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New Trends in Qualitative Research

versão On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.14  Oliveira de Azeméis set. 2022  Epub 01-Ago-2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.14.2022.e588 

Artigo original

Obstáculos da coleta seletiva de resíduos domiciliares em uma metrópole brasileira: Estudo qualitativo

Difficulties of selective collection of the household waste in a Brazilian metropolis: qualitative study

Gabriel de Pinna Mendez1  2 
http://orcid.org/0000-0002-9692-830X

Claudio Fernando Mahler3 
http://orcid.org/0000-0002-3982-0001

1Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET/RJ, Brasil

2Instituto Federal Fluminense, Brasil

3Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Brasil


Resumo:

Buscou-se neste trabalho analisar as principais dificuldades e desafios para implantação e manutenção da coleta seletiva de resíduos numa metrópole brasileira com mais de 1 milhão de habitantes. Para tanto, foi utilizado método qualitativo por meio de entrevistas em profundidade com 18 profissionais que atuam na área de coleta seletiva: funcionários de órgão da prefeitura responsável pela limpeza pública, catadores autônomos de materiais recicláveis e profissionais ligados a instituições que realizam coleta seletiva. As entrevistas foram gravadas, transcritas e os dados submetidos à análise de conteúdo. Os resultados demonstraram a má gestão do processo pelo poder público evidenciada pelas seguintes dificuldades: baixa eficiência e limitada abrangência; má separação dos resíduos na fonte; distorções na cadeia logística de coleta seletiva e na distribuição dos resíduos pelas cooperativas; elevada informalidade, precariedade do trabalho e baixa remuneração dos catadores; presença de atravessadores e corrupção no sistema; e capacidade ociosa das cooperativas e órgãos públicos. Constataram-se divergências na percepção dos diversos atores no processo de coleta seletiva: para os catadores e os consultores, a atuação das cooperativas seria uma possível solução para melhoria da eficiência da coleta seletiva, enquanto para os funcionários públicos do ramo, os catadores constituem-se num dos problemas no processo. Concluiu-se que para superação das dificuldades na coleta seletiva e para que ela seja mais efetiva há necessidade de aperfeiçoamento da gestão do processo pelo poder público com maior transparência e integração entre os diversos atores envolvidos, educação da população, melhores condições de trabalho e remuneração para os catadores, entre outros.

Palavras-chave: Coleta seletiva; Catadores; Funcionários públicos; Método qualitativo.

Abstract:

This work sought to analyze the main difficulties in implementing and maintaining selective waste collection in a Brazilian metropolis with more than 1 million inhabitants. Therefore, a qualitative method was used through in-depth interviews with 18 professionals working in the area of selective collection: employees of the city hall department responsible for public cleaning, self-employed collectors of recyclable materials and professionals linked to institutions that carry out selective collection. The interviews were recorded and the data submitted to content analysis. The results showed the lack of management of the process by the government, as evidenced by the following difficulties: low efficiency and limited coverage; poor separation of waste at source; distortions in the selective collection logistics chain and in the distribution of waste by cooperatives; high informality, precarious work and low pay for collectors; presence of middlemen and corruption in the system; and idle capacity of cooperatives and public organs. Differences were found in the perception of different actors in the selective collection process: for collectors and consultants, the role of cooperatives would be a possible solution to improve the efficiency of selective collection, while for civil servants in the sector, the collectors are one of the problems in the process. It was concluded that to overcome the difficulties in selective collection and for it to be more effective, there is a need to improve the management of the process by the government with greater transparency and integration between the various actors involved, education of the population, better working conditions and remuneration for collectors, among others.

Keywords: Selective collection; Collectors; Civil servants; Qualitative method.

1.Introdução

Os impactos ambientais negativos gerados pela má gestão dos resíduos têm sido cada vez mais evidentes, principalmente nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, tendo em vista que a geração aumentou, de forma geral, no último século, acompanhando o aumento da extração de recursos. De 1900 a 2015, a humanidade extraiu do planeta um total de 3400 Gigatoneladas (Gt) de Biomassa, combustíveis fósseis, minérios e minerais. Desse montante de recursos naturais, 73% foram devolvidos ao ambiente na forma de resíduos (sólida, líquida ou gasosa) (Krausmann et al. 2018). Grande parte dos resíduos gerados no mundo tem potencial para reutilização ou reciclagem. Em 2016, foram produzidas mais de 0,45 Gigatoneladas (Gt) de Resíduos Eletrônicos no mundo, sendo que menos de 20% foram reutilizados através de métodos eficientes e ambientalmente seguros (Balde at al. 2017; Kuehr, 2019). Os problemas da gestão de resíduos nos países em desenvolvimento compreendem entre outros, pequena área de cobertura, deficiências na coleta, despejos a céu aberto e manejo informal (Simatele et al., 2017; Shams et al., 2017). No Brasil, a qualidade da gestão dos resíduos é ruim, devido a diversos aspectos como: frequente despreparo do pessoal encarregado do assunto nos órgãos públicos, falhas na cobrança e estabelecimento de taxas pelo poder público, problemas na coleta e no transporte, presença em grande escala de catadores informais, frequente disposição irregular do lixo, cobertura e periodicidade de coleta inadequadas, baixos índices de reciclagem, funcionários possivelmente corruptos, tendo empresas ou ong’s privadas, querendo sempre serem recompensados de forma irregular (Marshall e Farahbakhsh, 2013; Chaves et al., 2014; Jabbour et al., 2014). Sem uma coleta seletiva eficiente, não é possível obter bons índices de recuperação de resíduos, tendo em vista que uma das causas do baixo índice de recuperação nos países em desenvolvimento são as dificuldades da separação eficiente do lixo nas residências (Simatele et al., 2017 e Almeida e Mol, 2020). A coleta seletiva constitui uma das fases do processo de gerenciamento de material reciclável, tendo início com a segregação do lixo nas residências, órgãos públicos e em empresas privadas, em categorias (metal/papel/vidro/plástico, seco/molhado, reciclável/não, reciclável, orgânico/inorgânico) para posterior disposição nos logradouros públicos, nas testadas dos imóveis ou em Postos de Entrega Voluntária - PEVs. No Brasil, de seus 5568 municípios, mais de 1000 possuem algum tipo de coleta seletiva (CEMPRE, 2016), sendo que em quase todos, há a participação ativa de catadores formais e informais. Diante do exposto, surge o questionamento do motivo das taxas de recuperação dos resíduos no Brasil serem tão baixas? Este estudo busca entender esse insucesso, por meio da análise da percepção dos atores envolvidos no ciclo da coleta seletiva de resíduos sólidos.

2.Materiais e Métodos

As questões relativas à gestão de resíduos, dentre as quais se encontra a coleta seletiva, envolvem aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais, regulatórios e ambientais. (Guerrero et al. 2013). Por se tratar de um problema amplo, cresce de importância o emprego de métodos de pesquisa de natureza qualitativa até aqui não aplicados. Os métodos qualitativos também denominados por alguns de compreensivos, pois visam a compreensão mais aprofundada dos fenômenos vêm se mostrando ferramentas eficazes para a investigação de fenômenos complexos, cujo objetivo é compreendê-lo e não apenas medi-lo, como é o caso da coleta seletiva de resíduos. Utilizados há mais de um século em pesquisas nas áreas das ciências humanas e sociais, os métodos qualitativos vêm sendo utilizados em áreas como ciências da saúde, educação, administração e até nas engenharias (Pessoa et al., 2017; Poupart et al. 2018; Taquette e Borges, 2020).

2.1 Caracterização do Local de Estudo

A cidade foco do estudo possui mais de 1 milhão de habitantes, apresenta elevada diversidade cultural, étnica, regional e principalmente social, características que fazem do fenômeno da coleta seletiva algo ainda mais complexo. A coleta seletiva na cidade foco do estudo iniciou-se na década de 1990 com uma iniciativa pontual em um bairro predominantemente residencial, pela cooperativa de catadores do bairro. No entanto, o programa oficial de coleta seletiva na respectiva cidade foi lançado em 2002 através de um projeto piloto em um dos bairros mais nobres e tradicionais da cidade. Atualmente, o sistema de coleta seletiva da cidade funciona com a participação da Empresa Municipal de limpeza pública e dos catadores de recicláveis formais e informais. A Empresa Municipal de limpeza pública realiza teoricamente a coleta seletiva dos materiais recicláveis, seja na modalidade porta-a-porta, seja nos Postos de Entrega Voluntária - PEVs (Baptista, 2015) e disponibiliza o material para as cooperativas de catadores, havendo atualmente 23 cadastradas. Segundo informações oficiais da cidade, as cooperativas realizam a triagem, separação por tipo e preparação do material para a comercialização (enfardamento, pesagem, amarração, identificação) Baptista (2015).

2.2 Instrumentos de coleta e dados

Optou-se pela utilização das entrevistas individuais como principal instrumento de coleta de dados. A entrevista é um instrumento privilegiado para que o investigador conheça, na perspectiva dos atores envolvidos, o sentido que eles mesmos conferem a suas ações (Poupart et al., 2018; Taquette & Borges, 2020). A entrevista realizada foi do tipo semiestruturada, com roteiro composto por duas partes, sendo a primeira com perguntas diretas para traçar o perfil sociográfico dos entrevistados e a atuação de cada um na coleta seletiva. A segunda parte continha perguntas abertas para se conhecer a percepção dos entrevistados acerca da coleta seletiva, como deve ser e é de fato feita, suas barreiras e desafios. Entre os meses de maio de 2020 e janeiro de 2021 foram realizadas 18 entrevistas com os diversos tipos de atores envolvidos na atividade de coleta seletiva na cidade do foco do estudo, divididos em 4 grupos de interesse, conforme o Quadro 1. As entrevistas individuais foram realizadas na modalidade remota devido ao período de isolamento social da Pandemia de COVID 19, respeitando-se a confidencialidade e autonomia do participante. Foram utilizadas as plataformas Microsoft Teams, Google Meet e Zoom e whatszapp.

2.3 Critério Amostral

Segundo Minayo (2017) “nas pesquisas qualitativas, as amostras não devem ser pensadas por quantidade e nem precisam ser sistemáticas”. Quando um indivíduo fala sobre algum tema, ainda que em uma entrevista individual, este não fala apenas por si, mas também pelo grupo social ao qual pertence, refletindo opiniões, valores e crenças comuns aos demais indivíduos de seu grupo social. Alguns pesquisadores empregam o termo saturação para se referirem a um momento no trabalho de campo em que a coleta de novos dados não traria mais esclarecimentos para o objeto estudado. Optou- se na presente pesquisa pela utilização do critério de saturação para definição do espaço amostral.

Quadro 1: Entrevistados por grupos de interesse 

2.4 Registro e análise dos dados

As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. Foi utilizada a técnica de análise de conteúdo dos dados. Esta técnica visa obter, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens, baseando-se na contagem das frequências da aparição de características nos conteúdos das entrevistas e na compreensão do seu significado (Taquette e Borges, 2020). Foram seguidos os seguintes passos: leitura e releitura dos dados textuais para se ter noção do todo e das particularidades, identificação de convergências e divergências entre as narrativas em busca do significado das falas dos entrevistados, classificação dos dados tendo em vista responder aos objetivos do estudo e síntese interpretativa em consonância com a literatura.

2.5 Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética na Pesquisa - CEP da instituição cujo investigador responsável é vinculado, Universidade Federal do Rio de Janeiro por meio do Parecer número 4.434.856/2020 e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre esclarecido.

3.Resultados e Discussões

3.1 Conceito de Coleta Seletiva

No grupo dos catadores, houve grande variação nas respostas. Verificou-se a recorrência de ideias voltadas para a valorização do seu trabalho, através da presença de termos como “gerar valor ao resíduo”, “trabalho e renda” e “serviços prestados pelos catadores”. “A coleta seletiva para mim, né, é o descarte correto dos materiais...é só separar o orgânico do reciclável Todo mundo deveria ter acesso a esse tipo de coleta, lá na cooperativa nós recebemos caminhões da coleta seletiva, mas são muito poucos bairros que a Empresa de limpeza pública engloba” (Entrevistada 5, 32 anos, catadora). Para os profissionais que prestam consultorias na área, o conceito de coleta seletiva foi mais uniforme, sendo comum a ideia de separação dos resíduos na fonte para reaproveitamento futuro. “Tem o conceito legal..... o ente público é o responsável por isso, a coleta seletiva tem que priorizar a participação dos catadores, se tem uma cooperativa no município, ela tem que ser contratada” (Entrevistado 11, 39 anos, consultor na área de resíduos). Nos grupos das Instituições que fazem coleta seletiva e do Poder Público a conceituação de coleta seletiva foi bem similar ao grupo anterior, como mostra um dos trechos da entrevista. “E uma coisa que todo mundo deseja é que haja essa coleta seletiva, separar os resíduos na fonte é o sonho de todo mundo que trabalha com resíduos, porque o grande problema para aproveitar os resíduos é essa heterogeneidade” (Entrevistado 16, 74 anos, aposentado da empresa de limpeza pública).

3.2 Como é realizada a coleta seletiva na cidade foco do estudo

Por parte do grupo dos catadores de materiais recicláveis, a avaliação da coleta foi ruim, conforme percebe-se nas falas dos entrevistados. “Nossa cidade é um município que é contra a coleta seletiva, eles fazem para inglês ver. A finalidade não é fazer coleta seletiva, é que chegue um maior número de lixo no aterro, porque a empresa que trata disso ela praticamente domina e o faturamento não vem da coleta seletiva, vem do peso...para eles tanto faz se vai enterrar plástico” (Entrevistado 6, catador há 20 anos). A visão dos profissionais de consultoria é tão negativa quanto a dos catadores. “A empresa de limpeza pública da nossa cidade é uma empresa de logística e não de gestão de resíduos: para eles tanto faz se a gente manda misturado ou separado, se vai tudo para o um ponto de separação ou o aterro sanitário final” (em referência ao aterro sanitário e estação de triagem, respectivamente) (Entrevistada 17, consultora na área de resíduos). “A coleta é ruim porque há vários atores atuando de forma independente, ela não é feita de forma organizada” (Entrevistado 9, consultor na área de coleta seletiva). Por parte do Poder Público/Empresa de limpeza pública e instituições que realizam coleta seletiva, a avaliação também é ruim. “... .a coleta seletiva é feita de forma muito ruim, muito precária. Existe mais uma iniciativa de marketing do que uma efetividade no processo” (Entrevistado 18, trabalha há 30 anos na empresa de limpeza pública). Os dados sobre a avaliação da coleta seletiva estão em consonância com os resultados de estudos anteriores realizados na mesma cidade (Baptista, 2015). Dutra et al. (2018), em um estudo de caso que avaliou o desempenho de 16 cidades brasileiras: concluiu-se que 17% das localidades têm desempenho médio em coleta seletiva e 82% apresentaram eficiência muito baixa. Muitas das cidades brasileiras enfrentam dificuldades na coleta seletiva relacionadas à estrutura física, segurança em trabalho, etc. (Fidelis e Colmenero, 2018).

3.3 Obstáculos e dificuldades da Coleta Seletiva na Cidade foco do estudo

Foi possível observar diversas dificuldades e obstáculos da coleta seletiva na cidade foco do estudo. Para melhor análise e apresentação, estas foram divididas em quatro subcategorias ou subgrupos com o objetivo de sintetizá-las e chamar a atenção para os aspectos mais importantes.

3.3.1 Obstáculos relacionados à ação do Poder Público/Governança.

Para os entrevistados, quanto à abrangência, a coleta seletiva formal na cidade foco do estudo ainda não atinge uma quantidade de bairros considerável, o que dificulta a melhoria da eficiência e o ganho em escala do serviço. “Só para você ter uma ideia, essa cooperativa aqui, ela coleta mais do que toda a Empresa de limpeza pública” (Entrevistado 18, trabalha há 30 anos na Empresa de limpeza pública). “Infelizmente, pelos dados que eu tenho, a prefeitura coleta menos de 10% do material que poderia ser coletado” (Entrevistada 2, representante de uma Instituição Pública que realiza a coleta seletiva). A questão da corrupção, apesar de sensível e pouco abordada nos estudos acadêmicos na área dos resíduos sólidos, mostrou-se presente em muitos dos relatos analisados. “A Empresa de limpeza pública não quer que as cooperativas coletem diretamente o resíduo, que sairia mais barato, porque eles têm um contrato milionário com uma empresa famosa de construção que é quem aluga os caminhões para a Empresa de limpeza pública. Essa mesma empresa financia campanha dos políticos...” . (Entrevistado 6, catador há 20 anos).

3.3.2 Obstáculos relacionados ao engajamento e educação da população.

Foi possível constatar que na percepção dos entrevistados, há problemas na segregação dos resíduos na fonte. “Eu acho que a matéria orgânica é o grande vilão no que diz respeito à separação na fonte” (Entrevistado 18, trabalha há 30 anos na Empresa de limpeza pública). Verificou-se ainda que um fator importante para a melhoria da segregação dos resíduos na fonte é a sensibilização da população e a educação ambiental. “Só com muita educação ambiental por parte do Poder Público chegando na porta das pessoas” (Entrevistada 8, consultora na área de resíduos).

3.3.3 Obstáculos relacionados à atuação de catadores e atravessadores.

Por dificuldades na gestão das cooperativas e pela ausência de regulação por parte do poder público, os atravessadores exercem um papel que causa distorções no mercado de venda dos produtos coletados e processados para as usinas de reciclagem. Os atravessadores ficam com a quase totalidade dos lucros, sendo que o trabalho principal fica por conta dos catadores. “Você tem essa cadeia de coletores e intermediários que seriam os atravessadores que compram o material coletado, pagam pouco e ficam com o lucro maior” (Entrevistado 7, servidor da prefeitura da cidade foco do estudo). Algumas dificuldades dos catadores são, dentre outras, as péssimas condições de trabalho e renda, problemas com alcoolismo, más condições de saúde e segurança do trabalho e falta de preparo técnico profissional, são questões que surgiram nas falas dos entrevistados. “Nas cooperativas de catadores, geralmente tem gente com muitos problemas, moradores de rua, alcoólatras, pessoas que não tem família e a gestão é feita por alguém mais esperto que fica com todo o dinheiro e some” (Entrevistado 16, há mais de 30 anos de experiência na área).

3.3.4 Obstáculos Logísticos Financeiros

Uma afirmação recorrente é quanto ao custo da coleta seletiva. No entanto, foi possível constatar que o elevado custo da coleta seletiva é fruto de distorções e inconsistências no processo. “Os caminhões são caros e coletam muito pouco, você pega um caminhão que deveria carregar 10 toneladas e ele carrega, às vezes, 500kg” (Entrevistado 18, há 30 anos na Empresa de limpeza pública). “O material coletado no bairro X vai lá para uma Estação de Transferência para ser pesado bem longe, porque no bairro X não tem balança rodoviária. A cooperativa do bairro X recebe material coletado do bairro Y....é por isso que a gente fica nesse “pesadelo logístico” que custa caríssimo” (Entrevistada 12, consultora de coleta seletiva). “A maioria das cooperativas hoje está ociosa e não processa mais porque recebe pouco material” . (Entrevistada 4, 31 anos, catadora). O problema da baixa cobertura da coleta seletiva nos países em desenvolvimento foi abordado por Henry et al. (2006), Agamuthu et al. (2009) e Manaf et al. (2009). Diversos estudos demonstraram as dificuldades da população em segregar corretamente os resíduos na fonte geradora e as consequências ruins dessa má separação para a coleta seletiva, Guerrero et al. (2014), Troschinetz e Mihelcic (2009) e Campos (2014). Os “desvios” de materiais recicláveis do sistema formal, pelos catadores informais, foram relatados por Marshall e Farahbakhsh (2013), Chaves et al. (2014) e por Jabbour et al. (2014). Troschinetz e Mihelcic (2009) e Guerrero et al. (2013) relataram ainda as dificuldades enfrentadas pelas cooperativas de catadores, como a falta de treinamento adequado. Diversos estudos mostram a importância da sustentabilidade econômica através da cobrança mais justa e adequada das taxas referentes aos serviços de manejo de resíduos (Marshall e Farahbakhsh, 2013; Cetrulo et al., 2018). As dificuldades ligadas à ação dos catadores informais e atravessadores que geram diversas distorções na cadeia de coleta seletiva foram apontadas por Wilson et al (2006), Asim et al. (2012), Sasaki e Araki, 2014 e Campos (2014). Fidelis et al. (2020) apontaram para a necessidade de maior integração entre as cooperativas de catadores e os centros de reciclagem. Fidelis et al. (2020) relataram ainda a baixa remuneração dos catadores pelos serviços prestados, pouca eficiência e predominância de técnicas de manejo de resíduos sem tecnologia agregada (manuais) por parte das cooperativas.

4.Considerações Finais

Através deste trabalho foi possível conhecer as principais dificuldades e obstáculos da coleta seletiva de resíduos na cidade foco do estudo. Apesar de limitado à percepção de atores da cadeia da coleta seletiva de uma cidade de grande porte, o estudo traz informações acerca de detalhes do processo, que não poderiam ser obtidos sem a abordagem compreensiva do problema e que servem como subsídios às políticas públicas para o setor. As entrevistas evidenciaram que de forma geral, a má gestão, a falta de um planejamento e monitoramento das diversas etapas pelo poder público responsável, aliados à provável corrupção, são as causas principais dos problemas da coleta seletiva no município estudado e provavelmente, em outras cidades de grande porte com as mesmas características. Cabe ainda ressaltar que a utilização do método qualitativo permitiu levantar informações ainda pouco conhecidas sobre o tema. Espera-se com o presente trabalho contribuir para a melhoria da coleta seletiva nas cidades brasileiras, principalmente as de grande porte. Ficou demonstrada a necessidade de políticas públicas para maior conscientização, engajamento e educação da população, treinamento e proteção social aos catadores com melhorias das condições de trabalho, apoio às cooperativas, além de uma logística eficiente do transporte dos recicláveis para as Estações de Triagem, Separação e Usinas de reciclagem.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Abril de 2022

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