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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.69 Oeiras maio 2012

https://doi.org/10.7458/SPP201269784 

O patrão e as empregadas domésticas

 

Gilberto Velho*

* Foi professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ e membro da Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, Brasil.

 

Resumo

Este artigo é baseado na experiência direta do autor com empregadas domésticas. Trata-se, assim, de uma etnografia marcada por um depoimento pessoal que refere-se a vários anos de interação e convívio com essa categoria social. Pretende ser, sobretudo, um comentário etnográfico sobre relações entre categorias sociais na sociedade brasileira contemporânea, em processo de transformação. Está presente também a questão de gênero, desde que está sendo analisada a relação entre um patrão e suas empregadas domésticas. Há intenção também de valorizar a pesquisa do cotidiano doméstico contemporâneo.

Palavras-chave patrões e emprego doméstico, cotidiano, gênero, projetos e aspirações, mudança social.

 

Bosses and domestic workers

Abstract

This article is based on the author’s personal experience with female domestic workers. It is thus an ethnography marked by a personal testimony about various years in which the author interacted and spent time with this social category. The idea is above all to offer an ethnographic commentary on relations between social categories in contemporary Brazilian society, which is in a process of transformation. The gender question is also present, inasmuch as the article analyses the relationship between a male employer — the “boss” — and his female domestic servants. Another intention behind the text is to show the value of research on daily life in contemporary homes.

Keywords bosses and domestic work, daily life, gender, projects and aspirations, social change.

 

Le patron et les femmes de ménage

Résumé

Cet article est fondé sur l’expérience directe de son auteur avec ses femmes de ménage. Il s’agit d’une ethnographie marquée par un témoignage personnel qui porte sur plusieurs années d’interaction avec cette catégorie sociale. Il s’agit surtout d’un commentaire ethnographique sur les relations entre catégories sociales dans la société brésilienne actuelle, en cours de transformation. Il soulève aussi la question de genre, puisqu’il analyse la relation entre un patron et ses employées, tout en mettant l’accent sur le quotidien domestique actuel.

Mots-clés patrons et employés de maison, quotidien, genre, projets et aspirations, changement social.

 

El patrón y las empleadas domésticas

Resumen

Este artículo está basado en la experiencia directa del autor con empleadas domésticas. Se trata, así, de una etnografía marcada por un testimonio personal que se refiere a varios años de interacción y convivio con esa categoría social. Pretende ser, sobretodo, un comentario etnográfico sobre relaciones entre categorías sociales en la sociedad brasileña contemporánea, en proceso de transformación. Está presente también la cuestión de género, desde que está siendo analizada la relación entre un patrón y sus empleadas domésticas. También hay intención de valorar la pesquisa del cotidiano doméstico contemporáneo.

Palabras-clave patrones y empleo doméstico, cotidiano, género, proyectos y aspiraciones, cambio social.

 

À Dejanira de Oliveira

Este trabalho parte de minha experiência direta com empregadas domésticas.[1] Tem, portanto, um forte caráter de depoimento pessoal. Procuro apresentá-lo como um tipo de etnografia acompanhada por reflexões, que visam antes apontar pistas do que consolidar respostas definitivas sobre um mundo rico e complexo. Não é um texto em que se pretenda dar conta da especificidade do trabalho e das carreiras de emprego doméstico, embora possa trazer contribuições sobre temas específicos. Certamente os trabalhos de Everett Hughes (1971), Howard S. Becker (1973 e 1977) e Erving Goffman (1959 e 1961) sobre carreiras são referências importantes. No entanto, vejo este texto, sobretudo, como um comentário etnográfico sobre relações entre distintas categorias sociais numa sociedade em processo de acelerada transformação. Implícita ou explicitamente, está presente também uma problemática de gênero, desde que narro e comento episódios e situações em que estou interagindo com mulheres. Ou seja, não há como desconsiderar essa dimensão de relacionamento, de patrão homem com empregadas mulheres, com tudo que a acompanha em termos socioculturais. Assim, é uma narrativa a partir de um ponto de vista masculino, sobre aspectos das relações domésticas na sociedade brasileira contemporânea.

Durante 35 anos Dejanira trabalhou em minha casa como empregada doméstica. Em 1973, tinha 36 anos. Eu tinha dez anos menos do que ela e era casado. Deja, como era conhecida, fora indicada por afins de minha mulher. Era, como se diz, “cozinheira de forno e fogão”, solteira e não tinha filhos. Negra, sua família era de pequenos agricultores do interior fluminense que, em sua maioria, migrara para o Rio, a partir dos anos 1950.[2] Irmãs e primas suas também trabalhavam como domésticas para amigos e conhecidos meus. Assim, nos primeiros três anos e pouco, Deja trabalhou para nós, um jovem casal de professores universitários. Depois de nossa separação, em 1976, ficou comigo, tomando conta não só da casa, mas do próprio patrão. Cozinhava, arrumava, lavava e passava. Havia sempre uma faxineira, pois Deja tinha medo de limpar vidros e janelas, devido a um trauma provocado por um episódio em que assistira à queda e morte de um trabalhador.

Antes da chegada de Deja, morava em Copacabana, mas no seu período morei em outros bairros. O primeiro apartamento, ainda da época do casamento, era na Gávea, e os outros dois em Ipanema. Deja dormia no trabalho. Ia para casa, em Padre Miguel, distante subúrbio, na sexta ou no sábado. Sua competência culinária permitia-me receber amigos para almoços e jantares. Isso incluía também reuniões de trabalho com alunos, que adoravam os seus lanches. Eu era um orientador que tinha uma ótima cozinheira. Provavelmente era um fator de atração…

Deja, além dessas habilidades, era pessoa discreta e bem educada sob qualquer critério vigente. Às vezes, parecia triste e um tanto melancólica. Morava com irmãs e sobrinhos num conjunto de casas em torno de um terreno comum. Não era dada a grandes manifestações afetivas, mas foi pessoa solidária nos momentos difíceis. Trabalhara anteriormente com algumas poucas famílias, sendo uma delas francesa, com a qual aprendera parte do seu rico repertório, somando-se a uma cozinha brasileira mais tradicional que dominava amplamente.

Os anos foram passando e nós envelhecemos. Deja, que já tinha uma aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), retirou-se do serviço cansada e com problemas de saúde. Continuei ajudando-a financeiramente e nos falamos pelo telefone regularmente. Impossível substituí-la à altura, nem de longe. Cecília, uma moça que a ajudava nos últimos anos, ficou algum tempo como efetiva. Branca,[3] originária da Baixada Fluminense,[4] com pouco mais de 40 anos. Completara o segundo grau enquanto Deja só tinha estudado no antigo curso primário, ambas em escolas públicas. A substituta, Cecília, não dormia em minha casa. Tinha marido, aliás taxista que me atendia, e um filho de uns oito anos adotado pelo casal. Cecília trabalhava três dias na semana. Não cozinhava mal, lia receitas, mas tinha outras ambições e projetos. Já trabalhara no comércio e em salão de beleza. Não era uma empregada doméstica por vocação ou opção. Depois, mudou-se com a família para outra cidade, na Região dos Lagos,[5] onde seria gerente de uma casa de shows. Voltei a falar com ela umas duas vezes pelo telefone nos últimos três anos. Ao todo, incluindo o período que trabalhou com Deja, deve ter sido minha empregada por uns quatro anos. Era falante e desenvolta, sabia usar o computador e fizera cursos de arte marcial. Frequentemente mencionava seu interesse em fazer algum curso superior. Enquanto Deja correspondia plenamente ao papel mais tradicional de empregada doméstica, Cecília via essa atividade como passageira e tinha claramente um projeto, nos termos de Schutz (1970 e 1976), de atingir objetivos de ascensão e reconhecimento social. No período em que trabalhou em minha casa, mudou-se da Baixada Fluminense para um apartamento no Rocha, bairro da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Depois, como disse, foram para a Região dos Lagos. Deja era católica e Cecília evangélica, mas nenhuma das duas aparentava adesão religiosa particularmente forte, nem presença intensa e regular nas respectivas igrejas, embora Deja e seus familiares, frequentemente, fizessem romarias ao santuário de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira do Brasil. Em termos esquemáticos, Cecília apresentava atitudes e discurso mais individualistas, enquanto Deja, em suas relações comigo, com sua família e nas relações sociais em geral, expressava uma visão de mundo tradicional e hierárquica (Simmel, 1971, e Dumont, 1966 e 1977). Depois de Cecília, entrou em cena uma senhora Ana, empregada doméstica, que trabalhava para uma família muito próxima a uma amiga minha que se dispôs a me ajudar a encontrar uma solução, indicando alguém. Ana parecia ser figura central em uma rede de domésticas com as quais tinha contato e que se dispunha a indicar, desde que ela própria era considerada pessoa “séria e de confiança”, nos termos de minha amiga e de uma série de outras donas de casa de classe média superior.

Um aspecto fundamental era a minha condição de homem divorciado, vivendo só. Se, de um lado, eu poderia ser considerado um “bom patrão” por essas características, de outro, fazia com que dependesse basicamente da experiência e conselhos de mulheres, fossem amigas e conhecidas ou fossem profissionalmente reconhecidas, como Ana. Por esse caminho chegou Zilda, originária de cidade do interior da Paraíba, de quarenta e poucos anos e residente no Rio já algum tempo. Morava com o marido, porteiro de um prédio no Humaitá, na Zona Sul da cidade. Não era permitido ter filhos no apartamento do porteiro e o casal tinha cinco, espalhados pelo Brasil. A filha mais velha, de vinte anos, morava em Rio das Pedras, favela/comunidade situada na Zona Oeste do Rio, já casada, por sua vez, e com um filho. Assim, Zilda era mãe e avó. Sua filha tomava conta de um irmão mais novo que não podia viver com os pais. Outra filha de Zilda, a menor, de menos de cinco anos, ficara na Paraíba, aos cuidados da avó materna. Eu tinha alguma dificuldade de acompanhar a dinâmica das relações familiares de Zilda, que era uma pessoa simpática, muito veloz e de instrução de nível elementar. Sua competência culinária estava, mais ou menos, no mesmo nível de Cecília, mas ao contrário desta última, Zilda ia todo dia a minha casa. Seus padrões de etiqueta eram muito diferentes de Deja e, também, de Cecília. Por exemplo, aproxima-se muito fisicamente dos interlocutores, sempre demonstrando boa vontade e simpatia. Seu ritmo podia ser um pouco atordoante e invasivo para os meus hábitos. Isso durou alguns meses.

Seus familiares na Paraíba foram vítimas indiretas de um episódio de violência. Uma casa, vizinha de sua mãe, foi assaltada e invadida por bandidos que agrediram os moradores, inclusive crianças. Zilda decidiu que precisava voltar, mesmo que temporariamente, para o Nordeste, principalmente porque sua filha pequena ficara muito abalada, não conseguindo dormir de medo, entre outras manifestações. Entendi que eram frequentes essas viagens de sua família entre o Rio e Campina Grande, na Paraíba, com deslocamentos e idas e vindas de pessoas de várias gerações. Zilda era, assumidamente, uma empregada doméstica que se orgulhava de ter “boas referências”. Esta é uma expressão central nesse universo para o relacionamento com os possíveis patrões. Zilda não completou três meses em minha casa e não cheguei a assinar sua carteira de trabalho. Com seu afastamento, mais uma vez com intermediação de Ana, recebi candidatas, sempre trocando ideias e ouvindo sugestões de duas ou três amigas. Uma das mais recomendadas era a senhora Genoveva, mais velha, na casa dos 60 anos. Tinha currículo, referências de cozinheira experiente. Nesse sistema, cabia-me telefonar para antigos patrões/oas e ouvi-los sobre as candidatas. No caso de Genoveva, sua competência e honestidade foram enfatizadas. No entanto, ela assustou-se com a minha biblioteca, estantes e quantidade de livros. Cheguei à conclusão de que mais um sexagenário na casa não ia funcionar e não estava disposto a reintroduzir a figura da faxineira. Ana, a intermediária, tinha outra indicação, Sônia, que já havia sido mencionada anteriormente. Contudo, disse que há algum tempo não tinham contato. Fez observações de praxe sobre suas qualidades de empregada doméstica. Sônia era mulata, talvez negra, dependendo das variações de ponto de vista de classificação étnico-racial. Zilda, que a conhecia, avisou-me que era negra, pois sabia que havia patrões que não gostavam de empregar negros. Expliquei-lhe que não era o meu caso e que, durante 35 anos, trabalhara comigo uma mulher negra a quem respeitava e estimava. Assim, Sônia substituiu Zilda. Andava em torno dos 50 anos. Na época, morava na serra Carioca, perto de Petrópolis, onde habitavam familiares, inclusive a mãe, senhora idosa. Tinha também, pelo menos, um filho, morador da Rocinha,[6] casado e com um filho seu, neto de Sônia. Esta sabia ler e tivera alguns anos de estudo. Falou de suas referências. Telefonei para uma antiga patroa que afiançou suas qualidades, embora eu a tivesse achado um pouco reticente. Sobre sua confiabilidade, pergunta padrão, respondeu que Sônia “nunca tinha mexido nas coisas dela”. O início já não foi muito bom. A nova doméstica vinha da Serra na segunda-feira e ficava até sexta pela manhã. Com frequência saía à noite. Dizia ir a uma igreja evangélica e outras vezes à Rocinha visitar o filho. Andava para cima e para baixo com uma mochila. Cozinhava bem, mas não se empenhava muito em outras tarefas. Uma de suas habilidades era costurar e fazia estofados em sua residência na Serra. Era uma fonte de renda para atender a despesas que eu não sabia aquilatar. Foi agressiva e ríspida em duas oportunidades em que fiz observações sobre suas tarefas. Por outro lado, Sônia tinha o hábito de pedir adiantamentos e empréstimos. Com poucos dias de casa solicitou três mil reais para saldar uma dívida com uma agiota que a explorava. Algum tempo depois, pediu uma quantia semelhante para fazer obras na casa de sua mãe. Ao primeiro pedido, atendi, doando-lhe o dinheiro solicitado. O segundo defini como um empréstimo a ser saldado mais adiante. Mas Sônia, além de seu salário, equivalente na época a três salários mínimos, quase que semanalmente pedia outros empréstimos. Tentei lhe explicar que esse sistema não funcionaria em minha casa. Ela foi bastante agressiva nas suas demandas, alegando que antigos patrões lhe atendiam os pedidos, anotando as dívidas.

