SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13Configurations of institutionalized geriatric care, a study from the perspectives of Nursing studentsDocument analysis of nursing training for the care of cultural diversity in primary care author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


New Trends in Qualitative Research

On-line version ISSN 2184-7770

NTQR vol.13  Oliveira de Azeméis Sept. 2022  Epub Sep 08, 2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.13.2022.e647 

Artigo original

As danças orientais como proposta do (re)viver, representar e reinventar no envelhecimento

Oriental dances as a proposal of (re)living, representing and reinventing in aging

Tereza Claudia de Andrade Camargo1 
http://orcid.org/0000-0002-1868-8988

Rosa Maria de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-1822-2926

1Universidade Estácio de Sá - Campus Città, Brasil

2Secretaria Municipal de Saúde-Rio, Brasil


Resumo:

A dança como uma proposta de reinventar o envelhecimento é o objeto desse estudo. A dança contempla a representação e o aprendizado - de coreografias, de novas culturas e de uma prática artística que é capaz de resgatar o feminino e implementar novos significados, tanto nos participantes como naqueles que atuam como expectadores. O estudo surgiu após a defesa de uma Tese de doutoramento com idosos integrantes de uma Casa de Terapias Naturais e Práticas Corporais, localizada no bairro de Curicica - Rio de Janeiro, onde a autora abordou a reinvenção do cotidiano no envelhecimento pelas práticas corporais e integrativas, demonstrando aos participantes como realizava a reinvenção de seu cotidiano através da dança. A apresentação dos resultados da pesquisa propiciou a sensibilização dos participantes da CTNPC, que optaram por conhecer e se inserir nas tradições das danças orientais. Os objetivos: Apresentar as diferentes modalidades das danças orientais, inserir os idosos no contexto da cultura pela confecção de partes do vestuário, através do grupo de artesanato, compor coreografias e apresentações com a participação do grupo. Metodologia: O projeto contou com a iniciativa da Terapeuta Ocupacional, que é membro integrante da equipe de profissionais na Instituição (CTNPC), atuando com diferentes PICs e que também participa de um grupo de danças orientais. A pesquisa incluiu a observação participante e a realização de entrevista semiestruturada. Para apresentação dos dados, foi adotada o método do Discurso do Sujeito Coletivo. Os resultados apontaram que o grupo foi mobilizado para o aprendizado das técnicas de danças orientais, confecção de vestuário adequado para as aulas práticas e apresentações extramuros, tornando-se motivados nos novos aprendizados, com a sensação de pertencimento, motivação e expectativas de novos cotidianos.

Palavras-chave: Envelhecimento; Danças orientais; Atividades cotidianas.

Abstract:

Dance as a proposal to reinvent aging is the object of this study. Dance contemplates representation and learning - of choreographies, new cultures and an artistic practice that is able to rescue the feminine and implement new meanings, both in the participants and in those who act as spectators. The study arose after the defense of a doctoral thesis with elderly members of a House of Natural Therapies and Body Practices, located in the neighborhood of Curicica - Rio de Janeiro, where the author addressed the reinvention of aging through body and integrative practices, demonstrating to participants how they reinvented their daily lives through dance. The presentation of the results of the research provided the awareness of the CTNPC participants, who chose to know and be inserted in the traditions of oriental dances. Objectives: To present the different modalities of oriental dances, insert the elderly in the context of culture by making parts of clothing, through the craft group, composing choreographies and presentations with the participation of the group. Methodology: The project had the initiative of the Occupational Therapist, who is an integral member of the team of professionals at the institution (CTNPC), working with different PICs and who also participates in a group of oriental dances. The research included participant observation and a semi-structured interview. For data presentation, the Collective Subject Discourse method was adopted. The results showed that the group was mobilized to learn oriental dance techniques, make appropriate clothing for practical classes and extramural presentations, becoming motivated in new learning, with a sense of belonging, motivation and expectations of new daily lives.

Keywords: Aging; Oriental dances; Everyday activities.

1.Introdução

A cultura cigana mistura mistério e arte no mundo ocidental. Pensar na dança como uma proposta de reinventar o envelhecer foi o objeto desse estudo. A dança contempla para muitos a representação e o aprendizado. O aprendizado de coreografias, de novas culturas e de uma prática artística que é capaz de resgatar o feminino e implementar novos significados nas mulheres, permeando o imaginário social e coletivo daqueles que praticam e daqueles que permanecem como expectadores. A imagem de uma Deusa é um símbolo importante para as mulheres enquanto procuram a tradição da dança sagrada, essa sacerdotisa é uma mulher real com a qual se busca uma identificação (Stewart, 2016). Esse estudo apontou a possibilidade de reinvenção no envelhecimento com propostas de novos aprendizados, necessidade de pertencimento e convívio social. Foi objeto das observações a forma como indivíduos ressignificam objetos, rituais e linguagem, com a intenção de se apropriar dos mesmos; além da busca pela sensação de pertencimento, de espaço/lugar para socializar (Certeau, 2014; Tuan 1903). Na forma como envelhecemos é possível desvelar sempre dois lados, um que poderá direcionar para a saúde, mantendo propósitos de vida, e outro que poderá levar ao adoecimento, aos padrões mentais destrutivos e comportamentos negativos. A diferença está no modo como a consciência se torna condicionada, ou treinada, pelas atitudes, pressuposições ou crenças (Chopra, 1994). A proposta do estudo foi inserir o aprendizado das danças ciganas e outras danças orientais como prática artística e terapêutica em uma Casa de Terapias Naturais e Práticas Corporais. A estratégia foi apresentar as tradições e culturas, implementando a dança como condição terapêutica, na recuperação, promoção e prevenção da saúde mental e física dos participantes. Para isso, foram estruturadas e implementadas coreografias semanalmente ensaiadas com o uso de vestimentas apropriadas, com o objetivo de permitir a aquisição de novos sentidos e significados ao envelhecimento através da dança. O grupo foi organizado e acompanhado pela Terapeuta Ocupacional que integra a equipe de profissionais na Casa. O estudo permitiu possibilidades de intervenções terapêuticas no cotidiano dos idosos, ampliando suas perspectivas, que passaram a ter uma ocupação com a confecção das peças utilizadas nas coreografias. Além disso, observou-se um resgate da autoestima e recuperação dos agravos a saúde mental de alguns integrantes que apresentavam depressão, síndrome do pânico e transtorno de ansiedade. As observações demonstraram participantes proativos e protagonistas na busca de uma vida mais plena e autônoma. As evidências científicas apontam que o fenômeno da medicalização se tornou uma constante no campo da saúde física e mental, demonstrando a existência de um cuidado fragmentado e não legitimado pelas práticas de humanização e acolhimento aos indivíduos (Bezerra et al., 2014). A aspiração, a atividade, o propósito definem o homem e o libertam. A luta para reinventar e moldar o futuro nos faz romper o ciclo da repetição biológica, de um cotidiano inexpressivo e repetitivo. O homem se torna livre e com poder de escolhas, ao realizar algo concreto, baseado na sua busca pela liberdade e autonomia (Beauvoir,1990).

2.Método

O estudo foi de natureza descritiva com abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada pela observação participante, que segundo Fernandes (2011) permite a interatividade entre o pesquisador, os sujeitos observados e o contexto no qual eles vivem. Utilizou-se também uma entrevista semiestruturada, com as seguintes questões norteadoras: “O que despertou seu interesse no aprendizado dessas danças?”, “O que esperava obter com a inserção nas práticas”, “Qual (is) foram os pontos positivos e negativos com o aprendizado?”

2.1 População e local de estudo

Idosos integrantes de uma Casa de Terapias Naturais e Práticas Corporais (CTNPC), localizada no bairro de Curicica - Rio de Janeiro, totalizando 10 participantes. A CTNPC pertence ao Sistema Único de Saúde e oferece práticas integrativas e complementares como: grupos de equilíbrio, práticas corporais (exercícios de Qi Gong), meditação, auriculoterapia, constelação familiar, artesanato, reiki, dança terapêutica entre outras. A apresentação das danças na modalidade de dança oriental, partiu da demanda do grupo de participantes mulheres, que frequentavam o espaço e que foram sensibilizadas pelas autoras a (re) inventarem seus cotidianos. Todas as participantes que integraram o grupo estavam aptas a frequentá-lo não havendo impedimento físico para a prática de terapias corporais. Dessa forma, as etapas incluíram a confecção do vestuário, noções de cultura e tradições das danças orientais, ensaios e apresentações com coreografias. Foram realizados 10 encontros com observação participante, para investigar os atores sociais em suas atividades práticas. A técnica além de possibilitar a imersão da pesquisadora no campo de investigação, pode fazer emergir significados que contribuíram na elucidação das questões que nortearam o estudo. As observações foram acompanhadas de registros fotográficos. Quanto aos critérios de inclusão e exclusão, foram incluídos idosos e participantes que integram a CTNPC, que estavam aptos para realizar atividades corporais e que manifestaram o desejo de inserção no projeto. Foram excluídas os idosos que integram a CTNPC, realizam as práticas integrativas e complementares, porém não desejavam a inclusão no projeto. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa sob o número CAAE N º 18093519.9.0000.5284. Utilizou-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), pois possibilitou a organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal, obtido através dos depoimentos. A escolha deste tipo de abordagem justificou-se, porque a pesquisa teve a intenção de ouvir os discursos socialmente compartilhados (Lefevre & Lefevre, 2010). Quando as ideias são compartilhadas, é natural que essas mesmas ideias se repitam entre os sujeitos entrevistados, neste caso o uso da estratégia, propôs demonstrar o quanto esses discursos se repetem entre os entrevistados. O roteiro de entrevistas com perguntas semiestruturadas permitiu que o pesquisador tivesse uma flexibilidade maior, favorecendo as intervenções (Minayo, Assis & Souza, 2005). Pelo Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) foi possível dar voz aos autores, que expressaram os sentimentos e as percepções experimentadas com a dança e a representação, no resgate da autoestima e das propostas de reinvenção na vida cotidiana. Foram utilizadas três figuras metodológicas: a Ideia Central, as Expressões chave e o Discurso do Sujeito Coletivo. Os discursos foram gravados e transcritos na íntegra.

3.Resultados e Discussão

Participantes predominantemente do sexo feminino, havendo somente um representante do sexo masculino, com idade que variou de 18 a 86 anos, o grupo teve como característica a intergeracionalidade, com a participação de mulheres jovens e de mulheres com idades que variaram de 40 a 86 anos.

3.1 Análise dos Discursos dos Sujeitos Coletivos - Participantes da dança

A primeira pergunta realizada aos participantes foi o que despertou seu interesse no aprendizado dessas danças? Como produto, três IC foram desenvolvidas. De acordo com as IC (Quadro 1), destacamos os seguintes significados: O sonho, o que foi abandonado, a necessidade de concretização de algo que se tornou impossível. “Eu sempre sonhei em fazer dança cigana, nunca pude bancar”. A valorização do movimento e do exercício ao corpo. A alegria, a necessidade de pertencimento e acolhimento. Para alguns caracterizada também pelo contentamento, alegria em conviver e vontade de socializar. O olhar sobre o cuidado em saúde, possibilitou ressignificar espaços. Nesse contexto, as práticas corporais, como a dança, além de ser um cuidado às pessoas, pela atividade física e pelo movimento, incorpora saberes que organizam as relações humanas, na produção de vínculo, autonomia e acolhimento (Mehry, 2007). É necessário abandonar o paradigma cartesiano de que a mente está separada do corpo e do mundo social. O indivíduo se reúne com o propósito de interagir e de se envolver profundamente com seu eu, de maneira que possa se identificar com um determinado papel, instituição ou grupo como forma de garantir interação social (Goffman, 2014). O espaço onde realizam a dança é terapêutico, pois permite a socialização e a sensação de pertencimento. Tuan (1983) estabelece a relação entre espaço e lugar, afirmando que o espaço que inicialmente é indiferente, transforma-se em lugar na medida que o conhecemos, nos tornando íntimos, associando a ele um valor. O DSC primeira IC (Quadro 1) refere a concretização de um sonho abandonado na juventude. Goldenberg (2015) cita alguns aspectos positivos do envelhecimento, afirmando serem os mais relevantes nos discursos de suas pesquisas, dentre eles, citamos: Encontrar um projeto de vida, identificar o significado da existência, conquistar a liberdade, cultivar amizades, viver intensamente o momento, aceitar a idade e dar muitas risadas. Enquanto jovens, na maioria das vezes, inicia-se a vida com a necessidade de ganhar a autonomia, não como um poder de escolha, mas como uma imposição socioeconômica e cultural. Como forma de garantir o sustento, cumprir as obrigações de um mundo supostamente sólido; casar-se, ter filhos, se inserir no mercado de trabalho e mais algumas outras condições que se traduzem em responsabilidades. A vida cotidiana no envelhecimento, traz para muitos a aposentadoria de si mesmo. Sendo difícil ressignificar a existência, se (re)inventar, e buscar novos propósitos. No entanto, como diz a autora (p. 38) muitos recusam uma “morte simbólica” ou uma “morte social”, sendo capazes de criar positivas representações sobre a velhice. Porém, não basta a vontade! Em um mundo em que há uma liquefação, uma fluidez das estruturas e instituições sociais (Bauman, 2005), há muita dificuldade para os mais velhos.

[...] Nossas vidas, quer o saibamos ou não e quer o saudemos ou lamentemos, são obras de arte. Para viver como exige a arte da vida, devemos, tal como qualquer outro tipo de artista, estabelecer desafios que são (pelo menos no momento em que estabelecidos) difíceis de confrontar diretamente [...] (Bauman, 2009, p.31)

Os desafios podem trazer a resiliência. Como afirma Hanson e Hanson (2019, p. 212), [..] “todos temos sonhos que ignoramos ou adiamos. Eles repousam dentro de nós, como a moeda no fundo do poço”. É preciso que se compreenda o processo de autossabotagem e para o autor três áreas são consideradas fundamentais da vida, amor (relacionamentos, amizades), trabalho (emprego, carreira, ações altruístas) e brincadeira (criatividade, imaginação, diversão, passatempo, prazer, admiração). Pelo DSC a dança se tornou interessante para os participantes porque proporcionou lazer, alegria, amizade, admiração e diversão. Admiração inclusive pela descoberta de si mesmo, ao representarem as dançarinas ciganas, ao resgatarem a autoestima e o respeito por si mesmo. É fato que as políticas públicas vigentes ensejam as possibilidades que se evidencia nos discursos, pois traduzem formas inovadoras na gestão do cuidado. As políticas do Ministério da Saúde, no caso a Política de Nacional de Humanização (2010), fomentam o protagonismo e a inclusão, com propostas de mudanças nas práticas de gestão e de cuidado, como política inclusiva, equitativa, democrática, solidária e capaz de promover e qualificar a vida do povo brasileiro. A Política Nacional de Atenção Básica (Ministério da Saúde, 2012), no seu artigo 2º, aponta ações de saúde, no âmbito individual, familiar e coletivo, que abrangendo a promoção, a proteção da saúde e a prevenção de agravos, inclui a saúde do idoso como área estratégica para operacionalização da Atenção Básica (AB) no país. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (Ministério da Saúde, 2015, p.7) cita a importância do cuidado integral, com atuação nos campos da prevenção de agravos e da promoção, manutenção e recuperação da saúde baseada em modelo de atenção humanizada e centrada na integralidade do indivíduo. Os discursos representados no Quadro 1, relacionam-se diretamente com as três ideias centrais e as reflexões dos autores que citam a necessidade de pertencimento e acolhimento (Ministério da Saúde, 2010; Ministério da Saúde, 2012), a importância das práticas corporais e integrativas no cotidiano do envelhecimento (Ministério da Saúde, 2015; Camargo, 2017; Sampaio, 2014). De acordo com a segunda IC (Quadro 1), observa-se o benefício dos movimentos, das práticas corporais, e das relações que se estabelecem na relação terapêutica. A dança proporciona a possibilidade de expressar sentimentos, emoções e significados, a experiência é lembrada quando é importante, e de alguma forma reflete nossa vivência social ou pessoal, quando nos toca, nos sensibiliza (Bondía, 2002). Gouvêa (2012, p. 172) relata em seu estudo, que experimentar a dança, [...] é uma maneira de libertar energias aprisionadas pela estratificação, de dar voz ao corpo de expressão enrijecido pelas muitas camadas sobrepostas que sufocam o livre fluir das intensidades do corpo paradoxal. Dançar altera a percepção de mundo e favorece as relações interpessoais. A autora refere a importância da dança como forma de libertação do ego.

[...] Experimentar a lentidão pelo esvaziamento do ego, aprender a ultrapassar a subjetividade que se fundamenta no eu e na consciência para alcançar os devires (p.172).

A terceira IC (Quadro 1), aponta para a importância do pertencimento, da alegria e do acolhimento com a dança. A PNH (2010) registra o compromisso ético e político dos gestores e trabalhadores do campo da saúde de garantir a autonomia e o protagonismo dos sujeitos. No caso, onde a dança foi considerada uma proposta de representação e reinvenção, foi possível evidenciar corresponsabilidade, solidariedade, vínculos estabelecidos e a participação coletiva. A Transversalidade, como um dos princípios da PNH, aumenta o grau de socialização e comunicação nos grupos, a política é inclusiva, tanto coletivamente como individualmente., traduzindo experiências singulares, como mudança das percepções, afetos e dos comportamentos (Ministério da Saúde, 2010). Nos apropriarmos das ideias de Bondía (2002), ao afirmar neste artigo, que a dança foi experimentada como uma vivência das representações que os idosos fizeram das dançarinas do oriente, que foi capaz de ampliar a percepção de mundo e de si mesmo nas relações com os outros. Tuan (1983), diz que as pessoas se apropriam do espaço e do lugar, atribuindo a eles significados e organização, de forma a elaborar seus comportamentos, e ainda afirma: o espaço se torna lugar quando a ele atribuímos valores. A princípio os usuários chegam até o espaço, porque são encaminhados para atividades integrativas e complementares de caráter terapêutico. Na medida em que se envolvem uns com os outros, socializam, e atribuem ao espaço, valores. E nessa condição, vão se sentindo pertencentes a um grupo, com a sensação de que são acolhidos no coletivo.

Quadro 1: Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo em relação ao questionamento: O que despertou o seu interesse nessas danças? 

Fonte: O autor.

No segundo quadro, quando questionados com o que esperavam com a inserção na prática de dança, ouvimos dos participantes que muitos estavam medicados por agravos a condição de saúde mental, representados na primeira IC (Quadro 2), esperando que com a inserção na CTNPC, juntos às terapias pudessem obter melhora e recuperação da saúde. Observamos, no entanto, que na medida que aderiam aos tratamentos apresentados e propostos na Casa, a saúde foi aos poucos sendo recuperada, e aliada a ela, a autoconfiança e a alegria pelo lazer e pela inserção nas práticas corporais, segunda IC (Quadro2). De acordo com Sampaio (2014), aprendemos a cuidar de doentes e não de indivíduos, em sua singularidade, com o olhar para suas diferentes dimensões: biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais. Isso ocasionou uma fragmentação no cuidado, onde nem sempre se considera a multidimensionalidade, a história de vida, o contexto sociocultural e as condições que levaram ao adoecimento. A saúde mental é uma condição transversal a todos os ciclos de vida, havendo a necessidade de incluí-la no processo saúde/doença, como forma de garantir o cuidado integral. Como descrito na terceira IC (Quadro 2), a dança é movimento, possibilidade de improviso e representação, para Ossona (1988), a dança é também uma forma de expressar os sentimentos: desejo, alegrias, pesares, gratidão e poder. Sendo assim, realizando juntos a confecção dos trajes e dos ornamentos para dar lugar a dança, o imaginário coletivo dos participantes foi permeado por interpretações glamourizadas, cheias de alegria e desejos simbólicos. O desejo, os símbolos e as representações transmitem a sensação simbólica de poder e semelhança com as dançarinas do oriente. Pouco a pouco o ritual para as aulas e apresentações, foi trazendo socialização e convivência. Ao realizarem as aulas, os participantes imergem em um jogo simbólico que estabelece a vivência de outros papéis que não os próprios nas atividades cotidianas das aulas. Buscam na dança o lúdico.

[...] depois que vim pra cá comecei a dançar, toda maravilhosa. [...] A dança me deixou muito feliz.

Sotero e Ferraz (2009) afirmam que a dança carrega consigo representações, intenções, conceitos e rituais, capazes de aproximar o sujeito de sua ancestralidade, garantindo-lhe identidade cultural e tudo que faz do ser humano um sujeito. Goldenberg (2015) relata em seus estudos sobre o envelhecimento que homens e mulheres encontraram o significado da vida realizando coisas simples, fazendo o que gostam e o que aprenderam a gostar, motivados pela própria vontade, e não pela necessidade de responder às demandas sociais, por vezes contestando inclusive os preconceitos e os modelos socialmente impostos. A dança como prática corporal, vem funcionando como um recurso com ênfase no acolhimento e necessidades individuais, estabelecendo um vínculo terapêutico e integrando os participantes com o meio ambiente e a sociedade. As PICs trazem uma abordagem diferenciada aos sujeitos, tendo como base o cuidado integral, onde todas as dimensões do cuidado são consideradas, além disso, têm se mostrado competentes em aliviar o sofrimento mental e físico, incentivando o autocuidado, a autoconfiança das pessoas e os processos de educação popular (Barreto, Nunes & Aroucha, 2014). Batista (2015, p.176) afirma sobre as práticas Integrativas e Complementares: “Seu objetivo, portanto, é diferente daqueles da assistência alopática, também conhecida como medicina ocidental, em que a cura da doença deve ocorrer através da intervenção direta no órgão ou parte doente”. Nesse sentido, as PICs, vêm sendo cada vez mais utilizadas no Brasil e em outros países, promovendo o crescimento assertivo de práticas não convencionais na recuperação da saúde dos indivíduos.

Quadro 2: Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo em relação ao questionamento: O que esperava obter com a inserção nas práticas? 

Fonte: O autor.

No terceiro quadro, quando questionados sobre os pontos positivos e negativos encontrados na dança, percebemos na primeira IC, que a prática possibilitou a criação de vínculos, sensação de bem-estar e alegria, observado nos DSC.

[...] isso é uma coisa apaixonante, libertadora. [...] Cresci muito, melhorei muito. Pro corpo é uma maravilha. [...] Adoro essa Casa aqui Vou continuar me dedicando. [. ] Eu me sinto outra mulher, depois que dancei.

Foi desafiadora quando esbarrou nas limitações físicas, segunda IC (Quadro 3). A dança segundo Stewart (2016), traduz a expressão humana, embalada por ritmos, toca o nosso ser além do alcance do vocabulário da razão. [ ] transmite a partir da alma mais profunda aquilo que não pode ser verdadeiramente expresso por meio de palavras (p.24). A autora cita:

“A dança e o ritual criam a comunidade, reunindo as pessoas tanto emocional quanto fisicamente em um sentimento especial de intimidade e abandono compartilhado. À medida que a comunidade participa, ninguém é mais um desconhecido. Nós os tornamos companheiros na mesma jornada” (p.26)

Na representação, desempenha-se um papel, supondo que os observadores encarem com seriedade a impressão sustentada pelos atores, os personagens observados naquele momento, possuem atributos que os atores creem ter de fato (Goffaman, 2014). Goffman afirma [ ] “o ator pode estar inteiramente compenetrado de seu próprio número. Pode estar sinceramente convencido de que a impressão de realidade que encena é a verdadeira realidade (p.29)”. Assim, se torna possível traduzir a dança para os participantes, uma representação das dançarinas, onde chegam a se convencer do espetáculo que encenam, dando voz a criatividade e a reinvenção. Existem desafios? Sim, existem. Sentem dores físicas, que já se tornaram crônicas, o cansaço por vezes se torna extremo, mas há fé, há a crença da melhora. As vezes a religiosidade ampara os desafios e consola.

“Estou me sentindo cada vez mais feliz graças a Deus”. [. ] quero sair daqui curada, em nome de Jesus, eu creio.

Hanson e Hanson (2019, p. 35) citam:

“[. ] existe o refúgio fundamental de ter fé no que há de bom dentro de você. Isso não significa ignorar o resto. Você simplesmente está percebendo sua decência, sua doçura, sua bondade, suas boas intenções, suas habilidades e seus esforços.”

Algumas estratégias são fundamentais para criarem perspectivas melhores de futuro e aumentar a resiliência. Como foi possível evidenciar na terceira IC, O sentimento de superação traz alívio aos momentos desafiadores. E sentimentos como: Ter compaixão por si mesmo, saber aproveitar o momento, o presente; evitar pensar demasiadamente no futuro, ter calma e motivação para novos aprendizados, são desafios presentes todos os dias na vida de cada um, não é possível evitá-los. Usar das adversidades para aprender pode significar uma maneira de se tornar mais resiliente e autoconfiante. Contudo, o modo reativo de responder as adversidades da vida podem contribuir para o medo e o isolamento, destruindo possibilidades de crescimento e resistência emocional. Caradec (2014) aborda as transformações corporais e a forma de “apegos” com o mundo, inferindo que diante das dificuldades encontradas, os idosos criam estratégias de reconversão que são classificadas em três modalidades: adaptação, abandono das atividades e volta por cima. Como no cenário descrito, os participantes, conseguem na maioria das vezes, persistir nas tentativas de melhoras e recuperação da saúde, adaptando-se às limitações. Não se abandonam, não se entregam, mas envolvem-se com uma nova atividade com novas propostas de engajamento e (re) invenção.

Quadro 3: Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo em relação ao questionamento: Qual (is) foram os pontos positivos e negativos com o aprendizado? 

Fonte: O autor.

4.Considerações Finais

O estudo buscou responder a três questões. A primeira diz respeito ao significado e interesse pelas danças orientais, a segunda o que esperavam obter com as práticas corporais, praticando aulas de dança e confeccionando os vestuários, e o terceiro a identificação de aspectos positivos e negativos na inserção das práticas. Observou-se que há algo de lúdico ao praticarem as danças orientais, pela representação e reinvenção de um cotidiano simbólico associado a cultura oriental. O interesse aumenta na medida que adquirem novos conhecimentos e burlam as pequenas dificuldades, tornando-se ativos fisicamente, resgatando aos poucos a autoestima e a autoconfiança. Os desafios são impostos diariamente, pelas limitações físicas e emocionais. Contudo, ao se sentirem acolhidos e pertencentes ao grupo, vão se tornando aos poucos mais resilientes, obtendo benefícios que envolvem autodeterminação e vontade de continuar aprendendo a nova cultura. Os participantes vão se inserindo cada vez mais nos rituais de preparo para as apresentações, nas dinâmicas corporais, na confecção de peças e ornamentos e nos cuidados com o corpo. O grupo é formado em sua maioria por mulheres com idade superior a 50 anos, porém tem o caráter intergeracional. O que de certa forma favorece não só a troca de experiências, mas uma convivência harmoniosa e acolhedora. Verifica-se por evidências científicas que o fenômeno da medicalização ainda é uma constante no campo da saúde física e mental, promovendo um cuidado fragmentado, sem considerar a pluralidade e a multidimensionalidade dos aspectos envolvem a gestão do cuidado na recuperação e promoção da saúde das pessoas. No que se refere as PICs, as práticas consideradas coletivas, e nesse caso a dança, vêm trazendo a socialização e o resgate de si mesmo, despontando como forma de garantir um cuidado humanizado e integral, impactando rapidamente na recuperação da saúde física e mental dos idosos da CTNPC, assim como na prevenção dos agravos e na redução de danos à saúde. No campo da saúde, ao considerarmos a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade ampliamos de forma significativa o acolhimento e as práticas humanizadas, legitimando os determinantes sociais e todas as dimensões que envolvem o cuidado, considerado fundamental, o protagonismo dos sujeitos na promoção e recuperação de sua saúde.

5.Referências

Barreto, J. A., Nunes, J. G., & Aroucha, E. B. L. (2014). Um olhar trimembrado sobre a implantação de serviços de práticas integrativas e complementares em saúde. In A. F. Barreto (Org.), Práticas integrativas em saúde: Proposições teóricas e experiências na saúde e educação (pp. 155-174). UFPE. [ Links ]

Batista, S. M. L. (2014). Educação popular em saúde: Sua interface com as práticas integrativas e complementares e seus caminhos para o fortalecimento do SUS. In A. F. Barreto (Org.), Práticas integrativas em saúde: proposições teóricas e experiências na saúde e educação (pp. 175-181). UFPE. [ Links ]

Bauman, Z. (2005). Identidade. (C. A. Medeiros, Trad.). Zahar. [ Links ]

Bauman, Z. (2009). A arte da vida. (C. A. Medeiros, Trad.). Zahar. [ Links ]

Beauvoir, S. (1990). A velhice. (M. H. F. Monteiro, Trad.). Nova Fronteira. [ Links ]

Bezerra, I.C., Jorge, M.S.B., Gondim, A.P.S., Lima, L.L., & Vasconcelos, M.G.F. (2014). “Fui lá no posto e o doutor me mandou foi pra cá”: Processo de medicamentalização e (des)caminhos para o cuidado em saúde mental na Atenção Primária. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, 18(48), 61-74. https://doi.org/10.1590/1807- 57622013.0650 [ Links ]

Bondía, J. L. (2002). Notas sobre a experiência e o saber de Experiência. (J. W. Geraldi, Trad.). Revista Brasileira de Educação, (19), 20-28. https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003 [ Links ]

Camargo, T. C. A. (2017). (Re) inventando o envelhecimento pelas práticas corporais: Escolhas possíveis no cotidiano que se revela na intergeracionalidade. [Tese de Doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/8235Links ]

Caradec, V. (2014). Sexagenários e octogenários diante do envelhecimento do corpo. (C. Marques, Trad). In M. Goldenberg (Org.), Corpo, envelhecimento e felicidade (pp. 21- 44). Civilização Brasileira. [ Links ]

Certeau, M. (2014). A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer (volume 1). (E. F. Alves, Trad.). Vozes. [ Links ]

Chopra, D. (1994). Corpo sem idade, mente sem fronteiras: A alternativa quântica para o envelhecimento. (H. Netto, Trad.). Rocco. [ Links ]

Fernandes, F. M. B. (2011). Considerações Metodológicas sobre a Técnica da Observação Participante. In R. A. Mattos, & T. W. F. Baptista (Org.), Caminhos para análise das políticas de saúde (pp. 262-274). [ Links ]

Goffman, E. (2014). A representação do eu na vida cotidiana. (M. C. S. Raposo, Trad.). Vozes. [ Links ]

Goldenberg, M. (2015). A bela velhice. Record. [ Links ]

Gouvêa R. V. (2012). A Experimentação na Improvisação de Dança. Revista Científica/FAP, (9), 160-176. http://periodicos.unespar.edu.br/index.php/revistacientifica/article/view/152/149Links ]

Hanson, R., & Hanson, Forrest. (2019). O poder da resiliência. (B. Medina, Trad.). Sextante. [ Links ]

Lefevre F., & Lefevre A. M. C. (2010). Pesquisa de representação social: Um enfoque qualitativo a metodologia do discurso do sujeito coletivo. Líber Livro Editora. [ Links ]

Lefevre, F.; Lefevre, A. M. C. (2014). Discurso do sujeito coletivo: Representações sociais e intervenções comunicativas. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, 23(2), 502-507. https://www.scielo.br/j/tce/a/wMKm98rhDgn7zsfvxnCqRvF/?format=pdf&lang=pt [ Links ]

Merhy, E. E. (2007). Saúde: A Cartografia do Trabalho Vivo. Hucitec. [ Links ]

Minayo, M.C.S., Assis, S.G., & Souza, E.R (Orgs). (2005). Avaliação por triangulação de métodos: Abordagem de programas sociais. Fiocruz. [ Links ]

Ministério da Saúde. (2010). HumanizaSUS: Documento base para gestores e trabalhadores do SUS (4ª ed.). Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/documento_base.pdfLinks ]

Ministério da Saúde. (2010). Política Nacional de Humanização. Formação e intervenção. Secretaria de Atenção à Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_humanizaSUS.pdfLinks ]

Ministério da Saúde. (2012). Política Nacional de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf. [ Links ]

Ministério da Saúde. (2015). Política nacional de práticas integrativas e complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso (2ª ed.). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_praticas_integrativas_complementares_2ed.pdfLinks ]

Ossona, P. (1988). A educação pela dança. Summus. [ Links ]

Sampaio, A. T. L. (2014). Educação em Saúde: Caminhos para formação integrativa. In A. F. Barreto (Org.), Práticas Integrativas em Saúde: Proposições Teóricas e Experiências na Saúde e Educação. UFPE. [ Links ]

Sotero, M. A., Ferraz, O. L. (2009). Uma única dança nunca é uma dança única - classificações da dança para uso escolar. XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e III Congresso Internacional de Ciências do Esporte. http://www.rbceonline.org.br/congressos/index.php/CONBRACE/XVI/paper/view/1079/584. [ Links ]

Stewart, I. J. (2016). A dança do Sagrado Feminino: O despertar espiritual da mulher através da dança, dos movimentos e dos rituais. (C. G. Duarte , & E. G. Duarte, Trad.). Pensamento. [ Links ]

Tuan, Yi Fu. (1983). Espaço e lugar-A perspectiva da experiência. (L. Oliveira, Trad.). DIFEL [ Links ]

Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons