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População e Sociedade

versão impressa ISSN 0873-1861versão On-line ISSN 2184-5263

População e Sociedade  no.34 Porto dez. 2020  Epub 01-Dez-2021

 

Dossier Temático

A CPLP e a dignidade humana, em tempo de Direitos Humanos

The CPLP and human dignity, in Human Rights time

Fernando Campos1  2 

1Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologias

2CEPESE- Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade


Resumo

A preocupação pelos direitos humanos ganha maior força na Comunidade Internacional a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas e a aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de dezembro de 1948. A promoção da dignidade humana passou a fazer parte do vocabulário das Organizações Internacionais, entretanto criadas, entre as quais, a CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Vários têm sido os atropelos aos direitos humanos, cometidos quer por líderes dos países, quer pelo cidadão comum. A CPLP, além da promoção e difusão da língua portuguesa, tem também a missão de incentivar os seus membros a respeitarem os direitos humanos, em ordem à valorização da dignidade humana.

O século XXI deve ser o século da luta contra o “descarte” humano e reconhecimento que todos somos importantes, porque somos humanos, independentemente das diferenças.

Palavras-chave: direitos humanos; dignidade humana; CPLP; promoção ser humano

Abstract

Concern for human rights gained greater strength in the International Community since the end of World War II, with the creation of the United Nations and the adoption of the Universal Declaration of Human Rights on December 10, 1948. The promotion of human dignity became part of the vocabulary of the International Organizations, which were created, including the CPLP - Community of Portuguese Speaking Countries.

There have been many human rights violations committed by both country leaders and ordinary citizens. The CPLP, in addition to the promotion and dissemination of the Portuguese language, also has the mission of encouraging its members to respect human rights, in order to value human dignity.

The 21st century must be the century of the struggle against human "discarding" and recognition that we are all important because we are human, regardless of differences.

Keywords: Human Rights human dignity CPLP promotion to be human

Notas introdutórias

Os direitos humanos têm sido, ao longo dos tempos, um sinal de valorização da dignidade humana enquanto pressuposto de manifestação e incremento dos princípios mais elementares de cidadania. Contudo, apesar do esforço feito nesse sentido, como decorre da História - inclusive da História recente -, nem sempre o ser humano foi/é alvo das preocupações de outros seres humanos.

Raptos, mortes, desrespeito pela vida, violência doméstica, abusos sexuais, fome, o descarte dos idosos e dos deficientes, o não acesso aos cuidados de saúde, educação e habitação, a não preocupação com o ambiente e clima, são algumas das situações que atentam contra os direitos humanos. Infelizmente, a lista é longa e apenas se retrata aqui um pouco dos sinais de desvalorização do ser humano que a história antiga e recente nos vem apresentando.

Certo é que, apesar das contradições da humanidade, a valorização da dignidade humana, referida no primeiro parágrafo, serve de alento - não de resignação, nem conformismo - e de alguma esperança, pelo fato de o Ser Humano começar a questionar e a questionar-se. Mas, o caminho ainda é longo e, até se vislumbrar o fim, muitas adversidades e contradições vão ocorrendo. Apesar de algum otimismo e de alguma esperança, a realidade, como já se percebeu, é mais cruel do que nos possa parecer.

Os direitos humanos e a afirmação da dignidade humana

O século XX, aquele que nos está mais próximo, não só transportou consigo momentos em que, por um lado, a dignidade humana foi posta à prova, como por outro lado, suscitou o despertar de consciências para a problemática dos direitos humanos, culminando na aprovação de um documento em 10 de dezembro de 1948, que formaliza o respeito e a promoção da dignidade humana - Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Não é um documento que faz com que as mentalidades mudem. Contudo, pode um documento ser uma referência e um indicador de qual ou quais os caminhos a trilhar em ordem à promoção da dignidade humana, ou seja, dos direitos humanos.

Parece consensual que o Ser Humano não pode continuar a ser tratado como um objeto, que é útil enquanto necessário. A analogia com um objeto não pretende reduzir o Ser Humano a essa dimensão, mas sim, acentua o caráter descartável, a que muitos Seres Humanos são votados, de um modo particular, os idosos, as crianças e os pobres.

A CPLP, sobre a qual incide este artigo, fundada em 17 de julho de 1996, conta atualmente com cerca de “291,4 milhões de pessoas”, tendo Timor-Leste passado a fazer parte deste grupo de países só em 2002 devido à sua independência tardia e, em 2014, verificou-se a adesão de um país “não falante da língua portuguesa”, a Guiné-Equatorial.

Problemas políticos, económicos e étnicos têm condicionado a vida na maior parte destes países.

O desrespeito pelos direitos humanos nestes países tem sido a tónica mais relevante. Um exemplo disso prende-se com a pobreza, que tem marcado a vida da maior parte dos milhões de pessoas que lutam pelo alimento que falta ou escasseia. Por outro lado, verifica-se que a violência relacionada com os conflitos étnico-religiosos têm posto em causa o respeito pela liberdade religiosa, conforme aparece estipulado no art.º 18.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, como se transcreve:

Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos (CAMPOS, 2019a, p. 42).

Em alguns dos países da CPLP, as más políticas económicas têm contribuído para que “muitos” dos direitos humanos não sejam respeitados. Não querendo particularizar, para não ferir suscetibilidades, são muitas as carências que algumas populações padecem e que fazem com não tenham uma vida com dignidade. Com a possibilidade de repartição de responsabilidades, poder-se-á dizer que uma fatia significativa da responsabilidade por este estado de coisas, é do Estado, ou melhor dizendo, dos governos desses Estados. Como já foi referido por outras palavras, a “má governação” tem sido um dos princípios ativos que impedem que a população dos diferentes países da CPLP consiga ter acesso aos bens de primeira necessidade e, consequentemente, a uma vida com dignidade.

Todo o ser humano tem direito a viver com dignidade e desenvolver-se integralmente, e nenhum país lhe pode negar este direito fundamental. Todos o possuem, mesmo quem é pouco eficiente porque nasceu ou cresceu com limitações. De facto, isto não diminui a sua dignidade imensa de pessoa humana, que se baseia, não nas circunstâncias, mas no valor do seu ser. Quando não se salvaguarda este princípio elementar, não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade (FRANCISCO, 2020, p. 74-75).

A dignidade humana é como o “ADN”, faz parte do Ser Humano, daí a sua relevância, como transparece das palavras de Jorge Miranda: “A dignidade da pessoa é da pessoa em qualquer dos géneros, masculino e feminino. Em cada homem e em cada mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade” (MIRANDA, 2016, p. 229).

Neste tempo de “pandemia”, muitas vezes são esquecidos os problemas estruturais que alguns dos países enfrentam: falta de habitações condignas, hospitais, escolas, rede de água e saneamento, transportes e outros. São problemas praticamente transversais a todos os países da CPLP, embora, nuns casos, os problemas apresentados se tornem mais evidentes que outros e, alguns países, por razões diversas, tenham mais facilidade em lidar e resolver alguns destes problemas que outros, como é o caso de Portugal.

Em tempos de crise há, pois, que estar ainda mais atento para garantir que violações de direitos humanos não constituam fatores adicionais de instabilidade e conflito. Esta é assim uma excelente oportunidade para lembrar aos Estados as obrigações assumidas em matéria de direitos humanos, assim como para dar a conhecer a todas as pessoas os direitos humanos e liberdades fundamentais que lhes são reconhecidos e cujo respeito devem exigir (TAVARES, 2012, p. 16).

Por exemplo, no caso de Portugal - já referido -, pelo facto de estar na União Europeia e de beneficiar de apoios relevantes, isso faz com que alguns dos problemas apresentados possam ser mitigados, ou até mesmo, resolvidos. A crise presente, económica e social motivada pela COVID-19 é disso exemplo.

Nas primeiras duas décadas do século XXI, nas quais parece existir uma maior consciência para as questões sociais, para os direitos humanos, importa, pois, não esquecer que são muitas as solicitações ao não respeito pelos direitos humanos e, consequentemente, a classe política e os cidadãos devem ter uma voz ativa na denúncia de atentados aos direitos humanos, bem como em criar condições para inverter este estado de coisas. O mundo em geral e os países da CPLP em particular têm de lutar para que a dignidade humana não seja violada, devendo apostar na capacidade de homens e mulheres para mudarem o que está mal e reconstruir ou construir sociedades integradoras, onde ninguém se sinta estrageiro no seu próprio país e os estrangeiros propriamente ditos se sintam acolhidos e possam, assim, contribuir para o crescimento e o desenvolvimento dos povos, dos países para onde migraram.

A diáspora é extremamente relevante no que aos países da CPLP diz respeito, onde a falta de acolhimento dos migrantes e da sua integração num determinado espaço fere a dignidade daqueles que, deixando as suas terras, as suas raízes, partiram em busca de uma vida melhor para si e para os seus. Nem sempre são bem acolhidos pelos países que os recebem. A comunidade cabo-verdiana tem emigrado para Portugal e outros países, uns para estudarem, outros para trabalharem. O mesmo se passa com outros países da CPLP que procuram uma vida melhor, onde se sintam integrados e acolhidos e não se sintam a mais, como muitas vezes acontece, sendo vítimas de xenofobia, racismo e outros ismos, que são atentados aos direitos humanos e ferem, como já referimos, a dignidade humana.

O célebre slogan “todos diferentes, todos iguais”, cuja autoria original desconheço, vai ao encontro do que se está a dizer. Podemos ser todos diferentes, no género, na cor, nas opções políticas, religiosas, sexuais e outras, mas há uma coisa, que apesar das diferenças nos coloca como iguais: todos somos Seres Humanos.

É mesta igualdade que está o vínculo da dignidade humana e é por esta e nesta igualdade que todos devem ser reconhecidos e respeitados. Quando tal não acontece, estamos em incumprimento dos direitos humanos.

As desigualdades sociais, reflexos da pobreza instalada na maior parte destes países, faz com que o acesso aos bens de primeira necessidade se constitua como uma miragem. A fome, aliada da pobreza, são dos maiores flagelos em alguns destes países, onde falta quase tudo.

Não é admissível que homens, mulheres e crianças, não tenham o mínimo para ter uma vida com dignidade. Já se disse várias vezes que alguns destes flagelos podiam ser evitados e resolvidos se a classe política estivesse à altura dessas mesmas necessidades.

Acesso à escola, à alimentação, aos cuidados de saúde - lutar contra o ébola, o dengue, a malária e agora a COVID19 - à habitação condigna, são alguns exemplos de flagelos, que em maior ou menor escala proliferam pelos nove países da CPLP. Não resolver estes problemas ou ignorá-los é atentar contra os direitos humanos.

As sociedades de hoje, com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), as redes sociais, não podem ficar indiferentes, como se os problemas passassem ao lado. Deve ser tornado público os atentados aos direitos humanos, uma vez que é através destes que se enfatiza e promove a dignidade humana.

O que se passa por exemplo, com os índios no Brasil, que são maltratados, desrespeitados como pessoas, na sua cultura, no seu território, na desflorestação da Amazónia, movida por interesses económicos, que afeta não só o Brasil, mas também a humanidade, são exemplos, infelizmente negativos, de atentados aos direitos humanos e que a CPLP, respeitando a soberania do país, devia ser mais enérgica na condenação destes atentados.

A denúncia nos meios de comunicação social e nas redes sociais de situações de atentados aos direitos humanos, não só no Brasil, como nos outros oito países da CPLP, são importantes, para que a opinião pública desses países e a comunidade internacional, possam reagir, de forma a que o pretenso desenvolvimento não possa ser aliado da inércia.

Para que isto aconteça, entre outras possibilidades, está a vontade política. Sem ela, torna-se impossível a concretização do bem comum em Portugal, no Brasil, em Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Timor-Leste e no membro mais novo, a Guiné-Equatorial.

No caso dos países africanos, existe um documento muito importante sobre direitos humanos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, aprovada em 1963, a arrepio da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Neste documento, o Estado assume um papel importante na defesa e proteção dos mais vulneráveis, aquelas e aqueles que são vítimas de discriminação, violência e abandono - as mulheres, crianças e os idosos. Como se pode depreender do art.º 18.º, que se passa a transcrever:

  1. A família é o elemento natural e a base da sociedade. Ela tem de ser protegida pelo Estado, que deve zelar pela sua saúde física e moral./

  2. O Estado tem a obrigação de assistir a família na sua missão de guardiã da moral e dos valores tradicionais reconhecidos pela comunidade./

  3. O Estado tem o dever de zelar pela eliminação de toda a discriminação contra a mulher e de assegurar a proteção dos direitos da mulher e da criança tais como estipulados nas declarações e convenções internacionais./

  4. As pessoas idosas ou incapacitadas têm igualmente direito a medidas específicas de proteção que correspondem às suas necessidades físicas e morais (BALDÉ, 2017;, p. 128).

Aqui está um dos segredos para que a promoção da dignidade humana seja uma realidade e não uma utopia, basta querer. Não é por falta de “declarações”, nem de “convenções” que as coisas não avançam.

O referido artigo 18.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, embora incida essencialmente para os povos africanos, poder-se-ia conferir-lhe um grau de universalidade, uma vez que os mais vulneráveis existem em todos os continentes, onde são muitas vezes esquecidos, violados, maltratados, com a inércia de muitos Estados. Em situação extrema, se os Estados não cumprem a sua missão, nos países onde há democracia, através das eleições os cidadãos podem “penalizar” aqueles que dirigem a política desses mesmos Estados. Não nos podemos esquecer que existem muitos povos que são negligenciados.

“Os Estados são muitas vezes apontados como os culpados destas situações, já que é neles que as populações vêm as soluções para as questões da pobreza e da desigualdade” (CAMPOS; CAMPOS, 2017 p. 92).

É um dever de cidadania zelar pela promoção dos direitos humanos, criando condições para que ninguém fique de fora, todos se sintam incluídos e exigir dos Estados essa inclusão.

O Estado, não pode negligenciar o seu papel, de criar condições para que às famílias não falte o sustento e, outras condições, que lhe permita uma vida com dignidade. A legislação é importante, mas, sabe a pouco (CAMPOS, 2019a, p. 72).

Mas, se os Estados são os primeiros responsáveis pelo não respeito dos direitos humanos, quer por ação ou por omissão, a sociedade civil não está isenta de responsabilidades. É um dever de cidadania, zelar pela promoção dos direitos humanos, criando condições para que ninguém fique de fora, todos se sintam incluídos e se exija dos Estados essa inclusão.

É necessário que haja por parte dos cidadãos confiança nos Estados e nos políticos que gerem esses mesmos Estados, para que confusões como as que se registaram nas últimas eleições na Guiné-Bissau, com as suspeitas de fraude eleitoral que os meios de comunicação social divulgaram, não se verifiquem, situação que não é benéfica para a credibilidade dos políticos, quer a nível interno, quer no plano internacional. Não gera confiança e isso é prejudicial para os investimentos no país e, consequentemente, afetará a vida da população.

Os cidadãos não substituem os Estados, mas podem fiscalizar a ação dos Estados, principalmente, junto dos mais vulneráveis.

Na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, outro documento importantíssimo de direitos humanos, a promoção da dignidade humana, resultante do cumprimento dos direitos humanos, aparece espelhada no seu artigo inaugural. “A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida” (CAMPOS, 2019b, p. 70). Aqui está um documento que, embora se dirija diretamente à Europa, e neste caso, no âmbito da CPLP, a Portugal, pode assumir também um caráter universal, uma vez que é exigido a todos, Estado e sociedade civil, o “respeito” e a “proteção” da dignidade humana.

Hoje muitos falam de direitos humanos, parece até que “está na moda”. Fica muito bem nos discursos políticos, mas, em abono da verdade, em algumas situações, parece não passar disso mesmo.

Existe uma violência no mundo e em nós próprios que provém da sede, do pânico que as condições de sobrevivência não estejam garantidas. Viramo-nos contra os outros, litigamos, achamo-nos enganados, queremos voltar ao passado, apressamo-nos a encontrar um bode expiatório (MENDONÇA, 2018, p. 37).

Perante as crescentes ameaças no século XXI, que vão desde conflitos em larga escala - havendo o perigo do recurso ao nuclear -, passando pelas assimetrias económicas que estabelecem, em consequência disso, que uns têm mais direito a terem direitos do que outros, até aos desafios cada vez mais insistentes das alterações climáticas, não nos podemos limitar ao papel de espectadores neste triste cenário humanitário. Fala-se e escreve-se muito sobre a dignidade humana.

A satisfação do bem comum representa uma vital importância para a promoção da dignidade humana e, consequentemente, para a realização dos cidadãos. Muitas vezes os líderes dos Estados, inclusive dos países da CPLP, descuram esta realidade.

A dignidade pessoal é ativada como liberdade e responsabilidade, mútua e solidariamente exercitadas. É essa mesma a substância do “bem comum”, qual conjunto de possibilidades que cada sociedade acrescenta para permitir a realização de todos os seus membros (CLEMENTE, 2019).

Numa forma simplista, sem grande cientificidade, mas enfatizando o significado, “dignidade humana” é como a imagem que o espelho transmite de mim próprio, ou seja, o rosto que vejo no espelho são os outros. Tenho de ver os outros como eu me quero ver: alguém que é tratado como ser humano, com direitos que são basilares à sua condição humana, mas, claro está, também com deveres, indo ao encontro dos princípios fundamentais de cidadania.

A aposta no desenvolvimento tecnológico e no conhecimento são ou poderão ser o garante do desenvolvimento dos povos, incluindo os da CPLP. A cooperação entre os países da CPLP entre si e entre estes e outros países que não compreendem a CPLP tem sido importante para o crescimento e desenvolvimento desses países, salientando a cooperação de Portugal em diferentes domínios, económico, saúde, educação, militar, tecnológico, e que tem constituído uma mais-valia para os países com maior dificuldade. Por outro lado, a União Europeia tem também colaborado em diferentes áreas, principalmente, com os PALOP.

É evidente que com esta cooperação não se pode esconder o esforço que alguns países da CPLP, com recursos humanos internos e externos, têm feito para produzirem conhecimento em áreas fundamentais e, assim, diminuírem, dentro do que é possível, a dependência externa. A formação de quadros, como já se referiu, é de extrema importância para que os países tenham massa crítica suficiente, capaz de concretizar o crescimento e o desenvolvimento necessários.

Tendo em conta, as necessidades referidas, a CPLP deve aproveitar estas possibilidades para promover a dignidade humana não só internamente, mas contribuir também com o exemplo para essa promoção a nível externo.

O mundo atual precisa, certamente, de cientistas e de profissionais competentes que contribuem para o progresso dos povos. Mas necessita, em primeira instância, de homens e mulheres que orientam o seu saber e o exercício da sua profissão para a verdadeira promoção da dignidade da pessoa humana e para o desenvolvimento integral das suas capacidades individuais e coletivas1.

O mundo não dialoga. Não há diálogo nas famílias, nas escolas, na política, nas empresas e até nos grupos de amigos. A palavra “diálogo” foi despida de significado para muita gente. Ou, haverá alguns que, imbuídos das dúvidas de Pilatos acerca da “verdade” - referido anteriormente -, perguntarão o que é dialogar? “Ninguém dá aquilo que não tem”. É necessário que haja vontade para dialogar sem preconceitos, sem verdades absolutas, mas sim com cedências, que são geradoras de consensos.

A maior parte dos problemas que o mundo atravessa, em geral, e os países da CPLP, em particular, existem e não se resolvem por falta de diálogo claro, sincero e objetivo e por falta de vontade, política ou outra. São exemplo disso mesmo os conflitos étnico-religiosos. É necessário apostar no diálogo inter-religioso, pressupondo desde logo o diálogo ecuménico, mas também o diálogo entre as diferentes forças políticas, procurando mais ir ao encontro das necessidades das populações do que ficar-se pelo efémero, pela afirmação política.

A intolerância assume-se como um obstáculo ao diálogo inter-religioso. Para que haja diálogo inter-religioso é necessário que exista “Liberdade Religiosa”, aliás referida de modo particular no art.º 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH). Face às contradições entre a DUDH e a realidade vivida, várias são as interrogações postas à Humanidade, neste tempo:

Que caminho, ou caminhos, o ser humano quer trilhar? O caminho do consumismo, da violência gratuita contra homens, mulheres e crianças? O caminho das guerras, dos conflitos étnico-religiosos e outros? O caminho da fome, da pobreza, da falta de cuidados de saúde, de emprego e de habitação? (CAMPOS, 2019, p. 189).

Muitas vezes, o caminho que alguns tomam, passa pela anulação do outro. O Ser Humano tem dificuldades em caminhar em conjunto. É no caminhar em conjunto, que aprende a entreajuda e se compreende que os outros também têm dignidade.

Na sociedade em que vivemos hoje, o “ter” é mais importante que o “ser”, as pessoas contam “pouco”, mas conta o que elas representam em termos económicos, estatísticos, tornando-se importante refletir sobre a economia do “descarte”, inserida no modelo “neoliberal”.

Temos que “humanizar” a economia e as sociedades. O Ser Humano tem de ser o centro da vida em sociedade. A economia deve constituir-se como a possibilidade de todos os indivíduos terem acesso aos bens de primeira necessidade, que lhes permita ter uma vida com dignidade. É importante não esquecer a relevância da vida em comunidade. Os interesses que estão em jogo, não são interesses individuais, mas sim interesses de todos, da comunidade em si.

Estão ligados sim por um múnus, isto é, por um comum dever, por uma tarefa partilhada. Que tarefa é essa? Qual a primeira tarefa de uma comunidade? Cuidar da vida. Não há missão mais grandiosa, mais humilde, mais criativa, ou mais atual (MENDONÇA, 2020, p. 20-21).

Enquanto alguns líderes políticos não entenderem isto, não se resolvem os flagelos mencionados e outros continuarão sobre estes países mais vulneráveis, acentuando ainda mais essa vulnerabilidade.

Conclusão

A promoção da dignidade humana - com tudo, o que possa significar - no âmbito dos direitos humanos é o grande desafio para o século XXI e o legado deixado às gerações vindouras.

Os Estados que compõem a CPLP devem enredar todos os esforços, que conduzam à promoção da dignidade humana, que só é possível com o esforço de todos: Estado e sociedade civil, não esquecendo a responsabilidade que todos os atores envolvidos têm. Retomando, a questão do papel do Estado, face à dignidade humana, a dignidade humana é uma realidade primeira perante o poder, autocrático ou democrático e, consequentemente, todo o poder, qualquer que seja, está-lhe subordinado. Esta ideia de subordinação do poder político à dignidade humana manifesta-se de modo especial por intermédio dos direitos fundamentais que, como se disse, emergem daquela realidade e nela se consolidam, de forma culturalmente aberta (GARCIA, 2016, p. 8-9).

Lançando pistas prospetivas para os diferentes países da CPLP, estas devem ir ao encontro da valorização dos recursos humanos, apostando na formação de jovens quadros, na repartição equitativa da riqueza produzida, fomentar a boa governação e o bem comum, tendo em conta, a “cooperação entre os Estados”. Tudo isto deve passar das intenções a ações concretas e objetivas, capazes de dignificar a vida humana.

Temos esse compromisso para com aqueles que nos precederem: “deixar o mundo melhor do que o encontrámos”, mesmo que nos sintamos impotentes para resolver os problemas e, por isso, sejamos tentados a desistir de lutar por aquilo que acreditamos, deixando-nos vencer pelo desânimo.

Contudo, “só é vencido quem desiste de lutar”!

Bibliografia

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1(Homilia de D. Antonio Ribeiro, Cardeal-Patriarca de Lisboa, Bencao de Finalistas, Estadio do Inatel, Maio, 1990.)

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