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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.34 no.2 Lisboa jul. 2011

 

Recuperação de azoto de origem orgânica e inorgânica pela cultura da couve repolho (Brassica oleracea var. capitata)

 

Luis Miguel Brito1,2, António Fernandes3, Ana Luísa Amaro1 e Isabel Mourão1,2

 

1Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Refóios, 4990-706 Ponte de Lima. E-mail: miguelbrito@esa.ipvc.pt;

2Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Campus de Stª Apolónia, Apartado 1172, 5301-855 Instituto Politécnico de Bragança;

3Direcção Regional de Agricultura do Norte – Delegação Regional do Ave – 4850-363 Cabeceiras Basto.

 

RESUMO

Avaliou-se a resposta da couve repolho à aplicação de um fertilizante mineral nas doses de 0, 90 e 180 kg ha-1 de N em combinações com um fertilizante orgânico, resultante da compostagem durante 182 dias da fracção sólida de chorume, nas doses de 0, 20 e 40 t ha-1, através de uma experiência de arranjos sistemáticos com o objectivo de investigar o efeito da utilização deste composto no crescimento e na absorção de N com e sem aplicação do fertilizante mineral azotado. A produção de couve repolho dependeu fortemente da aplicação do adubo mineral azotado e da aplicação do composto quando não se aplicou adubo. O aumento de aplicação de N mineral de 90 para 180 kg ha-1 aumentou a acumulação de N na couve, mas o correspondente aumento de peso não foi significativo. Recomenda-se a aplicação do composto da FSC até doses de 20 t ha-1, particularmente quando não se aplica adubo mineral.

Palavras-chave: Composto, fracção sólida do chorume, nitrato de amónio.

 

Organic and inorganic nitrogen recovery by white cabbage (Brassica oleracea var. capitata)

ABSTRACT

The response of white cabbage to increasing rates of a mineral fertilizer (0, 90 and 180 kg ha-1 of mineral nitrogen) combined with increasing rates (0, 20 and 40 t ha-1) of an organic fertilizer resulting from the composting process (182 days) of the solid fraction of dairy cattle slurry, was assessed throughout a systematically arranged experiment to investigate the effect of this compost on cabbage growth and N uptake, with and without mineral N application. Cabbage yield was strongly related to mineral N application and to compost application in treatments without mineral N fertilizer. The increase on mineral N application from 90 to 180 kg ha-1 increased cabbage N uptake but not significantly cabbage yield. The application of this compost to cabbage crop is recommended up to 20 t ha-1, particularly when mineral N is not applied.

Keywords: Ammonium nitrate, compost, slurry solid fraction.

 

INTRODUÇÃO

A aplicação de fertilizantes ao solo influencia a produtividade das culturas hortícolas e a composição química do produto comercial. No entanto, a utilização excessiva de fertilizantes minerais no solo agrícola é uma das principais causas de contaminação da água subterrânea (Ten Berge, 2002) e é também, actualmente, uma das preocupações dos consumidores que têm revelado um interesse crescente pela qualidade dos alimentos e pelo seu modo de produção (Sorensen, 1999).

A couve repolho (Brassica oleracea var. capitata) é uma cultura hortícola importante no NW de Portugal onde é cultivada durante todo o ano, devido à sua boa adaptação edafo-climática, consumo tradicional e elevado valor nutritivo (Hui et al., 2004). Apesar da produtividade da cultura variar de acordo com a fertilização e a estação do ano (Citak e Sonmez, 2010), a elevada produtividade na agricultura convencional tem sido conseguida através da aplicação de fertilizantes minerais ricos em N, que disponibilizam nutrientes de forma a obterem-se produtividades dificilmente alcançadas apenas com recurso a fertilizantes orgânicos (Jakse e Mihelic, 1999). Particularmente em zonas onde exista restrição à aplicação de fertilizantes minerais, os fertilizantes orgânicos podem ser utilizados para aumentar a produção vegetal. É o caso da Zona Vulnerável nº 1 do Aquífero Livre entre Esposende e Vila do Conde (ZV1) cujo Plano de Acção Local (Portaria n.º 556/2003 de 12 de Julho) estabelece a dose máxima permitida de azoto (N) mineral para aplicação à cultura de couve repolho em 180 kg ha-1.

Os correctivos orgânicos geralmente melhoram a estrutura do solo e estimulam a diversidade e a actividade biológica do solo (Shiralipour et al., 1992; Carpenter-Boggs et al., 2000) sendo, por isso, fundamentais para aumentar a fertilidade do solo. No entanto, variam muito na sua composição e no grau de estabilização da sua MO e, portanto, na sua capacidade para disponibilizar nutrientes para as plantas (Sikora e Szmidt, 2001). Como os efluentes da pecuária leiteira intensiva contêm uma proporção elevada de nutrientes ingeridos pelos animais, potencialmente são uma fonte importante de nutrientes para as plantas, quando reciclados como correctivos orgânicos do solo. O chorume é frequentemente um problema nas explorações com um encabeçamento muito elevado, como acontece na ZV1, resultando na introdução de quantidades muito elevadas de N solúvel, facilmente lixiviável, no agro-ecossistema local. No entanto, também pode ser visto como um recurso de nutrientes, quer quando convenientemente aplicado ao solo, quer através de processamento, incluindo a compostagem da sua fracção sólida (Brito et al., 2008; Brito et al., 2010).

A compostagem da fracção sólida do chorume (FSC) poderá contribuir para diminuir o problema do excesso de chorume, através da aplicação ao solo de parte desse efluente como fertilizante orgânico, com o N estabilizado e, portanto, menos susceptível de ser lixiviado. Contudo, para gerir com sucesso o ciclo de nutrientes no solo de acordo com as necessidades das culturas, é necessário estimar as taxas de mineralização dos novos materiais orgânicos e a influência que estes exercem nos processos e nas propriedades do solo. Incluindo, quando aplicados em combinação com fertilizantes minerais.

Existem vários parâmetros referentes à eficiência da aplicação de N ao solo que podem ser utilizados para avaliar a eficiência com que este nutriente é acumulado nas culturas (Huggins e Pan, 1993; Wen et al., 2003) e desta forma, para propor uma fertilização que minimize os riscos de poluição causados pela lixiviação, ou pela volatilização de azoto que se encontre em excesso no solo. O cálculo da eficiência com que a cultura recupera o N dos fertilizantes pode ser efectuado com base na diferença entre o N acumulado na cultura dos talhões fertilizados e o N acumulado na cultura dos talhões não fertilizados, expressa em proporção do N aplicado aos talhões fertilizados (Dilz, 1988). Contudo, se as plantas não fertilizadas absorverem N dos talhões fertilizados, as eficiências serão inferiores porque a produtividade das plantas não fertilizadas aumenta e, simultaneamente, a produtividade das plantas fertilizadas pode diminuir. É o que acontece com frequência na maioria das experiências de campo que avaliam a resposta das culturas à aplicação de fertilizantes, onde os talhões são distribuídos ao acaso, podendo localizar-se um talhão que não inclui fertilizante junto a outro com a dose máxima de fertilizante. Em oposição aos arranjos ao acaso, o arranjo sistemático dos tratamentos acontece quando os tratamentos são organizados numa determinada ordem, como por exemplo, com doses crescentes de um fertilizante entre talhões adjacentes (Mead, 1990). Nestes, apesar de ser ainda possível a existência de alguma competição entre as plantas de um talhão adjacente e as plantas do próprio talhão, esta poderá ser considerada pequena, ou mesmo anulada pelo efeito compensatório entre os lados opostos do talhão, uma vez que o aumento do fertilizante entre talhões é progressivo (Nelder, 1962; Bleasdale, 1967; Cleaver et al., 1970; Brito e Hadley, 1993).

Este estudo teve como objectivos: (i) investigar o efeito da utilização de um novo composto produzido com a fracção sólida do chorume, na produção e na absorção de N pela cultura de couve repolho; (ii) investigar se o efeito do composto da FSC depende da aplicação de fertilizantes minerais, considerando as restrições aplicadas à ZV1; (iii) obter informação sobre a mineralização do N orgânico em condições de campo e sobre a eficiência de utilização e recuperação de N mineral pela couve repolho; e (iv) divulgar a utilização das experiências com delineamento de arranjos sistemáticos, em oposição às experiencias de blocos casualizados, como forma de minimizar a competição entre plantas de talhões adjacentes.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A resposta da cultura de couve repolho (Brassica oleracea var.capitata, cv. Duchy) à aplicação de um fertilizante mineral azotado e de um fertilizante orgânico foi avaliada, na época de Primavera-Verão, através de uma experiência de arranjos sistemáticos de tratamentos com 3 blocos, num Antrossolo Cumúlico Dístrico em granitos e rochas afins (ATcd.g), derivado de um Cambissolo Húmico de granitos (CMux.g) de textura franco-arenosa (Agroconsultores e Geometral, 1995), localizado na freguesia de Vairão do concelho de Vila do Conde (41°20' N, 8°40' O). O solo apresentava reacção ácida (pH=5,6), com um teor de matéria orgânica de 4,2% e de N total de 2,17 g kg-1, e com elevados teores extraíveis (>200 mg kg-1) de P2O5 e K2O (método de Egner-Riehm).

O fertilizante orgânico resultou da compostagem da fracção sólida de um chorume da pecuária leiteira intensiva, por um período de 182 dias, em pilhas com 15 m3 de volume, colocadas sobre uma tela de cobertura do solo e cobertas com um filme de polipropileno.A fracção sólida de chorume (FSC) foi extraída com uma máquina separadora baseada na pressão provocada por um sem-fim que impulsiona a fracção sólida para a extremidade frontal da máquina, enquanto a fracção líquida atravessa um crivo que rodeia o sem-fim. O fertilizante mineral (adubo nítrico-amoniacal) resultou da diluição do nitrato de amónio (Nitrolusal 20,5%) apresentando um teor de N na forma nítrica semelhante ao teor de N na forma amoniacal. Algumas das características do composto da fracção sólida do chorume, no início das experiências, encontram-se no Quadro 1.

 

Quadro 1 – Características do composto da fracção sólida do chorume .

 

 

A experiência, com estrutura factorial de tratamentos, incluiu o composto nas doses de 0, 20 e 40 t ha-1, aplicado ao solo antes da plantação, em combinação com o adubo nas doses de 0, 90, 180 kg ha-1 de N mineral, aplicado em cobertura. Em cada bloco, ao longo de um eixo aumentaram-se as doses de azoto mineral através do adubo, enquanto ao longo do eixo perpendicular se aumentaram as doses do composto da FSC, resultando 9 tratamentos por bloco, num total de 27 talhões. Desta forma numa das extremidades do bloco ficou localizado o talhão que não recebeu qualquer fertilizante e na extremidade diagonalmente oposta ficou o talhão que recebeu a dose máxima de ambos os fertilizantes.

As couves foram plantadas a 13 de Junho de 2005, uma semana após a aplicação dos fertilizantes com o compasso de 0,4 x 0,3 m, em talhões constituídos por 5 linhas (2,0 m de largura e 7,2 m de comprimento). Em cada colheita realizada 14, 28, 42 e 56 dias após a plantação colheram-se 6 plantas em cada talhão, para determinação do peso fresco, peso seco e teor de azoto total na matéria seca pelo método Kjeldahl.

Utilizaram-se as normas europeias para a determinação das seguintes características dos compostos: humidade, com base em 50 g de material original (CEN, 1999a); pH por potenciometria (CEN, 1999b); condutividade eléctrica (25ºC) dos extractos aquosos obtidos para o pH (1:5, v/v) após filtração (CEN, 1999c); matéria orgânica, por calcinação a 550°C durante 4 horas (CEN, 1999d); e azoto Kjeldahl modificado (CEN, 2001). A relação C/N foi calculada pelo quociente entre o teor de carbono, e o teor de azoto. O teor de carbono total foi calculado pela fracção entre o teor da matéria orgânica e a constante 1,8 (Gonçalves e Baptista, 2001). O azoto mineral, após extracção com KCl 2M (1:5), foi determinado por espectofotometria de absorção molecular, em autoanalisador de fluxo segmentado, sendo o teor de N amoniacal determinada pela reacção de Berthelot e a de N nítrico através do reagente de Griess-Ilosvay, após redução em coluna de cádmio.

Calcularam-se os seguintes parâmetros de eficiência do N acumulado na planta e do N aplicado ao solo (Wen et al., 2003):

 

 

em que MS representa matéria seca e Nx (N0) o talhão adubado com x (0) kg de N.

A comparação dos resultados entre tratamentos, e entre conjuntos de tratamentos, para cada data de colheita, realizou-se através da análise de variância, recorrendo-se ao programa SPSS versão 15.0, sendo a comparação entre as médias dos tratamentos e entre as médias das diferentes doses dos factores principais, baseada na menor diferença significativa (P <0,05).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O composto da FSC aparentemente apresentava-se bem maturado, como evidenciam a sua baixa razão C/N (14) em comparação com a razão C/N da FSC original, que é normalmente superior a 30 (Brito et al., 2008; Brito et al., 2010), e a sua baixa razão N-NH4+/N-NO3-. De acordo com o "Compost Maturity Index" (CCQC, 2001) a razão N-NH4+/N-NO3- inferior a 0,5 assim como para Larney e Hao (2007) valores <1,0 indicam que o composto se encontra maturado, tendo sido esta razão inferior a 0,2 no composto utilizado no presente estudo.

O peso fresco da couve foi semelhante em todos os tratamentos até aos 28 dias após a plantação, mas o aumento de produção nos talhões adubados com N mineral tornou-se evidente entre os 42 e os 56 dias após a plantação (Figura 1). O teor de MS diminuiu com o crescimento da couve, desde um valor de 15,7% nas plantas à transplantação até valores de 6,9-7,2 % aos 56 dias após a plantação, sem diferenças significativas entre as couves produzidas com diferentes doses de aplicação de N mineral (Figura 1). A produção de couve repolho dependeu fortemente da aplicação de N mineral na forma de adubo nítrico-amoniacal (Figura 2), mas foi independente da aplicação do composto nos tratamentos com aplicação de N mineral. Apesar de para o conjunto dos tratamentos (incluindo as diferentes doses de aplicação de adubo azotado) não se ter verificado qualquer aumento na produtividade da couve com a aplicação do composto, quando se consideraram apenas os tratamentos que não incluíram o adubo azotado, a produção de matéria fresca da couve (138 t ha-1) produzida com 40 t ha-1 de composto foi superior (P <0,05) à produção de couve (98 t ha-1) sem aplicação de composto. O facto da aplicação dos compostos não ter resultado num acréscimo de produtividade da couve quando se aplicou adubo mineral poderá explicar-se porque o N mineral foi quase imediatamente disponibilizado para a cultura em quantidades muitos superiores ao N do composto e, portanto, este último associou-se a aumentos de produção apenas quando o N mineral era limitante.

 

Figura 1 - Peso fresco e percentagem de matéria seca da couve repolho com aplicação de diferentes doses de N mineral de cobertura (0, 90 e 180 kg N ha-1).

 

Figura 2 - Peso fresco da couve repolho com aplicação de diferentes doses de N mineral de cobertura e de um composto da fracção sólida de chorume. Letras diferentes por cima das barras correspondem a diferenças significativas de produção (P <0,05).

 

A produção média de couve repolho com aplicação de 180 kg N ha-1 (158 t ha-1) e com a aplicação de 90 kg N ha-1 (147 t ha-1) foi, em ambos os casos, superior à produção média sem adubo (119 t ha-1) na última colheita, na qual, a variação entre as duas doses de adubo não resultou numa diferença significativa de produção de couve. Os valores de produção com a adubação azotada nesta experiência foram superiores aos valores frequentemente referidos na bibliografia (Jakse e Mihelic, 1999; Salo et al., 2002).

O teor de N (g kg-1) nas folhas da couve aumentou em todos os tratamentos nas primeiras duas semanas após a plantação, até um valor médio de 49 g kg-1 e diminuiu desde então até à colheita final (Figura 3). A absorção de N começou a diferenciar-se (Figura 3) após os 28 dias de crescimento no campo, duas semanas antes do peso seco reflectir essa diferença. Apesar da diferença de peso fresco da couve  (para  a  média dos 3 tratamentos com doses diferentes de composto da FSC) entre a aplicação de 90 e de 180 kg ha-1 de N mineral não ter sido significativa, o aumento de N acumulado (Figura 4) foi significativo (P <0,05) nas couves com fertilização mineral, inclusive entre a aplicação mais elevada de N mineral (180 kg ha-1) e a dose mais baixa (90 kg ha-1). Na última colheita, o teor de N na couve manteve-se mais elevada com a aplicação da dose mais elevada de N mineral (31 g kg-1) em comparação com a dose mais baixa (28 g kg-1) ou sem aplicação de N mineral (25 g kg-1).

 

Figura 3 - Percentagem de N na matéria seca e N acumulado (kg ha-1) na couve repolho com aplicação de diferentes doses de N mineral de cobertura (0, 90 e 180 kg N ha-1).

 

Figura 4 - Acumulação de N na couve repolho com aplicação de diferentes doses de N mineral de cobertura e de um composto da fracção sólida de chorume. Letras diferentes por cima das barras correspondem a diferenças significativas de produção (P <0,05).

 

Os teores de N na couve repolho observados neste estudo são comparáveis aos teores reportados na bibliografia para outras experiencias com esta cultura. Citak e Sonmez (2010), por exemplo, avaliaram os teores de N da couve repolho cultivada no MPB, na Primavera e no Outono, em diferentes tratamentos resultantes da aplicação de estrume bovino, estrume de aves e farinha de sangue, e obtiveram teores percentuais de N respectivamente na cultura de Primavera e Outono de 2,8 e 2,9%. Enquanto no presente estudo o teor médio de N (2,8%) nas couves de todos os tratamentos foi igual à da cultura de Primavera referida por Citak e Sonmez (2010), este teor foi superior com a aplicação de 180 kg ha-1 de N mineral e inferior sem a aplicação de N mineral, para a média das 3 doses de composto.

Warman e Havard (1997) comparam couves produzidas na Primavera, durante três anos consecutivos, e encontraram os seguintes teores médios de N nas couves: 1,78%, 1,90% e 2,03%, no primeiro, segundo e terceiro anos de experimentação, respectivamente, sendo estes valores inferiores aos teores de N das couves produzidas neste estudo. Sturma et al. (2010) analisaram os teores de N das folhas exteriores, médias e interiores de couve repolho produzida com diferentes técnicas de fertilização e irrigação tendo resultado para as folhas interiores e do meio, 59 após a plantação, valores muito próximos aos obtidos no presente estudo (56 dias após a plantação). De acordo com estes autores, o teor de N de uma forma geral diminuiu com o crescimento das couves até aos 78 dias após a transplantação.

Não se verificaram diferenças significativas no teor de N, nem na acumulação (kg ha-1) de N da couve no conjunto dos tratamentos com doses diferentes de composto. No entanto, considerando apenas os tratamentos que não incluíram adubo mineral, a aplicação de 40 t ha-1 de composto resultou numa acumulação de N (241 kg ha-1) na couve superior (P <0,05) à acumulação de N (177 kg ha-1) que se verificou no tratamento sem aplicação de composto, provavelmente, devido à absorção de N proveniente do composto. Yun e Ro, (2009) também justificaram o aumento de absorção de N que verificaram com o aumento da dose de aplicação de composto com base no seu teor de N mineral (N-NH4+ + N-NO3-).

A acumulação de N nas couves produzidas sem adubo (210 kg ha-1) foi em média inferior ao valor (265 kg ha-1) referido por Westerveld et al. (2003). Contudo, a acumulação de N nas couves produzidas com adubo (280 e 341 kg ha-1, respectivamente para a aplicação de 90 e 180 kg ha-1 de N mineral) foi superior à referida por aqueles autores, bem como, aos valores de 213-243 kg ha-1 referidos por Salo et al. (2002) para a couve. A acumulação de N na couve, tal como em estudos anteriores (Jakse e Mihelic, R. 1999; Mihelic e Jakše, 2001) esteve linearmente relacionada com a sua produção de peso seco em qualquer das colheitas, como revela a Figura 5. Esta relação foi mais forte nas primeiras colheitas do que nas últimas, porque a variação do teor de N nas couves das últimas colheitas aumentou com a aplicação de N mineral ao solo.

 

Figura 5 - Relação entre a acumulação de N e o peso seco (PS) na couve repolho 14, 28, 42 e 56 dias após a plantação (dap). *** P <0,001.

 

As taxas de mineralização do N orgânico dos compostos, calculadas com base na diferença de N acumulado nas couves dos tratamentos com compostos que não foram adubados com N mineral, e das couves que não receberam qualquer dos fertilizantes, e descontando o N mineral do próprio composto, revelaram que a aplicação mais baixa de composto (20 t ha-1) resultou numa percentagem de mineralização superior na segunda e terceira colheita, embora o mesmo não tenha sido evidente na última colheita (Figura 6). Possivelmente porque a dose mais elevada de composto exigiu um período mais longo de estabilização do composto no solo e só no segundo mês após a sua aplicação é que a mineralização líquida foi percentualmente semelhante para as duas doses de aplicação, resultando numa mineralização de N de 283 g kg-1 e 256 g kg-1, respectivamente, para os tratamentos com 20 t ha-1 e 40 t ha-1 de composto.

 

Figura 6 - Mineralização de N orgânico (g kg-1) do composto aplicado nas doses de 20 e 40 t ha-1 durante o crescimento da couve repolho e recuperação do N mineral aplicado nas doses de 90 e 180 kg ha-1 em adubação de cobertura.

 

A recuperação do N mineral diminuiu de 779 g kg-1 para 727 g kg-1 com o aumento da dose aplicada de N mineral de 90 kg ha-1 para 180 kg ha-1 (Figura 6). Estes valores explicam-se pela elevada produção de matéria seca de couve,  sendo próximos dos 80%,  tal como referido noutras experiências com couve repolho (Guttormsen e Riley, 1996).

A eficiência com que a couve utilizou o N mineral diminuiu de 42 kg de peso seco de couve por kg de N acumulado, no tratamento sem a aplicação de N mineral, para 32 kg de peso seco com a aplicação mais elevada de N mineral (Figura 7). A eficiência fisiológica diminuiu com a aplicação da dose mais elevada de N mineral, de 23 kg para 11 kg depeso seco por kg de N acumulado a mais, relativamente ao tratamento testemunha (Figura 7). A eficiência agronómica do N aplicado foi inferior com a aplicação de 180 kg ha-1 de N em comparação com a aplicação de 90 kg ha-1, diminuindo de 18 kg para 13 kg de peso seco de couve em relação ao tratamento testemunha, por cada kg de N mineral aplicado ao solo (Figura 7).

 

Figura 7 - Eficiência de utilização (EUN), eficiência fisiológica (EFN) e eficiência agronómica (EAN) do N mineral aplicado ao solo. Valores médios e erro padrão das respectivas médias.

 

Considerando que a aplicação de 20 t ha-1 e de 40 t ha-1 do composto resultou num aumento de produção de 14% e 31%, respectivamente, em comparação com a testemunha sem aplicação de composto, e que estes aumentos de produção poderão ser explicados pelo aumento da disponibilidade de N e de outros nutrientes com origem no composto da FSC, aconselha-se a utilização deste composto, principalmente quando não se aplica N mineral, como é o caso do modo de produção biológico.

 

 

CONCLUSÕES

A fertilização orgânica não disponibilizou N suficiente para alcançar elevadas produtividades de couve repolho quando comparada com a fertilização mineral, porque o N dos compostos encontrava-se principalmente na forma orgânica (98%) e a sua disponibilidade para a couve dependeu da taxa de mineralização, enquanto o N na forma mineral se encontrava praticamente disponível desde a sua aplicação. No entanto, a produtividade da couve repolho aumentou com a aplicação do composto da FSC nos talhões que não receberam adubo mineral, donde se concluiu que a aplicação destes compostos deve ser recomendada principalmente quando não se aplicam fertilizantes minerais, porque pode contribuir para aumentar a produção através de uma maior disponibilidade de N e de outros nutrientes, para além de possíveis benefícios para a fertilidade física do solo.

O aumento de aplicação de N mineral de 90 para 180 kg ha-1 aumentou a acumulação de N na couve em 22%, na última colheita, mas o correspondente aumento de peso seco (7%) não foi significativo. Logo, o aumento da aplicação de N mineral de 90 kg ha-1 para 180 kg ha-1 associou-se mais a um aumento no teor de N na couve do que ao aumento de produtividade.

A separação do chorume numa fracção sólida e outra líquida poderá beneficiar o ambiente, enquanto a aplicação do composto da FSC poderá ser recomendada até doses de 20 t ha-1, sem se ultrapassar a dose máxima de N orgânico recomendada pelo código das boas práticas agrícolas, para a protecção da água contra a poluição com nitratos de origem agrícola. Ainda que a aplicação do composto num só ano possa não contribuir para aumentos evidentes de produção nesse ano quando se aplica adubo azotado, a aplicação continuada deste tipo de composto deverá ser investigada para avaliar os seus efeitos a longo prazo na fertilidade do solo e na produtividade das culturas hortícolas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AGRADECIMENTOS

Este estudo foi financiado pelos fundos estruturais da União Europeia através do projecto nº 794 da Acção 8.1 do PO AGRO.

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