SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14Aportes de la lexicometría a las percepciones sobre la transición EnergéticaO uso da triangulação de dados para definição do modelo de competências profissionais para inovação no setor público Brasileiro índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


New Trends in Qualitative Research

versión On-line ISSN 2184-7770

NTQR vol.14  Oliveira de Azeméis set. 2022  Epub 01-Ago-2022

https://doi.org/10.36367/ntqr.14.2022.e590 

Artigo original

Caminho para a convergência tecnológica e o potencial das cidades inteligentes: Uma abordagem interpretativa

Pathway to technological convergence and the potential of smart cities: An interpretive approach

1Faculdade de Economia e Centro de Investigação sobre Turismo, Sustentabilidade e Bem-estar, Universidade do Algarve. Portugal


Resumo:

A Covid-19 e outros desafios têm afetado muitas atividades e setores. Os hábitos e comportamentos de pessoas e trabalhadores mudaram consideravelmente. Aqui é onde a utilização das tecnologias e conexões, da realidade virtual e suporte remoto podem fazer a diferença. Empresas e cidades foram forçadas a adaptar-se rapidamente a novos desafios. Projetos de cidades inteligentes revelam um grande potencial em conectar pessoas a bens/serviços como nunca feito antes. Além disso, os dados obtidos a partir da convergência tecnológica subjacente podem potenciar decisões mais eficientes. Este trabalho, utilizando uma abordagem interpretativa, pretende investigar a que nível Portugal está para responder ao processo acelerado que o atual contexto exige às cidades. As empresas portuguesas desenvolveram uma boa capacidade de empreendedorismo e inovação. No entanto, ainda revelam relativo atraso na conversão do conhecimento adquirido em resultados (vendas/ exportações). E ainda persiste uma baixa colaboração ao nível público-privado. Isso reflete- se em termos de uso da internet para interagir com serviços públicos. É interessante constatar, através da metodologia proposta, que há um conjunto de aspetos prioritários, comuns a cidades inteligentes, que influenciam a direção da inovação nacional. Isso leva a considerar que as dimensões do sistema nacional de inovação devem estar alinhadas com os objetivos dos sistemas regionais de inovação. Uma ilação que se pode tirar é que cada vez é mais necessário um mapa concreto de cidades potencialmente digitais do país de modo a ficar mais claro onde atuar no sentido de influenciar positivamente o ecossistema nacional de inovação alinhado com a estratégia europeia.

Palavras-chave: Transformação digital; Cidade inteligente; Inovação; Abordagem interpretativa.

Abstract:

Covid-19 and other challenges have affected many activities and sectors. The habits and behaviors of people and workers have changed considerably. This is where the use of technologies and connections, virtual reality and remote support can make a difference. Companies and cities were forced to quickly adapt to new challenges. Smart city projects reveal great potential in connecting people to goods/services like never before. Furthermore, the data obtained from the underlying technological convergence can drive more efficient decisions. This work, using an interpretive approach, intends to investigate at what level Portugal is ready to respond to the accelerated process that the current context demands from cities. Portuguese companies have developed a good capacity for entrepreneurship and innovation. However, they still reveal a relative delay in converting acquired knowledge into results (sales/exports). And there is still low collaboration at the public-private level. This is reflected in terms of using the internet to interact with public services. It is interesting to note, through the proposed methodology, that there is a set of priority aspects, common to smart cities, that influence the direction of national innovation. This leads us to consider that the dimensions of the national innovation system must be aligned with the objectives of the regional innovation systems. One lesson that can be drawn is that a concrete map of potentially digital cities in the country is increasingly needed to make it clearer where to act in order to positively influence the national innovation ecosystem in line with the European strategy.

Keywords: Digital transformation; Smart city; Innovation; Interpretive approach

1.Introdução

Em todo o mundo, a crise da Covid-19 interrompeu operações comerciais de vários tipos e dimensões. Mas setores essenciais, como por exemplo a construção, seguiram em frente. Muitas obras e atividades envolviam a sua execução e deslocação das pessoas aos locais. Mas repentinamente expandiu-se a telescola, e o teletrabalho. É aqui que o uso de tecnologias como a Internet das Coisas (IoT), a realidade aumentada (RA) e o suporte remoto, tem sido alargado e acelerado. O objetivo é permitir que as pessoas continuem a ser produtivas e motivadas a resolver problemas remotamente. As economias foram forçadas a adaptar-se mais rapidamente a estes desafios. Mas agora os empregadores têm uma pista acerca dos resultados operacionais e financeiros que os processos digitais podem fornecer. E isso leva a um aumento da sua adoção (Heppelmann, 2020). Com o desenvolvimento da IoT, modelos de negócio e locais de trabalho estão a ser repensados. Muitas mudanças vieram para ficar, mesmo após a contenção dos surtos da pandemia. Com recursos tecnológicos como o rastreamento e monitorização em tempo real, a IoT abre um conjunto de possibilidades para empresas e cidades. As tecnologias digitais podem levar a melhores serviços públicos para os moradores, especialmente quando há uma melhor utilização dos recursos com menor impacto no meio ambiente (Mohanty et al., 2016). E também quando permitem uma comunicação mais transparente entre governo e cidadãos.

1.1 Objetivo de investigação

O presente trabalho, utilizando uma abordagem interpretativa, pretende investigar a que nível Portugal está quanto às condições de responder ao processo acelerado que o atual contexto influi às cidades. Esta abordagem faz isso relacionando o estado do sistema de inovação do país com a inteligência digital pretendida. As empresas portuguesas desenvolveram uma boa capacidade de empreendedorismo e inovação. No entanto, ainda revelam relativo atraso na conversão do conhecimento adquirido em resultados como as exportações de produtos inovadores. E ainda persiste um baixo financiamento privado à inovação. A aceleração de projetos de cidades inteligentes, alinhados com os objetivos do sistema nacional de inovação, pode incentivar avanços nesses aspetos. Assim, a questão de investigação central é: em que estado real se encontra o nosso país quanto à inovação em termos do seu potencial para uma digitalização inteligente? Nesse sentido, este trabalho está estruturado da seguinte forma: a segunda secção explora o potencial das cidades inteligentes, em termos das oportunidades de atividade e decisão que permitem; a terceira secção descreve e compara vários casos de cidades inteligentes destacando os aspetos em comum de onde se tiram ilações especialmente com foco na mobilidade urbana e no turismo devido aos desafios levantados pela pandemia num dos setores mais importantes para a economia do país; a quarta secção acrescenta à análise a relação entre o nível de maturidade do sistema nacional de inovação e o potencial de inteligência das suas cidades (considerando o índice de inovação nacional e suas componentes); e a quinta e última secção conclui o estudo realçando que Portugal deve estar alinhado com a estratégia europeia quanto à transição digital, mas que as dimensões do seu sistema nacional também devem estar alinhadas com o potencial dos seus sistemas regionais de inovação (nos quais se incluem as cidades).

2.Potencial das Cidades Inteligentes

A cidade inteligente é a nova tendência no desenvolvimento e governação, por meio da aplicação de novas plataformas tecnológicas que permitem aos cidadãos o livre acesso e uso de informações e aplicativos sobre a sua cidade. As dimensões das cidades inteligentes são baseadas em parâmetros que vão desde a governação, mobilidade urbana, meio ambiente e inovação à conectividade e inclusão social (NP, 2019; Khan et al., 2017) - figura 1. As cidades inteligentes distinguem-se pela governação participativa e sua monitorização, a fim de planear recursos de investimento nas áreas mais carenciadas ou que requerem ações de manutenção preventiva.

Figura 1 Dimensões de cidade inteligente 

Uma cidade mais conectada à população funciona melhor, pois pretende tornar a sua vida mais eficiente. As etapas para isso podem ser materializadas por meio de aplicativos ciber-físicos que permitem que os cidadãos sejam proativos em relação ao que os rodeia. Cidades inteligentes são aquelas com políticas ativas que utilizam a tecnologia para melhorar a infraestrutura urbana. Isso significa incorporar sensores e outras tecnologias num destino para monitorar e recolher dados sobre tudo: desde o tráfego até ao uso da energia. Os dados são então comunicados por meio de conexões, com ou sem fio, por meio da conhecida IoT na qual tudo tende a estar interconectado (Wyane, 2016). Esses dados são então analisados no sentido de melhorar a tomada de decisão conjunta por parte do governo e empresas.

2.1 A importância da análise de dados

Os resultados (outputs) dos sistemas digitais de informação urbana ainda são estáticos e simples. Geralmente aparecem na forma de consultas simples, desprovidas de análises aos dados de diversas fontes, ao longo do tempo, para auxiliar o processo de tomada de decisão em gestão urbana. Uma das características-chave de uma cidade inteligente é a integração de dados urbanos heterogéneos de várias fontes. Além disso, há a necessidade de gerir a infraestrutura urbana e a capacidade de visualizar e atualizar rapidamente dados espaciais e temporais multidimensionais. Os avanços emergentes em tecnologias web e sensores, na sua capacidade de processamento e armazenamento, bem como no custo reduzido de produção de sensores, têm permitido o ‘salto’ para a conceção, planeamento e desenvolvimento de projetos de cidades inteligentes (Samih, 2019; Benito- Osorio et al., 2013) - figura 2.

Figura 2 Avanços em tecnologias web e conexões 

Quanto mais as tecnologias e sistemas respondem às necessidades humanas na sociedade, mais níveis de conexão web e wi-fi são necessários. Tecnologias como Big Data e IoT têm permitido desenvolvimentos mais inovadores e criativos para cidades inteligentes (Rotuna et al., 2017). Além disso, a inteligência artificial (IA) e a aprendizagem-máquina (machine learning) tornam os computadores capazes de processar as grandes quantidades de dados envolvidos. Extrair significado e conhecimento desses dados é crucial para governos e empresas discernirem decisões estratégicas e táticas apropriadas. A IoT é parte integrante do FIE (Future Internet Ecosystem), tendo grande impacto no desenvolvimento de serviços eletrónicos (e-services). Porque fornece uma infraestrutura que identifica e conecta objetos físicos às suas representações virtuais, na internet (Balandina et al., 2015). Como resultado, qualquer objeto físico pode ter o seu reflexo virtual (no ciberespaço). Isso dá a oportunidade de substituir ações em objetos físicos por operações nas suas representações virtuais, resultando em serviços mais rápidos, baratos e híbridos. Isso abre um amplo espaço para o desenvolvimento e implementação de novos modelos de negócio (Belli et al., 2020) - figura 3.

Figura 3 Potencial para novos modelos de negócio 

Nesse sentido, foram desenvolvidas diversas aplicações cujos casos são descritos sucintamente a seguir.

3.Casos de Cidades Inteligentes e Aspetos Comuns

É aqui que é feita uma abordagem analítica qualitativa para conhecer casos reais, compará-los e discernir oportunidades ou desafios a partir de aspetos que têm em comum. Por exemplo, uma abordagem interessante é o interpretativismo, que envolve interpretar elementos num estudo. Assim, “pesquisadores interpretativos assumem que o acesso à realidade é feito apenas através de construções sociais como linguagem, consciência, significados compartilhados e instrumentos” (Myers, 2008). Então, esta metodologia enfatiza a análise qualitativa sobre a análise quantitativa. O interpretativismo é “usado para agrupar diversas abordagens, incluindo o construtivismo social, a fenomenologia e a hermenêutica” (Collins, 2010). De acordo com a abordagem interpretativista, é importante que o pesquisador como ator social aprecie as diferenças entre pessoas e situações (Saunders et al., 2012). Enquanto interpretativa, uma pesquisa é reconhecida pelo seu valor em fornecer profundidade contextual (Chowdhury, 2014). Contudo, muitas vezes os seus resultados são ‘criticados’ em termos de validade, confiabilidade e generalização. Para ultrapassar esse obstáculo, é sugerida uma proposta que combine métodos quantitativos e qualitativos, similar a uma “triangulação”. Os estudos interpretativos geralmente concentram-se no significado e podem empregar vários métodos (como o estudo de caso) para refletir os diferentes aspetos de uma questão. Assim, alguns casos de cidades inteligentes no mundo, bem como os seus principais aspetos são descritos a seguir (Alves, 2018):

Nova York foi eleita a cidade mais inteligente do mundo pelo IESE Center for Globalization and Strategy. Em colaboração com a Cisco, a cidade lançou uma plataforma interativa que converteu antigos sistemas de telefonia pública para fornecerem acesso à Internet a todos os moradores. Além de fornecer informações sobre eventos e notícias locais, e listas de entretenimentos, a plataforma também fornece alertas de segurança. Por exemplo, no trânsito, o Departamento de Transportes passou a gerir o trânsito da cidade usando dados em tempo real. Quase 300 sensores e camaras fornecem estatísticas e modificam os padrões dos semáforos, tendo resultado numa melhoria de 10% nos tempos de viagem;

Amsterdão é pioneira na Europa em termos de investimento em tecnologia e sustentabilidade. Possui uma plataforma que oferece apoio e incentivos para instituições, empresas e cidadãos desenvolverem projetos verdes que possam beneficiar a qualidade de vida urbana. A infraestrutura desenvolveu produtos e serviços inovadores na área de mobilidade urbana, disponibilizando dados de trânsito e opções de transporte, além da disponibilidade de estacionamento, táxis e ciclovias. A cidade também tem investido no desenvolvimento de tecnologias móveis (como o Drive Carefully, aplicativo que alerta os motoristas, quando estão a conduzir perto de uma escola, para diminuir a velocidade). Além disso, várias casas e edifícios foram adaptados com isolamento eficiente para reduzir custos de energia, eletricidade inteligente, etc.

Tóquio também é conhecida como a capital das novidades tecnológicas e futuristas. Isso inclui o desenvolvimento de medidas eficientes para controlar a quantidade de energia usada em residências e edifícios comerciais. As maiores empresas do Japão assumiram a responsabilidade de desenvolver e difundir tecnologia inteligente para revolucionar a cidade. A Panasonic, por exemplo, construiu um bairro ecologicamente amigável onde ficava a sua antiga fábrica. Todas as casas são baseadas no uso de energia renovável.

Outros exemplos são as cidades de: São Francisco, Viena, Copenhaga e Curitiba. Os aspetos comuns a estes projetos, analisando a informação recolhida em sites que os descrevem, em termos dos setores em que incidem são: 1) transportes; 2) cidade “verde” (reciclagem de resíduos, qualidade do ar, energia renovável); e 3) aplicações para mobilidade urbana. Em relação aos desafios desta pandemia, as camaras térmicas em sistemas IoT podem captar os perfis de calor das pessoas. A partir daí, um agente de inteligência artificial (atuando como um inspetor de segurança virtual) pode ajudar a garantir que sejam mantidas as distâncias apropriadas. Juntamente com a tecnologia de rastreamento baseada em Bluetooth, isso está a ser aplicado para contactar e rastrear ativos e indivíduos em áreas como fábricas e hospitais (Dogtown Media, 2020). Por exemplo, um funcionário no local pode capturar imagens e vídeos com uma camara e compartilhá-los com membros da equipa e reguladores. Podem assim monitorar a logística da cadeia de valor, inspecionar locais e garantir a segurança dos trabalhadores no local. No turismo, setor de especial interesse para a economia portuguesa, estas tecnologias contribuem para reinventar experiências. Apesar de não ser o mesmo que viajar de verdade, podem contribuir em termos de novo entretenimento e de descoberta de aspetos desconhecidos sobre os destinos. Uma maneira é por envolver os turistas com a cidade, do modo que desejam, para tornar a sua experiência memorável por meio de realidade aumentada e sensorial (RA). Por exemplo, ao visitar virtualmente um local, o uso de RA além de ser uma forma de simular a visita real, também pode personalizar a experiência associada (Bismart, 2019). Aqui, uma tendência é a intensificação de características sensoriais em IoT e RA combinando imagem, vídeo, áudio com ubiquidade. O turismo urbano é impulsionado, em parte, por grandes eventos como: concertos, feiras, eventos desportivos, etc. A gestão inteligente de multidões é uma forma de o turismo urbano inteligente aproveitar a IoT para otimizar os serviços prestados. No entanto, devido ao atual contexto, essas tecnologias podem ser utilizadas para controlo. Se bem planeadas, podem ajudar a levar as pessoas para outros lugares, criar serviços com base no seu comportamento e direcionar anúncios para onde as pessoas vão estar num momento previsível. Se várias tecnologias interagirem neste paradigma, será possível que uma cidade inteligente responda melhor a um turismo sustentável, pois ativos necessários como saúde pública, segurança, transporte e logística estarão mais salvaguardados (Info Barcelona, 2019). Outra questão que pode contribuir para esta análise é estudar a relação entre o nível de maturidade do ecossistema de inovação português e o potencial de inteligência (digital) das suas cidades. Isso contribui para enriquecer a abordagem interpretativa proposta, uma vez que essa relação engloba o índice de inovação nacional (Summary innovation index) e a descrição do estado das suas componentes.

4.Relação entre Inovação e Inteligência Digital

Em Portugal, cada vez mais municípios apostam no conceito de cidade inteligente. Em muitos casos, as pessoas nem percebem que a infraestrutura tecnológica já está a sustentar parte das suas vidas. Por exemplo, há quem continue a depositar o lixo em ecopontos, mas não sabe que o ecoponto comunica a sua capacidade em tempo real e que essa informação influencia o circuito de recolha de resíduos (Ferreira, 2018). A secção ‘Cidades Inteligentes’ (fundada em 2016 pela Associação Nacional de Municípios Portugueses), é composta por 136 municípios de norte a sul do país (num total de 308 municípios). Entre estes, 27,3% possuem estratégia de Smart City e 16% possuem plataforma de inteligência urbana. As principais apostas das cidades inteligentes nacionais são: rede wi-fi pública (80%), sistema ‘arranje a minha rua’ (48%), iluminação pública inteligente (41%), gestão inteligente de resíduos sólidos urbanos (36%), turismo inteligente (36%) e gestão inteligente de espaços verdes (30%). Na prática, tais esforços de sustentabilidade e eficiência têm implicações na economia de recursos (Silva, 2020). De acordo com a IDC - consultora de inteligência de mercado - a implantação de sistemas inteligentes nas cidades permite uma melhor gestão de: desperdício de água, custos de iluminação em vias públicas (com retorno do investimento em seis anos), detritos urbanos, sistemas de estacionamento (smart parking, com investimento recuperado em dois anos). Nos gráficos abaixo, com base em indicadores do Eurostat, podemos reconhecer qual é o potencial de Portugal para mais projetos nesta área. Portugal está próximo do Reino Unido, Espanha, França e da própria média europeia em termos de conectividade de banda larga nas empresas. No entanto, em relação aos indivíduos que utilizam a internet para interagir com serviços públicos, ainda apresenta valores abaixo destes e outros países (figura 4). Mas o país tem vindo a evoluir na inclusão digital dos seus cidadãos.

Figura 4 Uso da internet para interagir com serviços públicos (Fonte: Eurostat, 2021

Outro aspeto, em que Portugal tem vindo a melhorar, é a formação que as empresas proporcionam aos seus trabalhadores em termos das suas competências em TIC (tecnologias de informação e comunicação) (figura 5).

Figura 5 Treino em termos de competências tecnológicas (Fonte: Eurostat, 2021) 

Outras realidades do país podem ser avaliadas por meio do índice nacional de inovação (Sii - Summary innovation index). O relatório que apresenta este indicador é o European Innovation Scoreboard(EIS), sendo publicado anualmente, desde 2001. Fornece uma análise comparativa do desempenho da inovação nos Estados-Membros da União Europeia (UE), avaliando os pontos fortes e fracos dos sistemas nacionais de inovação. Isso tem ajudado os países a identificar as áreas que necessitam de maior intervenção. De acordo com este índice de inovação, o EIS atribui quatro classificações possíveis: Inovadores Líderes; Inovadores Fortes; Inovadores Moderados; Inovadores Modestos. Nos últimos anos, Portugal foi sempre classificado como Inovador Moderado, sendo 2020 o primeiro ano em que esteve no grupo dos Inovadores Fortes (em 12º lugar). Nesse ano, apresentou valores acima da média europeia em indicadores como o nascimento de novas empresas e atividades de empreendedorismo. No que diz respeito às condições de base para a inovação, sobretudo ao nível da atratividade do sistema de investigação e da penetração de banda larga, Portugal encontra-se igualmente acima da média. No entanto, os indicadores que refletem a capacidade de transferência de conhecimento, como é o caso das patentes e exportações de produtos inovadores, estão ainda abaixo da média da UE, embora seja evidente uma evolução positiva. No entanto, Portugal passou recentemente de inovador “forte” para “moderado” (EIS, 2021). Esta avaliação é baseada nas seguintes métricas (tabela 1), que compõem o Sii para comparação e melhoria da inovação nacional:

Tabela 1 Dimensões do Sii de Portugal (EIS, 2021) 

Neste indicador composto, as dimensões ou variáveis mais fortes do ecossistema de inovação português são:

Ambiente de inovação favorável

Sistemas de pesquisa atrativos

Expansão da banda larga

Número de doutorandos estrangeiros

No entanto, outras dimensões importantes devem ser analisadas e melhoradas, pois são as que se encontram mais enfraquecidas no ecossistema de inovação nacional, tais como:

Expansão das conexões

Ativos intelectuais

Exportação de serviços intensivos em conhecimento

Inovação e adoção interna de tecnologia

Co-financiamento privado de despesas públicas em I&D

Portugal tem vindo a oferecer um ambiente favorável à inovação e à atração de talento. No entanto, está relativamente atrasado na conversão do conhecimento adquirido em vendas e exportações. Há uma propensão crescente para a colaboração, porém esta precisa evoluir especialmente ao nível público- privado. O investimento privado em I&D ainda tem sido baixo, tornando esta atividade mais dependente de incentivos públicos. Além disso, o país deve melhorar no desenvolvimento de tecnologias relacionadas com o ambiente. A convergência tecnológica que os projetos de cidades inteligentes permitem pode incentivar melhorias nestes aspetos. O país já está a dar passos nesta área, através de um evento denominado Portugal Smart Cities Summit. Outra iniciativa relacionada é o Smart Cities Tour (SCT, 2021) - iniciativa anual organizada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, em parceria com a NOVA IMS (Information Management School) para partilha de boas práticas de inteligência urbana aplicáveis à realidade municipal e que conta com a participação do governo, empresas e academia. Por exemplo, a SCT 2021 foi dedicada às ‘Cidades em Transição’, através de 7 workshops: Norte: Descarbonização; Centro: Comunidades de Energia; Lisboa e Vale do Tejo: A Cidade dos 15 Minutos; Alentejo: Turismo Inteligente; Algarve: Mobilidade Suave; Madeira: Economia Circular; Açores: Participação Cidadã. É interessante constatar, através da análise proposta, que há um conjunto de aspetos prioritários, comuns a cidades inteligentes, que influenciam a direção da inovação nacional. Assim, estes aspetos devem estar alinhados com os objetivos do ecossistema nacional de inovação. Como esta relação é complexa de gerir, isso pode explicar o resultado predominante de Portugal como ‘inovador moderado’.

5.Conclusão

Dado o contexto atual, o teletrabalho e o comércio eletrónico (e-commerce) têm acelerado de um modo nunca antes feito. A transição digital deve ser uma parte essencial da estratégia portuguesa, alinhada com os objetivos dos investimentos europeus. Constitui uma das seis prioridades do programa ‘Preparar a Europa para a Era Digital’, que visa garantir que a tecnologia esteja ao serviço das pessoas e agregue valor ao seu quotidiano. Assim, Portugal deve estar alinhado com essa estratégia para enfrentar os desafios inerentes à evolução digital. No entanto, importa saber se está preparado para responder ao processo acelerado que a mudança de comportamentos dos cidadãos requer que se faça nas cidades. Este assunto importante traduziu-se neste estudo focado em torno da questão de investigação relacionada com o estado real do país quanto à inovação em termos do seu potencial para uma digitalização inteligente. Tratando-se de uma realidade complexa, seguiu-se uma abordagem interpretativa, reconhecida pelo seu valor em fornecer profundidade contextual (Chowdhury, 2014). Contudo, pelo facto de várias vezes os seus resultados serem ‘criticados’ em termos de confiabilidade e generalização, são sugeridas propostas que combinem métodos quantitativos e qualitativos, como uma “triangulação”. Assim, o presente estudo combinou a comparação de casos reais de cidades inteligentes a fim de identificar áreas prioritárias ou ‘tendenciais’. Contudo, no caso português, revelou-se importante contextualizar mais por exemplo através da análise da relação entre o grau de maturidade do sistema de inovação nacional e o potencial de inteligência digital das suas cidades. Aqui, foram incluídos dados quantitativos relativos ao índice de inovação nacional (Summary innovation index) e descrição do estado das suas variáveis. Portugal está bem em termos de conectividade de banda larga nas empresas. E vem oferecendo um ambiente favorável ao empreendedorismo e à inovação. No entanto, em termos de uso da internet para interagir com serviços públicos, ainda apresenta valores abaixo de vários países. E mais de 50% dos seus cidadãos ainda possuem competências digitais básicas (Amado, 2020). Por isso, apresenta uma baixa conversão do conhecimento adquirido em resultados (como vendas e exportações de produtos inovadores). Além disso, o investimento privado em I&D tem sido baixo tornando esta atividade mais dependente dos incentivos públicos. É interessante constatar, através da metodologia proposta, que há um conjunto de aspetos prioritários, comuns a cidades inteligentes, que influenciam a direção da inovação nacional. Isso leva a considerar que as dimensões do sistema nacional de inovação devem estar alinhadas com os objetivos dos sistemas regionais de inovação (em que se incluem as cidades). Sendo esta relação complexa de gerir, isso pode justificar o resultado predominante de Portugal como ‘inovador moderado’. Uma ilação que se pode tirar desta investigação é que cada vez é mais necessário um mapa concreto de cidades potencialmente digitais do país de modo a ficar mais claro onde atuar no sentido de influenciar positivamente o ecossistema nacional de inovação alinhado com a estratégia europeia. Daí que os sistemas de informação geográfica sejam cada vez mais importantes, bem como a econometria espacial com os dados dos sistemas digitais de informação urbana. A convergência tecnológica que as cidades inteligentes permitem pode estimular melhorias nesses aspetos. O papel das universidades é aqui muito relevante, pois podem servir o sistema regional de inovação para estabelecer a base para uma cidade inteligente. Com a expansão das suas ligações com empresas, para criar negócios e serviços inovadores, podem estimular o desenvolvimento económico e gerar emprego (Allahar & Sookram, 2019). A ênfase é colocada na necessidade de desenvolver uma forte colaboração para a construção de um ecossistema quádruplo sustentável (universidade-empresa- governo-sociedade). Um exemplo disso é o que se passa na região do Algarve que está a tornar-se rapidamente num eixo criativo e de inovação para Portugal (Algarve Tech Hub, 2021). Devido ao seu equilíbrio entre qualidade de vida e trabalho, e entre a sua universidade e as empresas, empreendedores, investidores e start-ups estão a iniciar e a “tirar uma empresa do papel” com facilidade. Especialmente com o papel influenciador do seu recente Hub Tecnológico (aceleradora de inovação), o qual lhes dá acesso a infraestruturas e talentos locais e estrangeiros.

6.Agradecimento:

Este artigo é financiado por fundos nacionais da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do projeto UIDB/04020/2020.

REFERÊNCIAS

Algarve Tech Hub (2021). The Ecosystem, https://algarvetechhub.com/about/the-ecosystem/.Links ]

Allahar, H. & Sookram, R. (2019). A University business school as an entrepreneurial ecosystem hub. Technology Innovation Management Review, 9(11), 15-25. Doi: 10.22215/timreview/1280. [ Links ]

Alves, N. (2018). Smart City: As 7 cidades mais inteligentes do mundo, https://www.google.com/amp/s/constructapp.io/pt/smart-city-cidades-mais-inteligentes/amp/.Links ]

Amado, M. (2020). Covid-19 as an accelerator of digital transformation of cities, https://smart-cities.pt/opiniao- entrevista/transformacao-digital-covid19-1308/.Links ]

Balandina, E., Balandin, S., Koucheryavy, Y. & Mouromtsev, D. (2015). IoT use cases in healthcare and tourism. IEEE 17th Conference on Business Informatics, Lisbon, 37-44. [ Links ]

Bhansali, M. (2012). Getting the essence of the semantic web, http://paanchiweb.blogspot.com/2012/12/getting- essence-of-semantic-web.html. [ Links ]

Belli, L., Cilfone, A., Davoli, L., Ferrari, G., Adorni, P., Di Nocera, F., Dall’Olio, A., Pellegrini, C., Mordacci, M. & Bertolotti, E. (2020). IoT-enabled smart sustainable cities: Challenges and approaches. Smart Cities, 3, 1039-1071. Doi: 10.3390/smartcities3030052. [ Links ]

Benito-Osorio, D., Peris-Ortiz, M., Armengot, C. & Colino, A. (2013). Web 5.0: The future of emotional competences in higher education. Global Business Perspectives, 1, 274-287. Doi: 10.1007/s40196-013-0016-5. [ Links ]

Bismart (2019). Smart City Tourism: The Future of Tourism, https://blog.bismart.com/en/smart-city-tourism-future- tourism. [ Links ]

Chowdhury, M. (2014). Interpretivism in aiding our understanding of the contemporary social world. Open Journal of Philosophy, 4, 43-438. Doi: 10.4236/ojpp.2014.43047. [ Links ]

Collins, H. (2010). Creative research: The theory and practice of research for the creative industries. AVA Publications. [ Links ]

Dogtown Media (2020). 5 Ways COVID-19 Has Accelerated the Construction Industry’s Adoption of IoT, https://www.dogtownmedia.com/5-ways-covid-19-has-accelerated-construction-industry-adoption-iot/.Links ]

European Innovation Scoreboard (2021). Internal market, industry, entrepreneurship and SMEs, https://ec.europa.eu/growth/industry/policy/innovation/scoreboards_en. [ Links ]

Eurostat (2021). Digital economy and society - Benchmarking digital Europe: key performance indicators, https://ec.europa.eu/eurostat/data/database.Links ]

Ferreira, R. (2018). Smart cities: 22 projetos que estão a criar um Portugal mais inteligente, https://www.google.com/amp/s/insider.dn.pt/em-rede/22-projetos-smart-cities-portugal/3052/amp/.Links ]

Heppelmann, J. (2020). Covid-19 accelerates use of augmented reality, https://www.theengineer.co.uk/covid-19-ar- augmented-reality-ptc/.Links ]

Info Barcelona (2019). Municipal innovation at the Smart City Expo World Congress, https://www.barcelona.cat/infobarcelona/en/tema/smart-city/municipal-innovation-at-the-smart-city-expo- world-congress_880746.html.Links ]

Khan, M., Woo, M., Nam, K. & Chathoth, P. (2017). Smart city and smart tourism: A case of Dubai. Sustainability, 9, 1- 24. Doi: 10.3390/su9122279. [ Links ]

Mohanty, S. P., Choppali, U., & Kougianos, E. (2016). Everything you wanted to know about smart cities: The internet of things is the backbone. IEEE Consumer Electronics Magazine, 5(3), 60-70. Doi: 10.1109/MCE.2016.2556879. [ Links ]

Myers, M. (2008). Qualitative research in business & management. SAGE Publications. [ Links ]

NP (2019). Portugal, o país das cidades inteligentes, https://nacionalidadeportuguesa.com.br/2019/04/26/portugal- o-pais-das-cidades-inteligentes/.Links ]

Rotuna, C., Cirnu, C., Smada, D., Gheorghita, A. (2017). Smart city applications built on Big Data technologies and secure IoT. Ecoforum, 6, 3(13). [ Links ]

Samih, H. (2019). Smart cities and internet of things. Journal of Information Technology Case and Application Research, 21(1), 3-12. Doi: 10.1080/15228053.2019.1587572. [ Links ]

Saunders, M., Lewis, P. & Thornhill, A. (2012). Research methods for business students, 6th Ed. Pearson Education Limited. [ Links ]

SCT (2021). Smart Cities Tour, https://novacidade.pt/smart-portugal/smart-cities-tour/.Links ]

Silva, B. (2020). Quão inteligentes e sustentáveis são as cidades portuguesas? Municípios dão a resposta no Smart Cities Tour, https://eco.sapo.pt/2020/02/11/quao-inteligentes-e-sustentaveis-sao-as-cidades-portuguesas- municipios-dao-a-resposta-no-smart-cities-tour/.Links ]

Wyane, S. (2016). How smart cities are leading the way to smart tourism, https://www.hotelmanagement.net/tech/how-smart-cities-are-leading-way-to-smart-tourism. [ Links ]

Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 01 de Fevereiro de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons