SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9A(s) casa(s) e o “ficar em casa”: Um estudo exploratório dos impactos psicossociais das desigualdades habitacionais na vivência da pandemia da Covid-19Perceção de experiências marcantes do confinamento em famílias portuguesas e brasileiras: Um estudo qualitativo índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.9  Oliveira de Azeméis jun. 2021  Epub 21-Dez-2021

https://doi.org/10.36367/ntqr.9.2021.163-171 

Artigos Originais

Agenda 2030 - Trânsito no Brasil: Educação e Formação Continuada

Agenda 2030 - Traffic in Brazil: Education and Continuing Training

Selma Aparecida Leite de Andrade1 
http://orcid.org/0000-0001-8785-2131

Maria Dulce Santiago de Carvalho2 
http://orcid.org/0000-0002-7784-5322

1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e questões metodológicas NEMESS, Brasil.

2 Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves UNIPTAN - Minas Gerais, Brasil.


Resumo:

Este estudo aborda a interface entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 e o trânsito no Brasil. Relaciona aspectos econômicos, políticos, sociais e de saúde com a educação e a formação continuada de condutores(as). Traz o debate da Psicologia Social e a avaliação psicológica como alternativa de prevenção. No Brasil, o trânsito vitimiza principalmente crianças e jovens entre 5 a 29 anos e compromete nestes eventos 3% do PIB ao ano. Contexto manifesto, surge a questão: em que medida as características de condutores impactam na formulação de políticas públicas de educação e formação para o trânsito? O objetivo do estudo é conhecer, interpretar e analisar as características e percepções na narrativa de brasileiros(as) sobre o ato de conduzir. De caráter exploratório e método misto quali-quantitativo partiu-se da revisão bibliográfica e documental. Na amostra, composta de 120 planilhas com dados de condutores entre 2016 e 2020, foram selecionadas informações sobre sexo, profissão, escolaridade, relação e percepção com o ato de conduzir. A codificação destes dados deu-se com suporte da ferramenta Web Quantitative Data Analysis (webQDA). Os resultados mostram prevalência do sexo masculino, Ensino Médio, diversidade na profissão e CNH como acesso a Trabalho, Sustento e Sobrevivência. A Análise de conteúdo considera relevante as características de condutores(as) na elaboração de políticas de educação para o trânsito e enfatiza a formação continuada como estratégia imprescindível. A pesquisa com apoio do webQDA mostrou-se profícua. Recomenda-se ampliar o uso de seus recursos em futuros estudos. Priorizar particularidades cognitivas, regionais e culturais de sujeitos nas políticas de educação e formação continuada no trânsito na interface com os ODS da Agenda 2030 resulta em benefícios na mobilidade para toda sociedade.

Palavras-chave: Agenda 2030; ODS; Trânsito; Educação; Formação Continuada

Abstract:

This study addresses the interface between the Sustainable Development Goals (SDG), from Agenda 2030, and the road traffic in Brazil. It relates economic, political, social and health aspects to education and the continuous training of drivers. It brings up the debate on Social Psychology and psychological assessment as an alternative for prevention. In Brazil, traffic mainly victimizes children and young people between 5 and 29 years old and compromises 3% of GDP per year on those events. In this context, the question arises: to what extent the characteristics of drivers impact the formulation of public policies for education and traffic training? The study aims to know, interpret, and analyze the characteristics and perceptions of Brazilians regarding the act of driving. With an exploratory feature and with a mixed quali-quantitative method, it starts from the bibliographic and documentary review. In the sample, composed of 120 spreadsheets with driver data between 2016 and 2020, it was selected information about sex, profession, education, relationship, and perception with the act of driving. The assortment of these data was supported by the Web Quantitative Data Analysis tool (webQDA). The results show the prevalence of males, secondary education, diversity in the profession and the driver’s license as access to Work, Livelihood and Survival. Content analysis considers the characteristics of drivers to be relevant in the development of education policies for traffic and emphasizes continuous training as an essential strategy. The research supported by webQDA proved to be fruitful. It is recommended to expand the use of its resources in future studies. Prioritizing cognitive, regional, and cultural particularities of subjects in education and continuous training policies without transition in the interface with the SDGs and the 2030 Agenda results in mobility benefits for the whole society.

Keywords: Agenda 2030; SDG; Traffic; Education; Continuous Training

1. Introdução

Fenômeno multifacetado e complexo o transito apresenta elementos relacionados ao comportamento humano, sua necessidade de deslocamento e infraestrutura para garantir segurança na mobilidade. Segurança implica educação e formação continuada. Consta no Código Brasileiro de Transito CBT (1997) que: “Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente” (Artigo 1. & 5º). Neste sentido a Organização das Nações Unidas ONU declara o período entre 2011-2020 a “Década de Ação para Segurança Viária”. O objetivo é desenvolver ações para a reduzir pela metade o número de perecimentos relacionados às questões do tráfego.

A Organização Mundial da Saúde OMS aponta os acidentes de trânsito como nona causa de morbidade no mundo. São 1,2 milhões de vítimas fatais, principalmente pedestres, ciclistas e motociclistas, jovens entre 15 e 29 anos. Os traumatismos causados pelo trânsito na Região das Américas matam cerca de 154.089 pessoas por ano, o que corresponde a 12% das mortes no trânsito em todo o mundo. Os motociclistas representam 20% das mortes no transito nas Américas (OPAS 2019 p.3).

Antônio Guterres, então Secretário Geral da ONU anuncia o documento “Transformando o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (A/70/L.1) ”. Constam na Agenda 2030 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ODS e 169 metas para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos. Propõe ações integradas para contemplar as dimensões econômica, social e ambiental. O transito é contemplado na transversalidade dos ODS e com destaque no Objetivo n. 11 que trata sobre Cidade e Comunidades Sustentáveis.

No Brasil, sexta maior frota de veículos do mundo, circulam mais de 42 milhões de automóveis com idade média acima de 10 anos (Sindipecas, 2017). Após pandemia em 2020 e a crise nas áreas da saúde, econômica e social provocada acontece a paralisação de montadoras. Fábricas como a Ford, Chevrolet, Honda, Volkswagen e Mercedes-Benz suspendem suas atividades no país. Este fator contribui para aumentar a longevidade dos veículos, fator que compromete a manutenção destes veículos e segurança no transito.

Nesta direção, Viecili (2003) dialoga acerca dos aspectos externos e internos e assinala que o fenômeno trânsito integra variáveis pessoais e variáveis do ambiente, entendendo que fatores internos podem somar a fatores externos na ocorrência de acidentes; condições climáticas, das vias e estado do veículo podem associar com o que o indivíduo carrega dentro de si, como suas emoções e personalidade. A autora esclarece que o homem se torna um mediador entre o sistema de trânsito (o externo a si) e suas próprias reações aos estímulos recebidos (o interno a si). Torna-se essencial considerar fatores objetivos e subjetivos na formulação de propostas de políticas no transito.

Neste estudo exploratório a reflexão interdisciplinar origina-se em torno de como trabalhar a prevenção no transito de forma efetiva sob o fio condutor dos ODS e Agenda 2030. Com objetivo de conhecer, interpretar e analisar as características e percepções de brasileiros (as) sobre o ato de conduzir surge o questionamento: em que medida as características de condutores podem contribuir e impactar a formulação de políticas públicas de educação e formação para o transito?

A revisão bibliográfica centrou-se nos elementos subjacentes ao transito. A amostra no total de 120 planilhas de dados foi selecionada no período de 2016 a 2020 de forma aleatória e uniformidade numérica (24 planilhas ao ano). Com apoio do Web Quantitative Data Analysis webQDA procedeu-se à codificação interpretativa e Códigos em Árvore. Considerou-se os contextos factuais sobre genero, escolaridade, profissão, formação e motivação para conduzir. Nesta última, as Palavras Mais Frequentes foram: Trabalho, Sustento e Sobrevivencia. Predomina na escolaridade o Ensino Médio e o sexo masculino. Como profissão há diversidade nas respostas sem frequencias significativas expressa no Código Árvore.

Os resultados das características do sujeito ativo no transito brasileiro pode coadjuvar para tornar o sistema de mobilidade nas cidades mais seguros e sustentável. Conhecer as particularidades de condutores pode contribuir na formulação de políticas públicas e subsidiar as estratégias de educação e formação continuada efetivamente.

A complexidade da temática requer que mais estudos e pesquisas no intuito de subsidiar intervenções nas alternativas para mobilidade urbana. Explorar a infraestrutura viária sinalização e fiscalização, oferta de transporte público, vias exclusivas para bicicletas e motos, prioridade na segurança da vida e incentivar a participação de cidadãos e cidadãs na formulação da Política Nacional de Transito.

