SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número10Utilização das Tecnologias Extended Reality pelos Professores do Ensino Básico e Secundário em Portugal índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Journal of Digital Media and Interaction

versão impressa ISSN 2184-3120

JDMI vol.4 no.10 Aveiro jun. 2021  Epub 29-Jul-2021

https://doi.org/10.34624/jdmi.v4i10.25617 

Reviews

Problemas da produção de conhecimento: “The Frontiers of Knowledge. What We Know about Science, History and the” (2021) de A. C. Grayling

1 Universidade de Aveiro, Portugal


Book Review: A. C. Grayling. (2021). The Frontiers of Knowledge. What We Know about Science, History and the Mind - and How We Know It. London: Viking

A.C. Grayling é um filósofo britânico com mais de 30 livros publicados, figura principal do New College of the Humanities, Londres, e com várias participações nos media britânicos, tendo em 2015 sido agraciado com o prémio Bertrand Russell. É relevante saber que o seu livro anterior, de 2019, foi “Uma História da Filosofia” concisa, e bem recebida pela academia, já que o livro que aqui se resenha, “As Fronteiras do Conhecimento”, pode ser visto como espécie de cúpula desse seu trabalho no sumariar do conhecimento da antiguidade à atualidade. Ou seja, o trabalho investido na análise dos processos de produção de conhecimento e seus principais momentos ou saltos evolutivos, permitiram-lhe um olhar privilegiado sobre o momento atual em que estamos no que toca ao conhecimento que detemos. Isto porque “As Fronteiras do Conhecimento” foca-se nas descobertas dos últimos 150 anos, e em particular no que é o conhecimento de fronteira neste momento, ou seja, nas grandes perguntas que pairam ainda sem resposta.

Para enquadrar a imagem do conhecimento de fronteira atual Grayling escolheu apenas três áreas - Física, História e Psicologia - que naturalmente fazem levantar muitos sobrolhos, podendo questionar-se “porque não a Genética ou a Inteligência Artificial”, mas que se explica pelo objetivo concreto da escolha que se prende com a necessidade de dar conta daquilo que ele domina como “Paradoxo do Conhecimento” e que define como “quanto mais sabemos, mais nos damos conta da extensão da nossa ignorância”. Ou seja, Grayling não fala aqui das ciências com maior potencial de inovação e disrupção, mas das ciências que mais avançaram, desvelaram e continuam a apresentar matéria por desbravar. Em certa medida, o nosso fascínio com estas três ciências prende-se exatamente com este ponto de situação, pois se muito de novo nos tem sido dado a conhecer sobre as mesmas, muito ainda parece estar fora do nosso alcance, criando assim um sentimento generalizado de suspense sobre o que há por vir.

Assim, na Física, História e Psicologia, em termos de conhecimento fundamental (que Grayling define como “knowledge what”, ou seja “theoretical knowledge, explanations of why the how works”), o avanço nos últimos 150 anos foi tremendo, claramente potenciado por avanços em paralelo da tecnologia (que Grayling define enquanto “knowledge how”, ou seja “practical knowledge, from making tools to building shelters, mastering fire, creating cave art (...) to the advanced technologies of today”), porém e apesar de se ter conquistado mais nestes 150 anos do que em todo o período anterior, ao chegarmos ao momento atual não estamos mais perto de fechar o conhecimento sobre cada uma delas. Nas três áreas, sabemos e compreendemos mais do que há 150 anos, mas com o novo conhecimento acabámos por entender que existia muito mais do que aquilo que pensávamos existir. O novo conhecimento acabou por não só relevar muito do que almejávamos saber, mas também por abrir a porta a grandes extensões de conhecimento que antes ignorávamos.

Assim, e no sentido de demonstrar o que foi descoberto no passado recente, mas dar conta do que esse passado abriu na nossa frente como desconhecido, Grayling dedica três grandes capítulos, um por cada área, a dissertar sobre a evolução da sua produção de conhecimento. Note-se que Grayling não identifica a primeira como Física, mas como Ciência. Opto por a apresentar aqui como Física, porque é disso que se trata - “da física fundamental à cosmologia” - mas também porque não concebo a História - “do passado pré-clássico e evolução humana” - e a Psicologia - “novas neurociências do cérebro e mente” - como não-ciências.

Iniciando com a Física, Grayling diz-nos que:

“the first observation of a subatomic particle occurred in 1897. The atomic nucleus was first described in 1909 (…) Einstein’s Special Theory of Relativity was published in 1905, his General Theory in 1915. Quantum theory developed in the first decades of the twentieth century, receiving a form of official endorsement by physicists at the Solvay Conference of 1927; the photon had received its name just the year before (…) It was not until the work of Edwin Hubble in the 1920s that the Milky Way Galaxy in which our solar system is located was recognized as just one of a vast number of galaxies (…) in 1929 Hubble observed that the universe is expanding. That led to the formulation of the ‘Big Bang Theory’ (…) Yet the most amazing thing about this growth of knowledge is that it has revealed to us that we have access only to about 5 per cent of physical reality.”

Já sobre a História:

“Translation of the hieroglyphic inscriptions on the Rosetta Stone (…) coming in the early 1820s (…) The first major site discovered in Mesopotamia, Nineveh, was (…) in 1842 (…)  it is remarkable to think that the impressive architecture and exquisite art of Mesopotamia, the Levant, the Aegean, and Egypt were almost completely unknown until so recently (…) Radiocarbon dating began in the 1940s, followed by advances in geochemistry and geophysics (…) Major mysteries remain. What caused the collapse of Bronze Age civilization in the period around 1200 BCE (…) But these discoveries relate only to the last six thousand years or so (…) Before that the history of Homo sapiens and its relatives and predecessors tails evermore thinly and ambiguously into a complex and vastly remote past.”

E sobre a psicologia:

“Knowledge of ourselves, our minds, consciousness, human nature - is this not something we are intimately close to, and obsessively interested in, as our literature, entertainment, gossip, meditation, anxieties, hopes, loves, dreams, and fears unremittingly tell us? And yet even here the paradox is repeated, of an explosion of knowledge creating yet deeper mystery (…) endeavours to the question of who and what we are, we still do not fully understand - even, perhaps, yet half understand - human nature and psychology, still less the complex material reality that underlies them, namely, the brain. (…) It is a matter of mere decades since it became possible to view brain activity (…) by means of functional magnetic resonance imaging, ‘fMRI’ (…) But brain studies by themselves might not say everything we wish to know about human nature and psychology (…) Consciousness is a fascinating but elusive phenomenon: It is impossible to specify what it is, what it does, or why it evolved.”

Sobre o trabalho descrito e referenciado em cada um destes capítulos, quero dizer que Grayling impressiona, não pela mera erudição, mas pela profundidade com que discute cada uma das três áreas que são imensamente diversas, mas que no seu discurso fluem de forma perfeitamente natural, justificando assim o qualificativo usado pela editora na contra-capa de polímata. Da complexidade da teoria geral da relatividade, à complexidade das redes neuronais, passando pela complexidade que envolve a interpretação de realidades a partir de meros fragmentos escavados, Grayling dá conta do que sabíamos há pouco, do que sabemos hoje, e aponta os principais problemas por resolver em cada área.

Mas foi também este percorrer da história e ciência destes domínios, descrevendo o que se encontrou e apontando o que falta encontrar, que permitiu a Grayling identificar não apenas um problema de ignorância sobre a nossa realidade, mas mais problemático do que isso, um conjunto de problemas de que padece a ciência de construção do nosso conhecimento, destacando doze desses problemas, dos quais dou aqui apenas conto do primeiro, o mais relevante pelo modo como contamina todos os restantes:

“The Pinhole Problem. Our starting point in all our enquiries is the very limited and highly circumscribed data available to us locally in space and time, and, from our finite point of view, allowing us a view of the universe and the past as if through a pinhole positioned at just our restricted scale. Do our methods successfully carry us through and beyond the pinhole?”

Depois de apresentada a ideia do “pinhole” torna-se difícil continuar a ler as descrições sobre as descobertas científicas sobre o cosmos, os buracos negros, o neolítico, as subespécies sapiens, a plasticidade neuronal ou a emergência de consciência sem nos questionarmos sobre o ponto de vista e os métodos que estamos a usar para observar, estudar, analisar, investigar e interpretar. Quanto está fora do enquadramento alcançado pela nossa posição e compreensão? Mesmo suportado pelos mais avançados microscópicos, telescópios, radiofrequências, ressonância magnéticas, datações de carbono, testes DNA?

O facto de termos avançado tanto em 150 anos, muito mais do que em toda a nossa história anterior, e de à medida que fomos criando novas tecnologias de extensão e ampliação das nossas capacidades de análise e investigação, e termos aberto portas anteriormente desconhecidas, torna inevitável acreditar que quanto mais descobrirmos, quanto mais camadas desvelarmos, mais encontraremos por desvelar. Talvez a analogia mais simples para compreendermos a ideia do que pode estar por detrás do “pinhole” por onde espreitamos, seja olhar para as variáveis tempo e tamanho do próprio cosmos, com uma origem fixada em 13,72 mil milhões de anos atrás e uma extensão a rondar os 93 mil milhões de anos-luz. Não podemos dizer que é difícil porque é humanamente impossível conceber, criar, um modelo mental que dê conta de variáveis com esta grandeza.

Toda esta discussão de Grayling acaba por evidenciar um outro problema sub-reptício e que é o de que à medida que formos criando mais conhecimento fundamental (“knowledge what”) sobre a realidade em que habitamos, mais tecnologia (“knowledge how”) iremos precisar para ampliar as nossas competências cognoscentes, desde os recetores sensoriais às funções cognitivas e executivas, para darmos conta desse novo conhecimento. No limite, e agora entrando na especulação, mas seguindo o princípio com que Grayling encerra o livro, e a que chama “lei” - “Anything that CAN be done WILL be done if it brings advantage or profit to those who can do it”  - continuaremos a ampliar as nossas capacidades fisiológicas, no sentido de transcender os limites do “pinhole”, tornando-nos cada vez mais criadores de uma potencial nova subespécie Sapiens.

Referências

Grayling, A.C. (2021). The Frontiers of Knowledge. London: Penguin Books [ Links ]

Grayling, A.C. (2019). Uma História da Filosofia. trad. Desidério Murcho. Lisboa: Edições 70. (2020) [ Links ]

nzagalo@ua.pt

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons