada pela presença de hemiplegia à esquerda, apenas permitiu pontuar 5 pontos na alimentação e na transferência no decorrer deste estudo. Na avaliação do tónus muscular foi necessário monitorizar a espasticidade no hemicorpo esquerdo, e para isso foi aplicada a Escala de Ashworth Modificada (ver tabela 4).

Tabela 4 Escala de Ashworth Modificada 

Segmento - Esquerda Avaliação da espasticidade
Data da avaliação 15/04/2019 09/05/2019
Membro Superior
Dedos - Flexão 0 0
Dedos - Extensão 1+ 0
Dedos - Adução 0 0
Dedos - Abdução 0 0
Punho - Flexão palmar 0 0
Punho - Dorsiflexão 2 1+
Punho - Desvio radial 0 0
Punho - Desvio cubital 0 0
Antebraço - Pronação 0 0
Antebraço - Supinação 3 3
Cotovelo - Flexão 3 3
Cotovelo - Extensão 3 2
Membro Inferior
Dedos - Flexão 0 0
Dedos - Extensão 1 1
Dedos - Adução 0 0
Dedos - Abdução 0 0
Tibiotársica - Flexão plantar 0 0
Tibiotársica - Flexão dorsal 0 0
Tibiotársica - Inversão 0 0
Tibiotársica - Eversão 0 0
Joelho - Flexão 0 0
Coxofemoral - flexão 3 2
Coxofemoral - Adução 3 2
Coxofemoral - Abdução 3 2
Coxofemoral - Rot.interna 3 3
Coxofemoral - Rot.externa 3 3
Legenda: Escala de Ashworth Modificada
0 Tónus normal
1+ Hipertonia muito ligeira (mínima resistência ao fim do movimento)
1 Hipertonia muito ligeira (mínima resistência durante todo o movimento)
2 Hipertonia ligeira durante a maior parte do movimento
3 Hipertonia moderada (o movimento passivo é difícil)
4 Hipertonia grave (o movimento passivo é impossível)

Fonte - Dados próprios

Pela análise da tabela 4 pode-se constatar que no momento da alta nenhum dos segmentos apresentou agravamento da espasticidade. Esta situação é fundamentada por um dos objetivos a que se propõe o padrão antiespástico defendido na bibliografia apresentada por Menoita e colaboradores, promovendo uma redução no desenvolvimento da espasticidade pelo correto posicionamento3. Neste caso específico, a maioria dos segmentos manteve a mesma avaliação pela Escala de Ashworth Modificada, com alguns segmentos a apresentar uma redução na sua avaliação, reflexo de um positivo cumprimento nos posicionamentos pretendidos. Relativamente à extensão dos dedos da mão, este ganho pode ter sido obtido pela extensão do polegar e dedos realizada pelo indivíduo cuidador (ver figura 2). Os restantes resultados mais positivos podem ser justificados pelo programa de reabilitação que a pessoa alvo dos cuidados esteve sujeita ao longo deste período.

A mobilização do ombro esquerdo encontra-se limitada pela presença de dor, conferindo uma diminuição na amplitude do movimento nos três graus de liberdade. Para monitorizar os benefícios que o posicionamento em padrão antiespástico tem na sintomatologia do ombro doloroso hemiplégico foi realizada a avaliação da dor antes e após a intervenção, nos encontros realizados com o cuidador familiar em que foram instruídos e treinados os posicionamentos (ver gráfico 1).

Fonte - Dados próprios

Gráfico 1 Avaliação da dor no ombro doloroso hemiplégico 

Em todos os encontros constatou-se que a pessoa alvo referiu um melhor conforto no posicionamento do ombro, refletindo-se na avaliação da escala numérica da dor após a intervenção, contudo não houve registo de ausência de dor em nenhuma das sessões. O posicionamento para o lado são foi o menos tolerado, atribuindo no dia da sua instrução, a 23 de Abril, uma dor de nível 4 em 10 após a intervenção. Tal facto pode ter sido atribuído à necessidade de realizar uma maior amplitude de movimento na flexão do ombro neste posicionamento. No decorrer dos vários encontros, a dor sentida antes da intervenção foi diminuindo, coincidindo também com os registos diários realizados pela equipa de enfermagem, o que pode significar um correto posicionamento do ombro de acordo com os critérios definidos no cartaz informativo, tanto pelo cuidador familiar como por enfermeiros.

Com um risco moderado de desenvolver úlceras por pressão pela Escala de Braden no decorrer do estudo, a integridade cutânea foi uma das avaliações presentes durante a realização dos posicionamentos. No momento da alta a pessoa alvo dos cuidados apresentou integridade cutânea mantida, evidenciando os benefícios que os posicionamentos em padrão antiespástico presentes no cartaz informativo apresentam na prevenção de úlceras por pressão3.

Este estudo de caso explana a importância de existir numa enfermaria um recurso de suporte como o cartaz informativo para a instrução e treino do cuidador familiar, como um recurso de apoio a enfermeiros. Como complemento à sua exposição, é igualmente importante estabelecer um programa de encontros para promoção da adaptação e capacitação do cuidador familiar no decorrer das transições ao longo do ciclo vital. A realização deste estudo permitiu confrontar a ação do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação com a Teoria das Transições de Meleis, e intervir na família em processo de transição saúde-doença com o surgimento do episódio de doença aguda num dos seus elementos, assim como no processo de transição situacional, integrando a família no ambiente hospitalar, e futuramente, no regresso a casa acompanhado pela mudança dos estilos de vida anteriores23.

Cada vez mais as famílias devem ser vistas como um aliado e recurso para o enfermeiro. As suas estruturas, as funcionalidades, as formas de vida e seus meios devem ser explorados e caracterizados, mediante recursos, escalas e modelos de avaliação, de tal modo que para Martins e seus colaboradores, a família se apresenta como a unidade de um novo paradigma22.

Na presente situação, de acordo com os subsistemas e papéis familiares defendido por Hanson e colaboradores22, o papel de prestador de cuidados foi garantido por uma pessoa do género feminino e coincidiu com a mesma pessoa que assume o papel de dona de casa. Neste caso, o plano de intervenção foi corretamente negociado e dirigido ao elemento fundamental na organização familiar, capaz de enfrentar as mudanças decorrentes do processo de doença.

Ao longo das sessões de capacitação desenvolvidas no decorrer do internamento, o cuidador familiar apresentou um papel central do processo de transição, assumindo-se como suporte no ambiente familiar-hospitalar pela capacitação adquirida, tornando-se um importante aliado dos profissionais de saúde e elemento facilitador na redução do tempo de internamento.

Recomenda-se em futuras pesquisas a abordagem de mais que um caso, permitindo a realização de inferências nos resultados obtidos. Nos critérios de seleção da pessoa alvo dos cuidados seria benéfico diferenciar quem se encontra em programa de reabilitação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo de caso destaca a importância da enfermagem de reabilitação na capacitação do cuidador familiar no âmbito do posicionamento em padrão antiespástico na pessoa portadora de AVC, tendo como apoio o recurso a material educativo como um cartaz informativo, desenvolvido e validado para o desempenho desta intervenção.

O cartaz informativo sobre o padrão antiespástico afirmou-se como um importante recurso de inclusão nas intervenções de enfermagem de reabilitação de modo a dar resposta à gestão do regime terapêutico. A abordagem dos posicionamentos para o lado afetado, lado são e dorsal conferiu uma maior ênfase no ensino e na instrução do prestador de cuidados, assumiu um suporte viável no potencial para melhorar o conhecimento e no potencial para melhorar a capacidade do cuidador familiar.

Um cartaz informativo deverá apresentar uma uniformização dos conteúdos de imagem e de texto validados por uma amostra da população alvo. Neste sentido, apresentando o cuidador familiar como alvo da informação, no conteúdo de texto deverá predominar uma linguagem simples, clara e objetiva que traduza eventuais termos técnicos em saúde e evite a exaustão na leitura. No conteúdo de imagem a ênfase é atribuída à demonstração dos principais aspetos técnicos a cumprir e ao conforto da pessoa, devendo ser evitado um excesso das mesmas, proporcionando maior destaque às presentes.

Para capacitar o cuidador familiar é importante que o mesmo apresente capacidade para executar a os posicionamentos e motivação para aprender. Deve ser estabelecido um programa que dê resposta aos diagnósticos de potencial para melhorar conhecimento e potencial para melhorar capacidade, devendo ser respeitadas e geridas expetativas.

O programa de capacitação do cuidador familiar permitiu contribuir para aumentar a literacia em saúde; aquisição de conhecimentos que podem reduzir o número de internamentos; aquisição de estratégias adaptativas; o contacto com produtos de apoio; aquisição de capacidade para selecionar produtos de apoio.

Um cartaz informativo do posicionamento antiespástico deve estar localizado o mais próximo da pessoa alvo dos cuidados, favorecendo o esclarecimento de dúvidas que possam ocorrer antes e/ou depois do posicionamento, seja pelo cuidador familiar, seja pela equipa de enfermagem, que diariamente estabelecem maior contacto com a pessoa na sua necessidade de mobilização.

A existência de um cartaz informativo que clarifique o cumprimento dos diferentes posicionamentos pela equipa apresenta benefícios para a pessoa alvo dos cuidados que previnem o aparecimento de complicações com influência no seu processo de reabilitação. Deste modo, foi identificado benefício no controlo da dor do ombro doloroso hemiplégico, mesmo não se registando ausência completa de dor na pessoa com esta consequência; na prevenção do desenvolvimento da espasticidade; na prevenção de úlceras por pressão, contribuindo para a manutenção da integridade tegumentar.

Estes benefícios foram identificados por meio dos resultados obtidos através dos instrumentos de avaliação e pela resposta positiva aos diagnósticos de enfermagem, conferindo efetividade ao cartaz informativo e ao plano de sessões de formação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Ministério da Saúde. Retrato da Saúde. Portugal: Autor; 2018. Consultado a 16/4/2019. Disponível em: https://www.sns.gov.pt/wp-content/uploads/2018/04/RETRATO-DA-SAUDE_2018_compressed.pdf [ Links ]

2 Programa Nacional Para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares. Programa Nacional Para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares. Lisboa: Direção-Geral de Saúde; 2017. Consultado a 16/4/2019. Disponível em: https://www.dgs.pt/portal-da-estatistica-da-saude/diretorio-de-informacao/diretorio-de-informacao/por-serie-892489-pdf.aspx?v=11736b14-73e6-4b34-a8e8-d22502108547 [ Links ]

3 Menoita E, Pão-Alvo I, Sousa L, Marques-Vieira C. Reabilitar a Pessoa Idosa com AVC: Contributos para um Envelhecer Resiliente. Loures: Lusociência; 2012 [ Links ]

4 Fernandes AM, Oliveira AK, Nascimento LKS, Pellense MCS, Carvalho GAL, Santana PG. O papel do enfermeiro no cuidado a pacientes acometidos por acidente vascular encefálico. Rev Hum Ser. 2018;3(1). [ Links ]

5 Marques-Vieira C, Sousa L, Braga R. Reabilitar a Pessoa com Acidente Vascular Cerebral. In C. Marques-Vieira; L. Sousa (Eds). Cuidados de Enfermagem de Reabilitação à Pessoa ao Longo da Vida. Loures: Lusodidata. 2017:465 - 474 [ Links ]

6 Carvalho MRS, Miranda NM, Lustosa VR, Silva BG, Rodrigues VE, de Oliveira FG et al. Cuidados de Enfermagem ao Paciente acometido por Acidente Vascular Cerebral: Revisão Integrativa/Nursing Care for Patients caused by Cerebral Vascular Accidents: Integration Review. Id On-Line Rev Multidiscip Psicol. 2019 Feb 27;13(44):198-207. Disponível em https://doi.org/10.14295/idonline.v13i44.1600Links ]

7 Teixeira PR, Henriques AF, Pereira ALR, Teixeira CSV, Margato D, Sousa, LMM. Instrumentos de Avaliação da Intensidade do Tónus Muscular na Pessoa Após Acidente Vascular Cerebral. Rev Invest Enferm; 2017 Mai; S2 (19): 9-21. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.17/2720Links ]

8 Ribeiro MP, Dultra MP, Toralles RP. Prospecção tecnológica de um equipamento para tratamento da espasticidade. Cad. Prospec. 2015 Out./dez. 15;8(4):656-665 Acessivel em http: http://dx.doi.org/10.9771/s.cprosp.2015.008.082Links ]

9 Kim YH, Jung SJ, Yang EJ, Paik NJ. Clinical and sonographic risk factors for hemiplegic shoulder pain: a longitudinal observational study. J Rehabil Med. 2014 Jan 5;46(1):81-7. Disponível em https://doi.org/10.2340/16501977-1238Links ]

10 Correia S, Lavajo M, Sousa LMM, Oliveira I, Silveira T. Prevenção do ombro doloroso na pessoa adulta após o acidente vascular cerebral: revisão integrativa da literatura. Rev Invest Enferm; 2019 Mai; S2 (27): 9-21 [ Links ]

11 Kwon YH, Kwon JW, Lee NK, Kang KW, Son SM. Prevalence and Determinants of Pain in the Ipsilateral Upper Limb of Stroke Patients. Percept Mot Skills.2014 Dec;119(3):799-810. Disponível em https://doi.org/10.2466/26.29.PMS.119c28z2Links ]

12 Pop T. Subluxation of the shoulder joint in stroke patients and the influence of selected factors on the incidence of instability. Ortop Traumatol Rehabil.. 2013 Jun;15(3):259-67. [ Links ]

13 Ferreira PR, Fiamenghi-Jr GA. Relações familiares de cuidadores de pessoas com deficiência intelectual profunda. Pensando Fam. 2015 Jun;19(1):130-41. [ Links ]

14 Santos CA. O papel do enfermeiro de reabilitação na capacitação do cuidador informal nos cuidados domiciliários: revisão da literatura. Mestrado em Enfermagem de Reabilitação. Instituto Politécnico de Viseu. Escola Superior de Saúde de Viseu; 2019. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.19/5465Links ]

15 Andrade Selma Regina de, Ruoff Andriela Backes, Piccoli Talita, Schmitt Márcia Danieli, Ferreira Alexandra, Xavier Ana Cristina Ammon. O estudo de caso como método de pesquisa em enfermagem: uma revisão integrativa. Texto contexto - enferm. [Internet]. 2017 [cited 2019 Aug 04] ; 26( 4 ): e5360016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017005360016. [ Links ]

16 Nunes L. Considerações éticas: a atender nos trabalhos de investigação académica de enfermagem. Setúbal: Departamento de Enfermagem ESS; 2013. (Consultado a 01/05/2019). Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/4547/1/consid%20eticas%20na%20investig%20academica%20em%20enfermagem.pdf [ Links ]

17 Assembleia do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação. Padrão Documental dos Cuidados de Enfermagem da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros. 2014. (Consultado a 1/05/2019). Disponível em: https://www.ordemenfermeiros.pt/arquivo/colegios/Documents/2015/MCEER_Assembleia/PadraoDocumental_EER.pdfLinks ]

18 Fernandesa CS, Margarethb Â, Martinsc MM. Cuidadores familiares de idosos dependentes: mesmas necessidades, diferentes contextos-uma análise de grupo focal. Geriatr., Gerontol. Aging. [Internet]. 2018[cited 2019 Aug 08];12(1):31-7. Disponível em http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/GGA_v.12_n.1.06.pdfLinks ]

19 Pedro AR, Amaral O, Escoval A. Literacia em saúde, dos dados à ação: tradução, validação e aplicação do European Health Literacy Survey em Portugal. Rev Port Saude publica. [Internet]. 2016 Sep 1[cited 2019 Aug 04];34(3):259-75. Disponível em https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2016.07.002Links ]

20 Reis G, Bule, MJ. Capacitação e Atividade de Vida. In C. Marques-Vieira; L. Sousa (Eds). Cuidados de Enfermagem de Reabilitação à Pessoa ao Longo da Vida. Loures: Lusodidata. 2017:57-66. [ Links ]

21 Petronilho F; Machado M. Teorias de Enfermagem e Autocuidado: Contributos para a Construção do Cuidado de Reabilitação. In C. Marques-Vieira; L. Sousa (Eds). Cuidados de Enfermagem de Reabilitação à Pessoa ao Longo da Vida. Loures: Lusodidata. 2017:3-14. [ Links ]

22 Martins MM, Martins AC, Martins AR. Reeducação familiar/ social - Reconstrução da vida familiar e social no processo de reabilitação In C. Marques-Vieira; L. Sousa (Eds). Cuidados de Enfermagem de Reabilitação à Pessoa ao Longo da Vida. Loures: Lusodidata. 2017:67-76. [ Links ]

23 Meleis AI, Sawyer LM, Im EO, Messias DK, Schumacher K. Experiencing transitions: an emerging middle-range theory. Advances in nursing science. 2000 Sep 1;23(1):12-28. [ Links ]

Recebido: 20 de Dezembro de 2019; Aceito: 15 de Outubro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons