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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883
Rev. Enf. Ref. vol.serV no.4 Coimbra out. 2020
https://doi.org/10.12707/RV20028
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Qualidade de vida nos profissionais de enfermagem que exercem funções na estratégia saúde da família
Quality of life of nursing professionals working in the family health strategy
Calidad de vida de los profesionales de enfermería que desempeñan funciones en la estrategia de salud familiar
Karla Gualberto Silva* 1
https://orcid.org/0000-0002-7870-0600
Pedro Miguel Santos Dinis Parreira 2
https://orcid.org/0000-0002-3880-6590
Samira Silva Santos Soares 1
https://orcid.org/0000-0001-9133-7044
Viviane Brasil Amaral dos Santos Coropes 1
https://orcid.org/0000-0003-0799-3466
Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza 3
https://orcid.org/0000-0002-2936-3468
Sheila Nascimento Pereira de Farias 1
https://orcid.org/0000-0001-5752-265X
1 Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal
3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Enquadramento: Qualidade de vida (QV) é um constructo complexo, multidimensional e marcado pela subjetividade. Investigar a QV nos profissionais de enfermagem da atenção primária à saúde é importante para a contribuição para a promoção da saúde destes profissionais, repercutindo-se na população.
Objetivos: Analisar a QV dos profissionais de enfermagem no contexto da estratégia saúde da família.
Metodologia: Estudo exploratório, transversal e descritivo de abordagem quantitativa. A amostra constituiu-se por 85 profissionais de enfermagem pertencentes à estratégia saúde da família do município de Macaé/RJ/Brasil. Os dados foram recolhidos através do WHOQOL-BREF proposto pela Organização Mundial da Saúde, contemplando informações acerca do perfil sociodemográfico.
Resultados: O domínio Relações sociais evidenciou o score médio mais elevado para os enfermeiros. No domínio Psicológico, apenas os técnicos de enfermagem evidenciaram os scores médios mais elevados, sendo que o domínio Ambiente evidenciou o score médio mais baixo para toda a categoria de enfermagem estudada.
Conclusão: Recomenda-se aos gestores que atuam na atenção primária à saúde um maior investimento em ações direcionadas para a promoção da saúde e QV destes profissionais.
Palavras-chave: qualidade de vida; profissionais de enfermagem; enfermagem; estratégia saúde da família
ABSTRACT
Background: Quality of life (QoL) is a complex, multidimensional construct that is characterized by subjectivity. It is important to investigate the QoL of nursing professionals in primary health care because it contributes to the promotion of their health, with an impact on the population.
Objectives: To analyze the QoL of nursing professionals working in the family health strategy.
Methodology: Exploratory, cross-sectional, and descriptive study with a quantitative approach. The sample consisted of 85 nursing professionals working in the family health strategy in the municipality of Macaé/RJ/Brazil. Data were collected using the WHOQOL-BREF developed by the World Health Organization, which included information about the sociodemographic profile.
Results: For nurses, the highest mean score was found in the Social relationships domain. In the Psychological domain, only nursing technicians had the highest mean scores. All of the professionals had the lowest mean scores in the Environment domain.
Conclusion: Primary health care managers should invest more in interventions aimed at promoting these professionals’ health and QoL.
Keywords: quality of life; nurse practitioners; nursing; family health strategy
RESUMEN
Marco contextual: La calidad de vida (QV, en portugués) es un constructo complejo, multidimensional y subjetivo. La investigación de la QV en los profesionales de enfermería de atención primaria es importante para contribuir a la promoción de la salud de estos, lo que repercute en la población.
Objetivos: Analizar la QV de los profesionales de enfermería en el contexto de la estrategia de salud familiar.
Metodología: Estudio exploratorio, transversal y descriptivo, de enfoque cuantitativo. La muestra estuvo compuesta por 85 profesionales de enfermería pertenecientes a la estrategia de salud familiar del municipio de Macaé/RJ/Brasil. Los datos se recopilaron por medio del WHOQOL-BREF, propuesto por la Organización Mundial de la Salud, incluida la información sobre el perfil sociodemográfico.
Resultados: El dominio Relaciones sociales mostró la mayor puntuación media de los enfermeros. En el dominio Psicológico, solo los técnicos de enfermería mostraron las puntuaciones medias más altas, mientras que el dominio Ambiente mostró la puntuación media más baja para toda la categoría de enfermería estudiada.
Conclusión: Se recomienda que los gestores que actúan en la atención primaria de la salud inviertan más en acciones dirigidas a la promoción de la salud y la QV de estos profesionales.
Palabras clave: calidad de vida; enfermeras practicantes; enfermería; estrategia de salud familiar
Introdução
A avaliação do constructo qualidade de vida (QV) afirma-se como bastante complexo por contemplar a subjetividade, que se relaciona com uma diversidade de dimensões como bem-estar geral, saúde, realização pessoal e profissional, sentimentos, satisfação das necessidades básicas, económicas e sociais (Borges & Bianchin, 2015).
Nesse sentido, a QV tem vindo a suscitar grande interesse e discussões nomeadamente pelo conceito complexo no campo da saúde e da enfermagem, pretendendo-se compreender e integrar a sua perspetiva e diversidade multidimensional, no qual é possível identificar aspetos da subjetividade humana (Almeida-Brasil et al., 2017).
Todavia, cabe considerar que no Brasil, a atenção primária à saúde (APS) é considerada a porta de entrada dos cidadãos no Sistema Único de Saúde (SUS), com ações destinadas ao indivíduo, família e coletividade, sendo representada pela consolidação da estratégia saúde da família (ESF; Almeida-Brasil et al., 2017; Kahl, Meirelles, Lanzoni, Koerich, & Cunha, 2018).
Nesta perspetiva, a ESF é vista como um planeamento e ação prioritária de expansão e consolidação da APS, assumindo um papel de coordenadora da continuidade da atenção aos cidadãos. As suas atividades abrangem todos os ciclos de vida com ações através de visitas domiciliárias, gestão da doença crónica, promoção da saúde e orientação para estilos de vida saudáveis (Arantes, Shimizu, & Hamann, 2016).
Ao refletir sobre os impactos na qualidade de vida nos profissionais de enfermagem da ESF, constata-se a necessidade de envolvimento no contexto social no qual os profissionais estão inseridos, contemplando ainda o contexto profissional. O contexto social, caracterizado frequentemente pela falta de tempo para atividades de lazer, sono, repouso e alimentação saudável, para além de dever estar em consonância com o contexto profissional e desempenho das atividades inerentes à profissão, implica ainda que estes profissionais sejam confrontados com a ausência de recursos humanos e materiais, sobrecarga das atividades, situações de violência na comunidade, além de violência verbal e física, desgaste físico-psíquico e baixa remuneração, com influência significativa na QV (Freire & Costa, 2016; Silva & Farias, 2018).
Cabe considerar que no contexto da ESF, os profissionais de enfermagem vivenciam as mais diversas realidades, que não se restringem apenas à esfera laboral de atividades inerentes à profissão, territórios e serviços onde atuam, integrando ainda questões do âmbito pessoal e familiar que podem interferir direta ou indiretamente na QV destes profissionais.
Nesta perspetiva, ressalta-se a importância dos gestores da APS instituírem ações direcionadas para a promoção da saúde dos profissionais de enfermagem da ESF perspetivando assim um impacto positivo na saúde e QV destes, com reflexos na população assistida, sendo determinante reforçar a importância da (re)definição de políticas públicas destinadas a estes profissionais (Fernandes, Miranzi, Iwamoto, Tavares, & Santos, 2010). Assim, as medidas adotadas pelos gestores dirigidas à saúde dos seus profissionais também incluem o investimento na QV, com repercussões na melhoria dos cuidados prestados à população.
Neste contexto, este estudo pretende contribuir com a produção de conhecimento nesta temática, perspetivando mais investimento na saúde no que respeita ao planeamento de estratégias e ações dirigidas a estes profissionais, visando a melhoria na gestão da APS com repercussões na QV destes profissionais. O presente estudo teve como objetivo analisar a QV dos profissionais de enfermagem no contexto da ESF.
Enquadramento
A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o termo QV como a compreensão do indivíduo sobre a sua posição na vida e na sociedade, incluindo as expectativas e anseios em relação ao futuro (World Health Organization, Center for Health Development, 2004).
O termo QV foi utilizado pela primeira vez em 1964 pelo presidente dos Estados Unidos da América, Lyndon Johnson, ao mencionar que os objetivos não poderiam ser medidos através do balanço dos bancos, mas sim através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas. Foi a partir deste momento que o conceito se tornou alvo de interesse da comunidade científica, em especial na área da saúde (Fleck et al., 1999).
A sua conceptualização assinala uma dimensão notoriamente humana que se relaciona com a satisfação individual, com o contexto social, familiar, de trabalho, relacionada com a cultura de cada sociedade (Minayo, Hartz, & Buss, 2000). Pode-se também inferir que a conceptualização se relaciona com aspetos subjetivos, tendo em consideração as vivências e experiências de cada indivíduo. O interesse pela temática tem vindo a ganhar destaque, sobretudo na comunidade científica, ao evidenciar as implicações da avaliação da QV através de instrumentos, até à sua aplicabilidade no quotidiano. Desta forma, a OMS desenvolveu por meio do Grupo de Qualidade de Vida dois instrumentos a fim de avaliar a QV, sendo eles: World Health Organization Quality of Life - 100 (WHOQOL-100) e o WHOQOL-BREF (Fleck et al., 2000). O WHOQOL-100 foi desenvolvido tendo como foco o aspeto transcultural, instrumento elaborado em conjunto por diversos países. O conceito de QV assinala a sua multidimensionalidade refletida nos seis domínios de avaliação, sendo eles: domínio Físico, domínio Psicológico, Nível de independência, Relações sociais, Meio ambiente e Espiritualidade/religião/crenças pessoais (Fleck et al., 2000). No entanto, foi sentida a necessidade da criação de uma versão abreviada do WHOQOL-100, denominado de WHOQOL- BREF por parte do Grupo de Qualidade de Vida da OMS, reduzindo o tempo para o seu preenchimento. Este instrumento é composto por 26 questões, duas de carácter geral e as demais representam as 24 facetas que compõem o instrumento original, contemplando quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações sociais e Ambiente (Minayo et al., 2000; Fleck et al., 2000).
Por meio do WHOQOL-BREF é possível identificar diversas facetas subjetivas, o que espelha a sua multidimensionalidade, englobando aspetos alusivos à saúde física e psicológica, assim como aspetos presentes no ambiente no qual o indivíduo se encontra inserido (Almeida-Brasil et al., 2017). Nesta perspetiva, a sua utilização relaciona-se com vários segmentos da sociedade, abrangendo aspetos objetivos e subjetivos na procura do equilíbrio do ser humano relacionado com a realização pessoal, profissional e social (Moraes, Matino, & Sonati, 2018), abarcando o contexto de vida que integra desde a vertente social e familiar até à vertente laboral. Ressalta-se que avaliar a QV permite conhecer os fatores multidimensionais e a sua inter-relação, dando-nos uma indicação do impacto na saúde dos profissionais de enfermagem, sendo possível planear ações de promoção de bem-estar para estes profissionais (Ascef et al., 2017). Face à sua complexidade e subjetividade, compreender a QV culmina em melhorias significativas para aqueles que prestam cuidados no âmbito da APS e, consequentemente, a toda a comunidade que vivencia o processo saúde/doença.
Questão de investigação
Qual a avaliação da QV dos profissionais de enfermagem, a partir dos domínios Físico, Psicológico, Relações sociais e Ambiente, estabelecidos pela OMS?
Metodologia
De acordo com a questão de investigação formulada, foi desenvolvido um desenho de abordagem quantitativo, exploratório, de natureza descritiva e de carácter transversal, realizado com profissionais de enfermagem da ESF do município de Macaé/RJ/Brasil, no período de fevereiro a maio de 2019.
O referencial teórico-metodológico sustentou-se no conceito de QV e na linha de pesquisa da WHOQOL da OMS. O município apresenta 40 unidades de ESF, cada uma delas integra um enfermeiro e um ou dois técnicos de enfermagem.
Optou-se por realizar um estudo do tipo censo, de abrangência municipal, com a finalidade de englobar a totalidade dos profissionais de enfermagem do município. A população do estudo constituída por enfermeiros e técnicos de enfermagem, totalizou 100 profissionais. Estabeleceram-se como critérios de inclusão para participar no estudo: ser profissional de enfermagem (enfermeiros ou técnicos de enfermagem), a exercer funções nas ESF há pelo menos 6 meses no município. E, como critério de exclusão, definiu-se: profissionais de enfermagem (enfermeiros ou técnicos de enfermagem) em licença médica, atestado e/ou férias.
Contudo, limitações inerentes ao campo de investigação impossibilitaram a participação de todos os potenciais participantes, ficando a amostra, desta forma, constituída por 85 profissionais de enfermagem, dada a recusa na participação por alguns elementos da população, participantes não encontrados após mais de três tentativas e razões alusivas a violência urbana. Destaca-se que as perdas por violência urbana se deram em função da alta criminalidade, impedindo a investigadora de entrar em algumas comunidades.
A recolha de dados foi realizada através do instrumento de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-BREF, contemplando o formulário de informações do perfil sociodemográfico dos profissionais de enfermagem da ESF. As questões apresentam-se em escala tipo Likert, com diferentes graus de intensidade (nada a extremamente), capacidade (nada a completamente), frequência (nunca a sempre) e avaliação (muito insatisfeito a muito satisfeito; muito má a muito bom). As pontuações de cada domínio foram transformadas numa escala de 0 a 100 e expressas em termos de médias, conforme preconiza o manual produzido pela equipa do WHOQOL, sendo que médias mais altas sugerem melhor percepção de QV.
Ressalta-se que o desenvolvimento do estudo está em consonância com a Resolução n.º 466 de 12 de dezembro de 2012, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, e da Resolução n° 580, de 22 de março de 2018, tendo em conta que foi realizada numa instituição integrante do SUS, não tendo ocorrido interferência nas atividades profissionais dos trabalhadores no serviço. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (EEAN/HESFA), conforme parecer nº 3.074.589 e CAEE nº 04185218.4.0000.5238.
Os dados foram organizados e analisados através da estatística descritiva, com distribuição de frequências simples e absolutas apresentadas em forma de tabelas, sob supervisão de um consultor de estatística.
Os dados sociodemográficos foram analisados e alvo de tratamento estatístico por meio de análise univariada a partir da estatística descritiva, com valores brutos e percentuais. A análise do WHOQOL-BREF foi realizada segundo a sintaxe disponibilizada pela OMS. As respostas foram agrupadas e categorizadas para construção da base de dados, utilizando-se o programa estatístico IBM SPSS Statistics, versão 23, seguindo as orientações da OMS para o questionário do WHOQOL- BREF.
As análises bivariadas do WHOQOL-BREF foram elaboradas com base na análise de variância (ANOVA) para variáveis contínuas. Adotou-se o nível de significância estatística de 5% (p < 0,05). Quando a ANOVA evidenciou significância estatística, aplicou-se o teste de comparações múltiplas de Tukey. Assim, quanto maior a média no domínio analisado, melhor a perceção na QV.
Resultados
Fizeram parte da presente investigação 85 profissionais de enfermagem, sendo 39 enfermeiros e 46 técnicos de enfermagem. Predominou o sexo feminino (80%), a idade variou de 25 a 62 anos com média de 38 anos, e 64,71% afirmam terem companheiro(a).
Verificou-se que em relação ao vínculo de trabalho, 77,65% eram enfermeiros habilitados e 22,35% eram contratados; 68,24% afirmaram ter um vínculo de trabalho, ao passo que 31,76% afirmaram ter dois vínculos de trabalho.
Quanto à avaliação da QV, a maioria dos participantes (71,8%) considerou boa a sua QV, enquanto que 17,6% consideraram nem má nem boa e 2,4% consideraram muito má (Tabela 1).
Ao analisar os itens do questionário WHOQOL-BREF, os scores dos domínios evidenciaram valores médios mais elevados para o domínio Relações sociais para a categoria de enfermagem e enfermeiros, e valores médios mais elevados para o domínio Psicológico para os técnicos de enfermagem. Verificaram-se scores médios mais baixos para o domínio Ambiente para o grupo profissional - enfermagem.
Os scores para a categoria de enfermagem obtiveram uma média de 65,55 ± 15,62 no domínio Físico, 69,85 ± 15,16 no domínio Psicológico, 70,10 ± 20,63 no domínio de Relações sociais e 53,53 ± 16,01 no domínio Ambiente.
Ao observar os dados apenas para os scores dos enfermeiros, estes apresentaram uma média de 62,27 ± 17,08 no domínio Físico, 69,23 ± 12,26 no domínio Psicológico, 69,87 ± 18,89 no domínio de Relações sociais e 50,64 ± 17,10 no domínio Ambiente.
Os scores apenas para os técnicos de enfermagem evidenciaram valores médios de 68,32 ± 13,85 no domínio Físico, média de 70,38 ± 17,35 no domínio Psicológico, média de 70,29 ± 22,20 no domínio Relações sociais e média de 55,98 ± 14,76 no domínio Ambiente.
Nota-se que houve diferença significativa entre as médias dos scores dos domínios, evidenciando o score mais baixo para o domínio ambiente quando observado os enfermeiros, técnicos de enfermagem e para o total de profissionais.
Apresentam-se, na Tabela 2, a descrição e comparação entre os domínios para os enfermeiros, técnicos de enfermagem e para o total de profissionais.
Discussão
Das características verificadas no estudo, destaca-se a predominância do sexo feminino, o qual está mais relacionado com aspetos culturais e históricos da profissão (Moraes et al., 2018). Tal facto reafirma a feminização do trabalho de enfermagem na ESF (Lima et al., 2016) ressaltando a ideia de que a profissão é exercida maioritariamente por mulheres.
No que toca às condições do trabalho, 31,76% afirmaram ter dois vínculos de trabalho, ressaltando que o duplo vínculo de trabalho ainda é uma prática exercida pela enfermagem devido às baixas remunerações, destacando-se que consequentemente há impacto negativo para a QV destes trabalhadores (Moraes et al., 2018).
Os resultados da autoavaliação da QV evidenciam uma perceção positiva por parte dos profissionais de enfermagem. É necessário continuar a avaliar e identificar o perfil das equipas, pois espelham as vivências de cada indivíduo em termos da educação básica, serviços de saúde, renda, trabalho, atividades de lazer, alimentação adequada, atividade física, habitação, transporte, saneamento básico, integrando ainda as questões físicas, psicológicas e emocionais, o ambiente social e familiar (Godoy & Adami, 2019; Gomes, Mendes, & Fracolli, 2016).
A partir dos domínios avaliados, fez-se uma análise descritiva de cada um deles, destacando-se o score médio mais elevado no domínio Relações sociais para os enfermeiros, indicando estarem satisfeitos com os aspetos sociais da sua vida. Estes resultados corroboram um estudo realizado com enfermeiros e técnicos de enfermagem nas ESF num município no interior de Minas Gerais que também destacam este domínio das relações sociais, que envolve todo o apoio social recebido dos amigos, colegas, familiares e satisfação com a vida sexual (Marques et al., 2015). Os técnicos de enfermagem, no domínio Psicológico, apresentaram o valor médio mais elevado. Estes resultados corroboram um estudo realizado com técnicos de enfermagem de Palmas-Tocantins, nas unidades de pronto atendimento, no qual o domínio Psicológico obteve o maior score (Silva, Silva, Barbosa, Quaresma, & Maciel, 2018). No que se refere ao domínio Psicológico, este espelha o modo como o indivíduo aproveita a sua vida, como vivencia os sentimentos, a concentração, autoestima, imagem corporal e aparência. No entanto, o domínio Psicológico surge com a segunda maior média para os enfermeiros.
Dentre os domínios analisados, os scores da categoria de enfermagem, observando os enfermeiros e técnicos de enfermagem, foram menores para o domínio Ambiente, quando comparado com os restantes domínios. Deve ser considerado que o domínio Ambiente está relacionado com o local em que o indivíduo reside e a sua satisfação com o mesmo, e ao acesso aos serviços de saúde, lazer e transporte (Gomes et al., 2016).
Estudos realizados com profissionais de enfermagem por meio do WHOQOL-BREF, confirmam os dados apresentados nesta investigação, também com scores médios mais baixos no domínio Ambiente dos domínios de QV (Gomes et al., 2016; Silva et al., 2018; Ferigollo, Fedosse, & Santos Filha, 2016). Todavia, a partir destes estudos, assinalam-se alguns hipotéticos aspetos que possam ter influenciado o baixo score no domínio Ambiente para os profissionais de enfermagem: recursos humanos, materiais e ambientais, condições de trabalho e organização do processo de trabalho (Gomes et al., 2016; Lopes & Macedo, 2013).
Convém considerar que aspetos presentes no domínio Ambiente como segurança diária, ambiente saudável, dinheiro e recursos financeiros, informações do dia-a-dia, oportunidades de atividades de lazer, e o acesso aos serviços de saúde acabam por interferir na QV desses profissionais.
Comummente, são diversos os fatores que interferem na QV dos profissionais de enfermagem, o que denota a importância dada às questões laborais, aos aspetos da segurança e proteção, dinheiro e recursos financeiros, acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, ao próprio cuidado, oportunidade de atividades de lazer e transporte (Ferigollo et al., 2016).
Por sua vez, ao analisar o domínio Físico, verifica-se que os scores apresentam-se na mesma posição quando observada toda a categoria de enfermagem, com a segunda menor média, sendo o domínio Ambiente aquele que obteve a menor média.
Ressalta-se que o domínio Físico está relacionado com a dor física, tratamento médico, energia para o desenvolvimento das atividades, locomoção, sono e repouso e desempenho das atividades diárias. Note-se que este domínio se relaciona com as necessidades básicas do ser humano, compreendendo os aspetos físicos inerentes ao indivíduo (Gomes et al., 2016).
Relativamente à QV, foi possível constatar, ao comparar os scores obtidos pelos enfermeiros e técnicos de enfermagem, diferenças no domínio Relações sociais e domínio Psicológico, no qual os enfermeiros no domínio Relações sociais apresentaram valores médios mais elevados e estatisticamente significativos. Por sua vez, os técnicos de enfermagem apresentaram os valores médios mais elevados no domínio Psicológico. Os demais domínios, Físico e Ambiente, apresentaram semelhanças na mesma ordem de médias encontradas. A QV envolve toda a multidimensionalidade, integrando questões laborais e ambiente social e familiar, pelo que será necessário compreendê-la sem dissociar uma parte da outra. Nota-se, portanto, que a QV não está ligada apenas a questões laborais, mas também a toda a inserção cultural e história familiar, ambiente social, político e redes sociais de amigos. Ora, faz-se necessário um olhar voltado para o todo, pois, se o profissional não apresenta os meios para o desenvolvimento das suas atividades devido às condições do trabalho, como poderão prestar cuidados de qualidade aos cidadãos? Qual será o reflexo na sua vida social e familiar?
Será necessário implementar ações políticas e de gestão governamentais que possibilitem a garantia da QV dos profissionais de enfermagem, daí a importância no fortalecimento de políticas públicas instituídas e dirigidas para os profissionais no âmbito da APS.
Assinala-se que a multidimensionalidade da QV é espelhada através do instrumento WHOQOL-BREF, subdividido nos seus domínios Físico, Psicológico, Relações sociais e Ambiente, denotando o perfil dos profissionais de enfermagem que atuam na ESF.
Dentro das limitações do estudo, ressaltam-se as questões inerentes ao campo de investigação, que impossibilitaram a captação de todos os potenciais participantes.
Conclusão
Considerando os resultados, ficou evidente a maior média encontrada para o domínio Relações sociais para os enfermeiros, e para os técnicos de enfermagem a maior média para o domínio Psicológico. Por sua vez, o domínio Ambiente obteve a menor média encontrada para toda a categoria estudada. Observou-se a importância do domínio Ambiente, uma vez que este domínio obteve a menor média de QV. Diante destes achados, recomenda-se a necessidade por parte dos gestores que exercem funções na APS de instituírem ações voltadas para a promoção da saúde e qualidade de vida dos profissionais de enfermagem, a fim de trazer benefícios aos prestadores do cuidado para que estes promovam a sua própria saúde e, desta forma, que isso se reflita numa melhor assistência prestada à população.
Avaliar a QV permite trazer uma avaliação sobre a saúde, e associá-la tendo como base o perfil dos profissionais de enfermagem da ESF, possibilitando reflexões para o desenvolvimento de novas pesquisas no âmbito da APS.
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Contribuição de autores
Conceptualização: Silva, K. G., Farias, S. N.
Tratamento de dados: Silva, K. G., Farias, S. N.
Metodologia: Silva, K. G., Parreira, P. M., Soares, S. S., Coropes, V. B., Souza, N. V., Farias, S. N.
Redação - rascunho original: Silva, K. G., Parreira, P. M. Soares, S. S., Coropes, V. B., Souza, N. V., Farias, S. N.
Redação - análise e edição: Silva, K. G., Parreira, P. M., Farias, S. N.
*Autor de correspondência
Karla Gualberto Silva
E-mail: karlagualberto@hotmail.com
Como citar este artigo: Silva, K. G., Parreira, P. M., Soares, S. S., Coropes, V. B., Souza, N. V., Farias, S. N. (2020). Qualidade de vida nos profissionais de enfermagem que exercem funções na estratégia saúde da família. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20028. doi:10.12707/RV20028
Recebido: 21.02.20
Aceite: 07.07.20