2. O Fenômeno Trânsito

A palavra trânsito tem origem no latim transitu que significa “ato ou efeito de caminhar, marcha, movimento, circulação de pessoas ou de veículos” (Ferreira, 1999). Para o pioneiro da Psicologia do Transito, Reinier Jhanes Antonius Rozestraten, este fenômeno é compreendido como um “conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas, que tem por fim assegurar a integridade de seus participantes” (1988, p.4). Em contrapartida, Eduardo A. Vasconcellos traz para o debate a questão da disputa, onde o transito pode ser concebido como “um espaço de convivência social, formado por pessoas com necessidades e interesses diversos, as quais terão de negociar o uso do espaço público da melhor forma possível, uma vez que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar simultaneamente“ (1998).

Rozestraten (1988) considera o sistema trânsito em termos de três elementos essenciais: homem, veículo e via e esses fatores interagem entre si. Nesse viés estão representados o homem, que é o condutor e que tem um objetivo a alcançar; o veículo, sendo o que move e transporta, podendo ser animal ou automóvel, e a via que permite o deslocamento de um lugar para outro. Em termos do homem identificamos três dimensões importantes: conhecimentos, práticas e atitudes, consolidando um conjunto preditivo de comportamento seguro no trânsito. Todos esses elementos interatuam entre si e devem ser considerados na educação e formação de condutores.

2.1 Trânsito no Brasil

Quinto maior país do mundo em dimensão territorial o Brasil possui mais de 212 bilhões de brasileiros e brasileiras na área urbana (84,72%). Transformações econômicas e sociais impulsionam o êxodo rural que se amplifica após 1970 com a mecanização do campo e a procura por trabalho. O fenômeno de metropolização acontece principalmente na região Sudeste que passa a concentrar 93,14% das pessoas em aglomerações urbanas e favelas com grupos de pessoas mais vulneráveis ou pobres urbanos (urban poors) na terminologia da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura FAO, como aponta Jean Ziegler. Mudanças na estrutura social e áreas da saúde, econômica e política expõe o longo percurso no sentido de alinhar ao ODS 11 no sentido de aumentar a urbanização inclusiva e sustentável para o país detentor do nono lugar no mundo em Desigualdade Social (Atlas IDH). Nestas dimensões explícitas e ambiente majoritariamente urbano pessoas convivem, necessitam de mobilidade e disputam espaço de forma assimétrica.

No tráfego aéreo a cidade de São Paulo possui a maior frota de helicópteros do mundo. A frente de cidades como Nova York, Tokio e Londres, o Estado paulista registra 411 aeronaves que se revezam em mais de 2 mil pousos e decolagens diárias, segundo informe da Associação Brasileira dos Pilotos de Helicóptero Abrape.

Paradoxalmente é no Brasil que se encontra a maior frota de helicópteros do mundo. São duas mil aeronaves na cidade de São Paulo, com 411 aeronaves e mais de 2 mil pousos e decolagens diárias, segundo informe da Associação Brasileira dos Pilotos de Helicóptero Abrape. Mobilidade é questão fulcral no debate sobre sustentabilidade.

Na via Terrestre a frota em circulação efetiva é robusta e soma 65,8 milhões de veículos:

Figura 1: Fonte- Sindipeças e Relatorio Automotive Business (2017). 

O gráfico demonstra que prevalece a opção motorizada individualizada para movimentação em sociedade. Pode-se inferir que a oferta diminuta de transporte público representado na Tabela por ônibus exerce influência na escolha ou falta dela. Muitas cidades ainda não dispõem de linhas de metrô e os trens deixaram de ser prioridade na opção política desenvolvimentista de 1950. No século XX transformações econômicas e sociais aceleram o êxodo rural para região Sudeste principalmente.

O Estado de São Paulo conta com 18,9 milhões de veículos e 28,76% do total. Na capital de mesmo nome, cidade de São Paulo, a rede metro ferroviária paulista é a maior do país, com cerca de 371 km de extensão, 13 linhas e 183 estações. OMetrôopera seis linhas, com 89 estações, 101,1 km de extensão, e transporta cerca de 4,5 milhões de passageiros por dia (inclui dados da ViaQuatro e ViaMobilidade). ACPTMopera sete linhas, com 94 estações, 270 km de extensão, atende a 23 municípios (20 municípios da RMSP, além de mais três municípios a noroeste). Das 94 estações, nove são integradas com o metrô e sete interligam as próprias linhas do trem metropolitano.

Na região sudeste o Estado de Minas Gerais ocupa o segundo lugar na frota com 8,1 milhões de veículos (12,28%) como demonstra o segundo Relatório Automotive Business com base nos dados do Sindipeças (2017).

Considera-se trânsito a “utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga”, assim define a Lei nº 9.503 que o então Presidente Fernando Henrique sancionou em 1997 a com a finalidade de instituir o Código de Transito Brasileiro CTB e trata o transito seguro como direitos de todos. Ainda no Artigo 1º , 29 consta que o “trânsito, em condições seguras, é um direito de todos, é dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar medidas destinadas a assegurar esse direito” (Brasil, 1997).

No primeiro ano do século XXI o então Ministro da Saúde convoca as universidades a incluir o tema em suas pesquisas e propostas interventivas na Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências (MS, Portaria 737, 2001). Suas diretrizes propõem responsabilidade compartilhadas e articulação intersetorial entre os poderes Federal, Estadual e Municipal. Nesta Política o termo acidente como eventos previsíveis e preveníveis, considera o fenômeno enraizado nas estruturas sociais, econômicas e políticas bem como a relação com o indivíduo.

Os acidentes e as violências resultam de ações ou omissões humanas e de condicionantes técnicos e sociais. Ao considerar que se trata de fenômeno de conceituação complexa, polissêmica e controversa, este documento assume como violência o evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes, nações, que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a si próprio ou a outros (Minayo e Souza, 1998 apud OMS, 2002).

Em 2005 a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por acidentes e violência, desenvolve um conjunto de ações articuladas, de modo a contribuir para a qualidade de vida. A Psicologia do Trânsito1 passa a contribuir no estudo do comportamento humano no trânsito e dos fatores e processos externos e internos, que os provocam ou os alteram (Rozestraten, 1988). À medida que todo deslocamento se realiza através de indivíduos e seu comportamento somado a fatores objetivos e subjetivos subjacentes, passíveis ou não de controle, convém considerar o espectro de características que conformam este fenômeno e interliga criador e criatura. Ao mencionar o fator humano para Cruz, Silva e Wit (2017) remete a considerar a perspectiva de explicar as relações entre as variáveis do trânsito e as ocorrências de acidentes. A extensão dos fatores humanos abrange a associação entre variáveis como agressividade, irritabilidade, raiva, uso e abuso de álcool e drogas, velocidade de condução, distração, sono, fadiga e uso de medicação, entre outros.

Acidente e sua conotação como um caso fortuito, imprevisível ou incontrolável vai de encontro a constatação da OMS de que a maioria dos acidentes de transito poderiam ser previsíveis e preveníveis (2017). Autores como (Rozestraten, 1988) e Günther et al. (2011) referem-se ao termo Acidente como Evento de Transito considerado o fato em si como: colisão, atropelamento, capotamento, erro, imprudência entre outros o que permite transparência na compreensão das estatísticas. No Brasil, os acidentes são a terceira causa de mortes do país e a cada treze minutos ocorre um óbito relacionado a Eventos no Transito. A cada sete minutos ocorre um atropelamento.2

Pata atuar na questão da prevenção o CTB expressa a Educação para o Trânsito transversal na Educação Pré-Escolar, no Ensino Fundamental, Médio e Superior (1997, capítulo VI, no art. 7). Considerar que a educação se constitui como um aspecto ético-social, entendida como um conjunto de valores, normas, princípios e hábitos que determinam e favorecem a convivência social entre as pessoas, nos leva a reflexionar sobre quais aspectos subsidiam esta estratégia no âmbito da formação.

O Brasil é um dos poucos países que utiliza a obrigatoriedade da avaliação psicológica e de traços de personalidade a candidatos e condutores de veículos para observar a presença de características de agressividade e impulsividade. Em acréscimo, são examinados elementos como depressão, sonolência e uso de substâncias psicoativas de veículos. No entanto, é importante ressaltar o contraponto, conforme esclarecem Lamounier e Rueda, (2005) que:

O objetivo da Avaliação Psicológica Pericial no contexto de Trânsito nunca foi o de predizer se um determinado indivíduo viria a se envolver em acidente ou não, e sim de realizar um trabalho preventivo, no qual fosse possível diminuir as possibilidades de um motorista se expor a situações de risco. Portanto, não é possível prever que uma pessoa que apresenta traços agressivos e impulsivos vá manifestar esse comportamento no trânsito ou em qualquer outra situação (Lamounier e Rueda, 2005).

