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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.31 no.1 Lisboa jan. 2013

 

A disfunção sexual em homossexuais masculinos: Potencialidades e desafios

Ana Garrett* e Mónica Sousa

* Centro de Investigação e Intervenção Social, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

Correspondência

 

RESUMO

Neste artigo efectuou-se uma revisão da literatura sobre a etiologia, a prevalência, o diagnóstico e o tratamento das disfunções sexuais em homossexuais masculinos, destacando as principais fragilidades, os desafios e as lacunas que revestem esta temática. A síntese e integração dos principais desenvolvimentos teóricos e empíricos da literatura científica, nacional e internacional, sublinha que os estudos que abordam esta temática são escassos e apresentam resultados pouco consistentes e por vezes contraditórios. A literatura revela, ainda, a inexistência de critérios clínicos específicos, de programa de reabilitação ou de modelos de actuação para a disfunção sexual no campo da homossexualidade, pois estes centram-se no referencial teórico e prático dos heteros sexuais e renegam para segundo plano as necessidades e especificidades da população homossexual. Por fim, e de modo a potenciar o desenvolvimento de mais pesquisas nesta área, são ainda dadas algumas sugestões para ulteriores trabalhos.

Palavras-chave: Disfunção sexual, Homossexualidade, Reabilitação sexual, Sexualidade.

 

ABSTRACT

This paper was carried out a review of the literature on the etiology, prevalence, diagnosis and treatment of sexual dysfunction in male homosexuals, highlighting the main weaknesses, challenges and gaps that cover this topic. The synthesis and integration of the main theoretical and empirical developments in the scientific literature, national and international stresses that studies addressing these issues are scarce and present results inconsistent and sometimes contradictory. The literature also reveals the lack of specific clinical criteria, a rehabilitation program or models of action for sexual dysfunction in the field of homosexuality because they focus on theoretical and practical heterosexual and denies the need for background and specificity of the homosexual population. Lastly, in order to promote the development of further research, we suggest further investigations.

Key-words: Erectile dysfunction, Homosexuality, Sexual rehabilitation, Sexuality.

 

INTRODUÇÃO

Pertinentes e fulcrais avanços empíricos e científicos na área das disfunções sexuais têm ocorrido em Portugal (Carvalho & Nobre, 2010; Nobre, 2006; Quinta Gomes & Nobre, 2011), embora com particular prejuízo para a população Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero (LGBT). Tal como no contexto nacional, estudar pessoas LGBT é algo pouco frequente no panorama da literatura internacional (Kuyper & Vanwesenbeeck, 2011), podendo ser um reflexo da validação da comunidade científica relativamente às imagens da cultura popular (Frazão & Rosário, 2008).

Este artigo de revisão tem como objectivo sintetizar e integrar os principais desenvolvimentos teóricos e empíricos da literatura científica, nacional e internacional, em torno da disfunção sexual em gay’s, dando particular destaque à etiologia, à prevalência, ao diagnóstico e ao tratamento dessa problemática. Procura, assim, contribuir para o contínuo avanço científico desta temática através do debate das suas fragilidades, bem como, das suas potencialidades. Paralelamente, serão ainda dadas possíveis sugestões para ulteriores trabalhos que visem o aprofundamento do conhecimento da temática em análise.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo constitui uma revisão da literatura (Fernández-Ríos & Buela-Casal, 2009), elaborada entre Junho de 2011 e Janeiro de 2012, através de uma pesquisa nas bases de dados Pubmed (Medline), Scopus, ISI Web of Knowledge, SAGE, Science direct, EBSCO, PsycARTICLES e SciELO. Como complemento foi consultado o site da Classificação Internacional de Doenças e as bibliotecas do Instituto da Universidade de Lisboa (ISCTE-IUL) e da Universidade de Aveiro. As palavras-chaves utilizadas foram as seguintes: “gay”, “homosexuality”, “sexual orientation”, “sexuality”, “sexual satisfaction” e “sexual dysfunction”. Por se considerar ser de extrema pertinência evidenciar os estudos efectuados a nível nacional, adicionalmente, integrámos nesta pesquisa uma tese de doutoramento que visou a construção de uma matriz de intervenção clinica para a reabilitação da sexualidade.

Foram excluídos os artigos encontrados em duplicado, as cartas de respostas a artigos e os artigos que não apresentavam qualquer referência à sexualidade e à disfunção sexual de heterossexuais ou homossexuais masculinos; foram incluídos nesta revisão os artigos que estavam disponíveis “online”, constituindo a leitura analítica e integral de cada estudo o corpus que delimitou o material de análise para a revisão da literatura.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A pesquisa sobre a temática da disfunção sexual em homossexuais resultou em 39 artigos, três livros e uma tese de doutoramento, que serão analisados e discutidos em consonância com os núcleos temáticos identificados.

DISFUNÇÃO SEXUAL EM HOMOSSEXUAIS

Até a um passado recente e no que concerne à saúde sexual, pouca atenção formal foi dirigida à população LGBT, adoptando a comunidade científica uma postura de afastamento (Bhugra & Wright, 2007; Kuyper & Vanwesenbeeck, 2011; Zamboni & Crawford, 2007). Uma revisão da literatura publicada entre 1980 e 1999 confirma o reduzido interesse dos investigadores nesta temática, uma vez que, de um universo de 3777 artigos, apenas 15 se centram na disfunção sexual de pessoas LGBT (Boehmer, 2002). Contudo, a maioria dos estudos que incidem sobre esta temática, baseiam-se na heteronormatividade (Hart & Schwartz 2010; Safren & Rogers, 2001), o que releva a existência de uma separação artificial entre a disfunção sexual de heterossexuais e a de homossexuais.

Com o aprofundamento do conhecimento em torno da sexualidade, a identificação das diferenças entre os heterossexuais e os homossexuais, tornou-se uma realidade, atribuindo a cada uma das orientações sexuais aspectos particulares, bem como aspectos comuns (Mao et al., 2009; Sandfort & de Keizer, 2001).

No que diz respeito às diferenças entre os homossexuais e os heterossexuais, Bancroft, Janssen, Strong e Vukadinovic (2003) referem o número de parceiros sexuais e a idade das primeiras dificuldades de cariz sexual. O mesmo autor destaca ainda outras variáveis que não se aplicam aos heterossexuais, mas que influenciam negativamente a sexualidade dos homossexuais, designadamente, o stress minoritário, o ocultar da orientação sexual e as experiências de discriminação e rejeição. Bell (1999) aponta também outra diferença, as hemorróidas causadas pela dilatação do plexo venoso anal. As investigações realçam, ainda, que os casais homossexuais, comparativamente aos casais heterossexuais, apresentam com maior frequência dificuldades erécteis (Bancroft et al., 2003) e ejaculação prematura (Laumann, Paik, & Rosen, 1999).

Todavia, nas investigações levadas a cabo por Bancroft, Carnes, Janssen, Goodrich e Long (2005) e por Kuyper e Vanwesenbeeck (2011), os resultados sugerem a inexistência de diferenças significativas entre a satisfação sexual ou a disfunção sexual entre homossexuais ou heterossexuais.

Recentemente, começa-se a ponderar que a disfunção sexual em homossexuais masculinos pode estar associada a uma multiplicidade de factores, designadamente, biológicos, sociais (idade, desemprego, stress, estigma social, suporte social, heterosexismo, relação conjugal), físicos (decréscimo da actividade física devido a doenças crónicas), psicológicos (depressão, ansiedade e homofobia internalizada) e comportamentais (álcool, drogas e comportamentos sexuais de risco) (Bhugra & Wright, 2004, 2007; Lau, Kim, & Tsui, 2008; Mao et al., 2009).

A literatura propõe que os estereótipos sociais e a discriminação social coloquem os homossexuais masculinos numa posição de vulnerabilidade psicológica que se poderá expressar através da ansiedade e do afecto deprimido, podendo repercutir-se negativamente no seu desempenho sexual (Mao et al., 2009), na diminuição do desejo sexual e em dificuldades de erecção (Bancroft et al., 2005). No mesmo sentido, vários estudos têm evidenciado uma associação entre a discriminação e o incremento de problemas de ordem sexual, com a diminuição da qualidade da relação conjugal (Otis, Rostosky, Riggle, & Hamrin, 2006; Zamboni & Crawford, 2007). Todavia, os estudos que procuram averiguar o efeito dessas respostas emocionais no funcionamento sexual são escassos e apresentam resultados pouco consistentes e por vezes contraditórios. Uma análise mais atenta da metodologia utilizada nos diferentes estudos permite, no entanto, verificar que a diversidade dos resultados pode ser uma consequência do tamanho da amostra e da multiplicidade das metodologias adoptadas (Sandfort & Keizer, 2001).

No que respeita à homofobia internalizada, uma investigação recente apresenta correlações positivas entre a homofobia internalizada e a depressão, e correlações negativas entre a homofobia e a satisfação sexual e a homofobia e o coming out (Rosser, Bockting, Ross, Miner, & Coleman, 2008). Tem também sido assinalada a associação da homofobia internalizada com a diminuição da atracção e da satisfação na relação de casais do mesmo sexo, culminado no seu deterioramento (Mohr & Daly, 2008). No mesmo sentido, Kuyper e Vanwesenbeeck (2011), consideram que a homofobia internalizada é um importante preditor da saúde sexual, particularmente no que concerne à satisfação sexual e à disfunção sexual.

Embora, teoricamente, se conceba a influência da homofobia internalizada no contexto sexual, são escassos os estudos que averiguam e concluem a sua influência directa na sexualidade dos homossexuais.

Para além desta relativa inconsistência do efeito dos factores psicológicos e sociais na resposta sexual, fica ainda por esclarecer o efeito directo dos comportamentos aditivos, em particular o consumo de álcool e de drogas, no decorrer da actividade sexual (Zamboni & Crawford, 2007).

Uma outra área de investigação no campo da disfuncionalidade sexual é a influência do HIV. Alguns estudos revelam que o tratamento farmacológico para o HIV contribui para a disfunção sexual, com particular incidência na disfunção eréctil e na ejaculação prematura (Cove & Petrak, 2004; Shindel, Horberg, Smith, & Breyer, 2011).

O comportamento sexual de risco está, de igual modo, implicado na disfunção eréctil nos gays, uma vez que a utilização do preservativo é, frequentemente, associada à redução do prazer sexual e ao aumento das dificuldades na erecção (Adam, 2005).

PREVALÊNCIA

O conhecimento produzido em torno desta temática permanece manifestamente insuficiente no que concerne à etiologia e à prevalência das disfunções sexuais nesta população minoritária, contudo, os raros estudos de prevalência aventam que 97.5% dos gays afirmam ter tido algum tipo de disfunção sexual no decurso da sua vida e 52.5% referem que este evento é uma das suas preocupações actuais (Bhugra & Wright, 1995). Noutros estudos as disfunções sexuais apresentam uma prevalência entre 42.5% (Lau et al., 2008) e 49.1% (Lau, Kim, & Tsui, 2006). A literatura sugere que a ordem da prevalência das disfunções sexuais ocorre em primeiro lugar com a disfunção eréctil, a aversão à penetração anal, a disfunção orgástica, a ejaculação prematura e a perturbação do desejo sexual hipoactivo, sendo esta última a menos comum (Rosser, Metz, Bockting, & Buroker, 1997). No estudo de Lau e colaboradores (2006), 3.6% dos participantes relataram dor na penetração anal e 21.8% ejaculação prematura. Num outro estudo levado a cabo pelos mesmos investigadores, os resultados apontaram para ejaculação prematura (18.7%), dor na penetração anal (13.8%), ausência de prazer (13.8%), perturbação do desejo sexual hipoactivo (8.3%), problemas erécteis (6.3%) e anorgasmia (5.6%) (Lau et al., 2008).

Os estudos que analisam esta problemática na população portuguesa são ainda escassos. Todavia, Vendeira Pereira, Tomada e LaFuente em 2011, realizaram um dos estudos mais significativos em termos epidemiológicos realizado em Portugal, o estudo EPISEX-PT da Sociedade Portuguesa de Andrologia. Esta investigação contou com uma amostra aleatória de 1250 homens, com idades compreendidas entre os 18 e 75 anos, e procurou, não só determinar a prevalência das disfunções sexuais, como caracterizá-la sob o ponto de vista demográfico, sociológico e clínico. Embora os principais resultados deste estudo não se diferenciem de outros estudos desenvolvidos também Portugal ou no estrangeiro, há a salientar algumas limitações metodológicas, particularmente o facto da orientação sexual ser categorizada exclusivamente como heterossexual e parcial ou exclusivamente homossexual, sendo que 16.6% dos participantes optaram por não responder a esta questão. Pondera-se que nesta percentagem de ausência de resposta poderemos, eventualmente, encontrar indivíduos que ainda não efectuaram o coming out, não se auto-identificando como homossexuais. Esta limitação encontra-se, também, presente noutros estudos que se restringem a amostras constituídas somente por indivíduos que se assumem como homossexuais (Neville & Henrickson, 2006, 2008). Outro dado a salientar, é o recurso a instrumentos que incluem itens unicamente associada à penetração vaginal.

Nesta investigação os inqueridos que se auto-identificaram como sendo parcial ou exclusivamente homossexual (6.4%) referiram problemas relacionados com o desejo (1.5%), com a erecção (0.8% eram parcialmente homossexuais) e com a ejaculação (cerca de 1.9% eram parcialmente homossexuais e 0.9% exclusivamente homossexuais).

Para Hacioglu, Cosut Cakmak e Yildirim (2011), serão necessários mais estudos epidemiológicos para atingir uma sólida compreensão desta problemática na sua globalidade, de forma a determinar a sua incidência e as suas causas, para assim, desenvolver com maior precisão e detalhe modelos e estratégias de actuação específicas para esta população minoritária.

SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO

A definição adoptada pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais IV – Texto Revisto (DSM IV – TR) (APA, 2006) e pelo Classificação Internacional de Doenças (CID – 10) (WHO, 2005) para as disfunções sexuais, tem sido severamente criticada e colocada em causa, uma vez que a classificação utilizada está exclusivamente associada à penetração vaginal (Vroege, Gijs, & Hengeveld, 1998), não existindo termos equivalentes para a penetração pénisânus (Bhugra & Wright, 2007). O mesmo sucede com a definição adoptada em 2008 pela Sociedade Internacional da Medicina Sexual (Jern et al., 2010) e com os guidelines da Associação Europeia de Urologia (Hatzimouratidis et al., 2010) para o diagnóstico e tratamento da disfunção eréctil e ejaculação prematura.

A investigação que sustenta todos estes sistemas de classificação baseia-se em amostras constituídas unicamente por heterossexuais e, consequentemente, direccionada para o coito vaginal, negligenciando a ocorrência da ejaculação prematura e a dor genital durante a actividade sexual, também presentes nos homossexuais (Vroege et al., 1998). Estes pressupostos culminam na ausência de um diagnóstico específico para essa população (Jern et al., 2010). No entanto, as diferenças existentes nas disfunções sexuais entre homossexuais e heterossexuais enaltecem a inadequabilidade da conceptualização de um diagnóstico universal (Jern et al., 2010; Mao et al., 2009).

A falta de consenso na definição e operacionalização das disfunções sexual em gays pode estar relacionada com o facto dos poucos estudos que abordam esta temática se centrarem na disfunção eréctil ou na ejaculação prematura, sendo raros os estudos que exploram outras disfunções sexuais nesta população (Mao et al., 2009) ou que aprofundem a dor no sexo anal, muito frequente em gays e bissexuais (Hollows, 2007).

Recentemente, uma investigação pioneira levada a cabo pelos investigadores da Universidade de Minnesota, conceptualizaram a penetração anal dolorosa como uma nova disfunção sexual, atribuindo-lhe o termo de anodispareunia (Damon & Rosser, 2005). Hollows (2007) compara a anodispareunia à dispareunia feminina. Para estes investigadores, as futuras revisões do DSM, deverão reconhecer esta entidade como disfunção sexual (Damon & Rosser, 2005; Hollows, 2007).

TRATAMENTO

Apesar de nos últimos anos existir um maior interesse sobre a disfunção sexual no campo da homossexualidade e de se ter investido em directivas para o trabalho psicoterapêutico com esta população (Hart & Schwartz 2010; Safren & Rogers, 2001), não se pode afirmar que existam critérios clínicos específicos (Hacioglu et al., 2011), nem um programa de reabilitação ou modelos de actuação (Bhugra & Wright, 2007; Herbert, Hunt, & Dell, 1994; Safren & Rogers, 2001). Os modelos de intervenção sexual para esta população partem do referencial teórico e prático dos heterossexuais, o que se traduz na inexistência de um modelo especificamente dirigido a esta população (Hart & Schwartz, 2010; Safren & Rogers, 2001). Segundo Robert (2010), os profissionais de saúde têm negligenciado a integração da orientação sexual na história sexual dos pacientes, o que culmina na imposição da heterossexualidade nas práticas de saúde. Paradoxalmente, na sexualidade heterossexual as intervenções médicas e farmacológicas, têm minimizado progressivamente e até mesmo anulado as características individuais, assim como dos casais envolvidos (Nobre, 2006). Salienta-se, contudo, que o medo do preconceito e da discriminação dificulta o acesso aos cuidados de saúde desta minoria (Zamboni & Crawford, 2007). Por isso, Bhugra e Wright (2007) sublinham que esses profissionais deveram exercer uma prática livre de preconceito e discriminação, direccionado a sua atenção para os factores e problemas específicos das minorias sexuais.

Paralelamente à ausência de um programa de reabilitação sexual especificamente dirigido à população gay, acresce o facto de ser nula ou reduzida a formação dos terapeutas sexuais acerca das especificidades desta população (Bhugra & Wright, 2007; Hart & Schwartz 2010; Herbert et al., 1994; Safren & Rogers, 2001).

Recentes investigações propõem o modelo cognitivo-comportamental para o tratamento da disfunção eréctil em homossexuais homens (Hart & Schwartz 2010; Safren & Rogers, 2001) No entanto, uma análise criteriosa pode revelar a existência de incongruências, nomeadamente a apresentação apenas de casos clínicos e a aceitação das diferenças existentes em termos sexuais entre homossexuais e heterossexuais, embora sejam irredutíveis na aplicação dos mesmos pressupostos heterossexuais na comunidade gay. As publicações disponíveis indicam que a reabilitação sexual em homossexuais masculinos deverá contemplar diferentes tratamentos, através da combinação do módulo educacional, com a reestruturação cognitiva e as técnicas comportamentais (Hart & Schwartz 2010).

No futuro, a terapia sexual deverá compreender, não só aspectos cruciais desta população aparentemente invisível, mas também adquirir conhecimentos sobre as linhas de base de outros modelos e de indicações para reencaminhamentos (Shires & Miller, 1998), tal como já sucede com a utilização do Modelo PLISSIT (Permission, Limited Information, Specific Sugestions and Intensive Therapy) e do programa MO-RE-SEX (Modelo de Reabilitação Sexual), instrumentos de intervenção integrados em matrizes que agregam diversos procedimentos educativos e exploratórios (Annon, 1981; Garrett, 2011; Garrett & Teixeira, 2006).

O crescente reconhecimento da importância das variáveis psicológicas, assim como dos estereótipos sociais (de onde se destaca a discriminação e o estigma social), da homofobia internalizada, do heterosexismo, dos comportamentos aditivos e de risco no funcionamento sexual, sugere a modificação das intervenções sexuais, em termos cognitivos e emocionais (Bhugra & Wright, 2007).

Face ao exposto, o processo de reabilitação terá que, obrigatoriamente, visar não só os aspectos físicos e psicológicos, mas também os comportamentos aditivos e de risco. Torna-se, assim, fundamental a existência de intervenções terapêuticas transdisciplinares que coadjuvem a terapia sexual. Em consonância com o anteriormente referido, destaca-se a terapia de abuso de substâncias, com predomínio para o álcool (Herbert et al., 1994) e para as drogas recreativas (Smith, 2007). Nessa intervenção terapêutica transdisciplinar será, ainda, fulcral o trabalho psicoeducativo, de modo a poder auxiliar o paciente a desconstruir diversos mitos e os estereótipos sociais da cultura ocidental (Hart & Schwartz, 2010), no que concerne à expressão e vivência da sexualidade, assim como, na prevenção do HIV (Lau et al., 2008).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os principais postulados teóricos extraídos desta revisão da literatura reforçam a necessidade de mais estudos com amostras constituídas por minorias sexuais, como é o caso dos homossexuais masculinos retratados neste artigo. Acredita-se que tais estudos proporcionarão, por um lado, a construção de alicerces teóricos que potencializam o aprofundamento dos conhecimentos em torno dessa população, por outro lado, o desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de modelos de actuação como de estratégias de intervenção na disfunção sexual.

No que toca aos postulados metodológicos, advoga-se que a investigação nacional, com amostras constituídas por homossexuais masculinos, deverá adaptar os instrumentos que utiliza às minorias sexuais. A título de exemplo, essa investigação deverá substituir os itens associados à penetração vaginal (coito vaginal) por termos equivalentes à penetração pénis-ânus.

A revisão literatura salienta que a terapia sexual, solidificada pela teoria e prática, urge adaptarse a esta realidade, de modo a poder fazer face às dificuldades desta população específica. Apesar dos progressos científicos, particularmente as mudanças metodológicas adoptadas nas investigações com as pessoas LGBT (Plummer, 2011) e da experiência até então desenvolvida, parece utópico supor que todos os problemas de ordem sexual dos homossexuais possam ser tratados com êxito a partir dos pressupostos da heterossexualidade, renegando para segundo plano as evidentes diferenças existentes entre ambos.

Crê-se que tal generalização poderá potencializar a indeterminação da eficácia da terapia sexual cognitiva comportamental ou formas similares, estando esta mais envolta em incertezas do que em evidências científicas. Esta é uma das sugestões apresentadas para investigações ulteriores, dado que se crê ser interessante investir em áreas de fragilidade e desenvolver o potencial das restantes, numa perspectiva de adequação às particularidades da cultura gay, de forma a proporcionar um tratamento adequado à sua disfunção sexual, o que certamente irá culminar numa resposta terapêutica mais adequada e especializada. Na mesma linha, pensamos ser de considerar a implementação de modelos recentemente desenvolvidos, concretamente o MO-RE-SEX (Garrett, 2011). Prevê-se que assim se contribuirá para o aprofundamento do estado da arte, como também, se beneficiará o sujeito em termos de qualidade de vida, e em particular a sua saúde sexual (WHO, 2011).

Trata-se, contudo, de uma perspectiva promissora em termos de saúde sexual, que necessita de uma visão sistémica renovada de modo a poder conduzir a terapia sexual a um novo ciclo neste campo de acção, abrindo uma linha de investigação caracterizada pela abertura à diversidade.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Garrett, Rua Dr. José Grilo Evangelista, 166, 2º FRT, 2890 Alcochete. E-mail: ana_garrett@iscte.pt

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