O ambiente foi se tornando desagradável até que, em um dia em que foi particularmente desrespeitosa, me vi decidido a interromper nossa relação de trabalho. Uma amiga minha conversou com Sônia e os acertos trabalhistas foram efetivados e anotados em sua carteira. Resolvi perdoar uma dívida que se arrastava há tempos e encerrar, de vez, o assunto. Sônia deve ter ficado uns cinco meses trabalhando em minha casa. Foi a única profissional, nesse período, com quem tive atritos e uma discordância séria quanto às noções e expectativas de relacionamento patrão e empregada. Ela ganhava três salários mínimos, quantia que estipulei, ouvindo e consultando amigas e colegas. Sônia, claramente, demonstrava acreditar ser natural e necessário que ela pedisse mais, em toda oportunidade que julgasse adequada. O pior problema era o seu modo de cobrar ajuda, agressivo e, nos meus termos, desrespeitoso. Nesses momentos ela expressava raiva de forma muito explícita. Algumas semanas depois de sua saída, dei por falta de um jogo de pratos de valor, antes sentimental do que monetário. Inevitavelmente, atribuí à Sônia o furto, diante das circunstâncias de nosso relacionamento. Não tinha certeza, nada iria fazer a não ser lamentar a perda de uma pequena lembrança material de uma pessoa estimada. O fato é que a experiência com Sônia explicitou alguns dos piores aspectos da relação patrão e empregada, com sua tensão e potencial de conflito.

O porteiro do meu prédio já me indicara, meses antes, uma vizinha sua de bairro. Essa moça de 30 anos chegou a ir em minha casa mas tinha acabado de ter um segundo filho a quem amamentava. Não tinha horário compatível com as minhas necessidades, mas me deixara excelente impressão. Com a saída de Sônia, pedi ao porteiro que verificasse a situação de Vera. De fato, ela já podia e precisava voltar a trabalhar num emprego regular. Moradora da Baixada Fluminense, com marido e duas crianças, não foi muito simples construir um horário satisfatório para ambos. Vera não tinha grandes experiências nem muita vocação para a atividade culinária, mas a sua correção, boa vontade e gentileza discretas levaram-me a contratá-la. Morena e alta, caso tivesse tido acesso a melhor educação, possivelmente poderia aspirar a outro tipo de emprego. Muito calada e lacônica, não tinha facilidade de expressão e desenvoltura vocabular. Católica, sempre que podia estava lendo a Bíblia. Pareceu-me ser de orientação carismática, ouvindo programas de rádio com preces e música religiosa. Praticamente só saía para fazer as compras da casa na feira ou no mercado. Seu marido trabalhava, como motoqueiro, na entrega de jornais. Morava na casa da mãe, num terreno em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Seu esforço estava voltado para a construção de uma casa, no mesmo terreno, para abrigá-la, marido e filhos. Próximo à casa da mãe residiam ainda uma outra irmã com seu marido e duas filhas adolescentes. Outros parentes moravam próximos. Vera chamava o terreno, que dizia ser grande, de quintal. A vida familiar parecia bastante movimentada.

Um dia chegou a notícia de que uma das sobrinhas tinha fugido de casa e Vera julgou que precisava ir para Nova Iguaçu ajudar a encontrar a fugitiva. Isso ocorreu em meio a algum nervosismo e choro. Vera saiu e, poucas horas depois, a fugitiva era encontrada na casa de uma colega. Fiquei impressionado pois achei que não era um caso grave e que a adolescente em breve apareceria. Mas esta não foi a visão de Vera, que considerou o evento como algo sério e ameaçador. Assim, ela, como tia, tinha que se mobilizar. Foi uma pequena discordância porque julguei que havia um certo exagero naquela movimentação de Ipanema à Baixada. Ela explicou-me que tinha de resolver as mais diversas questões que ocorressem no âmbito familiar. Suas irmãs, por diferentes razões, pouco faziam e a mãe já era uma senhora. Entendi que o pai já falecera. Vera era a mais jovem das profissionais que trabalharam comigo. Regulava com minha sobrinha, afilhada e com outras filhas de amigos, de trinta e poucos anos. O fato de ter filhos pequenos me sensibilizava, já mais acostumado com essa problemática no contato com as jovens citadas. Não posso prever as próximas etapas em detalhes, mas é provável que a dinâmica familiar de Vera possa produzir dificuldades para o seu desempenho no trabalho. De minha parte, acho que desenvolvi uma maior compreensão desses altos e baixos do cotidiano de pessoas pobres, moradoras de bairros distantes.

Aí cabe uma reflexão sobre a minha condição de antropólogo, do patrão antropólogo. Até os 62 anos nunca tive que procurar empregada. Na casa dos meus pais, minha mãe cobria esse setor, lidando com os serviçais. Lembro-me de algumas situações difíceis. Quando moramos nos Estados Unidos de 1948 a 1951, nos primeiros meses estávamos com uma empregada brasileira que levamos conosco. Era negra e gorda. Tenho vaguíssima lembrança dela, creio que mais de ouvir dizer. Não se adaptou e teve uma crise em que chegou a ameaçar a família, na ausência de meu pai. Voltou para o Brasil. No mais, várias empregadas passaram por nossa casa. As que demoraram mais tempo ficaram conosco por períodos de três a quatro anos. A maioria permanecia alguns meses ou pouco mais de um ano. Mas sempre havia essa personagem presente, com pequenos intervalos na procura de substituta para a que tivesse saído. Morávamos em Copacabana e, nessa época dos anos 1950 e 1970, sempre havia candidatas mais ou menos qualificadas. Lembro que, pelo menos, duas vezes meu pai, com sua autoridade de oficial do Exército, foi chamado a interferir para despedir empregadas consideradas mal educadas ou agressivas. Os filhos pouco se envolviam com a política interna doméstica, o que não significava ausência de interação que podia variar muito na sua natureza.

Casei-me em 1968 e fomos atendidos por uma veterana empregada que já trabalhava há muitos anos para a família de minha mulher. Era competente e calma. Em nosso primeiro apartamento, em Copacabana, não havia acomodações destinadas a serviçais (Velho, 1973). Assim Isaura passava ali algumas horas, quase todo dia, cuidando da casa, cozinhando, etc. Continuou conosco quando fomos para um apartamento maior, na Gávea, aí já podendo dormir no trabalho. Passamos um ano nos Estados Unidos e, quando voltamos, Isaura retornou ao nosso serviço. Assim, entre 1968 e 1972, tivemos o seu apoio. Adoentada e com problemas familiares, foi substituída por Dejanira, que me acompanhou por 35 anos. Por ocasião do fim de nosso casamento, ficou trabalhando comigo e foi fundamental para o funcionamento de meu cotidiano. Mudei-me para Ipanema, saindo da Gávea, e estou aqui até hoje, agora em minha segunda residência no bairro.

Deja aposentou-se, definitivamente, em 2007, com 72 anos. É dez anos mais velha do que eu. Tivemos raros desentendimentos nesse longo período. Compartilhávamos, em princípio, o mesmo código hierárquico acompanhado de confiança e afeto, creio que mútuos. Certamente era um exemplo de algumas reflexões de Gilberto Freyre sobre desigualdade, afetividade e reciprocidade (Freire, 1933 e 1936).

Minha casa, com inevitáveis adaptações, já funcionava com uma organização do tempo de casado. Assim, nunca tive que enfrentar de modo mais agudo o funcionamento doméstico, até a retirada de cena de Deja. Esta resistira sempre a indicar uma substituta, pois só recomendaria alguém em quem tivesse plena confiança. Dizia que as novas gerações buscavam outras atividades, diferentes do emprego doméstico. Foi por isso que tive que enfrentar, de modo inédito, a situação. Sexagenário, divorciado, pouco afeito ao mundo prático, tive que contar com o apoio e sugestões de pessoas amigas, inclusive minhas assistentes de pesquisa. No momento, continuo, como já disse, com Vera, indicação do porteiro do prédio, figura chave da vida urbana carioca (Velho, 1981). Nesse caso, trata-se de profissional há muitos anos funcionário do condomínio, pessoa muito eficiente e habilidosa, resolve problemas, faz consertos, responsabiliza-se por pequenas obras, etc.

Fica evidente que nesse período estive às voltas com redes de relações em que emprego era tema central. Embora pareça indiscutível que, de fato, tem declinado o número e o interesse por emprego doméstico, ainda há um universo não desprezível de mulheres que atua nesse ramo de atividade. Não disponho de números absolutamente confiáveis, mas o declínio quantitativo é notório.[7] Por outro lado, segundo a sociologia de Deja, as novas gerações buscam outras alternativas. Isso parece confirmado pela observação e informações de várias origens. Mais rara ainda é a figura da profissional que dorme no emprego. Predominam, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as diaristas que, frequentemente, trabalham em mais de uma residência. Geralmente dormem em suas próprias casas. Por outro lado, desenvolve-se uma especialização. O trabalho de Liane Maria Braga da Silveira aponta nessa direção no caso das babás (2011). Os salários, em princípio, são mais elevados. Assim, empregadas para todo o serviço, dormindo na casa dos patrões, aparecem como uma categoria em declínio, embora, pelo que pude perceber, esteja longe de ter desaparecido. No meu caso, as profissionais, dependendo do número de dias e horário, recebiam remunerações que variavam entre dois e três salários mínimos, que em 2011 era R$545,00. Diziam pessoas mais entendidas do ramo que eu era um bom candidato a patrão. Vivia só, trabalhava fora e pagava um salário satisfatório. O problema era o ajustamento de expectativas, características de temperamento, simpatia, etc.

Falei sobre minhas avaliações a respeito das empregadas. O que achariam elas de mim? Não fiz esta pesquisa mas tenho algumas impressões. Como cientista social procurava estar atento às diferenças de códigos socioculturais. Havia, em certos casos, um problema de vocabulário, de parte a parte. Sônia, num dos atritos que teve comigo, não entendia, percebi depois, o sentido de palavras que utilizei. Certamente o português empregado por todas elas afastava-se da norma culta com variações significativas. Deja entendia, em geral, aparentemente, com anos de prática, o que lhe dizia. Cecília que cursara o nível médio, lia jornais e assistia TV ou ouvia pelo rádio noticiários. Era uma pessoa mais próxima de um well informed citizen, nos termos de Schutz (1976). Zilda e Sônia, no contato que tive, revelavam não se interessar por maiores informações, fora do seu cotidiano familiar e de trabalho. O que não quer dizer que não estivessem expostas a elas, de modos variados, através da mídia, televisão, rádio e de suas interações do dia a dia. Vera, por sua vez, tinha um forte vínculo com a religião católica. Tinha hábitos e rotinas que confirmavam isso. Diariamente colocava as garrafas de água da minha casa junto ao seu rádio, no qual escutava um programa em que um padre rezava e abençoava. Assim, a água que consumíamos era abençoada. Não lia jornais, mas via novelas na televisão que tinha no seu quarto. Sua leitura era dedicada à Bíblia. Não se interessava pelos livros de receitas que lhe fornecia a não ser excepcionalmente. Falava com seus familiares pelo telefone, incluindo-se os seus dois filhos, ambos menores de sete anos.

Sônia, enquanto trabalhou em minha casa, onde pernoitava de segunda à sexta, saía frequentemente, depois de servido o jantar. Disse-me, em algumas ocasiões, que ia a uma igreja evangélica. Outras vezes ia visitar o filho e sua família na Rocinha, na época ainda ostensivamente refúgio e, em parte, território de traficantes. Zilda vivia em função de sua problemática com os numerosos filhos, espalhados pelo país. Lembro que tinha uma filha na Paraíba e outra, como já disse, bem pequena, aos cuidados de uma terceira, já adulta, moradora da favela/comunidade de Rio das Pedras, na Zona Oeste, além dos filhos homens moradores de outras áreas da região metropolitana. Zilda se deslocava entre essas diferentes localidades tendo como base o apartamento em que morava, no prédio em que o marido trabalhava como porteiro, no Humaitá.

Todas essas trabalhadoras domésticas sabiam que eu era professor. Deja me acompanhara desde a minha condição de doutorando na USP e já docente da UFRJ. Conhecera colegas e alunos meus, além dos amigos de fora da Universidade. Assim, tinha uma visão relativamente rica e extensa de minha vida. Testemunhava as minhas aparições na imprensa, visitas de jornalistas e de equipes de TV à minha casa. Ou seja, tinha uma noção de minha condição de intelectual público. As que se seguiram, sabiam que eu era professor. Cecília tinha mais informação a meu respeito, pois seu marido, taxista, me serviu regularmente por cerca de cinco anos. Tinha alguma ideia e interesse pela minha figura pública. Conhecia pessoas que já tinham ouvido falar de mim. Zilda e Sônia passaram relativamente pouco tempo trabalhando para mim e, pelo que sei, sabiam apenas que eu era professor. Sônia disse-me um dia que o porteiro havia lhe dito que eu era um professor importante. Comentou que tinha uma sobrinha, suponho no ensino médio, com dificuldades de estudo. Não sei se imaginava a possibilidade de uma ajuda minha… Mas não voltou a falar no assunto e pouco depois foi embora, depois dos atritos já citados.

Quanto à Vera, que está trabalhando comigo há um ano, tenho a impressão que tem uma vaga ideia do que faço. Mas, sobretudo, creio que não é um grande interesse seu. Procura fazer as suas tarefas, trata-me bem e, sobretudo, preocupa-se com sua família. Deja envelheceu junto comigo num processo de trinta e cinco anos. Acompanhou altos e baixos de minha vida, muitas vezes sem saber de detalhes, mas era um apoio que me garantia um certo tipo de segurança. Caracterizava-se por uma atitude discreta e sóbria. De minha parte, tive oportunidade de apoiá-la em situações variadas. Ajudei a empregar irmãs e sobrinhas suas. Era, de algum modo, um tipo de clientelismo tradicional, misturado com amizade baseada em escolhas individuais. Não era apenas uma troca de serviços mas, consistente com análises de autores como Gilberto Freyre (1933 e 1936) e Sérgio Buarque de Holanda (1936), alimentava-se de uma lealdade afetuosa recíproca. As suas sucessoras estavam, claramente, lutando por suas vidas e de suas famílias numa conjuntura em que trabalhar comigo era mais uma etapa, um meio para atender a esses projetos. Ouso conjeturar que, para Deja, trabalhar para mim era um fim em si mesmo, além de ser naturalmente um meio de subsistência e apoio. Vera já disse que gosta de trabalhar em minha casa. É uma pessoa de poucas palavras e bastante contida. Assim, creio que essa declaração tem um certo peso, diferenciando-a de Sônia e Zilda que expressavam plenamente seus interesses e aspirações individuais. Penso que Sônia me via como um patrão que ela aturava, na falta de melhores opções, e Zilda, embora fosse amável e simpática, não me incluía em suas prioridades. Os seus filhos eram motivo suficiente para mobilizá-la permanentemente. É importante salientar que nunca entrevistei as minhas empregadas no sentido mais formal da atividade de pesquisa. Conversei com elas, de acordo com as variações já descritas, e observei-as em minha casa — at home (Peirano, 2008, e Velho, 2011). De algum modo, dialogamos, embora eu na condição de patrão e elas como trabalhadoras a meu serviço. No entanto, creio que não dá para reduzir a relação a esse nível, pois a própria proximidade e relativa intimidade da vida doméstica fazia com que as interações se dessem em múltiplos planos.

Quanto ao poder envolvido nas relações, devo dizer que, sem ignorar a grande diferença financeira, a importância que os seus serviços tinham para mim fazia com que a minha dependência as fortalecesse em inúmeras situações. Sônia, especificamente, falava, com frequência, em ir embora. Isso ocorria, sobretudo, quando queria que eu lhe fornecesse dinheiro além do salário. Aliás, por diversas ocasiões, acedi às suas pretensões até me dar conta que isto não ajudaria o nosso relacionamento, já que a referida solicitação era feita de modo agressivo.

Essas reflexões, em parte foram feitas no decorrer do meu cotidiano da época. Sem dúvida a distância temporal permite novos ângulos e perspectivas. Foi um convívio, com dimensão de pesquisa pouco convencional. Alimentava-me, permanentemente, a ideia de que estava, através daquela vivência, ampliando meu conhecimento sobre as camadas populares brasileiras, valendo-me de um contexto e circunstâncias de minha vida pessoal. Intelectual de classe média, com limitada experiência de administração doméstica, vi-me na posição de ter de interagir, negociar e procurar compreender a visão de mundo de mulheres de origem modesta e pobre. Cecília, até certo ponto, se distinguia no pequeno universo, estando, por sua trajetória, na fronteira da classe trabalhadora com uma pequena classe média de subúrbio.[8] Seu marido, afinal, era proprietário de um táxi, seu instrumento de trabalho, e ela, com seu curso médio, estava qualificada a pensar num vestibular. Por seu padrão de consumo e aspirações, possivelmente se enquadraria no que vem sendo chamado pela mídia de “classe C”, segmento social em ascensão. Mas o fato é que, contando desde o período em que funcionou como auxiliar de Deja, ficou na condição de trabalhadora doméstica por uns três anos. Era importante para ela e o marido que o filho estudasse em escola particular paga. Todas as outras personagens só conheciam a escola pública, fosse por sua experiência direta, fosse pelos filhos em idade escolar. Quase sempre só tinham o curso básico, às vezes incompleto, e só Cecília concluíra o ensino médio, também em instituição pública.

Queria enfatizar que, a despeito de minha desconfiança de Sônia, quanto a um provável furto, me chamou a atenção a honestidade dessas trabalhadoras domésticas. Eram profissionais com “referências”. Sei de pessoas de outras categorias sociais, supostamente mais educadas, que não compartilhavam os mesmos padrões de lisura e correção. Detalhes como troco, prestações de contas, localização e cuidado com objetos, roupas, etc., eram características que, talvez por preconceitos meus, muito me impressionaram.

Todas diziam ou davam a entender que eram religiosas. Deja era católica e rezava regularmente. Às vezes, ia à igreja, além de, como já disse, fazer romarias, de quando em quando, com seus familiares. Sônia e Cecília frequentavam igrejas evangélicas. Zilda era católica mas, como Deja, não parecia ser seguidora regular. Vera, aparentemente, era a mais engajada na vida religiosa. Lia sempre a Bíblia, rezava o terço regularmente, ouvia diariamente programas de rádio ligados ao movimento carismático. Criticava uma de suas irmãs que se convertera a uma igreja evangélica. Atacava especialmente os pastores e a instituição do dízimo. Havia, portanto, variações na experiência religiosa de meu pequeno universo mas todas eram cristãs. As diferenças também apareciam quanto à relação com os cultos afro-brasileiros, desde total afastamento até contato indireto através de suas redes de relações.

Não creio que tenha elementos, nem estou convicto de até que ponto é importante, neste momento, distinguir uma moral laica de uma religiosa. Certamente o trabalho é um valor, fortemente associado à vida familiar, com suas expectativas, padrões de interação e reciprocidade. Assim, pais, irmãos, filhos, netos e primos apareciam regularmente, nas redes de relações. Os cônjuges e os afins eram em alguns casos citados, mas com menos ênfase. Deja nunca tinha casado e não pudera ter filhos. Cecília adotara com o marido uma criança. Ele tivera vários casamentos anteriores e produzira quatro filhos de três mães diferentes.[9] Zilda, pelo que percebi, só tivera um esposo com quem vivia e tiveram juntos vários filhos. Sônia tinha pelo menos um filho, e morava perto de sua mãe, mas estava aparentemente sem companheiro na época. Houve queixas de afins, especificamente sogras. Acompanhei uma separação, depois refeita, mas neste e em outros episódios, a explicação sobre os problemas conjugais concentrava-se nos afins e seu comportamento considerado inadequado. Deja compunha com seus irmãos, particularmente as irmãs, um sólido grupo familiar que abarcava uma rede mais ampla com tios e primos que se aproximava de um tipo de família extensa. De origem rural, mantinham laços com seus parentes que permaneceram no interior do estado do Rio de Janeiro. De vez em quando organizavam excursões para revê-los. Passavam alguns dias no que chamavam de “roça” mas estavam, há décadas, estabelecidas em Padre Miguel, subúrbio da região metropolitana. Embora Deja pudesse falar nostalgicamente de seu passado rural, estava desde muito jovem na grande cidade. Seus laços familiares mantinham-na morando junto com duas irmãs e seus filhos numa casa com “puxados”, ampliações produzidas no imóvel no decorrer dos anos. Enquanto trabalhou comigo, dois de seus irmãos homens e um cunhado faleceram. Mesmo os que não residiam na mesma habitação moravam no mesmo bairro. Conheci pessoalmente irmãs e sobrinhas de Deja. Duas chegaram a fazer serviços em minha casa, ajudando, por exemplo, em dias de festa. Sempre foi uma relação amistosa.

É evidente que é desproporcional o volume de informações que obtive no longo período em que convivi com Deja, comparando-o com os meses de Zilda e Sônia, o ano de Vera, e os poucos anos de Cecília. No caso desta última, o fato de seu marido me atender regularmente como taxista durante cerca de cinco anos e ter sido o intermediário de seu emprego tem consequências óbvias para a minha visão de seu modo de vida.

Sobre a natureza dessas reflexões, em boa parte de retrospectiva antropológica, creio ser importante sublinhar que nunca visitei nem conheci as casas de minhas empregadas. Moravam comigo, na minha residência, por períodos variados. Dividimos o mesmo teto. Com toda a ambiguidade eram relações muito próximas, mesmo fisicamente. Havia claramente regras implícitas de evitação e de manutenção de distância social. Uma das mais evidentes era a de não exposição do corpo, de parte a parte. Tanto eu, como elas, cumpríamos uma rotina em que havia uma etiqueta, em princípio, compartilhada por todos. Sempre fui tratado como “senhor” ou “professor”, enquanto eu as tratava por “você”.

Deja, como já disse, conheceu meus pais, meu irmão e alguns outros parentes. Eu não tinha uma vida familiar muito intensa mas ela dominava o mapa básico que incluía minha rede de amigos. Cabe lembrar que eu estava casado nos primeiros quatro anos de seu trabalho comigo. Aliás, dava-se muito bem com a minha mulher. Ficou discretamente triste com a nossa separação e sempre se esforçou para cuidar bem de mim e da residência.

Com a possível exceção de Cecília, portanto, eram todas profissionais assumidas de emprego doméstico. Havia, certamente, um trânsito entre esferas de relacionamento social com multipertencimentos e dinâmica de papéis. Sônia, especificamente, queria, a todo custo, obter em dinheiro mais do que seu contrato de trabalho. As outras, em princípio, compartilhavam os valores segundo os quais se espera apoio e solidariedade do patrão em momentos difíceis como doença, problemas legais, habitacionais, emprego para parentes, etc. O auxílio financeiro podia ser importante e necessário, mas o sentimento de uma certa proteção e solidariedade eram cruciais. Por outro lado, aparecia também a reciprocidade em que iam além de suas obrigações formais em acontecimentos especiais, como, por exemplo, na morte de meu pai e nas minhas dificuldades de saúde, que se multiplicaram com o correr dos anos. Neste último caso, sobretudo Deja e Vera deram apoio importante, ao lado de meus amigos. Com isso, demonstraram que, além da relação de trabalho, estabeleceram laços de natureza pessoal (Coelho, 2001).

Em outros termos, é impossível separar, em certos momentos, as obrigações profissionais das cumplicidades afetivas. Foram, assim, minhas amigas, com uma interpretação mais cordial das distâncias sociais. Na minha autoavaliação é improvável que pudesse ficar indiferente ao ouvir uma pessoa doente tossir horas seguidas ou quando alguém perde um ente querido e entra num estado de profunda tristeza, situações, entre tantas, em que pude apoiar Deja. Vera, por sua vez, teve sua casa inundada numa dessas fortes tempestades de verão do Rio de Janeiro, causando prejuízo, medo e insegurança. Seus filhos, também, são fonte de permanente preocupação. Vivem todas envolvidas com suas famílias, num tipo de “comunidade social” que implica redes mas é mais do que um sistema de relacionamento articulado por papéis, regras e padrões claros, para ser um território de emoções fortes, para o bem ou para o mal (sobre redes, ver Bott, 1972, e Mitchell, 1971, entre outros). A solidariedade aparece misturada com competição, inveja e ressentimentos (ver Simmel, 1971). A generosidade é, com frequência, dramaticamente ambígua, com momentos de agressividade verbal ou mesmo física. Isso, obviamente, varia nos casos observados. A comunidade social de Deja pareceu-me ser a que melhor resolvia seus conflitos, sem eliminá-los totalmente. As relações conjugais de Cecília e Vera, as mais moças, apresentavam momentos de fortes desequilíbrios, com ameaça ou mesmo efetivação de separações temporárias.

Quanto à representação de sua atividade profissional, um dado que achei interessante foi o dos uniformes. Deja os utilizava normalmente. Cecília, variava, podia usá-los ou não. Tinha uma concepção de elegância mais ou menos informal. Zilda e Sônia, aparentemente, gostavam de utilizá-los, sendo que Sônia parecia ter particular gosto em envergá-los. Como fosse de natureza mais robusta, não podia simplesmente herdá-los — assim comprei dois uniformes, um mais simples e despojado, o outro mais formal, azul marinho, com uma espécie de insígnia, o que lhe dava um ar garboso. A única que claramente demonstrou vontade de não utilizá-los foi Vera, que ao vê-los perguntou com um ar abatido: “Uniforme?” De imediato garanti-lhe que era desnecessário. Preferia trabalhar com uma espécie de bermudas, compondo seu tipo longilíneo e esguio. Não era apenas um problema do traje adequado à robusta Sônia não caber na esbelta Vera, era uma questão de estilo de apresentação de si, uma temática goffmaniana. Certamente haveria um problema de dimensão física, mas o que estava em jogo era, basicamente, uma autorrepresentação de trabalhadora e mulher. Sônia usava umas botinas e Vera estava, quase sempre, com sandálias havaianas, mesmo quando ia à rua fazer compras. Esta, aliás, era uma tarefa fundamental. Acredito que, paralelamente a gostos pessoais, a pertencimentos a “culturas de gosto” (Gans, 1975), a rejeição ou resistência ao uso de uniformes expressava um afastamento do papel de “empregada doméstica”. Justamente Cecília e Vera, as mais novas, por razões próprias, evitavam essa marca que poderia ser considerada desvalorizante ou mesmo estigmatizante (Goffman, 1959 e 1963). É interessante pois se Cecília tivera outras atividades, Vera só trabalhara em serviços domésticos. Com o correr dos anos, Dejanira utilizava cada vez mais o serviço de entrega por telefone, limitando-se a eventuais expedições às feiras do bairro. As outras frequentavam os supermercados. Cecília, certa vez, teria sido alvo dos galanteios excessivos de um senhor mas, segundo seu relato, colocou-se em posição de combate de caratê, arte marcial que frequentava, afugentando o atrevido. Deja uma vez foi agredida por uma mulher transtornada que, do nada, atacou-a de súbito causando-lhe susto e leves escoriações. Em outra ocasião caiu num buraco de obras da prefeitura, chegando a machucar-se. Levei-a a uma emergência particular próxima a minha casa, onde foi socorrida. Levou algum tempo para recuperar-se, o que diminuiu ainda mais sua vontade de sair. Cada qual tinha seus mapas da cidade, com trilhas próprias em que o transporte público era o instrumento básico. Trem (comboio), ônibus (autocarro), vans (carrinhas) e metrô eram utilizados de modos diferenciados. Zilda morava perto, na Zona Sul e chegava rápido, sem maiores desconfortos. Cecília, na maior parte do tempo, vinha de carona (boleia) com seu marido taxista, voltando de metrô e ônibus. Deja utilizava trem e ônibus e Vera trem, ônibus e metrô. Tinham todas sua própria cartografia urbana com semelhanças e variações, em função do local de moradia e circunstâncias pessoais. Assim, Deja morava no distante subúrbio de Padre Miguel, Cecília depois da Baixada Fluminense mudou-se para a Zona Norte, Zilda morava num prédio da Zona Sul e frequentava favelas/comunidades da Zona Oeste. Sônia descia da Serra Carioca e ia regularmente à Rocinha, favela/comunidade da Zona Sul onde morava um filho, e Vera fazia o percurso da Baixada Fluminense, área de sua morada, para Ipanema. Em geral, não citavam nomes de locais, ruas, praças, etc. Utilizavam, sobretudo, os verbos “descer” e “subir”. Esse era um ponto de dificuldade na minha comunicação com elas, pois me oriento basicamente pelos nomes dos logradouros, não percebendo claramente para onde se subia ou descia.

A diferença de idade tem certamente consequências para seu modo de viver e de percepção da realidade. Deja comentava que poucas jovens atualmente apreciavam o trabalho doméstico. Suas sobrinhas buscavam outros tipos de inserção social, procurando estudar mais para qualificação, mas nenhuma completou o curso superior, embora duas tivessem chegado a entrar para faculdades particulares. Desistiram por razões financeiras e por outras alternativas no mercado de trabalho, principalmente como comerciárias.

Creio estar claro que não se trata de um universo homogêneo que, por seu tamanho, impede generalizações apressadas. No entanto, creio que a experiência que tenho tido permite observar algumas características importantes. A própria natureza do trabalho doméstico, e suas transformações, faz com que essas profissionais transitem espacial e socialmente. No decorrer de suas carreiras, trabalham em bairros diferentes, com famílias de estilos de vida diferenciados embora aproximadas pelos recursos financeiros que lhes permitem contratar serviços domésticos. No caso de Deja, antes de trabalhar por 35 anos em minha casa, teve outras experiências no universo de camadas médias superiores. Isso tinha sido importante para o desenvolvimento de suas qualificações, que a tornavam um objeto de desejo. Cozinheira admirada, era solicitada a fornecer receitas para pessoas que frequentavam a minha residência. Por exemplo, a sua musse de chocolate mereceu ser incorporada ao cardápio de embaixadas brasileiras no exterior. Recebeu elogios rasgados de uma amiga francesa que me dizia, talvez com certo exagero, que em Paris não se encontrava musse como a de Deja… O fato interessante é que essa receita foi obtida inicialmente por ela quando trabalhou para uma família francesa, no início de sua carreira. Suas receitas brasileiras mais tradicionais eram comparadas às de livros famosos, como o de Dona Benta. O que quero destacar é que, através da culinária, se estabelecia um canal de comunicação entre diferentes categorias sociais. Por outro lado, Deja aprendeu outras receitas em minha casa, fosse através de minha ex-mulher, fosse através de outras amigas. Em geral, parece-me relevante chamar a atenção desse trânsito de que todas participavam, não só no terreno da culinária, mas de outros variados, como vestuário, técnicas de limpeza, vocabulário, saúde e tudo o que a acompanha, como medicamentos, tratamentos, etc. O mais significativo para uma visão mais ampla deste processo é perceber que se trata de uma estrada de mão dupla, num efetivo sistema de troca cultural. Embora isso já tenha sido comentado em relação a modelos mais tradicionais, penso que as mudanças aceleradas socioeconômicas no Brasil, nas últimas décadas, deram margem ao aparecimento de tipos de relação e de categorias sociais que, embora marcadas por uma distância hierárquica, desenvolvem modos de vida através dos quais produzem e atuam em novas situações. Há uma combinação de atitudes e comportamentos, ancorados em relações tradicionais, com valores individualistas de ascensão e afirmação social. O fato é que quando terminava uma versão deste texto, Vera me trouxe, do fim de semana, um pedaço de bolo e meia dúzia de brigadeiros do aniversário de três anos de seu filho menor. Fiquei gratíssimo.

As empregadas domésticas, nesse cenário, parecem desempenhar um interessante papel de levar e trazer experiências e informações de modo crescente e dinâmico. As motivações passam por, como vimos, desde uma luta básica pela sobrevivência para uma vontade de consumo e mesmo ambição profissional/financeira. Parece-me que os casos de Cecília e Sônia, principalmente, são bastante ilustrativos dessas pretensões. A busca por uma melhor educação que possa chegar mesmo até o diploma universitário nos casos que acompanhei se aplicava, sobretudo, a projetos envolvendo as novas gerações de filhos, sobrinhos e netos. Também acho importante ressaltar que, embora o trabalho doméstico profissional possa ter declinado em certos aspectos, continua sendo uma alternativa importante para as camadas populares. Assim, se toda a geração de Deja e de suas irmãs sexagenárias e septuagenárias dedicou-se a serviços domésticos, também na de Vera, de trinta e poucos anos, encontramos irmãs e primas sobrevivendo às custas dessa atividade. É verdade que, como já foi dito acima, hoje tendem a predominar soluções intermediárias, como a de diarista ou folguista, contrastando com o esquema tradicional de emprego permanente em uma só casa, característica da mencionada geração de Deja. Dormir em casa, cuidar dos filhos e do casamento são preocupações fundamentais, tornando-se cada vez mais prioritárias. Dentro de meu campo restrito de observação, vale registrar que interagi também com acompanhantes e enfermeiras, cujas características sociais pareciam ser muito próximas àquelas do universo que até agora comentei. Esse meu acesso deveu-se, sobretudo, aos cuidados com a minha mãe, hoje nonagenária. Algumas dessas pessoas que desempenham essas funções eram, originalmente, empregadas domésticas. Portanto, de algum modo, estavam ascendendo, não necessariamente só em termos financeiros, mas como marcas de reconhecimento social. Embora não seja inevitável e irreversível, a condição de empregada doméstica, implica algum grau de desvalorização. Há diferenças significativas, no entanto, quando se coloca a questão salarial, para quem se trabalha e as condições gerais de emprego (Kofes, 2001, e Silveira, 2011).

Saliente-se que a sua condição modesta não exclui um significativo papel de mediação e comunicação entre categorias sociais e níveis de cultura. Sobretudo, há que destacar as suas características de transitar entre diferentes contextos, meios, situações, e vendo, ouvindo e comparando.[10] Nessa atuação, com maior ou menor clareza quanto aos seus projetos, são agentes de mudança social, reinterpretando e reinventando relações, costumes e códigos. Percorrem a metrópole, em ritmos e velocidades diversificados, fazendo novas combinações, juntando fragmentos e pedaços de vários mundos, numa fascinante bricolage. Longe de serem meras sobrevivências de um passado arcaico, são ativas construtoras de novos mundos, em que hierarquia e individualismos, tradição e modernidade são transformados em instigantes metamorfoses. É importante conseguir identificar situações e contextos propícios a diferentes combinações de valores individualistas e hierarquizantes nos termos de Simmel (1971) e Dumont (1966 e 1977), até para superar modelos que possam congelar processos sociais complexos e dinâmicos. O fato é que essas mulheres estão envolvidas, como participantes ativas, em processos de negociação da realidade em que são intérpretes e sujeitos na leitura de significados antigos e produção de novos.

 

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Notas

[1] Agradeço os comentários e sugestões da Dra. Mariza Peirano.

[2] Fluminense é uma referência ao estado do Rio de Janeiro, como um todo, enquanto carioca à cidade do Rio de Janeiro, propriamente dita.

[3] Estas classificações são, como sabemos, variadas e polêmicas. Em princípio, utilizo um “senso comum” brasileiro com as próprias autodefinições das pessoas citadas.

[4] Área predominantemente habitada por camadas populares, que inclui um conjunto de bairros da região metropolitana do Rio de Janeiro.

[5] Área, de intensa atividade turística, no litoral do estado do Rio de Janeiro, a leste da capital.

[6] Maior favela/comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro, possivelmente de toda a região metropolitana cuja população chegava a ser calculada em torno de cem mil pessoas.

[7] Segundo o IBGE, o número de empregados domésticos no Brasil era de 16.500.000 em 2009, passando para 15.000.000 em 2011. Já na região metropolitana do Rio de Janeiro havia 416.000 em 2008, incluindo mulheres e homens (IBGE, 2011).

[8] Para finalidades comparativas ver Duarte e Gomes (2008).

[9] Casamento aqui tem o sentido de viver juntos por um período de tempo, gerando ou não filhos.

[10] Sobre relações entre níveis de cultura, registro a importância da leitura de trabalhos de M. B. Bakhtin (1987), Peter Burke (1989) e Carlo Ginzburg (1987), que podem nos ajudar a pensar o mundo contemporâneo.

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