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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.4 Coimbra out. 2020

https://doi.org/10.12707/RV20070 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Estudo psicométrico: Questionário de Conhecimentos das Intervenções Autónomas de Enfermagem no Doente com Síndrome Coronário Agudo

Psychometric study of a Knowledge Questionnaire on Autonomous Nursing Interventions in Patients with Acute Coronary Syndrome

Estudio psicométrico: Cuestionario de Conocimientos de las Intervenciones Autónomas de Enfermería en el Paciente con Síndrome Coronario Agudo

 

João Carlos Bastos Pina* 1,2,3
https://orcid.org/0000-0002-0277-9172

Maria Augusta Romão da Veiga Branco 1
https://orcid.org/0000-0002-7963-2291

Maria Madalena Jesus Cunha Nunes 3,4
https://orcid.org/0000-0003-0710-9220

João Carvalho Duarte 3,4
https://orcid.org/0000-0001-7082-8012

Cláudia Ribeiro da Silva 5,6
https://orcid.org/0000-0002-4025-7236

 

1 Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde, Bragança, Portugal

2 Administração Regional de Saúde do Norte, Agrupamento de Centros de Saúde Douro II - Douro Sul, Serviço de Urgência Básico de Moimenta da Beira/Ambulância SIV de Moimenta da Beira - INEM, Viseu, Portugal

3 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde, Viseu, Portugal

4 Instituto Politécnico de Viseu, Centro de Estudos em Educação, Tecnologias e Saúde (CI&DETS), Viseu, Portugal

5 Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal

6 Escola Superior de Saúde de Alcoitão, Alcoitão, Portugal

 

RESUMO

Enquadramento: O reconhecimento da autonomia dos enfermeiros só poderá ser conseguido se esta for corretamente mensurada e validada. Neste sentido, torna-se imperioso avaliar os seus conhecimentos, reconhecendo o seu papel decisivo.

Objetivo: Validar e avaliar as propriedades psicométricas do Questionário de Conhecimentos acerca das Intervenções Autónomas de Enfermagem face ao Doente com Síndrome Coronário Agudo.

Metodologia: Estudo metodológico, descritivo analítico-correlacional e transversal. Avaliou-se a consistência interna através do alfa de Cronbach e a análise fatorial confirmatória numa amostra de 738 enfermeiros portugueses inscritos na Ordem dos Enfermeiros.

Resultados: A média de idades foi de 37,57 anos, sendo 76,0% mulheres. Após o refinamento do questionário, a análise fatorial confirmatória evidenciou uma qualidade de ajustamento aceitável da estrutura fatorial composta por 9 fatores com 44 itens (x2/gl = 2,042; CFI = 0,846; GFI = 0,826; RMSEA = 0,053; RMR = 0,069). A consistência interna global foi de α = 0,930, mostrando uma fiabilidade elevada, explicando 56,739% de variância total.

Conclusão: O questionário é fiável e válido revelando potencial para investigação, monitorização e avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros em contexto formativo e prática clínica.

Palavras-chave: autonomia profissional; cuidados de enfermagem; métodos; estudo de validação; síndrome coronário agudo

 

ABSTRACT

Background: The recognition of nurses autonomy can only be achieved if it is correctly measured and validated. In this sense, it is imperative to evaluate their knowledge, recognizing their decisive role.

Objective: To validate and evaluate the psychometric properties of the Knowledge Questionnaire about Autonomous Nursing Interventions for patients with Acute Coronary Syndrome.

Methodology: Methodological, descriptive, analytical-correlational and cross-sectional study. Internal consistency was assessed using Cronbach’s alpha and confirmatory factor analysis in a sample of 738 Portuguese nurses enrolled in the Ordem dos Enfermeiros.

Results: The average age was 37.57 years, 76.0% of which were women. After the refinement of the questionnaire, the confirmatory factor analysis showed an acceptable quality of adjustment of the factor structure composed of 9 factors with 44 items (x2/gl = 2.042; CFI = 0.846; GFI = 0.826; RMSEA = 0.053; RMR = 0.069). The overall internal consistency was α = 0.930, showing high reliability, explaining 56.739% of total variance.

Conclusion: The questionnaire is reliable and valid, revealing the potential for investigation, monitoring and evaluation of nurses’ knowledge in a training context and clinical practice.

Keywords: professional autonomy; nursing care; methods; validation study; acute coronary syndrome

 

RESUMEN

Marco contextual: El reconocimiento de la autonomía de los enfermeros solo puede lograrse si esta se mide y valida correctamente. En este sentido, es imperativo evaluar sus conocimientos y reconocer la función decisiva que desempeñan.

Objetivo: Validar y evaluar las propiedades psicométricas del Cuestionario de Conocimientos de las Intervenciones Autónomas de Enfermería en el Paciente con Síndrome Coronario Agudo.

Metodología: Estudio metodológico, descriptivo, analítico-correlacional y transversal. La consistencia interna se evaluó mediante el alfa de Cronbach y el análisis factorial confirmatorio en una muestra de 738 enfermeros portugueses inscritos en el Colegio de Enfermeros.

Resultados: La edad media era de 37,57 años, el 76,0% eran mujeres. Tras el perfeccionamiento del cuestionario, el análisis factorial confirmatorio mostró una calidad de ajuste aceptable de la estructura factorial compuesta por 9 factores con 44 ítems (x2/gl = 2,042; CFI = 0,846; GFI = 0,826; RMSEA = 0,053; RMR = 0,069). La consistencia interna global fue = 0,930, lo que muestra una alta fiabilidad, que explica el 56,739% de la variancia total.

Conclusión: El cuestionario es fiable y válido, y revela el potencial de investigación, monitorización y evaluación de los conocimientos de los enfermeros en el contexto formativo y la práctica clínica.

Palabras clave: autonomía profesional; atención de enfermería; métodos; estudio de validación; síndrome coronario agudo

 

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são vistas como a principal causa de morte no mundo: cada vez mais, morrem mais pessoas anualmente de DCV do que qualquer outra causa. Em 2016, as DCV foram responsáveis por 17,9 milhões de mortes em todo o mundo, ou seja, 31% de todas as mortes globais e 44% das mortes por doenças não transmissíveis. Estima-se ainda que esse número chegue a quase 23,6 milhões em 2030 (World Health Organization, 2018). A ocorrência de óbitos associados a doenças do aparelho circulatório, em Portugal, é cerca de 29,3% (PORDATA, 2017), assumindo-se, assim, como a principal causa de morte em Portugal.

Nos últimos anos, constatou-se que dois terços das mortes devido a eventos coronários ocorrem em ambiente pré-hospitalar, especialmente nos casos em que surgiram de forma súbita arritmias fatais desencadeadas pela isquémia (Instituto Nacional de Emergência Médica & Departamento de Formação em Emergência Médica, 2019). Neste sentido, a importância da formação e conhecimento do enfermeiro será determinante na prevenção e no reconhecimento precoce dos eventos coronários nefastos, contribuindo, deste modo, para a diminuição dos índices de mortalidade e comorbilidade.

O síndrome coronário agudo (SCA), enquanto flagelo incrivelmente letal, exige um reconhecimento imediato dos sintomas, um comportamento de procura de cuidados e uma intervenção imediata por parte dos profissionais de enfermagem, assumindo-se, assim, como um importante desafio (Patel, Mohanan, Prabhakaran, & Huffman, 2017).

Sendo a enfermagem uma ciência que assume como foco de atuação as respostas humanas aos processos de vida e de transição da pessoa no processo de saúde/doença, com ênfase na necessidade de desenvolvimento das práticas, como suporte de um exercício profissional mais crítico-reflexivo, é claramente indispensável que os enfermeiros desenvolvam mecanismos próprios de valorização, tornando visíveis os cuidados que prestam à população (Alves, 2015).

No que concerne à tomada de decisão do enfermeiro, também o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE), é perentório em afirmar, no artigo 5.º, que os cuidados de enfermagem se caracterizam pela presença e estabelecimento de uma relação de ajuda com o utente (abordagem sistémica e sistemática), cuja interação é objetivamente documentada, em processo de enfermagem, mediante a aplicação de metodologia científica (Ordem dos Enfermeiros [OE], 2015).

O planeamento dos cuidados de enfermagem à pessoa em situação crítica, consubstanciado numa metodologia científica inerente ao processo de enfermagem, permite sustentar o processo de tomada de decisão do enfermeiro na implementação das intervenções, incorporando na prática os resultados da investigação. Após a identificação das necessidades, são prescritas intervenções de enfermagem de forma a detetar precocemente complicações e problemas potenciais e resolver ou minorar problemas reais identificados, mediante um paradigma de atuação preciso, concreto eficiente e em tempo útil (Regulamento nº 429/2018 de 16 de julho, 2018). Falamos, por exemplo, na “apropriada implementação de medidas de suporte avançado de vida” e na “gestão adequada de protocolos terapêuticos complexos” (OE, 2017, p. 13).

Corroborando esta linha de pensamento, Facione, Crossetti, e Riegel (2017) acreditam que o pensamento crítico holístico em enfermagem será tão ou mais relevante e fortificado, quanta a importância que for dada nas primeiras fases do processo de enfermagem, permitindo a obtenção de um sólido conhecimento acerca das necessidades do doente e um diagnóstico de enfermagem preciso. Afirmam também que este pensamento será o resultado concomitante de um julgamento reflexivo que se encontra aberto a uma panóplia de habilidades cognitivas intrínsecas ao profissional de enfermagem e que deverão considerar objetivamente no processo formal de tomada de decisão: a forma como os problemas são enquadrados, a qualidade da evidência, a adequação dos métodos, a razoabilidade dos critérios, a aplicabilidade de teorias e princípios, as preferências do doente e o contexto das práticas de cuidados de saúde.

Neste sentido, justifica-se a pertinência deste estudo, cujo objetivo principal consistiu em validar e avaliar as propriedades psicométricas do Questionário de Conhecimentos acerca das Intervenções Autónomas de Enfermagem face ao Doente com SCA.

 

Enquadramento

O termo SCA caracteriza-se por uma alteração entre o mecanismo de oferta e de procura de oxigénio pelo miocárdio, tendo sido despoletado pela rotura ou desgaste de uma placa aterosclerótica que, ao entrar na circulação sanguínea, poderá alojar-se num determinado ponto das artérias coronárias, causando a sua isquémia (Macedo & Rosa, 2010; Nikolaou et al., 2015).

Para aumentar a sobrevida por episódios isquémicos é importante reduzir o intervalo entre o início dos sintomas e o início do tratamento dirigido, se possível no pré-hospitalar (Instituto Nacional de Emergência Médica & Departamento de Formação em Emergência Médica, 2019). Assim, a rápida intervenção clínica é essencial para o sucesso do tratamento de doentes com SCA devido à necessidade de reduzir ao máximo o risco de arritmias fatais.

A obtenção de uma história clínica pormenorizada constitui, sem qualquer dúvida, a pedra basilar no estabelecimento do diagnóstico do SCA, que consiste, regra geral, na presença de dor precordial com irradiação para o dorso, pescoço, mandíbula ou membro superior esquerdo, podendo estar associada a dispneia, náuseas/vómitos, fadiga, palpitações, sudorese ou síncope (Nikolaou et al., 2015; Ibanez et al., 2018).

O baixo nível socioeconómico, o fator sexo feminino, os meios de transporte, a automedicação, o não reconhecimento dos sinais e sintomas de um evento cardíaco, a negação em aceitar o evento e o atendimento prévio não especializado, estão associados com o atraso na procura do serviço de urgência/emergência (Ouchi, Teixeira, Góes Ribeiro, & Oliveira, 2017).

Neste contexto, segundo os mesmos autores, importa salientar a condição sine qua non que indica a necessidade absolutamente fulcral dos profissionais de saúde serem detentores de conhecimentos técnico-científicos específicos, com vista à melhoria dos cuidados, aumentando assim as hipóteses de sobrevivência e minimizando as complicações.

Relativamente à tomada de decisão do enfermeiro, também o REPE é categórico em distinguir as intervenções dos profissionais de enfermagem portugueses em autónomas e interdependentes. As intervenções autónomas são:

as acções realizadas pelos enfermeiros, sob sua única e exclusiva iniciativa e responsabilidade, de acordo com as respectivas qualificações profissionais, seja na prestação de cuidados, na gestão, no ensino, na formação ou na assessoria, com os contributos na investigação em enfermagem. (OE, 2015, p. 102)

As intervenções interdependentes são:

as acções realizadas pelos enfermeiros de acordo com as respectivas qualificações profissionais, em conjunto com outros técnicos, para atingir um objetivo comum, decorrentes de planos de ação previamente definidos pelas equipas multidisciplinares em que estão integrados e das prescrições ou orientações previamente formalizadas. (OE, 2015, p. 102)

A construção do Questionário de Conhecimentos acerca das Intervenções Autónomas de Enfermagem Face ao Doente com SCA (QCIAEFDSCA) teve como objetivo perceber quais os conhecimentos (inadequados, razoáveis ou bons) sobre as intervenções autónomas no doente com SCA que os enfermeiros portugueses detinham nesta área de atuação.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo metodológico, de caráter psicométrico, que teve por base a recolha de dados em corte transversal numa amostra não probabilística por conveniência de 738 enfermeiros inscritos na OE entre novembro de 2019 e janeiro de 2020.

A aprovação da Comissão de Ética foi garantida pelo Parecer da Comissão de Ética do Instituto Politécnico de Bragança (Parecer N.º4/2019:RA001-2019/00151). O questionário, após o Parecer de Autorização da OE, foi divulgado no site institucional e na sua mailing list (Ref. SAI-OE/2019/27). Os respondentes, que se disponibilizaram a responder, assinaram o consentimento informado previamente à sua participação individual no estudo, via online na aplicação do Google Forms®.

O QCIAEFDSCA foi construído com base nos seguintes documentos: Estatuto da OE (2015) e REPE (decreto-lei n.º 161/96 de 4 de Setembro); Regulamentos da OE (N.º429/2018 de 16 de Julho; N.º140/2019 de 6 de Fevereiro), Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem Médico-Cirúrgica na Área de Enfermagem da Pessoa em Situação Crítica (25 de Novembro de 2017), Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem: Enquadramento Conceptual e Enunciados Descritivos (2001), Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (versão 2015) e respetiva literatura científica inerente ao SCA.

No que concerne à construção das intervenções de enfermagem face ao doente com SCA, estas foram construídas com base nas seguintes linhas de orientação para a elaboração de catálogos Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE):

1. Têm de incluir um termo do Eixo da Acção; 2. Tem de incluir pelo menos um Termo Alvo. Um termo alvo pode ser um termo de qualquer eixo, excepto do Eixo do Juízo; 3. Podem incluir termos adicionais, de acordo com a necessidade, do Eixo da Acção ou qualquer outro eixo. (OE & ICN, 2008, p.15)

Trata-se de um instrumento de autopreenchimento e é constituído por 57 itens estruturados em duas partes: a primeira integra questões de análise aprofundada relativamente ao conceito de intervenções autónomas em enfermagem; a segunda inclui questões de avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros relativamente às práticas implementadas face ao doente com SCA, nas várias fases do processo de enfermagem.

Este questionário original, idealizado pelo investigador principal João Pina, em Portugal, apresenta uma escala de Likert que inclui os seguintes scores de pontuação: 1 (completamente falso), 2 (parcialmente falso), 3 (não tenho opinião), 4 (parcialmente verdadeiro) e 5 (completamente verdadeiro). Cada questão admite uma única resposta.

As análises descritivas, correlacionais e o estudo da consistência interna foram realizados através do software IBM SPSS Statistics®, versão 24.0, pela determinação do coeficiente de correlação de Pearson e do alfa de Cronbach. Para análise da consistência interna foram considerados os seguintes valores de referência: > 0,9 muito boa; 0,8 - 0,9 boa; 0,7 - 0,8 média; 0,6 - 0,7 razoável; 0,5 - 0,6 ; < 0,5 inaceitável (Marôco, 2014).

Quanto ao coeficiente de correlação de Pearson, foram assumidas as seguintes associações: r < 0,2 muito baixa; 0,2 = r = 0,39 baixa; 0,4 = r = 0,69 moderada; 0,7 = r = 0,89 alta; 0,9 = r = 1 muito alta (Marôco, 2014).

O estudo da validade de constructo através da análise fatorial exploratória em componentes principais foi realizado no software IBM SPSS AMOS, versão 24.0.

 

Resultados

Este estudo incluiu 738 participantes, representando, aproximadamente, cerca de 1% dos enfermeiros portugueses com registo na OE, com idades compreendidas entre 21 e 67 anos e uma média idades de 37,57 anos (Desvio Padrão [DP] ± 9,83 anos), maioritariamente do género feminino (76%), com grau de bacharelato/licenciatura (75,1%) e com grau de mestre/doutoramento (25,4%).

O tempo de exercício profissional foi em média de 14,28 anos (DP ± 9,77 anos). Relativamente aos títulos profissionais atribuídos pela OE, apura-se que 61,2% detêm o título de enfermeira(o) e 38,8% o título de enfermeira(o) especialista.

Os enfermeiros exercem funções maioritariamente na unidade de cuidados intensivos polivalentes, representando 66,1% da amostra. A maioria dos enfermeiros especialistas detém a especialidade em enfermagem médico-cirúrgica (42,7%).

Constatou-se também que mais de metade da amostra exerce neste momento funções de enfermeiro generalista (67,6%), sendo de realçar que 22,5% exercem funções de enfermeiro especialista.

Ao analisarem-se os resultados da fiabilidade do QCIAEFDSCA, as estatísticas (médias e desvios-padrão) e as correlações obtidas entre cada item e o valor global, patentearam uma visão sobre a forma como o item se combina com o valor global. Pelos índices médios, assinala-se que as médias oscilam entre 3,06 (item 25) e 4,91 (item 41).

Através do estudo da consistência interna, constata-se um alfa de Cronbach global classificado de bom (α = 0,892), verificando-se que nenhum dos itens ao ser eliminado aumenta o alfa de Cronbach da escala, ou seja, nenhum item está a prejudicar a consistência interna da escala. Contudo, observando as correlações de cada item com o total da escala com a exclusão desse item constata-se que há itens com correlações muito baixas com o total da escala, nomeadamente os itens: item 4 (r = 0,054), item 5 (r = 0,077) e item 16 (r = -0,069).

A validade de constructo foi estudada recorrendo-se a uma análise fatorial exploratória. Foi utilizado o método medida da adequação da amostragem de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), no sentido de averiguar se os dados eram viáveis em termos de utilização de uma análise fatorial. Apesar de não existir um teste rigoroso para os valores de KMO, de uma maneira geral podem ser classificados da seguinte forma (Pestana & Gageiro, 2008): = 0,50 - inaceitável; ]0,50 - 0,60] - mau, mas ainda assim aceitável; ]0,60 - 0,70] - medíocre; ]0,70 - 0,80] - média; ]0,80 - 0,90] - boa e ]0,90 - 1,00] - excelente.

No que concerne ao estudo da validade do instrumento, optou-se por primeiramente proceder à realização de uma análise fatorial exploratória, com vista a garantir a validade do conteúdo do instrumento, uma vez que não existia informação prévia sobre a sua estrutura fatorial. Neste sentido, recorrendo ao teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,875) e ao teste de esfericidade de Bartlett’s (x2 = 6747,982; p = 0,000) constatamos que possuíamos bons resultados para prosseguirmos com o processo de validação do questionário e que as variáveis em estudo não estariam correlacionadas, segundo o resultado do teste de Bartlett’s.

Os resultados destes testes permitiram o recurso à análise fatorial de componentes principais com rotação varimax. Para determinar o número de dimensões interpretáveis examinou-se o scree plot, considerando-se fatores cujos eigenvalues fossem superiores ou iguais a 1. Os critérios usados para a escolha da melhor estrutura fatorial foram: três ou mais itens por dimensão e alfas de Cronbach superiores a 0,60.

Na escolha dos itens para cada fator seguiram-se os seguintes critérios: 1º - Coeficiente de saturação (factor loading) superior a 0,40 num fator; 2º - A diferença entre os coeficientes de saturação dos dois fatores ter um valor igual ou superior a 0,10.

De acordo com os critérios referidos anteriormente, optou-se por uma solução fatorial para 9 fatores que equivale a uma variância explicada de 56,739%. Esta solução fatorial levou à eliminação de 14 itens (2; 3; 4; 5; 12; 14; 16; 27; 37; 38; 39; 47; 48; 49) por terem um factor loading abaixo de 0,40 em todos os fatores ou saturarem acima de 0,40 em mais do que um fator com uma diferença abaixo de 0,10 entre cada um deles, sendo considerados, assim, itens ambíguos. Ficaram assim um total de 43 itens, que se distribuíram em 9 fatores.

O alfa total da escala com a exclusão dos 14 itens é muito elevado (0,930), o que traduz uma elevada consistência interna.

 

Tabela 1

 

A análise inferencial dos conhecimentos acerca das intervenções autónomas de enfermagem face ao doente com SCA para os 9 fatores que o integram possibilitou averiguar a existência de diferenças significativas entre eles.

A ANOVA para amostras repetidas revelou um efeito significativo, tendo o teste post hoc revelado a existência de diferenças significativas entre todas as dimensões entre si (F = 613,449; p = 0,000).

A utilização da análise fatorial confirmatória, com recurso a um software de modelização de equações estruturais, IBM SPSS AMOS, permitiu confirmar a estrutura fatorial de nove fatores encontrada com a análise fatorial exploratória (Figura 1).

Conforme recomendado, foram utilizados diferentes índices de ajustamento global, nomeadamente a razão entre o qui-quadrado e os graus de liberdade (x²/gl), o Goodness-of-Fit Index (GFI), o Comparative-of-Fit Index (CFI), o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), o Root Mean square Residual (RMR) e o Standardized Root Mean square Residual (SRMR). Assume-se um bom ajustamento dos modelos quando: x²/gl < 3; os valores do GFI e o CFI > 0,90; os valores do RMSEA, RMR e SRMR < 0,06 são considerados ideais, embora valores entre 0,08 e 0,10 sejam aceitáveis (Marôco, 2014).

As medidas de ajustamento encontradas para a estrutura de 9 fatores e confrontando com os respetivos valores de referência, constata-se que segundo o X2/gl (2,042) e o CFI e o GFI (0,846; 0,826), o ajustamento é aceitável. Segundo o RMSEA (0,053) o ajustamento é bom e o valor de RMR (0,069) é baixo e próximo de zero. Assim, a estrutura de 9 fatores encontrada através da análise fatorial exploratória é ajustada de acordo com a análise fatorial confirmatória.

A fidelidade compósita é superior a 0,70 em quase todos os fatores, sendo a exceção o fator 8 (0,689) e o fator 9 (0,630).

Para estudar a validade convergente, que ocorre quando os itens de um fator saturam fortemente nesse fator, Fornell e Larcker (1981) propuseram avaliar a validade convergente através da variância extraída média (VEM) de cada fator (soma do quadrado dos factor loadings a dividir pelo número de itens), devendo a VEM ser = 0,50. Apenas os fatores 1, 2 e 5 têm valores acima de 0,50. O valor mais baixo da VEM é o referente ao fator 9 (0,259), que também tinha revelado uma fidelidade compósita abaixo de 0,70.

Tendo por base a metodologia contextual da análise fatorial confirmatória, a validade discriminante do questionário permite avaliar se os itens que pertencem a um determinado fator não estão correlacionados com outro fator. Esta, pode ser demonstrada pela verificação da seguinte condição: os VEM dos fatores serem iguais ou superiores ao quadrado da correlação entre esses fatores. Observando o quadrado das correlações entre os pares de fatores, constata-se que quase todos são inferiores aos VEM dos fatores respetivos, o que atesta a validade discriminante desta escala.

 

Discussão

Este estudo comporta algumas limitações, sendo a mais evidente a não existência de estudos científicos acerca da problemática estudada, o que não permitiu a confrontação dos resultados, de modo a discutir e comparar as inferências descritas. Todavia, é de salientar pela positiva: a construção e o estudo psicométrico do instrumento de medida QCIAEFDSCA, e a análise da problemática numa amostra de 738 enfermeiros(as) originários de todo o território português, nos vários contextos de prestação de cuidados, pese embora, só representem cerca de 1% do corpo de profissionais de enfermagem registados na OE em Portugal, sensivelmente.

Os valores de alfa de Cronbach por subescala denotam uma consistência interna a oscilar entre o razoável e o bom, nomeadamente: Fator 1 - Gestão de cuidados percecionados para a autonomia do cliente (GCPAC; α = 0,774); Fator 2 - Gestão de protocolos terapêuticos complexos (F.I.A.P. - H.; α = 0,865); Fator 3 - Gestão do risco e prevenção de eventos adversos (GRPEA; α = 0,766); Fator 4 – Procedimentos iniciais de avaliação do cliente (PIAC; α = 0,711); Fator 5 - Gestão de protocolos terapêuticos complexos (M.O.N.A.; α = 0,842); Fator 6 - Gestão documental da dor e do bem-estar do cliente (GDDBC; α = 0,747); Fator 7 - Gestão da dor e capacitação do cliente (GDCC; α = 0,749); Fator 8 - Gestão de intervenções de enfermagem autónomas (GIEA; α = 0,682); Fator 9 - Gestão de intervenções de enfermagem interdependentes (GIEI; α = 0,623).

Por sua vez, a eliminação de um conjunto de 14 itens, perfazendo um total de 43 itens, permitiu melhorar a consistência interna do QCIAEFDSCA de α = 0,892 para α = 0,930, sendo classificada de muito boa ou elevada. Do exposto, conclui-se que o QCIAEFDSCA parece revelar-se adequado nesta amostra, pelo que poderá constituir-se como um recurso valioso para estudos futuros, particularmente em amostras ainda maiores.

 

Conclusão

O questionário evidencia propriedades psicométricas adequadas para avaliar conhecimentos acerca das intervenções autónomas de enfermagem face ao doente com SCA, revelando uma consistência interna muito boa ou elevada (α = 0,930), explicando 56,739% de variância total.

Relativamente às implicações para a prática, dos nove fatores avaliados, os enfermeiros aplicam maioritariamente o conjunto de intervenções que se interrelacionam com a gestão de intervenções de enfermagem interdependentes, a gestão dos protocolos terapêuticos complexos e a gestão de cuidados percecionados para a autonomia do cliente, sendo as restantes intervenções menos valorizadas.

Este questionário possui uma abordagem muito concreta e objetiva: avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros acerca das intervenções autónomas de enfermagem no doente com SCA.

Objetiva-se, em primeira linha, a identificação das lacunas de conhecimentos dos enfermeiros permitindo, em seguida, delinear um adequado planeamento das sessões de formação contínua, alicerçadas numa prática de cuidados baseados em evidências.

A adoção e a promoção de uma metodologia crítico-reflexiva apoiará, de forma significativa os enfermeiros, fazendo valer a sua importância e demonstrando o seu papel decisor na autonomia dos cuidados como, por exemplo, na participação, desenvolvimento e/ou atualização de normas de serviço, Guidelines, protocolos de atuação, manuais de qualidade e estudos científicos que ambicionem, concomitantemente, projetar os melhores e mais adequados níveis de evidência e graus de recomendação no atendimento ao doente com SCA.

Desta forma, o presente questionário pode constituir um contributo, ainda que humilde, para futuros estudos sobre esta temática e a equipa de investigação reconhece que este instrumento poderá ser aplicado nas mais diversas realidades de prestação de cuidados de enfermagem, desde as instituições de saúde até às instituições académicas/formativas.

 

Referências bibliográficas

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Contribuição de autores

Conceptualização: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M.

Tratamento de dados: Pina, J. C., Duarte, J. C., Silva, C. R.

Metodologia: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M.

Redação – preparação do rascunho original: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M., Duarte, J. C., Silva, C. R.

Redação – revisão e edição: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M., Duarte, J. C., Silva, C. R.

 

Autor de correspondência:

* João Carlos Bastos Pina

E-mail: joaopina@live.com.pt

 

Como citar este artigo: Pina, J. C., Branco, M. A., Nunes, M. M., Duarte, J. C., & Silva, C. R. (2020). Estudo psicométrico: Questionário de Conhecimentos das Intervenções Autónomas de Enfermagem no Doente com Síndrome Coronário Agudo. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20070. doi:10.12707/RV20070

 

Recebido: 19.05.20

Aceite: 01.10.20

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