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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.7  Oliveira de Azeméis jun. 2021  Epub 10-Nov-2021

https://doi.org/10.36367/ntqr.7.2021.10-19 

Artigos Originais

Fundamentos pedagógicos do modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos em implementação em Moçambique

Pedagogical Foundations of the Training Model for Primary School Teachers and Adult Educators in Implementation in Mozambique

Isabel Vasco Mamude Mataruca1 
http://orcid.org/0000-0001-5073-3147

1 Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique.


Resumo:

Este estudo, de carácter exploratório e descritivo, foi desenvolvido com recurso ao paradigma interpretativista, seguindo uma abordagem qualitativa, integrando 86 participantes, distribuídos por três grupos distintos: (i) profissionais dos quadros político e técnico-administrativo e pedagógico da Direcção Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos (ii) formadores do Instituto de Formação de Professores de Chongoene e (iii) formandos do Instituto de Formação de Professores de Chongoene. O estudo teve como objectivo geral analisar a relevância dos fundamentos pedagógicos do novo modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos em implementação em Moçambique. Nessa análise, para sustentar o problema da pesquisa identificado foram explorados os princípios da aprendizagem dialógica tomando como base teórica os estudos de Paulo Freire com a sua dialogicidade e os estudos de Habermas com a sua teoria da Acção Comunicativa. Com o apoio do software de análise de dados qualitativos MAXQDA, procedemos à transcrição das entrevistas semi-estruturadas previamente gravadas em suporte áudio, organizámos o corpus de dados, realizámos uma análise horizontal das entrevistas semi-estruturadas aplicadas a cada grupo constituinte da nossa amostra, visualizámos, e projectámos os resultados. O fraco desempenho dos alunos na leitura, escrita e Matemática; a necessidade da elevação do nível de ingresso dos candidatos, da 10ª para a 12ª classe, a expectativa da racionalização de recursos humanos e a pressão para que Moçambique se equiparasse às exigências dos países da região são algumas das razões que ditaram a adopção do novo modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos. Os resultados indicam que o novo modelo de formação de professores e educadores de adultos foi recebido com entusiasmo, apesar de enfermar de algumas lacunas e enfrentar alguns desafios pedagógicos e institucionais.

Palavras-chave: Formação de professores; Fundamentos pedagógicos; Educadores de Jovens e Adultos; Modelo de Formação; Andragogia.

Abstract:

This exploratory and descriptive study was developed using the interpretive paradigm, following a qualitative approach, integrating 86 participants, divided into three distinct groups: (i) professionals from the political and technical-administrative and pedagogical staff of the National Directorate for Literacy and Adult Education (ii) trainers from the Chongoene Teacher Training Institute and (iii) trainees from the Chongoene Teacher Training Institute. The study's general objective was to analyze the relevance of the pedagogical foundations of the new model of training primary school teachers and adult educators being implemented in Mozambique. In this analysis, to support the identified research problem, the principles of dialogic learning were explored, taking Paulo Freire's studies with his dialogicity and Habermas's studies with his Communicative Action theory as a theoretical basis. With the support of the qualitative data analysis software MAXQDA, we transcribed the semi-structured interviews previously recorded on audio support, organized the data corpus, performed a horizontal analysis of the semi-structured interviews applied to each constituent group of our sample, visualized, and projected the results. The poor performance of students in reading, writing and mathematics; the need to increase the entry level of candidates, from 10th to 12th grade, the expectation of rationalizing human resources and the pressure for Mozambique to match the demands of countries in the region are some of the reasons that dictated the adoption of the new model training for primary school teachers and adult educators. The results indicate that the new model for training teachers and adult educators was received with enthusiasm, despite suffering from some gaps and facing some pedagogical and institutional challenges.

Keywords: Teacher training; Pedagogical foundations; Youth and Adult Educators; Training Model; Andragogy.

1. Introdução

Este estudo vem ao encontro da necessidade actual do país em injectar oxigénio na reflexão em torno das políticas e das práticas de formação de Educadores de Jovens e Adultos em Moçambique, desencadeando um diálogo com referenciais produzidos sob diferentes perspectivas (gestores e técnicos administrativos e pedagógicos, formadores e formandos), de modo a despertar a dúvida, abalar as certezas e estimular a ousadia. Assim, o objectivo primordial deste trabalho consistiu em analisar a relevância dos fundamentos pedagógicos do novo modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos em implementação no Instituto de Formação de Professores de Chongoene (IFPC), procurando buscar respostas sobre: (i) As razões da reformulação do currículo de formação de professores (II) Comparação dos modelos de formação de professores (iii) Percepções e expectativas dos formadores e formandos do IFPC. Assim, para a concretização dos objectivos definidos, socorremo-nos, nesta pesquisa, do paradigma interpretativista, seguindo uma abordagem qualitativa com vista a explorar o espectro de opiniões e das representações sobre os fundamentos pedagógicos do modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos em Moçambique. Não se pretende neste estudo encontrar um uníssono de concepções, métodos, práticas e políticas num coral de tantas vozes, com tão diferentes timbres e tonalidades. Interessa-nos descobrir a variedade de pontos de vista no assunto em questão e o que fundamenta e justifica esses potenciais diferentes pontos de vista.

2. Referencial teórico

Como dito em Mataruca (2020, p.2), “Conhecer o modo como os adultos constroem, elaboram e dão significado aos seus conhecimentos ajuda o formador a orientar as suas práticas pedagógicas, respeitando as subjectividades dos aprendentes com seus níveis, ritmos e suas singularidades”. Nessa análise, socorremo-nos, em jeito de estudo comparativo, de Dermeval Saviani no seu livro Escola e Democracia, que pode ser considerado o manifesto da pedagogia histórico-crítica, particularmente com as suas reflexões sobre o problema da marginalidade educacional. Em um segundo momento, para sustentar o problema da pesquisa (Qual é a relevância dos fundamentos pedagógicos que contribuíram para a implementação no Instituto de Formação de Professores de Chongoene do novo modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos?) foram explorados os princípios da aprendizagem dialógica tomando como base teórica os estudos de Freire (2013) com a sua dialogicidade e os estudos de Habermas (1984) com a sua teoria da Acção Comunicativa, que se baseia na procura de consensos entre formadores e formandos com vista ao entendimento mútuo, livre de qualquer tipo de coação.

3. Metodologia

Neste estudo, optámos por uma investigação qualitativa com abordagem multi-metodológica, utilizando como técnicas de recolha de dados a observação, a análise documental e a entrevista semi-estruturada. Uma tal estratégia de triangulação metodológica permitiu-nos uma valorização progressiva dos dados, conferindo consistência a esta pesquisa.

Para operacionalizar as técnicas de recolha de dados, concebemos um quadro operacional da pesquisa e os respectivos instrumentos de recolha de dados. Laville e Dionne (1999, p. 172) esclarecem, ainda que, “estabelecer o quadro operacional de uma pesquisa consiste em especificar as manifestações observáveis empiricamente do(s) conceito(s) em jogo e, se na verdade houver vários, explicitar as relações que deveriam aparecer entre suas respectivas manifestações”.

Assim, o quadro operacional apresenta-se mais do que uma simples escolha de indicadores: estabelece também a ligação entre as perguntas de pesquisa e o trabalho de análise e de interpretação, precisando o que se necessita considerar para a solução das mesmas.

Neste estudo, utilizámos a entrevista no entendimento sugerido por De Ketele e Roegiers (1999) em que ela é utilizada como um método de recolha de informações, individuais e de grupos (Grupo focal), com várias pessoas seleccionadas cuidadosamente, a fim de obter informações sobre factos ou representações, cujo grau de pertinência, validade e fiabilidade é analisado na perspectiva dos objectivos da recolha de informações. Inicialmente, pretendíamos aplicar um conjunto de entrevistas aos formadores dos professores do ensino primário e educadores de adultos em vários momentos de uma forma diacrónica (na primeira etapa do trabalho e antes e depois de cada uma das aulas observadas), com vista à recolha das percepções sobre a avaliação formativa, as suas práticas e os seus efeitos na percepção de aprendizagem dos formandos. Contudo, devido à declaração do Estado de Emergência no país, a 30 de Março de 2020, e depois de procedermos à construção e validação dos guiões das entrevistas, só foi possível aplicar as entrevistas na primeira etapa do trabalho.

A observação que efectuámos no âmbito deste estudo incidiu, sobretudo, no desempenho dos diversos intervenientes do curso de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos, nas tarefas de desenvolvimento do processso de ensino e aprendizagem e respectivo apoio aos formandos bem como, e essencialmente, nos métodos de avaliação. Por nossa iniciativa e, em coordenação com a direcção pedagógica do IFPC, observámos duas disciplinas, nomeadamente, Psicologia de Aprendizagem e Estrutura das Línguas Moçambicanas. A observação destas disciplinas decorreu sem sobressaltos e foi estruturante para a nossa compreensão de como as aulas são planificadas e realizadas no curso de formação dos futuros profissionais da Educação. O diálogo na sala de aulas revelou-se essencial para a construção da curiosidade epistemológica, no sentido já abordado por Freire (2013), consequentemente a criação de espaços dialógicos que favorecem a aprendizagem dos formandos. A organização da sala de aulas, de forma a promover mais interação e contacto entre formador e formandos rompe com os esquemas competitivos e individualistas e fomenta tanto a aprendizagem significativa como a solidariedade entre os futuros professores.

Com o apoio do software de análise qualitativa de dados MAXQDA, procedemos à transcrição das entrevistas previamente gravadas em suporte áudio, organizámos o corpus de dados, analisámos, visualizámos, e projectámos os resultados. Assim, seguindo a estrutura básica da análise de conteúdo, recortámos os textos das entrevistas em unidades de contexto que “servem de unidade de compreensão para codificar a unidade de registo e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registo) são óptimas para que se possa compreender a significação exacta da unidade de registo” (Bardin, 2011, p. 137), e unidades de registo (n) que “é a unidade de significação codificada e corresponde ao segmento de conteúdo considerado unidade de base, visando a categorização e a contagem frequencial” (Bardin, 2011, p. 134).

O uso desta ferramenta permitiu a economia de tempo e custos, fornecendo a possibilidade de explorar os dados no seu âmbito mais amplo bem como a facilidade de codificação e visualização de relações entre conjuntos de dados. O software MAXQDA 2020 ajudou consideravelmente no gerenciamento de dados recolhidos através da aplicação das entrevistas semi-estruturadas bem como da análise documental, tornando “a análise qualitativa muito mais fácil, precisa, confiável e transparente […] mais fácil acessar todos os textos codificados da mesma forma sem descontextualização, ou seja, sem perder qualquer informação sobre a origem desse texto” (Gibbs, 2009, p.136).

De acordo com os objectivos delineados, neste estudo participaram gestores e técnicos da Direcção Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos (DNAEA), seleccionados por conveniência, formadores, escolhidos aleatoriamente, e formandos do IFPC cuja identificação aconteceu conforme a estratégia de amostragem por cadeias de referência, num total de 86 participantes, distribuídos de acordo com a Tabela 1.

Tabela 1: Distribuição dos participantes neste estudo. 

Fonte: O Autor (2020).

Na apresentação e discussão dos resultados deste estudo, socorremo-nos da análise horizontal1 das entrevistas semi-estruturadas aplicadas a cada grupo constituinte da nossa amostra em concordância com Bardin (2011), que defende que ela permite centrar-se na perspectiva do outro, num esforço deliberado de análise do familiar como se fosse estranho e mostra as constâncias, as semelhanças, as regularidades, ou seja, as convergências e divergências do grupo em estudo, bem como de dados da observação das aulas conduzidas pelos formadores e da análise documental.

4. Resultados

Através da análise de conteúdo defendida por Bardin (2011) dos dados obtidos com a aplicação de entrevistas semi-estruturadas e das obsevações das aulas conduzidas pelos formadores e da análise documental e com base nas questões de pesquisa, ressaltam como principais conclusões os aspectos que a seguir enunciamos:

4.1 Razões da Reformulação do Currículo de Formação de Professores

Nesta secção procuramos identificar as razões da reformulação do currículo de formação de professores. Na interação com os gestores e técnicos da DNAEA e com os formadores do IFPC encontramos elementos significativos para subsidiar a resposta adequada à pergunta de pesquisa em análise. Da análise documental, identificámos os fundamentos que se apresentam na Tabela 2, como razões da reformulação do currículo de formação de professores.

Tabela 2: Algumas das razões da reformulação do currículo de formação de professores. 

Fonte: INDE (2019).

Da tabela 2, podemos inferir que era urgente e inadiável a reformulação do currículo de formação de professores do ensino primário e de educadores de adultos. Contudo, antes de proceder à sua implementação em todo o território nacional teria sido interessante lançá-lo experimentalmente em um número controlado de IFPs de forma a colher subsídios sobre a sua eficácia e rectificar potenciais erros na concepção.

Da interação havida com os gestores e técnicos da DNAEA e com os formadores do IFPC ressaltam alguns aspectos negativos que numa implementação piloto poderiam ter sido sanados com relativamente menor pressão, nomeadamente:

  • A dosagem e o equilíbrio dos conteúdos do novo plano curricular

  • O futuro enquadramento dos formandos deste modelo

  • A concepção e produção dos materiais de ensino, manuais e a planificação racional das práticas pedagógicas em função da localização dos centros de alfabetização e educação de adultos.

Em nossa opinião, um dos principais desafios na formação de professores do ensino primário e educadores de adultos em Moçambique é a organização das práticas pedagógicas. Esta componente da formação constitui um grande desafio porque embora se advogue a formação de professores para o ensino primário e educação de adultos ficámos com a sensação de que no currículo não há foco específico de práticas pedagógicas para a componente de educação de adultos.

Um dos desafios institucionais que se impõe é a necessidade urgente de dotar todos os IFPs de reglete e punção para cada formador e para o conjunto dos formandos. Aliado à introdução do sistema de grafia Braille está também a necessidade de instalação de salas de aulas com recursos multifuncionais, isto é, salas com recursos tecnológicos para o sistema de grafia Braille bem como tecnologias normais de informação e comunicação […] computadores, impressoras, etc.

4.1.1 Comparação dos Modelos de Formação de Professores

Nesta secção procuramos dar resposta à segunda pergunta de pesquisa que este estudo levanta, especificamente, “Como é que os fundamentos pedagógicos do Currículo de Formação de Educadores de Adultos dos Institutos de Formação de Educadores de Adultos e dos Institutos de Formação de Professores na formação de professores do ensino primário e educadores de adultos se distinguem uns dos outros?”.

Com vista a reforçar e fundamentar as evidências encontradas, recorremos a documentos normativos do MINEDH sobre a formação de professores tendo encontrado no Plano Curricular do Curso de Formação de Professores do Ensino Primário e Educadores de Adultos e no Plano Curricular para a formação de Educadores de Jovens e Adultos alguns elementos que subsidiaram o quadro comparativo que a seguir apresentamos.

A primeira diferença visível entre os dois modelos em análise está no perfil de entrada ao alterar-se de 10ª classe para a 12ª classe, mantendo-se a duração em três anos. A alteração do perfil de entrada de 10ª classe para a 12ª classe coloca Moçambique ao nível de outros países da SADC como, por exemplo, África do Sul, Zimbabwe e Swazilândia (CEMOQUE-Moçambique, 2015).

A segunda diferença entre os dois modelos reside no paradigma de formação adoptado para cada um deles. O paradigma de formação de professores - Paradigma Reflexivo -, em implementação no Modelo 12ª +3, visa desenvolver nos futuros professores o espírito crítico e prepará-los para a acção reflexiva sobre/e na prática pedagógica (INDE, 2019).

O modelo 12ª + 3 preconiza a formação de professores do ensino primário e educadores de adultos, ou seja, professores munidos de saberes construídos e capazes de trabalhar com alunos de todas as idades e mesmo com necessidades educativas especiais. São professores capazes de comunicar na língua de ensino, incluindo a língua de sinais e usar o sistema de grafia Braille. Por seu turno, o modelo 10ª + 3 não contemplava o atendimento adequado às crianças com Necessidades Educativas Especiais e seus formandos só poderiam integrar o Subsistema de Educação de Adultos do Sistema Nacional da Educação.

No Modelo 10ª + 3, os conteúdos dos Módulos e Unidades estavam distribuídos por semanas, em blocos de três meses enquanto que no novo modelo a abordagem dos conteúdos é por semestres, possibilitando mais tempo de aprendizagem e melhor domínio dos conteúdos leccionados.

O estudo realizado em 2015 pela CEMOQUE-Moçambique, no âmbito da avaliação externa ao modelo de formação de professores 10ª+3, permitiu concluir que o estágio pré-profissional de um ano é longo, oneroso para o Estado e inconveniente para os formandos, pois têm as mesmas responsabilidades que os professores ‘normais’, mas auferem subsídios baixos de 3000 MT, que não chegam a cobrir as suas necessidades básicas. No novo modelo de formação o estágio pré-profissional e Trabalho Final do Curso desenvolve-se somente em um semestre, especificamente, no 6º Semestre lectivo.

4.2 Percepções e Expectativas dos Formadores e Formandos do IFPC

Nesta secção procuramos dar resposta à terceira pergunta de pesquisa que este estudo levanta, especificamente, “Como é que os formadores e formandos do IFPC percebem o novo modelo de Formação de professores do ensino primário e educadores de adultos? E o que esperam dele?”.

Os formadores estão conscientes da pressão que existe sobre o sistema educativo moçambicano, daí que no processo de ensino e aprendizagem eles revelam muita preocupação com a qualidade do produto final a apresentar à sociedade. Neste contexto, não só se apoiam na fraca base material de ensino existente no IFPC, como também se dedicam a procurar alternativas pedagógicas de apoio à melhoria do trabalho dos seus formandos. Verificámos que estão preocupados na formação com qualidade exigida através de uma constante mobilização de saberes diversos para identificar e resolver problemas quotidianos marcados pela incerteza, imbuídos por uma forte motivação intrínseca.

A consideração da(s) forma(s) como os formandos constroem seus conhecimentos refere-se à necessidade, por parte dos formadores, de procurarem “conhecer seus educandos, suas características, suas culturas, suas expectativas, além de suas necessidades de aprendizagem” (Soares & Pedroso, 2013, p.4), construindo uma postura dialógica e dialéctica. De facto ser formador no IFPC exige uma postura aberta e dialógica, de comunhão em relação ao contexto no qual cada formando está inserido e aos valores culturais e morais que trazem consigo.

Identificámos alguns paradoxos muito interessantes na actividade docente dos formadores. Mesmo conscientes da exaustividade presente na tarefa de formar, o prazer e o compromisso estão presentes e, ainda que reconheçam a precariedade das condições de trabalho, mencionam o afecto, as relações interpessoais e a realização pessoal. Aliás, foi exactamente isso que observámos na condução do processo de ensino e aprendizagem das disciplinas de Estrutura das Línguas Moçambicanas e Psicologia de Aprendizagem. Os formadores observados revelaram-se competentes e experientes no saber fazer docente. Observámos que a organização da sala de aulas promove mais interação e contacto entre formador e formandos e rompe com os esquemas competitivos e individualistas, fomentando tanto a aprendizagem como a solidariedade entre os formandos.

No encontro de feeddback aos formadores observados demos a conhecer os resultados da observação realizada permitindo a leitura, por cada um dos observados, do conteúdo da grelha de observação e sua respectiva assinatura. Neste encontro, os formadores se soltaram e passaram em revista todo o processo de formação dos formandos, tanto presencial como virtual.

Por seu turno os formandos, apesar de identificarem dificuldades do modelo 12ª+3 na relação com os colegas e na escassez de recursos e materiais didácticos, estão muito motivados para concluírem com sucesso esta formação e alimentam expectativas muito altas. Aliás, no Plano Curricular do Curso de Formação de Professores do Ensino Primário e Educadores de Adultos (2019) “espera-se que o formando aprenda a aprender a ensinar através do contacto com estratégias participativas, num ambiente em que todos ensinam e aprendem, assumindo, o formador, o papel de organizador-mediador” (p.26).

Os formandos participantes neste estudo são unânimes no elogio ao desempenho profissional e à actuação dos seus formadores. Neste contexto, um grande desafio é colocado às instituições de formação de professores e educadores de adultos para preparar profissionais competentes, reflexivos, proactivos orientados para a profissionalização da actividade docente o que pressupõe a adaptação da sua cultura organizacional à administração e gestão de um curso flexível (INDE, 2019).

O Plano Curricular do Curso de Formação de Professores do Ensino Primário e Educadores de Adultos assenta na profissionalização como a pedra angular de todo o processo, em torno do qual o desenvolvimento de competências no domínio pessoal e social, de conhecimentos científicos e de habilidades inerentes à profissão, são construídos (INDE, 2019, p.4).

“Foi positivo terem introduzido este novo modelo de curso porque estamos a ser preparados com tempo suficiente para uma aprendizagem significativa para lidarmos com os alunos de todas as faixas etárias” declarou o formando (AF34). Refira-se que o presente Plano Curricular, assente na linha dos modelos construtivistas, ressalta a necessidade de se conceber uma formação contínua que contribua para a mudança educacional, para a redefinição da profissão docente e que encara os professores em todas as suas dimensões - individual, colectiva, profissional e organizacional (INDE, 2019, p.26).

Na interação com os formandos, verificámos que quanto ao desempenho académico, os resultados obtidos apontam para uma avaliação em “Bom”, representando 60% dos participantes neste estudo, em “Excelente”, correspondente a 25.7% e satisfatório, em 14.3%. Comparando os resultados obtidos nesta categoria (Desempenho académico) com os da avaliação pelos formandos do Plano Curricular, facilmente chegámos à conclusão que há coerência nos discursos deste grupo de participantes, verificando-se ligeiras diferenças percentuais que não chegam a afectar o grau de coerência identificado. Em suma, os formandos avaliam positivamente o novo Plano Curricular e alimentam fortes expectativas quanto aos resultados a obter.

5. Conclusões

Ao longo de todas as fases da investigação, reconhecemos as nossas limitações e, consequentemente as limitações deste estudo. Em primeiro lugar, deparámo-nos com a escassez de pesquisas empíricas que se debruçam sobre a EJA em Moçambique, particularmente sobre a formação de educadores de jovens e adultos. Esta constatação é confirmada por Soares e Pedroso (2013, p.6) ressaltando que, “no meio acadêmico, a quantidade de pesquisas voltadas para essa temática nessa modalidade de ensino ainda é escassa e lacunar”. Por outro lado, a vigência do Estado de Emergência (EE) decretado a 30 de Março de 2020, com a consequente suspensão das aulas, e as medidas do isolamento social tornaram muito difícel o nosso envolvimento com o objecto de estudo, a convivência e interação com os três grupos da nossa amostra, do jeito que havíamos projectado. Contudo, apesar destas limitações, pensamos ter contribuído, de algum modo para a reflexão sobre a política de formação de educadores de jovens e adultos em Moçambique, principalmente sobre as suas perspectivas pedagógicas, destacando as melhores práticas de formação de educadores de jovens e adultos do estabelecimento de Chongoene.

Através das falas dos participantes neste estudo, particularmente dos gestores e técnicos da DNAEA bem como de formadores, apercebemo-nos de que nas políticas educacionais desenhadas e que orientam a formação do professor existe uma intencionalidade de formar o professor que investiga sua prática, um professor reflexivo; um professor e educador de adultos que se deve configurar como mediador entre o conhecimento científico e os objectivos da sociedade e os interesses e aspirações dos seus alunos e não um mero reprodutor de conhecimentos. Trata-se de um professor e educador de adultos que reúne em si competências de natureza didáctica e transversal, capaz de criar um conjunto de estratégias de ensino e aprendizagem que permitam ao aluno aprender a aprender, e desenvolva, simultaneamente, a sua autonomia, conforme plasmado em (INDE 2019).

Da interação tida com os sujeitos da nossa amostra, concluímos que a necessidade de promover um Sistema Educativo inclusivo, eficaz e eficiente, equitativo e de qualidade que garanta a aquisição das competências requeridas ao nível de conhecimentos, habilidades, gestão e atitudes que respondam às necessidades de desenvolvimento humano, plasmada no Plano Curricular de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos, foi um dos pressupostos estruturantes para a adopção do Modelo 12ª+3. Concluímos, também, que a urgência em preparar profissionais capazes de comunicar na língua de ensino, incluindo a língua de sinais e usar o sistema de grafia Braille fazia parte da necessidade de promover um Sistema Educativo inclusivo.

As principais dificuldades indicadas para a implementação do ensino inclusivo referem-se à falta de formação especializada e de apoio técnico aos formadores. Um dos desafios institucionais que se impõe é a necessidade urgente de dotar o IFPC de reglete e punção para cada formador e para o conjunto dos formandos. Aliado à introdução do sistema de grafia Braille está também a necessidade de instalação de salas de aulas com recursos multifuncionais, isto é, salas com recursos tecnológicos para o sistema de grafia Braille bem como sistemas de informação, pois o Plano Curricular determina que “As condições de aprendizagem incluem o acesso ao conhecimento, através do apetrechamento das instituições de formação de professores em acervo bibliográfico, tecnologias de informação e laboratórios para a prática de experiências na área de Ciências” (INDE, 2019, p.51).

Deste modo, concluímos que os fundamentos pedagógicos do novo modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos em implementação no IFPC são relevantes e oportunos para a operacionalização do novo Sistema Nacional de Educação (SNE) aprovado pela lei 18/2018, de 28 de Dezembro. Esta lei prevê que, na implementação do SNE se tenha atenção redobrada na Educação Especial, que serve os aprendentes com necessidades educativas especiais com vista a maximizar as suas potencialidades bem como na Educação Vocacional, focada nos jovens e adultos. Ora, como o profissional em formação no modelo 12ª+3 pode comunicar adequadamente em quaisquer contextos reforça a nossa inferência de que os fundamentos pedagógicos do novo modelo de formação de professores do ensino primário e educadores de adultos são relevantes e oportunos.

Estamos convictos que este estudo instiga a curiosidade, gera inquietação e questionamentos, que, consequentemente, pressupõem a busca de respostas no terreno. Neste contexto, esta pesquisa suscita temas para futuras investigações. Por exemplo, seria importante fazer um estudo sobre como os formadores do IFPC constroem a sua profissionalidade docente. Por outro lado, a possibilidade de aprofundar alguns aspectos abordados neste trabalho em investigações futuras, com a realização de estudos longitudinais, envolvendo IFPs localizados nas três regiões de Moçambique (Norte, Centro e Sul).

6. Referências

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1 A que podemos também chamar transversal, por oposição à análise vertical, subjectiva.

Recebido: 18 de Março de 2021; Aceito: 28 de Abril de 2021

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