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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.234 Lisboa mar. 2020

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2020234.07 

ARTIGOS

Proposta de um indicador de desenvolvimento sustentável com base na qualidade de vida, bem-estar e felicidade: estudo piloto na cidade de Curitiba, Brasil.

Proposal for an indicator of sustainable development based on quality of life, welfare and happiness: a pilot study in curitiba city, brazil.

Larissa Maria da Silva Ferentz1
https://orcid.org/0000-0001-5804-0361

Carlos Mello Garcias2
https://orcid.org/0000-0001-7982-5803

Leana Carolina Ferreira Setim3
https://orcid.org/0000-0003-2008-7652

1 Pós-Graduação em Gestão Urbana, Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Rua Astorga, 406, Sítio Cercado - CEP 81900-460, Curitiba, PR, Brasil. ferentzengenharia@gmail.com

2 Pós-Graduação em Gestão Urbana, Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Rua Astorga, 406, Sítio Cercado - CEP 81900-460, Curitiba, PR, Brasil. carlos.garcias@pucpr.br

3 Pós-Graduação em Gestão Urbana, Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Rua Astorga, 406, Sítio Cercado - CEP 81900-460, Curitiba, PR, Brasil. leana.carolina@pucpr.br


 

RESUMO

Proposta de um indicador de desenvolvimento sustentável com base na qualidade de vida, bem-estar e felicidade: estudo piloto na cidade de Curitiba, Brasil. O objetivo da presente pesquisa é apresentar um instrumento que possibilite a avaliação dos municípios não apenas de forma censitária, mas também de forma qualitativa a partir da perceção dos cidadãos. Os procedimentos metodológicos basearam-se num estudo piloto realizado na cidade de Curitiba por meio do método Indicador de Desenvolvimento Sustentável (IDSCURITIBA), que foi elaborado a partir de outros três: Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde-Breve (WHOQOL-BREF), Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) e Felicidade Interna Bruta (FIB). Desta forma foi possível identificar as regiões que precisam de investimentos prioritários, e através da opinião da população propuseram-se mudanças efetivas com base nas políticas públicas, economizando tempo e investimentos financeiros.

Palavras-chave: indicador de bem-estar; desenvolvimento sustentável; sustentabilidade; gestão urbana; planeamento urbano.


 

ABSTRACT

The goal of the present research is to present an instrument that allows the evaluation of the municipalities not only in a census form, but also in a qualitative way from the perception of citizens. The methodological procedures of this research were based on a pilot study carried out in the city of Curitiba (Brazil) and using the Sustainable Development Indicator (SDICURITIBA) method, which was elaborated from three others: Quality of Life of the World Health Organization-Brief (WHOQOL-BREF), the Urban Wellbeing Index (WBI), and Gross National Happiness (GNH). It was possible to identify the regions that need priority investments, and using the opinion of the population, it is possible to propose effective changes based on public policies, saving time, and financial investments.

Keywords: wellbeing index; sustainable development; sustainability; urban management; urban planning.


 

Introdução

Foi a partir de 1972, com a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Ambiente Humano em Estocolmo (Suécia), que a preocupação com o meio ambiente natural foi inicialmente formalizada. Daquele evento resultou uma declaração com critérios e princípios comuns recomendados com vista a oferecer um novo caminho em busca da preservação do planeta A declaração continha 26 princípios, dentre os quais a ideia de que os recursos naturais da terra “deviam ser salvaguardados em benefício das gerações atuais e futuras” (ONU, 1972). Ainda naquele ano, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) foi criado para coordenar ações globais condizentes com a proteção ambiental.

O conceito do desenvolvimento sustentável surgiu mesmo em 1987 com o Relatório Brundtland, também conhecido pelo seu título “Nosso Futuro Comum”, cujo princípio de sustentabilidade procura atender às necessidades contemporâneas com equilíbrio económico, social e ambiental, visando igualmente proteger o património natural para gerações futuras (BRUNDTLAND, 1987).

Posteriormente, realizou-se a “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” (sigla em inglês, UNCED), mundialmente conhecida por “Earth Summit” ou ECO-92, no Rio de Janeiro (3-14/06/1992). Ao amparo da ONU, os governos convergiram em redefinir o conceito de desenvolvimento económico, de modo a encontrar outros caminhos, que não a destruição dos recursos naturais e a respetiva emissão da poluição industrial. Além disto, incentivou o estabelecimento de mecanismos de controlo para mudanças de comportamento e atitudes que pudessem transformar o planeta, reconhecendo a necessidade de repensar as políticas económicas sem causar impactos ambientais (ONU, 1997).

Mais do que em Estolcomo (1972), a ECO-92 resultou em cinco importantes protocolos de entendimento para o meio ambiente: (1) a “Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”; (2) a “Declaração dos Princípios Florestais”; (3) a “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas” (UNFCCC); (4) a “Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica”; e (5) a “Agenda 21 Global”. A Agenda 21 é um dos documentos mais importantes do século XXI, um plano de ação estruturado em 40 capítulos com programas que associam a proteção ambiental, justiça social e eficiência económica para alcançar um novo padrão de desenvolvimento à escala mundial: o desenvolvimento sustentável (ONU, 1992).

A Assembleia Geral da ONU de 2000 definiu oito “Objetivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM)”, dentre eles o número 7 que desejava assegurar a sustentabilidade ambiental. Dez anos depois da ECO-92, a Declaração de Johanesburgo (Rio+10) ampliou o compromisso político internacional com o desenvolvimento sustentável, ao incluir temas de gravidade social como a fome, as drogas, a violência, a corrupção, etc.

De volta ao Rio de Janeiro (13-22/06/2012), a Conferência Rio+20 abordou conceitos de economia verde e da elaboração de uma arquitetura de governança institucional. Por mais que a conferência de 1992 tenha tido uma grande repercussão, os resultados da Rio+20 puderam comprovar que o problema está no exercício da vontade política para atingir os objetivos na prática. O conflito de interesses que existe na governança ambiental global torna a efetividade das ações muito distante do que se espera (Guimarães e Fontoura, 2012).

Não obstante, atitudes locais também continuam prejudicando e até mesmo impedindo o desenvolvimento sustentável. Atividades potencialmente poluidoras como a degradação do meio, o descarte incorreto de resíduos sólidos e a falta de tratamento de esgotos são alguns exemplos claros de problemas vivenciados no meio urbano. Neste cenário, é possível observar a necessidade de estratégias que sejam efetivas na mitigação de impactos, tendo em vista que se prevê um crescimento populacional de oito bilhões de pessoas em 2020, enquanto os recursos naturais não são repostos (Victorino, 2007).

Embora estas iniciativas tenham tido uma repercussão global e as responsabilidades tenham sido apresentadas como deveres individuais de cada cidadão, os autores Guimarães e Fontoura (2012) afirmam que, “tanto no âmbito público quanto no privado, os princípios de proteção ambiental e de desenvolvimento sustentável ainda são tidos como uma restrição para o crescimento económico”, tendo muitos obstáculos no planeamento e gestão urbana.

Em razão dos resultados conhecidos da Rio+20, uma rodada de reuniões preparatórias à Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGA) de 2015 levaram à adoção da “Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”. Os programas resultaram nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), os quais foram elaborados com base nos 8 ODM, estabelecidos no ano 2000. O novo plano de ação pôs em vigor a Agenda 2030, a qual, para realizar os 17 ODS, conta com 169 metas a serem alcançadas e 232 indicadores para auxiliar a monitorização das ações nos países (ONU, 2017).

Considerando a criação de instrumentos de mensuração, cabe destacar que no Brasil, em conjunto com as conferências e objetivos globais, surgiram inéditos IDS apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desde 2002, o IBGE tem publicado a evolução da sustentabilidade no país, considerando aspetos económicos, sociais, ambientais e institucionais com dados a partir de 1990 (IBGE, 2015).

No entanto, a problemática está na consideração de indicadores censitários que não utilizam a opinião da população como base para as decisões do desenvolvimento sustentável. Exemplos disto são os indicadores do Produto Interno Bruto (PIB) e do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) utilizados nas políticas públicas, mas que não abrangem os aspectos económico, social e ambiental como um conjunto integrado. Desta forma, como é possível uma cidade tornar-se sustentável se a opinião daqueles que podem mudá-la não é considerada nas decisões governamentais?

Ainda hoje as informações geradas no país são, na sua maioria, de origem federal ou estadual, sendo que os municípios são importantes polos de governança com informações representativas para as políticas públicas locais. Ao trabalhar ao nível municipal, é possível englobar a participação da população como uma prioridade para a geração de dados nos três níveis de governo (Branco, 2001). Assim, indicadores de perceção começaram a ser desenvolvidos a fim de aprimorar os bancos de dados disponíveis e subsidiar os processos de elaboração, implantação e acompanhamento de políticas públicas (IPEA, 2011).

Utilizar a opinião da população permite a geração de dados percetivos sobre o meio, os serviços e a atuação do governo. Estas informações podem ser aplicadas tanto nos processos de decisão, como a definição da distribuição de recursos prioritários nas regiões administrativas ou bairros das cidades, como também na avaliação das políticas e estratégias já elaboradas, que embora efetivas, possam não alcançar os resultados esperados se não utilizados corretamente pelos moradores (IPEA, 2011).

Tendo em vista esta problemática, foi necessária a formulação de um indicador de desenvolvimento sustentável (IDS) que considere a opinião da população, sendo a sua aplicação realizada numa das capitais brasileiras com reconhecimento internacional de sustentabilidade. Deste modo, foi adotada a cidade de Curitiba, localizada na região sul do Brasil, sendo a capital do estado do Paraná.

Com uma área total de 435,036 km², a cidade possui 1 917 185 moradores e uma densidade demográfica de 4 027,04 hab/km² (COMEC, 2019). A região metropolitana reúne 29 municípios, sendo 14 deles com conexões viárias diretas com Curitiba, formando o chamado “Núcleo Urbano Central”[1] (COMEC, 2019). A Figura 1 apresenta a macrolocalização da cidade.

 

 

A cidade de Curitiba iniciou trabalhos na área do planeamento ambiental desde a década de 1970 quando era conhecida como capital ecológica. Junto a este título, os governantes e os media iniciaram a criação de um sentimento de orgulho pela cidade, de modo a que cada cidadão se sentisse responsável por conservar e melhorar a qualidade de vida da cidade a que pertencia e em que tinha orgulho em viver (Menezes, 2001).

Sob o comando de Jaime Lerner, a cidade conquistou a atenção do mundo a partir de seus projetos como o uso exclusivo da Rua XV de Novembro[2] para peões, a implantação de estações-tubo[3], de vias exclusivas para autocarros e a implantação do programa de reciclagem de resíduos (Adler, 2016). Porém, apesar dos projetos inovadores do passado, ressalta-se que existe uma regressão em relação ao planeamento ambiental da cidade. Infelizmente, este cenário não é coincidente com opiniões de conferências, como a RIO-92, onde Curitiba teve destaque em ações para alcançar o desenvolvimento sustentável (Menezes, 2001).

Assim, este artigo relata a construção de um IDS pioneiro que junta aos dados censitários a perceção da população, tendo a cidade de Curitiba como seu primeiro campo de observação. A expectativa é que esta proposta intitulada como IDS Curitiba contribua para gerar dados que permitam facilitar a tomada de decisões governamentais do município.

Gestão urbana

Desde a segunda metade do século XX, o meio urbano e o meio rural passaram por profundas transformações nos setores económico, social, cultural e político. As novas dinâmicas nas relações entre esses setores fizeram com que surgisse a necessidade de uma ressignificação do campo e da cidade (Hespanhol, 2013). Não obstante, o mundo deparou-se com uma nova realidade em 2007, quando a maior parcela da população começou a viver nas metrópoles e não no campo (Leite e Awad, 2012). Esta transformação ocorreu porque as cidades são grandes polos económicos, e as suas atividades - como o trabalho e o estudo - atraem cada vez mais pessoas para estas áreas (Pereira, 2015).

O problema é que a urbanização desconsidera muitas variáveis no seu processo e o planeamento territorial deve conter todo o desempenho económico-funcional das atividades, correlacionando a questão social e o meio ambiente em que está inserido, assim como os recursos naturais que utiliza no desenvolvimento (Angelis Neto e Angelis, 1998). Desta forma, é necessário que as políticas públicas urbanas sejam reformuladas, a fim de que as cidades possam tornar-se sustentáveis (Pereira, 2015).

Considerando o art.º 2 do Estatuto da Cidade[4], a garantia do direito a cidades sustentáveis, é “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Embora ainda seja difícil estabelecer um padrão de sustentabilidade, pois as percepções sobre o tema são distintas, é importante que os gestores públicos realizem o planeamento urbano considerando a opinião dos seus cidadãos, a fim de que o desenvolvimento das cidades resulte também na máxima qualidade de vida dos moradores e no mínimo impacto sobre o meio ambiente, firmando a busca pelo desenvolvimento sustentável (Pereira, 2015).

Para Leite e Awad (2012), a sustentabilidade é o maior desafio do século XXI, pois o consumo exagerado dos recursos naturais, a produção de resíduos, e a utilização dependente de energia, advêm das cidades. Tendo isto em vista, o Ministério do Meio Ambiente recomendou em 2004 novas estratégias para a gestão ambiental, a fim de atualizar os instrumentos existentes com a inclusão de novos indicadores económicos, sociais e culturais, integrando o desenvolvimento com o meio ambiente (CPDS, 2004b). O desafio foi encontrar modelos de política que tivessem equilíbrio entre a economia global, a exclusão social e a deterioração ambiental, além de ter levado em conta tecnologias verdes, aliadas à gestão do território (CPDS, 2004a; Leite e Awad, 2012).

Com a determinação dos princípios de sustentabilidade, o próximo passo foi a reorganização dos sistemas de gestão. Para isto, a inclusão da Agenda 21 Brasileira foi essencial, tendo em vista que este é um instrumento de base para a implementação de políticas públicas, o qual considera a participação da população no planeamento e prioriza ações para se atingir o desenvolvimento sustentável (CPDS, 2004a).

Para auxílio do planeamento, programação e avaliação das políticas e ações da presente Agenda, foi solicitada a implantação, a promoção e a divulgação do uso de sistemas de Indicadores de Sustentabilidade. Nas etapas de diagnóstico e prognóstico eles servem como ferramentas de integração entre as perceções e as dimensões da sustentabilidade, assim como na etapa de implementação, auxiliam na avaliação dos resultados em relação às metas previamente estabelecidas (Malheiros, Philippi e Coutinho, 2008).

Entre os indicadores utilizados para avaliação das 177 Agendas 21 Locais estão os indicadores de processos (similaridades do governo e sociedade, processo participativo com as iniciativas e coordenação da sociedade, periodicidade das reuniões, parcerias e recursos financeiros); e os indicadores de resultados (fortalecimento ou criação de organizações sociais, elaboração de atividades económicas sustentáveis, desenvolvimento de ações ambientais, fortalecimento da gestão pública, número de leis, códigos e decretos de proteção e gestão ambiental por período) (MMA, 2011).

Os indicadores apresentaram as melhorias alcançadas na distribuição de renda, empregos formais, segurança alimentar, redução de emissões, conservação da biodiversidade, combate à pobreza e fontes renováveis de energia (MMA, 2012). Deste modo, ressalta-se a importância da construção de IDS que auxiliem no acompanhamento das evoluções dos sistemas adotados para conquistar a sustentabilidade urbana e possam ser utilizados nos processos de tomada de decisão.

Indicador de desenvolvimento sustentável (IDS)

Indicadores são elementos apresentados de forma quantitativa de modo a permitir uma análise geral do passado e presente de uma determinada região, realizando o acompanhamento e buscando melhorias para o futuro da mesma. Chediek (2013) ainda enfatiza que os indicadores podem servir como fonte de divulgação e monitorização de resultados, assim como no planeamento e na criação de políticas públicas.

Para formular bons indicadores exige-se disponibilidade de dados, uma metodologia padronizada e que a unidade de medida esteja dentro dos padrões conhecidos. Além disto, as informações geradas devem ser acessíveis ao público e serem relevantes para a sociedade, a fim de promoverem discussões acerca do objeto proposto (Bellen, 2006).

Com o crescimento das metrópoles, as consequências negativas sobre o meio ambiente e sobre a população têm-se intensificado, fazendo com que a qualidade de vida, o bem-estar e a felicidade sejam cada vez mais precários. Mesmo com os Objetivos do Milénio (ODM), lançados na ONU no ano 2000, Loures (2009) argumentava que todos os processos de desenvolvimento utilizados no início do século XXI precisavam de mudar imediatamente, considerando todos os riscos e mudanças causadas pela ação antrópica.

Com a introdução na ONU em 2015 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), os negociadores vislumbraram o propósito de estipular um plano de ação para que os países atendessem as metas, minimizando os impactos negativos que estavam sendo exercidos sobre o meio ambiente e a sociedade. Tendo em vista a diversidade e efetividade de indicadores propostos pela ONU, os ODS, no âmbito dos compromissos da Agenda 2030, motivam novos IDS. “Isso significa uma efetiva mudança de paradigma, pois favorece que a sociedade se aproprie dessas informações, sinta-se proprietária e parte dela e, naturalmente, incorpore questões da sustentabilidade no seu cotidiano” (Malheiros, Phlippi e Coutinho, 2008, p. 17).

Para Rabelo e Lima (2007), não há uma forma definitiva para a estruturação de indicadores de sustentabilidade, pois cada um possui as suas próprias características de acordo com a sua natureza, objetivo e localização. Tendo isto em vista, é possível observar a variedade de indicadores globais que têm sido utilizados ao longo dos anos, tais como a Pegada Ecológica[5], o Painel de Sustentabilidade[6] e o Barómetro de Sustentabilidade.[7] Bellen (2006) classifica-os quanto ao seu escopo e esfera de abrangência, conforme apresentado no Quadro 1.

 

 

No Brasil, um dos indicadores mais conhecido é o Indicador de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do IBGE, o qual teve a sua primeira versão em 2002. Nos anos 2004, 2008, 2010 e 2012 foram lançadas as atualizações do primeiro documento, tendo em vista a disponibilização de informações que permitam aos gestores locais monitorizar a sustentabilidade ao nível federal. A sua última alteração foi publicada em 2015, com um grande panorama de informações que podem auxiliar os processos de decisão em políticas de desenvolvimento sustentável (IBGE, 2015).

Cabe destacar que o IDS tem o objetivo de apresentar a situação da sociedade brasileira nas quatro dimensões que o compõe (ambiental, social, económica e institucional). A dimensão ambiental é constituída por dados sobre a preservação e conservação dos recursos naturais, para que as gerações futuras não sofram os impactos da degradação ambiental; já a social corresponde às necessidades do homem, como a qualidade de vida, distribuição de renda, situação social e condições de vida dos cidadãos (IBGE, 2015). A dimensão económica diz respeito à eficiência dos processos produtivos que visam o desenvolvimento económico e financeiro, assim como os impactos que o consumo dos recursos e de energia causam ao meio; por fim, a institucional é a dimensão mais difícil de se medir tendo em vista as suas variáveis de âmbito político, que avaliam a capacidade e a vontade dos gestores pela implementação de medidas voltadas para o desenvolvimento sustentável (IBGE, 2015).

Entretanto, cumpre destacar que os indicadores que não consideram a opinião e os desejos das pessoas podem representar a realidade local de maneira errónea, tendo em vista que os seus resultados não consideram todas as esferas da sociedade na sua estruturação. Por isto, é importante que a construção de indicadores seja realizada de maneira integrada, considerando dados censitários existentes em conjunto com pesquisas ou índices já formulados de maneira complementar.

Ribeiro e Ribeiro (2013) trazem esta argumentação sobre o Índice do Bem-Estar Urbano (IBEU) do INCT-Observatório das Metrópoles do IBGE. O presente indicador considera dados de infraestrutura, habitação e serviços. No entanto, não há informações sobre o lado imaterial do bem-estar como a insegurança, o medo e a felicidade. Além disto, os autores também salientam que na sua estruturação não existe uma dimensão social de bem-estar, a qual poderia estar diretamente relacionada com os processos de segregação das cidades.

Deste modo, a construção do IDS Curitiba proposto neste artigo levou em consideração as dimensões que Ribeiro e Ribeiro (2013) consideram estar em falta, de forma a complementar as informações apresentadas no IBEU, resultando assim da união do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) com o Índice de Felicidade Bruta (FIB) e do de Qualidade de Vida (WHOQOL-BREF). Ressalta-se que foi tido o cuidado de não ocorrer o sombreamento dos três índices utilizados na sua estrutura. Deste modo, o bem-estar apresenta apenas o que a cidade nos fornece em forma física e de serviços. Já a qualidade de vida e a felicidade apresentam a perceção da população, não repetindo o conteúdo dos questionários, e considerando, ainda, uma visão sobre o futuro da cidade no índice de felicidade.

Nesse contexto, quando utilizados de maneira integrada, estes indicadores podem efetivamente representar uma base decisória, e não apenas representativa para novas mudanças. Sendo uma nova proposta de ferramenta de gestão para as cidades, o indicador poder contribuir com o envolvimento da população nas ações governamentais, com a capacitação dos profissionais dos setores públicos e privados, além de auxiliar no desenvolvimento de novas políticas com legitimidade (Malheiros e Assunção, 2000).

Coleta de materiais e métodos

O presente projeto é caracterizado como pesquisa ativa, pois visa elaborar um instrumento para solução de problemas relacionados com o desenvolvimento das cidades. Além disto, é apresentado de forma quantitativa e qualitativa, de modo que a primeira se baseia nos resultados de entrevistas e dados bibliográficos, enquanto a segunda considera as opiniões dos moradores em relação à sua percepção com o meio em que vivem.

O IDSCURITIBA representa uma medida para avaliação do desenvolvimento das cidades com o propósito de se alcançarem metas mais sustentáveis para as mesmas. Ele foi desenvolvido de forma a compor não apenas dados censitários, mas também a percepção das pessoas referente ao seu presente e aos desejos futuros. Tendo isto em vista, é formado por três índices: qualidade de vida, bem-estar e felicidade.

O World Health Organization Quality of Life (WHOQOL)[8] foi criado para avaliar a qualidade de vida da população, sendo um instrumento passível de comparação em diferentes escalas e regiões. Pretendendo utilizar a perceção da população frente à novas ações e políticas governamentais, o instrumento adotado para monitorizar as mudanças foi o WHOQOL-BREF, composto por 26 questões subdividas em aspectos físicos, psicológicos, relações sociais, meio ambiente, autoavaliação, mobilidade e condições ambientais.

O Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU Municipal) foi desenvolvido pelo INCT-Observatório das Metrópoles em 2013 para avaliar a dimensão urbana do bem-estar no Brasil e nas principais regiões metropolitanas, estando relacionado com o ambiente construído da cidade, seja pela habitação e vizinhança ou pelos serviços e equipamentos urbanos ao dispor da população (Ribeiro e Ribeiro, 2013).

O IBEU Municipal já foi aplicado em mais de 5 500 municípios brasileiros, a fim de apresentar o quadro geral das condições urbanas do país. Este indicador é composto por 45 variáveis, estando subdivididas nas dimensões de mobilidade urbana, condições ambientais, condições habitacionais, condições de serviços coletivos e infraestrutura urbana.

Por fim, o Indicador de Felicidade Interna Bruta (FIB)[9] foi criado em 2009 com a visão de se medir a felicidade da população como forma de desenvolvimento. Referido pela sigla inglesa GNHI, trata-se do principal e pioneiro indicador oficial do Reino do Butão, na Ásia, o qual foi elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) com um total de 249 questões.

Estão subdivididas nos seguintes aspetos: bem-estar psicológico, saúde, uso do tempo, vitalidade comunitária, educação, cultura, meio ambiente, governança e padrão de vida. No Brasil, este método foi dado a conhecer em 2009, com a realização da 5.a Conferência Internacional sobre Felicidade Interna Bruta. No entanto, a utilização deste índice não é oficial no país, tanto que para a sua aplicação foi necessária a seleção de perguntas para se enquadrarem na realidade brasileira, visto que este instrumento foi estruturado especificamente para a realidade do Butão. Dentre as questões, foram selecionadas 14 para aplicação na cidade de Curitiba, considerando pelo menos uma de cada dimensão formadora do FIB.

Para apurar o resultado do IDSCURITIBA, primeiramente foi necessária a padronização das escalas dentre os três indicadores. Definiu-se a escala de Likert para avaliação dos dados, tendo em vista o seu emprego na medição de perceção e interesses pessoais (Silva Junior e Costa, 2014). Com uma variação de 1 a 5, onde quanto maior mais próximo de se alcançar o desenvolvimento sustentável, os seus resultados podem ser observados no quadro 2.

 

 

Com a obtenção dos resultados em escala padronizada, pôde-se realizar a identificação do IDS. A média do somatório dos índices de qualidade de vida, bem-estar urbano e felicidade interna bruta, resultará no IDSCURITIBA, conforme a fórmula apresentada abaixo:

 

 

Destaca-se que para a obtenção dos resultados do presente método foi necessária a aplicação de questionários sobre a qualidade de vida (WHOQOL-BREF) e sobre a felicidade (FIB). Tendo em vista que o estudo piloto foi desenvolvido em Curitiba, realizou-se a amostragem da população por intermédio da fórmula do cálculo de amostras para populações infinitas de Gil (2008) para cada uma das aplicações. Tanto o WHOQOL-BREF quanto o FIB resultaram em 385 questionários estratificados entre os bairros da cidade (GIL, 2008). Porém, visando a necessidade do arredondamento para números inteiros, o total obtido para a aplicação foi de 425 questionários cada (Ferentz, 2017 e 2018).

Dentre os bairros de Curitiba, aqueles que tiveram a maior quantidade de entrevistados pela estratificação foram Cidade Industrial (38), Sitio Cercado (26) e Cajuru (21), representando 4% dos bairros com mais de 20 questionários. Em contrapartida, 13,3% dos bairros tiveram entre 10 e 19 entrevistas e 82,7% menos de 10. Destaca-se ainda que também foi necessária a adaptação dos dados do índice de bem-estar (IBEU) para a nova escala. O quadro 3 apresenta o resumo dos componentes que formam o Indicador de Desenvolvimento Sustentável (IDS) proposto.

 

 

Análise dos resultados

A estrutura do Indicador de Desenvolvimento Sustentável segue a mesma premissa dos estudos propostos pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CSD) da Organização das Nações Unidas (ONU, 2001) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008), de tal forma que a metodologia permite que os índices sejam comparados, independentemente do tempo ou do local que sejam aplicados, podendo ser analisados em conjunto ou separadamente, sendo referência para formulação de políticas públicas, desenvolvimento de mapas e zoneamentos, programas e ações locais (IPARDES, 2010).

Com a aplicação dos questionários de Qualidade de Vida (WHOQOL-BREF) e Felicidade Interna Bruta (FIB), assim como com a realização da compilação dos dados do Índice de Bem-Estar (IBEU), foi possível identificar os resultados em cada um dos indicadores. A figura 2 apresenta a síntese de evolução dos três indicadores utilizados como base estrutural do IDS.

 

 

Pode-se analisar que os dois indicadores que utilizam avaliação qualitativa, com a percepção da população (WHOQOL-BREF e FIB), possuem resultados de satisfação menores que o do IBEU Municipal apurado no censo. Destaca-se também que a partir dos dados levantados, foi possível elaborar a caracterização dos entrevistados para a elaboração do IDS, sendo composto por 51,15% de mulheres e 48,85% de homens, com uma faixa etária variando de 18 a 80 anos, conforme é apresentado na figura 3.

 

 

Com a aplicação dos questionários foi possível encontrar os resultados gerais e individuais (por dimensão) de cada indicador, sendo avaliadas a partir da escala de Likert com variação de 0 a 5. A média geral de qualidade de vida foi de 3,62, com uma variação de quase 30% entre as respostas dos entrevistados. Dentre os domínios, o menor resultado ocorreu em meio ambiente (3,43) seguido de relações sociais (3,65), os quais apresentam questões como poluição, oportunidades de lazer, segurança e recursos financeiros (Ferentz, 2017).

Os domínios que apresentaram os maiores resultados foram o físico e o psicológico (3,71) e da autoavaliação da qualidade de vida (3,77), onde as melhores pontuações trataram de assuntos como o sentido da vida, a locomoção, a satisfação com amigos e familiares e a própria autoavaliação da qualidade de vida. Destaca-se que por meio do WHOQOL-BREF foi possível identificar que apenas 45,3% dos bairros da cidade de Curitiba são considerados com qualidade de vida “boa”, estando o restante enquadrado como “regular”, de acordo com os respondentes (Ferentz, 2017).

Diferentemente dos outros dois indicadores, o índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) teve a obtenção dos resultados da cidade de Curitiba adquiridos por meio da tabela “dados gerais do IBEU Global bairros (áreas de ponderação)”. A média geral obtida foi de 4,34, com uma variação de 6,54%. Dentre os setores, os que tiveram menores resultados foram os de presença de rampa de acesso, calçadas (passeios), arborização e presença de meio fio (guia), enquanto os melhores resultados foram sobre atendimento de água e de lixo, domicílios com espécie adequada e esgoto a céu aberto. Dentre os domínios, o que apresentou o menor resultado foi o de infraestrutura (3,75), seguido por mobilidade (4,25), condições ambientais (4,40), condições habitacionais (vivendas) (4,50) e condições de serviços coletivos (4,80).

Já a felicidade permaneceu com uma média de 3,60, com uma variação de 6,04%. Para este indicador o domínio da governança apresentou o menor resultado (1,87), seguido pelo de vitalidade comunitária (participação cívica) (2,87), bem-estar psicológico (3,12) e saúde (3,35). Estes dados refletem a realidade do país sobre a insatisfação com os governos federal, estadual e municipal ao abordar a temática de combate a corrupção. Além disto, as demais problemáticas referiram-se a melhorias educacionais, dos serviços de saúde e da energia elétrica, a qual tem sofrido uma série de aumentos nos últimos anos (Ferentz, 2018).

Em contrapartida, as melhores pontuações foram das dimensões de padrão de vida (3,94), uso do tempo (4,03), meio ambiente (4,31), educação (4,45) e cultura (4,51). Dentre as questões, as maiores pontuações abrangeram estes dois últimos domínios ao considerar discussões sobre o respeito das crianças pelos pais e pelos mais velhos, honestidade e disciplina. É importante ressaltar que por meio do FIB foi possível identificar que apenas 24% dos bairros da cidade de Curitiba são considerados como “feliz”, enquanto que o restante foi enquadrado como “regular” pelos respondentes (Ferentz, 2018). A figura 4 apresenta um resumo da evolução das questões abordadas em cada um dos indicadores utilizados como base estrutural do IDS.

 

 

Observa-se que dentre os índices o que apresentou menor valor foi o de felicidade (3,60). Ressalta-se que ele aborda assuntos sobre corrupção, trabalho, educação, meio ambiente e confiança pelo próximo. A qualidade de vida obteve resultados bem próximos da felicidade (3,62) e considera questões de segurança, saúde e mobilidade. Já o bem-estar foi o índice com o maior resultado (4,34), com informações sobre a estrutura física da cidade. O quadro 4 apresenta o resumo dos resultados dos domínios dos índices pelo qual o indicador é subdividido.

 

 

A média da soma dos três índices resultou no IDSCURITIBA, com um total de 3,85. Este resultado classifica-se entre “regular” e “bom”, conforme a escala de Likert de 5 pontos. A partir desses resultados, foi criado o mapa de desenvolvimento sustentável da cidade, conforme apresentado na figura 5.

 

 

Ao analisar o desenvolvimento sustentável da população pelo género dos entrevistados, tem-se um resultado muito próximo entre homens e mulheres, de tal forma que a média para o género feminino foi de 3,40 enquanto para o masculino foi de 3,50, ambos entre a classificação “regular” e “bom”. Igualmente, ao considerar o indicador pela idade, a variação foi baixa entre as faixas etárias até 50 anos, com 3,41 até 25 anos e 3,44 até 50 anos. O resultado para as pessoas acima de 50 anos foi de 3,58. Não obstante todas as idades se encontrarem entre a classificação “regular” e “bom”, é possível inferir que quanto maior a faixa etária, mais as pessoas consideram que possuem qualidade de vida e felicidade no seu meio de vida.

Cabe destacar que o IDSCURITIBA é um instrumento inédito, sendo sua primeira aplicação realizada durante o desenvolvimento desta pesquisa. Deste modo, não foi possível desenvolver uma comparação temporal direta entre os bairros ou em cada item pertencente à sua estrutura. Ainda assim, a análise comparativa foi realizada entre todos os bairros da cidade a partir das informações coletadas no período estudado.

Como a amostra piloto do presente trabalho foi aplicada numa cidade reconhecida por projetos sustentáveis, esperava-se que o IDS resultasse numa classificação entre “bom” e “ótimo”. Porém, podemos observar que algumas regiões se enquadram na classificação “ruim” e “regular”, de forma que seriam estas as que precisam de receber mudanças de forma prioritária, com auxílio das políticas públicas. Vale a pena destacar que 84% da cidade se enquadra na classificação “bom”, seguindo-se o nível ótimo, sendo um resultado incentivador para a aplicação de novas ações que possibilitem o alcance do resultado máximo de sustentabilidade urbana.

Além da análise quantitativa, com a qual foi possível identificar os níveis de classificação da cidade, assim como a identificação dos bairros que precisam de mudanças prioritárias, também é possível usufruir da análise qualitativa. Este mesmo tipo de análise, que considera a perceção dos cidadãos, já foi realizado em diversas cidades do mundo, como por exemplo no Porto, no Norte de Portugal. Em 2005 a Câmara Municipal realizou um projeto para avaliar a qualidade de vida dos moradores, considerando a opinião de 2400 pessoas. Embora as metodologias sejam distintas, ambos os projetos consideraram informações sobre habitação, segurança, meio ambiente e transporte, destacando a percepção das pessoas perante a cidade (Santos, Martins e Brito, 2005).

Ao considerar a visão das pessoas na busca de soluções para os problemas da cidade, é possível encontrar respostas de forma mais rápida e efetiva. Isto foi percetível com a realização das entrevistas sobre qualidade de vida e felicidade na cidade de Curitiba, onde houve muitas ideias e pedidos de mundança por parte dos moradores, os quais apontaram situações considerando os diversos setores da sociedade.

As falhas nos sistemas de saúde, educação, segurança e mobilidade, assim como os pedidos para mais capacitações, aumento do salário mínimo, castração de animais e inserção de moradores de rua na sociedade, foram algumas das questões citadas. Mas tais mudanças não devem ocorrer apenas na parte física da cidade. Segundo a opinião da população de Curitiba, a principal mudança deve ocorrer primeiramente na população. Muitos afirmaram que são as pessoas que precisam de mudar, que existe a necessidade de mais educação no dia-a-dia, mais simplicidade, mais igualdade e também do resgate de valores que vêm sendo esquecidos (Ferentz, 2017 e 2018).

Ressalta-se que a insatisfação dos respondentes perante a cidade é bem visível, destacando-se a seguinte afirmação: “Curitiba não é mais uma cidade exemplo”. Os moradores que vivem na cidade há mais de 20 anos conseguem analisar o quanto as “inovações” do passado estão degradadas e sem evolução, como o caso do transporte público citado por Aldres (2016). As pessoas conhecem o que falta nas suas comunidades e sabem quais são os principais problemas que as cercam. Então, por que não utilizar a informação daqueles que realmente podem fazer a cidade desenvolver-se?

Ao permitir que a população participe nas tomadas de decisões, no que se refere ao investimento que cada bairro da cidade tem a receber, os principais problemas locais podem ser solucionados de forma ágil, economizando tempo e recursos financeiros. Espera-se que, a partir do momento em que os problemas prioritários são resolvidos, as políticas públicas se voltem a favor da qualidade de vida, do bem-estar e da felicidade da população, aumentando a satisfação declarada das pessoas para com a situação e, possivelmente, extensiva ao governo, aproximando-se do equilíbrio tão desejado entre o homem e o meio ambiente.

Conclusão

O presente artigo teve o objetivo de apresentar uma nova proposta de formulação de um instrumento que auxilie no planeamento, monitorização e avaliação das decisões tomadas pelos gestores nas cidades. O Indicador de Desenvolvimento Sustentável elaborado e aplicado na cidade de Curitiba (IDSCURITIBA) teve a sua estrutura formada pelos métodos de qualidade de vida (WHOQOL-BREF), bem-estar urbano (IBEU Municipal) e felicidade interna bruta (FIB), a fim de considerar não apenas dados estatísticos, mas também a perceção da população como forma de análise.

Com um total de 850 entrevistas integradas aos dados censitários, foi possível avaliar cada bairro da cidade de Curitiba. A partir dos resultados pode-se analisar que 12 bairros se enquadraram na escala de classificação “regular”, sendo estes os prioritários para aplicação de medidas que os ajude a alavancar os seus índices e irem ao encontro do padrão de desenvolvimento sustentável das demais regiões da cidade. De entre as ações a serem tomadas, a maior parte exige melhorias na iluminação pública para segurança, novos parques e áreas verdes, programas de despoluição de rios e maiores oportunidades de ensino e trabalho para as pessoas de baixa renda.

É possível observar que a cidade está a evoluir constantemente, de tal modo que alguns cenários apontados pelos moradores começam a mudar. Como exemplo, tem-se o caso da segurança que foi apontada por diversos respondentes da pesquisa. Com os investimentos do governo do Estado, Curitiba tem melhorado todos os anos os seus índices de criminalidade, como pode ser observado no Atlas da Violência de 2018 do Instituto de Pesquisa Económica e Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A capital paranaense ficou entre as 6 primeiras cidades com as menores taxas de mortes violentas no Brasil.

Outras mudanças das externalidades que já se podem perceber referem-se à política. Grandes operações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal e Estadual têm investigado servidores públicos e condutas que contradizem o perfil esperado pelo país. O que há alguns anos parecia impossível acontecer, hoje a população já começa a ver a prisão e bloqueio de bens de empresários e pessoas públicas.

Em contrapartida, eternizam-se os problemas com os sistemas básicos de educação e saúde devido à falta de vagas em creches e escolas, médicos e leitos de hospitais, além da demora das filas de atendimento pelas quais muitas pessoas têm de passar para realizar exames médicos e cirurgias. O transporte público também não apresenta grandes evoluções, restringindo a mobilidade, forçando muitas pessoas a optar pelo uso de veículos particulares.

Em relação à problemática não resolvida da mobilidade urbana indicaram-se três fatores principais: (i) o aumento dos investimentos em ciclovias para que as pessoas possam locomover-se com segurança, mais saúde e economia financeira; (ii) o investimento no transporte público, melhorando a acessibilidade e a eficiência do sistema para que a prioridade seja dada aos autocarros em detrimento dos veículos particulares; e por fim, (iii) a reativação da linha férrea até ao centro da cidade nos horários de maior movimento (início da manhã e fim da tarde), como opção de transporte público, já existente.

Muito embora alguns aspetos tenham melhorado com o auxílio governamental e outros nem tanto, sobressai a importância da utilização do IDSCURITIBA para gerar melhorias para a cidade por meio da perceção da população. Com a pesquisa qualitativa as pessoas puderam opinar sobre como ajudar a cidade a desenvolver-se de uma maneira sustentável, equilbrando os aspectos económicos, culturais, sociais e ambientais.

Em relação ao meio ambiente e urbanismo, algumas pessoas citam a necessidade de áreas de lazer nos bairros, tendo em vista que a maior parte dos parques de Curitiba se encontra na região norte, cujo deslocamento até estas áreas se torna inviável. Nestes casos, as soluções apontadas são a revitalização de áreas abandonadas e de terrenos vazios, hoje sob o risco de se tornarem pontos de consumo e tráfico de drogas ilícitas e descarte irregular de resíduos, gerando insegurança e desconforto nos moradores. Outro ponto destacado foi a mudança cultural que favoreça programas para animais abandonados. Neste caso é possível que em breve alguma atitude seja tomada, com projetos para construção de um hospital veterinário público para a cidade.

Por fim, de entre os aspetos sociais e culturais, as ideias mais frequentes tratam da (i) disponibilidade de cursos técnicos gratuitos para adolescentes e atividades lúdicas para crianças nos períodos diferentes do horário escolar, a fim de mantê-los focados em atividades que contribuam para o seu desenvolvimento e os afastem da criminalidade; e (ii) início de campanhas que ajudem tanto a combater o preconceito social quanto incentivem boas atitudes, humildade e gentileza perante as outras pessoas. Este ponto foi levantando por diversos moradores devido à reconhecida característica atribuída aos curitibanos ao demonstrarem um trato social mais reservado do que o brasileiro médio.

Com estes exemplos é possível observar a riqueza de ideias que os próprios moradores têm para o contributo do desenvolvimento da cidade, bastando que haja uma iniciativa local de inclusão de pesquisas qualitativas complementares. Este modelo de integração de perspetivas pode não ser algo concreto atualmente devido ao tempo de coleta de informações e tratamento de dados. No entanto, com o aperfeiçoamento dos modelos existentes de forma a que as perguntas sejam de entendimento mais simples, é possível incluir o tipo integrado de análise como indicadores oficiais de base para elaboração de planos e ações oficiais.

Por fim, vale citar que em nenhum momento as pessoas que responderam aos questionários se mostraram indisponíveis para participar e revelar as suas opiniões sobre as problemáticas e evoluções de Curitiba. Isto comprova o interesse dos moradores em fazer parte dos processos de decisão da cidade. Com o empoderamento da inclusão da percepção da população, ocorre o natural aumento da satisfação das pessoas em relação ao lugar onde vivem, bem como a aproximação das comunidades aos seus governantes. Com isto, conclui-se que o IDSCURITIBA é um instrumento que pode ser utilizado tanto no planeamento quanto na gestão urbana, sendo uma mostra de que é possível realizar mudanças assertivas, resultando também em eficiência económica para os cofres públicos com rapidez na identificação e resolução dos problemas dos bairros das cidades.[10]

 

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Recebido a 23-04-2018. Aceite para publicação a 03-10-2019.

 

[1] O Núcleo Urbano Central é caracterizado como uma única cidade metropolitana, tendo dinâmica urbana, económica e social própria, além de uma gestão de interesses em comum.

[2] A Rua XV de Novembro, também conhecida como Rua das Flores, está localizada no centro da cidade de Curitiba, sendo famosa por ter sido o primeiro “calçadão” (passeio para peões) do Brasil. Foi construída em pedra petit-pavé, sendo utilizada como sítio de apresentação de ícones culturais da cidade. Também é possível encontrar empreendimentos históricos e ainda o “Bondinho da Leitura”, um eléctrico desativado com uma biblioteca pública em seu interior).

[3] Estações-tubo são paradas de ônibus (paragens de autocarros) as quais receberam este nome devido seu formato. Elas permitem que os passageiros possam transitar por toda a extensão do veículo sem precisar utilizar escadas (ADLER, 2016).

[4] A Lei Federal 10.257 de 2001, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

[5] Global Footprint Network. Footprint Calculator. Disponível em https://www.footprintcalculator.org.

[6] IISD - International Institute for Sustainable Development. Aggregated indices. Canada: 1999 e 2005. Disponível em https://www.iisd.ca/cgsddi/indeices.htm.

[7] PRESCOTT-ALLEN, R. Barómetro de la sostenibilidad: medición y comunicación del bienestar y el desarrollo sostenible. UICN, 1997.

[8] É possível calcular a qualidade de vida utilizando cinco métodos distintos: WHOQOL-100 (completo), WHOQOL-BREF (abreviado), WHOQOL-HIV (portadores do vírus HIV), WHOQOL-SRPB (espiritualidade, religião e crenças pessoais) e WHOQOL-OLD (idosos).

[9] O conceito surgiu no Butão, em 1972, de tal modo que os governantes do país não consideram apenas o desenvolvimento econômico para se medir a riqueza local, mas também questões sociais e ambientais apoiado na metodologia de medida multidimensional Alkire-Foster (Fonte: Oxford Poverty & Human Development Initiative https://ophi.org.uk/policy/national-policy/gross-national-happiness-index/).

[10] O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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