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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.8  Oliveira de Azeméis jun. 2021  Epub 02-Dez-2021

https://doi.org/10.36367/ntqr.8.2021.637-644 

Artigos Originais

Fronteiras entre saúde e doença para pessoas que vivem com Doença Crónica

Boundaries between Health and Disease for People Living with Chronic Disease

1 Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Portugal.


Resumo:

Viver com uma doença crónica como a osteoartrose é um grande desafio. Esta doença manifesta-se especialmente através da dor, podendo surgir a deformação, a nível das articulações, altera a imagem corporal compromete a funcionalidade e a sua evolução pode causar na pessoa grande sofrimento. Compreender a forma como estas pessoas vivem a sua doença, constitui um contributo para a prática de enfermagem. Esta investigação tem como objetivo compreender as experiências de saúde e doença para pessoas que vivem com doença osteoarticular. Realizou-se um estudo descritivo com uma metodologia qualitativa de orientação fenomenológica. Realizou-se entrevistas semiestruturadas a quinze (15) participantes com osteoartrose. Da análise das mesmas, sobressaiu como resultado que a experiência da doença crónica tem sido considerada na estrutura do ser humano como um modo da vida. A experiência da saúde e da doença representa um processo de viver em constante movimento e é retratada como uma dialética em que o Eu sofredor se renova para continuar a existir. A experiência da saúde e da doença é uma realidade existencial em que o sofrimento e o bem-estar não são negados, mas integrados pelo Self. Este estudo destaca a forma como é experienciada esta doença crónica, salientando-se a experiência de não ser nem saudável nem doente, enquanto pessoa que vive com um corpo doente. Destaca e explica os conceitos: Eu como ser humano; Eu e o sofrimento; a dialética da renovação e a continuidade existencial onde a compreensão da dor, do sofrimento fazem sentido para as pessoas que vivem com doenças crónicas, sugerindo que a esperança é o catalisador para reconciliar fronteiras e as experiências humanas de saúde e doença.

Palavras-chave: Doença Crónica; Osteoartrose; Doença; Saúde; Fenomenologia; Enfermagem

Abstract:

Living with a chronic disease like osteoarthritis is a big challenge. This disease compromises functionality alters the body image, and its evolution can lead the person to feel pain and suffering. Understanding how these people live with their disease is a contribution to nursing practice. This research aims to understand the experiences of health and disease for people living with osteoarticular disease. A descriptive study was carried out with a qualitative methodology of phenomenological orientation. Semi-structured interviews were conducted with fifteen (15) participants with osteoarthritis. From their analysis, it emerged as a result that the experience of chronic illness has been considered in the structure of the human being as a way of life. The experience of health and illness represents a process of living in constant movement and is portrayed as a dialectic in which the suffering self is renewed to continue to exist. The experience of health and illness is an existential reality in which suffering, and well-being are not denied, but integrated by the Self. This study highlights how this chronic disease is experienced, highlighting the experience of being neither healthy nor sick, as a person living with a sick body. It highlights and explains the concepts: I as a human being; Me and suffering; the dialectic of renewal and the existential continuity where the understanding of pain and suffering makes sense to people living with chronic diseases, suggesting that hope is the catalyst for reconciling borders and human experiences of health and disease.

Keywords: Chronic Disease; Osteoarthritis; Disease; Health; Phenomenology; Nursing.

1. Introdução

A enfermagem é caracterizada pelo cuidado aos seres humanos nas suas experiências de saúde e de doença (Watson, 2008). Neste estudo, considerámos pertinente o interesse não somente de experiência de saúde, mas também a experiência da doença de pessoas com doença crónica. De entre as doenças crónicas, a doença reumática degenerativa como a osteoartrose (OA) é a mais prevalente, afetando 10% da população adulta e idosa em Portugal (Sá, 2016).

A OA é caracterizada pela destruição da cartilagem articular, verificando-se lesões anatómicas que habitualmente são representadas por degeneração cartilaginosa e do osso subcondral (Queirós, 2002). Esta instala-se de forma insidiosa sendo o seu principal sintoma a dor nas articulações afetadas, podendo ser localizadas nas mãos (artrose das mãos), nos joelhos (artrose dos joelhos ou gonartrose) e, na articulação coxofemoral (artrose femoral ou coxartrose) (Hochberg, Silman, Smolen, Weinblatt & Weisman (2014)). Inicialmente a dor é ligeira, manifestando-se quando a pessoa inicia o movimento, exacerbando-se com a evolução da mesma. As articulações afetadas apresentam habitualmente aumento de volume acompanhadas de limitação articular podendo ser a causa de incapacidade, compromisso da funcionalidade e a associação de ambas podem contribuir para grave dependência da pessoa. Para além destas alterações, as deformações articulares levam a alterações de imagem corporal. À medida que o processo degenerativo se vai instalando a dor vai aumentando, o que associado às alterações evidenciadas estas são a principal causa de sofrimento (Sá, 2009; Sá, 2016). A saúde e a doença não são conceitos opostos. As pessoas com doença crónica referem que a fronteira entre saúde e doença é muito ténue e frequentemente, só atribuímos importância à saúde quando estamos perante o aparecimento ou a presença da doença, o que vai influenciar a perceção que a pessoa tem da mesma (Pais Ribeiro, 1998).

O conhecimento da experiência destas pessoas representa um contributo para a enfermagem especialmente no contexto dos cuidados, fazendo apelo à importância a uma prática na qual a enfermagem deverá desenvolver uma relação profunda com a pessoa cuidada.

O objectivo deste estudo qualitativo consiste em descrever e compreender a experiência de saúde e de doença em pessoas adultas e idosas com doença crónica mais precisamente a doença reumática degenerativa, a OA. Delineou-se a seguinte questão de pesquisa: Qual(ais) a experiência(s) das pessoas que vivem com uma doença crónica, como a OA?

2. Metodologia

Para o estudo deste fenómeno e, tendo em consideração a problemática e o objetivo, optou-se pelo método fenomenológico, baseado na metodologia Van Manen (1990, 2002). O método fenomenológico procura interpretar e perceber o significado do fenómeno observado (Vergara, 2000), ou seja, permite realizar um estudo científico das experiências humanas (Jackson, 1996; Remenyi, Williams, Money & Swartz, 1998; Van Manen, 1997), que descreve os significados das vivências experimentadas por determinados indivíduos em relação a um dado fenómeno (Creswell, 1998). Na abordagem fenomenológica a tarefa do investigador é procurar compreender como a realidade se constrói por meio da experiência das pessoas envolvidas em determinada situação ou fenómeno. Como diria Heidegger citado por Morente (1980, p. 310), é o “estar eu com as coisas do mundo”; ou seja, o seu foco está na consciência humana durante a vivência de situações sociais e de ser. Esta metodologia é provavelmente a que melhor consegue captar a essência da experiência interativa humana com o ambiente (Baker, 1998). A fenomenologia parece, portanto, particularmente interessante para examinar as perceções dos participantes (Goulding, 1999; Sherry, 1998). As teorias são derivadas de maneira indutiva, quando são agregadas as padronizações permitidas pela interpretação dos significados da experiência (Foxall, 1995).

2.1 Seleção de Participantes

Na pesquisa qualitativa, a escolha dos participantes tem um impacto significativo na qualidade da investigação (Morse, 2007). Uma vez que o objetivo da fenomenologia hermenêutica é compreender a experiência vivida, é importante escolher participantes que tenham experiência do fenómeno em estudo, que sejam capazes de comunicá-lo e que desejem contar "sua história" (Morse, 2007).

Para tal, a seleção dos participantes do estudo foi baseada nos seguintes critérios de inclusão e exclusão: Relativamente aos critérios de inclusão, os participantes para serem elegíveis para o estudo, devem: (a) ser adulto ou idoso (18 anos de idade ou mais); (b) ter diagnóstico de OA há pelo menos um ano. Este segundo critério decorre do facto de ser geralmente aceite que a noção de cronicidade corresponde a uma duração da doença de seis meses ou mais (Larsen, 2006); (c) ser capaz de se expressar e compreender português e (d) querer partilhar sua experiência de doença crónica. Quanto aos critérios de exclusão: os participantes não poderiam participar do estudo se: (a) tivessem um diagnóstico de um problema do foro mental ou deficiência cognitiva, ou (b) tivessem o diagnóstico de outra doença crónica, como doença cardíaca ou respiratória.

Os participantes foram selecionados em instituições hospitalares com consultas externas de reumatologia durante o ano 2019. Uma vez obtido a aprovação da comissão de ética o investigador procedeu ao recrutamento dos participantes com a ajuda da enfermeira responsável pela consulta externa. Participaram no estudo 15 pessoas com diagnóstico de OA. A amostra foi intencional, na qual o investigador elege intencionalmente um determinado grupo com as características estabelecidas para desenvolver uma descrição do fenómeno (Streubert & Carpenter, 2002). Alguns autores consideram que uma amostra de 15 a 20 pessoas parece adequada para obter uma saturação dos dados (Morse, 2007) e, portanto, compreender a experiência vivida. A saturação de dados foi encontrada com o décimo participante, pelo que o tamanho da amostra pareceu suficiente para garantir diversidade de informação de forma a maximizar as informações recolhidas.

Após os participantes darem consentimento para o estudo, foi iniciada a colheita de dados através 2 instrumentos: o questionário de dados sociodemográficos e clínicos e a entrevista individual onde se associou o diário de bordo. Nos dados sociodemográficos os investigadores dão particular atenção às seguintes variáveis: sexo, idade, estado civil, situação profissional, nível de escolaridade, a duração da doença e principais os sintomas presentes aquando da recolha de dados.

Relativamente à entrevista individual, na pesquisa fenomenológica hermenêutica, explica Van Manen (1997), a entrevista tem dois objetivos específicos. Em primeiro lugar, visa desenvolver a compreensão profunda e rica de um fenómeno humano. Em segundo lugar, ajuda a desenvolver um relacionamento com o participante em relação ao significado de uma experiência (Van Manen, 1997). Por sua vez, os investigadores também veem a entrevista como meio de estabelecer uma relação transpessoal de cuidado com cada um dos participantes.

A recolha de dados no método fenomenológico, costuma ser realizada, basicamente, por entrevistas semi-estruturadas (Kerlinger & Lee, 2000), sendo aconselhável que os investigadores formulem previamente questões. Neste sentido, formulou-se as seguintes questões:

  1. 1. Como é viver diariamente com OA?

  2. 2. Que perceção tem da sua saúde ao viver com OA?

  3. 3. Há outras experiências ou aspectos que queira partilhar?

Nas entrevistas, as perguntas fluem, de acordo com “a arte de perguntar e a arte de pensar.” (Ray, 1994, p. 129). Os investigadores devem dirigir a sua atenção para as transações sociais e para as interações entre pessoas e eventos, sob uma ótica naturalista, participativa e interpretativa (Kerlinger & Lee, 2000).

Durante as entrevistas as investigadoras elaboraram também um diário no qual registaram pensamentos, sentimentos, emoções, impressões e comentários a respeito da experiência da pessoa. Para Munhall (2007), o diário oferece a oportunidade de registar diferentes acontecimentos que ocorrem durante a entrevista, constituindo-se este de certa forma uma “memória viva” da pesquisa (Savoie-Zajc, 2000).

Com o objetivo de controlar os vieses de conteúdo o guião da entrevista foi validado por um juiz com a finalidade de validar a coerência e clareza das questões em relação aos objetivos.

2.2 O Processo de Análise de Dados

Na pesquisa qualitativa, o processo de análise dos dados visa captar os significados contidos nas entrevistas (Paillé & Mucchielli, 2008). No presente estudo, esse processo é inspirado nas duas atividades de pesquisa recomendadas por Van Manen (1997, 2002), o saber, a reflexão fenomenológica hermenêutica, bem como a escrita fenomenológica hermenêutica e, compreende um total de três etapas: (a) mergulhar nos dados, (b) identificar e validar os temas preliminares com cada um dos participantes, bem como (c) determinar e descrever os temas essenciais.

Para determinar os temas, o pesquisador utilizou o método da variação livre e imaginária. Esse método consiste em modificar com a imaginação, os temas preliminares do fenómeno para verificar se cada um deles é essencial (Van Manen,1997).

Durante esta etapa sentimos necessidade de validar os temas com vista a controlar a nossa subjetividade. Dado que a validação intersubjetiva é importante para o rigor dos dados, submetemos os verbatins e respetivos temas à apreciação de um perito.

Simultaneamente também baseamos as nossas opções metodologias em Watson uma vez que autora considera que “(…) a melhor forma de compreender o outro ser humano é entrar na sua visão do mundo filosofia de vida, olhar o mundo através dos seus olhos, sob o seu ponto de vista.” (Watson, 1999, p.207).

Da análise dos dados emergiram como principais os seguintes quatro temas: Eu como ser humano; Eu em sofrimento; A renovação do Eu e a Continuidade Existencial.

Na análise e discussão dos dados tivemos em consideração os critérios de rigor científico na pesquisa qualitativa que na fenomenologia, como outros métodos de pesquisa qualitativa, atende a critérios de rigor científico, como autenticidade, credibilidade, crítica, integridade e transferibilidade (Cara, 2007).

3. Apresentação dos Resultados e Discussão

Da análise dos dados verificámos que os participantes são na maioria mulheres (M=10 e H=5), com média de idades de 65,8 anos, maioria casados (12 casados e 3 viúvos), situação profissional, de reformados maioria com 8 anos de escolaridade, a duração da doença em média de 10 anos e os principais os sintomas presentes aquando da recolha de dados são a dor crónica, a deformação das articulações e a dificuldade em andar.

Os participantes consideram - Eu como ser humano, como resultado da vivência com doença crónica, a OA, como uma dialética na qual o Eu que sofre se renova para continuar a existir e a viver. Na teoria de Watson (2002, p.65) a autora refere que se “…deve dar um elevado valor ao mundo interno-subjetivo da pessoa e como ela está a compreender a sua condição de saúde-doença.” “Viver um dia de cada vez…” (P 13) “Temos que saber viver com a doença...” (P9). “Aceito a minha situação (…) é a maneira de estar vivo …” (P6). Este processo destaca a natureza dinâmica da saúde quando se vive com uma doença.

O ser humano é um ser-no-mundo, uma unidade constituída pelo corpo e pelo Eu que são interdependentes com o mundo. O corpo é a dimensão material do ser humano, ou seja, tudo o que é percetível aos sentidos. Como seres no mundo os participantes como pessoas que vivem com um corpo doente, invisível muitas vezes, excedem seus limites corporais para se conformar à normalidade social. “… doí-me o corpo todo…” (P2). “A dor está sempre ali, a maçar (…) a dor põe-me nervosa (…) pelo que é difícil viver, mas o importante é estar vivo … (P8). Para estes participantes cada dia será importante… e importante é estar vivo e ter uma vida. É a qualidade dessa vida e o sentido que a pessoa consegue construir em cada dia, que a torna especial em toda a sua plenitude. O ser-no-mundo, o Eu está situado no mundo e constrói-se a partir das relações partilhadas com os outros (Lipiansky, 2002). Segundo Watson (2002) a pessoa vive a sua vida estando atenta à harmonia entre mente, emoções e corpo, mas ao adoecer preocupa-se com a desarmonia entre o Eu percebido e o Eu experienciado e, nesse sentido tem necessidade de transcender a vida e encontrar a harmonia na vivencia da doença.

Esta perspetiva da vida pode ser interpretada como querer viver com qualidade, sendo este o principal objetivo destas pessoas, e expressam que “Vivo o presente.” (P10).

Eu em sofrimento, foi outro motivo mencionado pelos participantes, ao referirem como se sentem ameaçados pela doença. “Dói o corpo todo…” (P3); “Só eu e Deus é que sabemos o que sofro…” (P7). Para os participantes a dor e o sofrimento a ela associada provoca uma rutura, não só na unidade entre o corpo e o Eu, mas também entre o Eu e o mundo em que estes se inserem. O Self é afetado quando o corpo doente experimenta o sofrimento (Corbin, 2003), sendo sentido como a perda de identidade. O sofrimento é vivido pelo Eu como um espelho que reflete algo insuportável, difícil e indeterminável (Rehnsfeldt & Eriksson, 2004; Frank, 2001).

Como um ser-no-mundo, a pessoa é influenciada por outros, e as alterações do corpo evidenciam a forma como o corpo é vivido. “O meu corpo mudou…” (P10). “Parece que o corpo não é meu…” (P4). “O meu corpo não responde à minha vontade” (P11).

O sofrimento modifica o sentido do tempo presente, pois permite ao ser humano distinguir um antes e um depois de…fazendo uma separação entre o tempo subjetivo e o tempo objetivo (Porée, 2011). Para os participantes que vivem com OA, é impossível continuar com a sua vida como anteriormente. Eles referem que perderam a sua identidade, quando o seu corpo deixou de ser saudável. Vivem com a incerteza de um corpo doente, incerteza essa que se revela pelo medo e preocupação “…. tenho medo de ser um peso…” (P8).

Alguns participantes consideram a Renovação do Eu como um motivo positivo de viver com a doença. A harmonia com a vida pode ser interpretada como querer viver com qualidade, com esperança no futuro. “Esperança como fundamental para enfrentar a doença.” “Esperança como uma força interior.” “Acreditar no futuro.” (P12).

A relação entre o Eu sofredor e o Eu saudável dá origem a uma nova realidade, em que o Eu saudável comprometido e o Eu sofredor ficam integrados. Renovar-se consiste numa mudança continua sendo essencial para ter poder sobre a vida (Longneaux, 2007). “Tenho vontade de viver…” (P7). “Enquanto há vida há esperança (…) pensar em melhores dia/pensar no amanhã (...) continuar a lutar…” (P8).

É também importante que os participantes aprendam a conhecer-se, ouvir seus sintomas, respeitar seus limites “…só faço o que posso (…) não ir até ao limite…” (P6).

Renovar-se implica que as pessoas adotem uma filosofia de vida na procura da felicidade e do prazer. O tempo é precioso devendo aprender a viver um dia de cada vez, a aproveitar o momento presente, onde a esperança também se justapõe ao medo, na esperança de que o amanhã será melhor.

A Continuidade Existencial surge no discurso dos participantes, como sendo importante continuar a existir o que significa dar continuidade a uma nova vida, realizar sonhos e projetos…. Não ter limitações nem incapacidade. A continuidade existencial é um conceito dinâmico e implica que o Eu sofredor deve ter esperança para manter o bem-estar. Tal implica que os participantes devem agir para obter poder sobre as suas vidas. “Acredito no dia de amanhã, com esperança e com fé.” (P6). Watson (1999) salienta que a fé e a esperança ajudam a pessoa a modificar comportamentos de saúde. A pessoa está consciente do seu próprio poder para selecionar e alcançar os seus objetivos, resolver os seus problemas, aumentar o controlo sobre a sua saúde e aumentar a sua autoeficácia (Silva, Ribeiro & Cardoso, 2006).

As pessoas também procuram explicações para compreender porque estão doentes e entender as doenças e perguntam muitas vezes “Porquê eu?” Como não encontram respostas, eles experimentam estratégias diferentes para continuar a existir “…sentir-me bem (...) e recuperar a saúde.” (P12).

A Continuidade Existencial reflete os esforços das pessoas que vivem com doenças crónicas para se acomodar ao corpo doente e reinvestir na vida. Para elas o sofrimento não significa aceitação passiva ou resignação implica ação frente às adversidades da doença crónica (Longneaux, 2007).

Os participantes referem que querem viver mais tempo para estarem com a família, porque encontram nela a segurança que os ajuda na solução de todos os problemas e dificuldades. Estes têm necessidade de sentir e manter as relações interpessoais. A família tem um papel importante ao proporcionar motivação e apoio que podem influenciar positivamente a vivencia da doença “… a minha família dá-me muito apoio (…) é muito importante.” (P6).

4. Conclusões

Dado o caracter fenomenológico do estudo analisámos o fenómeno da experiência da doença crónica na perspetiva de pessoas com osteoartrite e esta investigação poderá ser o início para a compreensão do fenómeno em pessoas tão especiais como as que tem como diagnóstico - OA.

A partir da questão de investigação: Qual(is) a(s) experiência(s) das pessoas que vivem com uma doença crónica como a OA? Procurámos dar respostas aos objetivos traçados.

A pessoa com osteoartrite experiência a doença como uma dialética em que tenta viver em constante dinâmica entre a saúde e a doença. Relativamente a Eu como ser humano, apesar da perceção negativa da saúde esta é valorizada, como um bem importante, que têm vindo a perder. Referem a adaptação como um desafio para alcançar o equilíbrio e algum bem-estar relativamente à doença que é cronica e irreversível.

A perceção que têm da dor causada pela doença, é que esta é de grande complexidade sendo difícil viver com ela, despertando sentimentos de desânimo, tristeza, estando fortemente associada ao sofrimento. Referem que as consequências da doença e da dor têm também impacto a nível do corpo que lhes altera a aparência e funcionamento, responsável pela sua fragilidade. Salientam que vivem com alguma adaptação e aludem à importância da esperança para se sentirem bem e viverem melhor. Consideram que toda esta experiência de adaptação é importante para superarem as adversidades e viverem em harmonia sendo a família fundamental em todo este processo.

Concluindo, a vivência da saúde e da doença não é apenas uma nova forma de estar /viver no quotidiano das pessoas com OA, mas também uma nova forma de aceitação e renovação. Esta reconciliação das fronteiras entre saúde e doença, onde as pessoas não se sentem nem saudáveis nem doentes, é superada pela esperança no futuro (Ricoeur, 2004) e abre a porta à renovação de continuar a existir.

Como enfermeiras e docentes, consideramos que a pertinência deste estudo reside na compreensão da experiência da saúde (wellness) e da doença (illness), tendo em conta os aspetos indissociáveis destas que coexistem na experiência da pessoa com doença crónica. A compreensão desta experiência permite desenvolver novo conhecimento e oferecer contributos para a intervenção que permitem aos enfermeiros tomar decisões individualizadas e também uma maior adequação às necessidades das pessoas com este tipo de doença, em qualquer dos contextos em que estas se encontrem.

A complexidade de ser pessoa prossupõe um olhar especial e particular dos enfermeiros sobre a sua individualidade e singularidade - para além dos problemas relacionados com a doença - tendo em consideração que a gestão da mesma só é possível se os enfermeiros se centrarem na pessoa e não na doença (Hesbeen, 2001).

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Recebido: 18 de Março de 2021; Aceito: 28 de Abril de 2021

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