No âmbito da avaliação psicológica no contexto do trânsito, através de instrumentos como entrevista e testes psicológicos são aferidos a tomada de informação e seu processamento, a tomada de decisão, o comportamento e sua a autoavaliação, bem como os traços de personalidade. Os itens avaliados permitem insinuar algumas implicações que os aspectos atitudinais, personalidade e estado emocional podem refletir no comportamento de dirigir. Nessa conjuntura, considerando a relação exclusão-inclusão (manter ou não permitir a participação no sistema trânsito como condutores) a segurança no trânsito pode se beneficiar não apenas de avaliações regulares como também para identificar os fatores de risco e fazer com que a renovação ou licença para dirigir dependa do envolvimento em intervenções psicológicas direcionadas à autoconsciência e que ofereçam métodos que motivem os condutores a adotarem um comportamento mais seguro na direção (Cruz, Souza e Wit , 2017).

É possível inferir que a segurança viária pressupõe a prevenção como fator central de forma transversal no que diz respeito ao sujeito que conduz e sua condição de saúde psicológica, física, condição social e econômica. Neste debate estão presentes fatores objetivos de políticas efetivas e transparentes, educação e formação continuada de condutores(as) com regras para motoristas e órgãos responsáveis por ruas e rodovias, fiscalização que presuma orientação e participação de todos e todas envolvidos(as).

3. Metodologia

Esta investigação com enfoque quali-quantitativo na explora o tema e seu contexto na construção do projeto em âmbito interdisciplinar a partir da experiência de uma das pesquisadoras na Psicologia de Transito. Ato contínuo, empreendeu-se delinear o universo da pesquisa em aspirantes e condutores(as) que se apresentam para acessar a primeira CNH; renovar habilitação3 ou mudança de categoria para exercer atividade remunerada4. Como critério na seleção da amostra considerou-se a disponibilidade de dados por 5 anos e delimitou-se o lapso temporal as planilhas no período entre 2016 e 2020. A amostra constitui-se de dados estatísticos de 120 aspirantes ou condutores que aspiram acesso à CNH ou ascensão de categoria de sua habilitação para exercer atividade remunerada no Estado de Minas Gerais, região sudeste do Brasil. A pesquisa propõe perscrutar em que medida conhecer, interpretar e sintetizar as evidencias das características de brasileiros e brasileiras que acessam a Carteira Nacional de Habilitação CNH para exercer atividades remuneradas pode influenciar na construção de estratégias de educação e formação continuada de condutores(as)(!) Como isto reflete nas políticas públicas de prevenção e preservação da vida alinhadas à Agenda Sustentável 2030 e metas do Objetivo 11 do Desenvolvimento Sustentável ODS.

A pesquisa bibliográfica fundamenta o desenvolvimento do presente estudo nas seguintes etapas, com base em Ferrarezi Junior (2011):

  1. a) Identificação e seleção de material bibliográfico pertinente, dentre livros, Artigos, Dissertações e Tese disponíveis no Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) observados critérios de confiabilidade e credibilidade de fontes fidedignas como scielo, Capes, Cnpq principalmente a literatura clássica interdisciplinar;

  2. b) Elaboração de lista de palavras-chave para busca, como: transito; tráfego; educação para o transito; formação continuada no transito; condutores(as) e psicologia social;

  3. c) Leitura, fichamento, revisão e seleção entre pares e ainda, catálogo em formato digital do material selecionado. Destaque para o texto “Contribuições da Pós-Graduação sobre Educação Para o Transito” (UNESP, 2020)

O levantamento de dados de condutores(as) com atividade remunerada nas planilhas entre 2016 e 2020 elencou dados como: escolaridade, profissão, género, formação para conduzir e grau de importância ou significado do acesso à CNH. A pandemia por COVID-19 e as recomendações por distanciamento social foi decisiva para descartar as entrevistas presenciais.

Assentado no objetivo da pesquisa, aplicou-se aos dados coletados com apoio do software webQDA a codificação em árvore. A investigação de contextos factuais e significados do Ato de conduzir destacou as Palavras Mais Frequentes na Tabela a seguir:

Tabela 1: Características relativas à importância da CNH. 

Fonte: Autoras com base dados webQDA. Acesso 28.03.2021.

Estes dados apontam para a obtenção ou ascendimento de categoria CNH para atividade remunerada como possibilidade acesso ao mundo do trabalho, sustento entendido como meios de subsistência e sobrevivência. A opção é inexpressiva na subjetividade objetivada como trabalho, o que remete a Karl Marx sobre a história humana em que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstancias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (Marx, 1969, p. 17).

Da amostra de 120 aspirantes ou condutores de atividades remuneradas, somente há um acesso ao ensino superior e nenhuma referente a curso de pós-graduação. Isto implica no desenvolvimento do processo e condições de trabalho, na participação, no movimento emancipatório possível da profissão. Este estudo requer tempo para que se desenvolva e amplifique o alcance deste complexo cruzamento de dados, educação x trabalho. É imprescindível considerar esta característica na concepção da educação e formação continuada.

Esta ferramenta viabilizou a classificação e interpretação de categorias de significação e ainda, subsidiou elementos para a análise de conteúdo que se sucedeu sob eleição de foco sobre: “o que é dito, por quem é dito, a quem é dito; com que finalidade; com que resultados” (Costa & Amado, 2018 p. 12). Maioria absoluta masculina buscou acesso à CNH para atividade remunerada. A análise empreendeu desvendar nesses dados a perspectiva de conhecer e desvendar nos aspectos biográficos as intenções e representações sociais dos sujeitos. Considerou-se o contexto de produção desses dados, permeado pelo ambiente relacionado às circunstancias que envolvem este momento de avaliação.

4. Conclusão

Os resultados alcançados indicaram características do sujeito ativo no transito brasileiro e que no papel de condutor torna-se responsável por sua vida e de outros que compartilham seu espaço viário como passageiros, pedestres, ciclistas e outros condutores sob regras de segurança do tráfego e gestão da mesma.

Conhecer as particularidades de condutores pode influenciar na construção de políticas públicas bem como contribuir e subsidiar a formulação de estratégias de educação e formação continuada e assim, coadjuvar para tornar o sistema de mobilidade nas cidades mais seguros e sustentável.

A complexidade da temática requer que mais estudos e pesquisas sejam direcionados às demais variáveis econômicas, sociais, psicológicas no intuito de subsidiar intervenções nas alternativas para mobilidade, infraestrutura viária sinalização e fiscalização, ampliação e da oferta de transporte público com manutenção constante, vias exclusivas para bicicletas e motos, prioridade na segurança da vida e incentivar a participação de cidadãos e cidadãs na formulação da Política Nacional de Transito.

5. Referências

ABRAHE. Fraseologia De Tráfego Aéreo. (2021) Disponível em: https://www.abraphe.org.br/arquivos-pdf/noticias/mca-100-16-2021-01-04.pdfLinks ]

Brasil. (1997). Lei nº 9.503. De 23 de Setembro. Código de Trânsito Brasileiro. Disponivel em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htmLinks ]

Brasil. (2005). Portaria MS/GM n.737, de 16/5/01, publicada no DOU n.96 seções 1E de 18/5/2001a. 2. ed. Ministério da Saúde: Brasília, DF. [ Links ]

Brasil. (2007). Lei nº 6.286. De 05 de Dezembro. Programa Saúde na Escola. Diário Oficial da União. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htmLinks ]

Brasil. (2009). Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes nacionais da educação para o trânsito, Ministérios das Cidades, Brasília. Disponível em: https://www.viasseguras.com/educacao/educacao_ao_transito_regulamentacao/diretrizes_nacionais_da_educacao_para_o_transito/portaria_denatran_147Links ]

Brasil. (2013). Diretrizes curriculares nacionais gerais da educação básica/ Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de Currículos e educação integral. Disponível em:https://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/fileLinks ]

Brasil. (2016). Decreto nº 8.892. De 27 de Outubro. Comissão Nacional para os ODS: Brasíli, DF. [ Links ]

Brasil. (2017). Ministério da Saúde. DATASUS - Departamento de informática do SUS. Disponível em:https://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&id=6940&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10Links ]

Brasil. (2018). Salvar VIDAS - Pacote de medidas técnicas para a segurança no trânsito. Organização Mundial da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde. Licença: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Brasília, DF. Disponível em: https://www.afro.who.int/sites/default/files/2018-05/9789275320013-por.pdfLinks ]

Cruz, R. M.; Wit, P, A. J. M.; & Souza, C. Z. (2017). Manual de Psicologia do Trânsito. Nila Press: São Paulo. [ Links ]

Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). São Paulo. Disponível em: https://www.cptm.sp.gov.br/Pages/Home.aspxLinks ]

Empresômetro. Frota Brasileira De Veículos Em Circulação. Disponível em: https://www.automotivebusiness.com.br/abinteligencia/pdf/estudo_frota_completo.pdfLinks ]

Günther, H. (2011). Ambiente, Psicologia e Trânsito: Reflexões sobre uma integração necessária. In M. H. Hoffmann; R. M. Cruz, & J.C. Alchieri (Orgs). Comportamento Humano no Trânsito. Casa do Psicólogo: São Paulo, SP. [ Links ]

Guimarães, J. B.; Sandri, P.; & Hegele, R. (2019). Transitando pela Psicologia do Trânsito no Brasil: ontem, hoje e amanhã. Evangraf: Porto Alegre. [ Links ]

Hoffmann, M. H; Cruz, R. M.; & Alchieri, J. C. (2003). Comportamento humano no trânsito. Casa do Psicológo: São Paulo. [ Links ]

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2015). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD. Diponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9127-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios.html?=&t=o-que-eLinks ]

Lamounier, R; & Rueda, F. J. M. (2005). Avaliação psicológica no trânsito: perspectiva dos motoristas. Revista de Psicologia da Vetor Editora. P.36. [ Links ]

Metro CPTM. Mapa de estações do Metrô. São Paulo. Disponível em: https://www.metrocptm.com.br/veja-o-mapa-de-estacoes-do-metro-e-cptm/Links ]

Orgnização Mundial da Saúde. Segurança No Trânsito Nas Américas. (2016). Washington, D.C. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/31315/9789275719121-por.pdf?sequence=1&isAllowed=yLinks ]

RUAVIVA. (2014). Paz no Transito. Instituto da Mobilidade Sustentável. Arq. Nazareno Stanislau Affonso. Disponível em: https://www.ruaviva.org.br/paz-no-transito.html#:~:text=O%20tr%C3%A2nsito%20no%20Brasil%20vive,ocorre%20uma%20morte%20por%20acidente.&text=Al%C3%A9m%20das%2030%20mil%20mortes,%2C%2035%25%20com%20les%C3%B5es%20permanentes. [ Links ]

Rozestraten, R. J. A. (1988). Psicologia do trânsito: conceitos e processos básicos. São Paulo. [ Links ]

Sarto, A. S. B.; Gimeniz, J. P. S. R. (2020). Contribuições Da Pós-Graduação Sobre Educação Para O Trânsito. São Paulo. [ Links ]

Trasportes Metropolitanos. São Paulo. Disponível em: http://www.metro.sp.gov.br/Links ]

Viecili, J. (2003). Ansiedade e comportamento de dirigir. In M. H. Hoffmann; R. M. Cruz, & J.C. Alchieri (Orgs). Comportamento Humano no Trânsito. Casa do Psicólogo:São Paulo, SP. [ Links ]

Vasconcellos, E. A. (1998) O que é trânsito. 3a ed. Ver. Ampl. São Paulo. [ Links ]

1 É discutido o emprego do termo Psicologia de Tráfego. Souza, Cruz e Wit (2017) apontam uma sutil diferença onde trânsito pode ser definido como o deslocamento de pessoas, veículos ou animais nas vias de circulação, tendo como foco o comportamento humano no ambiente rodoviário enquanto tráfego implica no deslocamento de pessoas, veículos ou animais nas vias de circulação, em missão de transporte, ou seja, considerando o modal específico (aéreo, ferroviário, rodoviário, aquático). Neste estudo o termo Psicologia de Transito foi adotado por opção.

3 Após flexibilização do Código Brasileiro de Transito CTB pelo presidente Jair Bolsonaro em 2020, o prazo de validade da CNH vigora doravante em: 10 anos -para pessoas até 50 anos; 5 anos - para idade entre 50 a 70 e 3 anos para condutores(as) acima de 70. (CTB, 2020).

4 Basicamente é permitida a condução na Categoria A: motos e triciclos; B carros de passeio; C veículos de carga acima de 3,5 toneladas; D veículos com mais de 8 passageiros; E veículos com unidade acoplada acima de 6 toneladas.

Recebido: 18 de Março de 2021; Aceito: 28 de Abril de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons