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Political Observer

versão impressa ISSN 2795-4757versão On-line ISSN 2795-4765

Political Observer vol.18  Lisboa dez. 2022  Epub 22-Maio-2023

https://doi.org/10.33167/2184-2078.rpcp2022.17/pp.171-176 

Recensão

Uma análise da obra: da conceção de facilidades ao impacto e à relevância da presença francesa nas ilhas açorianas

* Universidade dos Açores, Portugal


Cymbron, J. C. (2021). Os Franceses nos Açores, 1964-1994. Ponta Delgada: 2ª. ed, Letras Lavadas.

Os Franceses nos Açores 1964-1994, de José Carlos de Magalhães Cymbron, apresenta-se como um registo criterioso e pormenorizado dos trinta anos de presença francesa nos Açores, em especial, nas Ilhas das Flores e de Santa Maria, bem como dos seus antecedentes e precedentes.

O autor da obra em apreço é engenheiro militar do Exército, reformado, com a patente de Coronel, tendo servido nos e os Açores, ao longo da sua vida profissional.

O Coronel Cymbron, com Os Franceses nos Açores 1964-1994, presta, assim, mais um contributo, com este estudo, dedicado à história e à importância geopolítica e geoestratégica do Nosso país, com especial enfoque nos Açores e nas suas ilhas.

Para o efeito, assume particular interesse a contextualização histórica das matérias em análise. A obra conhece, nos seus capítulos iniciais, uma exposição detalhada sobre o posicionamento das políticas externas francesa e portuguesa entre os nos finais da década de cinquenta e os anos sessenta.

Compreende-se, a partir da perspetiva do autor que, à época, ambos os Estados se encontravam compenetrados na defesa dos respetivos interesses soberanos, os quais pautavam a posição de França e de Portugal no sistema internacional.

No caso português, e em linha com as bem demarcadas prioridades do Estado Novo, era privilegiada a manutenção das suas colónias e, consequentemente, a sobrevivência do Regime, sob pena de um profundo isolamento internacional.

Não obstante, e conforme bem sublinha o Coronel Cymbron, na sua obra, com o agudizar da guerra fria, Portugal ganha um renovado protagonismo (Cymbron, 2022, pp. 41-43). Entenda-se que o Nosso país assume um papel de charneira entre os continentes americano e europeu.

É neste sentido que os Açores passam a ser arquipélago-fronteira na defesa estratégica do mundo ocidental.

Apesar de não muito exploradas nos capítulos introdutórios do texto em análise, as perspetivas sobre o contexto político-estratégico dos Açores, e a forma como este influenciou a política externa portuguesa, revestem-se de especial importância, para melhor captar o decurso dos acontecimentos relacionados com a temática em estudo.

Salientem-se, portanto, as grandes decisões que, no período em estudo, Portugal tomou e que, conforme assinala o autor, vieram a ter relevante influência nos tempos que se seguiram: a adesão ao Pacto do Atlântico, em 4 de abril de 1949; a assinatura do Acordo de Auxílio Mútuo para a Defesa, entre os Estados Unidos e Portugal, a 5 de janeiro de 1951, o qual diz respeito à utilização, por parte dos americanos, da Base das Lajes; e a adesão à Organização das Nações Unidas, a 14 de dezembro de 1955 (Cymbron, 2022, p. 41).

No caso francês, nos finais da década de cinquenta, em especial, no ano de 1958, vivia-se o fim da IV República Francesa e, por inerência, o nascimento da V República, com Charles De Gaulle (Cymbron, 2022, p. 25).

França atravessava uma substancial crise, a nível interno e institucional, marcada por disputas partidárias e pelo agravamento da questão argelina.

Conquanto, “De Gaulle nunca terá perdido um certo sentido de rayonnement, ou seja, da influência civilizadora e mundial que a sua condição de francês […] nunca lhe permitiu abandonar” (Cymbron, 2022, p. 26), nas palavras do autor.

Esta visão era fortemente influenciada por dois acontecimentos que, em Os Franceses nos Açores 1964-1994, são bem retratados.

A saber: a adesão de França à Organização do Tratado do Atlântico Norte, e posterior retirada, em nome da sua independência estratégica; e a operação conjunta da França e do Reino Unido, no Suez, à qual se sucederam os nacionalismos na África subsaariana (Cymbron, 2022, p. 31).

Na verdade, e concordando com a perspetiva apresentada pelo autor, certo é que Portugal e França, no período em que De Gaulle foi presidente, mantiveram um relacionamento solidário, fundado nas semelhanças, facilmente identificáveis, entre as linhas orientadoras, à época, da política externa de ambos os países: desde o ceticismo e a rejeição para com a e da ação das organizações supranacionais, até à insistente manutenção das políticas coloniais.

Relativamente a este último aspeto, posto que a França reconhecera e concedera a autodeterminação das suas colónias, mantinha-se ao lado de Portugal, por subsistirem, no capítulo da política externa, interesses mútuos a defender.

Este é o repto deixado pelo autor, para introduzir e explicar, no âmbito das relações Luso-Francesas, o estabelecimento de acordos bilaterais, tais como o Acordo das facilidades nos Açores de 1964.

Tendo este cenário histórico em consideração, e remetendo para o texto em análise, interessa explorar a forma como o Coronel Cymbron responde às questões relacionadas com o processo de conceção das facilidades, aos franceses, no arquipélago dos Açores; com o impacto da presença francesa nas Ilhas açorianas; e, por fim, com a relevância desta experiência para os Açores e para os que naquelas Ilhas habitam.

Em primeiro lugar, importa inferir sobre as diligências diplomáticas levadas a efeito por parte do Governo francês, junto do e com o Governo português.

De acordo com o Coronel Cymbron, abril de 1963 assinala o início das conversações sobre o potencial dos Açores enquanto zona geográfica privilegiada, em especial, para o estabelecimento da estrutura científica de observação, na senda das experiências científicas de lançamento de mísseis de médio e longo alcance, desde le Centre d'Essais des Landes. Estas missão e estrutura tinham prevista, para a queda dos projéteis, a zona noroeste das imediações da Ilha das Flores (Cymbron, 2022, pp. 69-71).

Como se entende e justifica, o autor dedica muita da sua atenção, no decurso da narrativa, à Ilha das Flores, pelo particular impacto que a Ilha conheceu durante o período de permanência dos franceses, nos Açores.

Todavia, interessa particularizar que as facilidades que França havia a requerer abrangiam diversas Ilhas e vários setores (Cymbron, 2022, pp. 81-101), designadamente:

Na Ilha de Santa Maria, objetivava-se a utilização do aeródromo, para escala e estacionamento de aviões militares, cuja infraestrutura deveria ter capacidade para abastecimento de combustíveis e dispor de equipamento de rádio;

Nos portos da Horta e de Ponta Delgada, alvitrava-se a sua utilização pelos navios de guerra franceses, com a inclusão das facilidades portuárias e de abastecimento, bem como dos meios de comunicação;

Nos faróis das Lajes (Ilha das Flores), Pico Negro (Ilha Graciosa), e Ponta Comprida (Ilha do Faial), solicitava-se a instalação de postos de radiolocalização;

Na Ilha das Flores, requeria-se a instalação de uma estação de telemedidas e de um radar com as correspondentes ligações rádio; a instalação de meios de comunicação diretos para e com a França; a edificação de complexos habitacionais, e de um hotel; e a instalação de meios de ligação entre as Ilhas das Flores e de Santa Maria, em telefonia e telegrafia;

Por fim, requeria-se a livre circulação de cidadãos franceses e das suas viaturas e a utilização de serviços hospitalares das Ilhas de São Miguel, Santa Maria e Flores.

Foram estas as condições-base do projeto de pacto, apresentado por parte de França, as quais comprovavam a grande importância militar dos Açores.

Assentes naqueles princípios, longas foram as conversações entre ambos os Estados, dedicadas aos termos em que decorria a conceção de facilidades no arquipélago dos Açores, cuidadosamente relatadas pelo Coronel Cymbron na obra em análise, como confirmação da minuciosa concertação, pelas partes envolvidas, na prossecução dos seus interesses.

Aquele processo culmina a 7 de abril de 1964, com o anunciar do Acordo Luso-Francês.

Refira-se que o documento segue, em linhas gerais, o já definido no que respeita aos meios e serviços que teriam de ser deixados à disposição de França, nos Açores (Cymbron, 2022, pp. 77-78).

Ademais, aluda-se às facilidades das quais França e os franceses disponham no arquipélago açoriano: desde a isenção de taxas para importação e reexportação de veículos automóveis e equipamentos destinados às instalações a construir; passando pela isenção de taxas para a importação e reexportação de objetos do pessoal francês destacado nos Açores, ao abrigo do Acordo; até à utilização dos serviços médicos e hospitalares existentes nos Açores em condições idênticas às dos portugueses ao serviço do Estado (Cymbron, 2022, p. 78).

Por fim, discriminem-se algumas das responsabilidades e direitos do governo português: empenhar a construção das facilidades e a cedência das instalações já existentes, para os fins descritos; fiscalizar a atividade desenvolvida e o funcionamento das instalações; e superintender os financiamentos entregues por França para o pagamento dos investimentos, das despesas, da atividade e das instalações, para com os encargos fixos decorrentes do Acordo (Cymbron, 2022, pp. 78-79).

Assim se preparava, formalmente, a chegada dos franceses às ilhas açorianas, designadamente, em 1966, às ilhas das Flores e de Santa Maria. No decorrer dos trinta nos em que os franceses se mantiveram nos Açores, muito forte foi o impacto sentido, a nível da economia, das infraestruturas, da cultura, dos serviços, entre outras áreas.

Neste sentido, e em segundo lugar, interessa estudar as repercussões do cumprimento do acordo Luso-Francês e, consequentemente, da presença francesa nos Açores (Cymbron, 2022, p. 83).

A obra em análise aprofunda, com bastante pormenor, os diversos investimentos estruturais fundamentais para o funcionamento da Base das Flores. De facto, as obras mais significativas foram levadas a efeito naquela ilha, embora fosse imprescindível proceder ao investimento na construção e melhoria de algumas estruturas, também, em Santa Maria.

No que diz respeito à Ilha de Santa Maria, o autor sublinha que foram empreendidas algumas melhorias no aeroporto, principalmente, na área das comunicações e transportes aéreos, com a instalação de uma estação de rádio francesa e de armazéns e serviços para as esquadrilhas francesas de P2V7 e de DC7 AMOR - Avion de Mesurement d’Observation et Reconaissanse.

No que respeita à Ilha das Flores, a obra discrimina as várias estruturas edificadas, as quais abrangiam diferentes áreas de intervenção e os seus distintos objetivos. A saber: construíram-se e melhoraram-se estradas; ergueu-se uma zona habitacional, com hotel, e uma zona de condições técnicas; procederam-se a intervenções que visaram melhoramentos no Porto das Poças, em Santa Cruz; instalaram-se estruturas energéticas que asseguraram a eletrificação de toda a Ilha; construiu-se uma barragem; construiu-se um Aeródromo em Santa Cruz; edificou-se um Hospital, em Santa Cruz; implementou-se uma rede de telecomunicações e, embora não incluídas no envelope financeiro do Acordo, construíram-se, também, as instalações da nova capitania.

Assim, entende-se que, embora fizessem parte do pacote de construções necessárias para o melhor funcionamento da Base Francesa, aqueles investimentos proporcionaram uma significativa melhoria da qualidade de vida dos habitantes da Ilha das Flores.

É certo que, também, no que respeita à vida social e cultural, a influência dos franceses se fez notar. Através, em específico: do vestuário; dos hábitos alimentares; do convívio social; do estudo e prática da língua francesa e de atividades desportivas e recreativas (Cymbron, 2022, pp. 211-220).

Esta vivência é, particularmente, bem retratada, em Os Franceses nos Açores 1964-1994, através de testemunhos recolhidos pelo autor e integrados no seu texto, conciliados com a perspetiva do próprio que manteve contactos regulares com as ilhas que acolhiam, na época, os franceses. Esta foi uma audaz e eficaz forma de aproximar o leitor dos escritos.

Retomando as palavras do autor, para alguns açorianos, a chegada dos franceses “[era] motivo de apreensão” (Cymbron, 2022, p. 212), e, para outros, sinalizava que “era a modernidade que estava a chegar” (Cymbron, 2022, p. 212), a verdade é que os sinais do tempo de estada francesa fizeram-se sentir e assinalaram a relevância desta experiência para os Açores e para os açorianos.

Nesta ordem de ideias, e em último e terceiro lugar, convém relevar o valor estratégico das ilhas atlânticas, em particular, do arquipélago açoriano, em consonância com o que o capítulo último da obra em estudo advoga.

Assente no magno conceito de poder funcional, preconizado pelo Professor Doutor Adriano Moreira, o entendimento sobre a particular importância para a manutenção e projeção da proeminência soberana, é aplicável aos Açores, no caso português.

Os Açores são, pode-se entender, um dos principais trunfos da política externa portuguesa, dada a sua importância geoestratégica, consolidada na Segunda Guerra Mundial e dada como fulcral para o novo sistema internacional bipolarizado do pós-guerra. Exemplo disto, e conforme bem evidencia e explora o Coronel Cymbron, nesta obra, é a celebração do Acordo Luso-Francês que sustentou a permanência francesa nas ilhas açorianas.

Referências

1. Cymbron J C. (2022). Os Franceses nos Açores, 1964-1994. Ponta Delgada: 2ª. ed., Letras Lavadas, 280 pp. [ Links ]

Recebido: 23 de Agosto de 2022; Aceito: 10 de Outubro de 2022

MARIANA DUTRA BORGES

É licenciada em Estudos Euro-Atlânticos, pela Universidade dos Açores, desde 2020. É mestranda em Relações Internacionais: o Espaço Euro-Atlântico, pela mesma Universidade. Investiga, para a redação da dissertação, conducente ao grau de Mestre, sobre a temática A Ultraperiferia: da génese do conceito ao reconhecimento do Estatuto. O contributo dos Açores: um estudo de caso. É membro associado do Observatório Político, desde 2022. Foi colaboradora da Direção Regional da Juventude, do Governo dos Açores, de 2020 até 2022. Foi premiada com o Prémio Bernardino Ribeiro‐Concurso Jovem Atlantista, da Comissão Portuguesa do Atlântico, em 2021. As suas áreas de interesse de investigação são: paradiplomacia regional açoriana; ultraperiferia europeia; relação transatlântica; regionalismos e integração europeia.

Has a degree in Euro-Atlantic Studies from the University of the Azores since 2020. Is currently studying for a Master’s in International Relations: the Euro-Atlantic Space at the same University. Investigates, for the writing of the dissertation, leading to the Master’s degree, on the theme The Outermost Regions: from the genesis of the concept to the recognition of the Statute. The contribution of the Azores: a case study. Has been an associate member of the Political Observatory since 2022. Was a collaborator of the Regional Directorate for Youth, of the Government of the Azores, from 2020 to 2022. Was awarded the Bernardino Ribeiro Prize-Jovem Atlantista Contest, of the Portuguese Atlantic Commission, in 2021. Research interests: azorean regional paradiplomacy; european outermost regions; transatlantic relations; regionalisms and European integration.

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