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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  n.21 Vila Franca de Xira  2010

 

Maria de Lourdes Pintasilgo Primeira-Ministra do V Governo Constitucional. Em busca das reacções na imprensa

 

Ana Tavares *

Universidade de Évora

 

Resumo

Com este texto pretende-se expor sucintamente o conjunto de peças jornalísticas, dos semanários: O Jornal e o Expresso, que apresentaram e retrataram Maria de Lourdes Pintasilgo aquando da sua indigitação para Primeira-ministra do V Governo Constitucional. A partir desses textos realiza-se um levantamento analítico de algumas das vertentes temáticas que perfilam a figura em análise.

Palavras-chave linguagem, discurso, género, estereótipo, discriminação.

 

Abstract

Maria de Lourdes Pintasilgo, Prime Minister of the V Constitutional Government: some press reactions

This text will briefly exhibit the whole of the journalistic plays from the weekly newspapers: O Jornal e o Expresso, which presented and portrayed Maria de Lourdes Pintasilgo when she was nominated Prime-minister of the Fith Constitutional Government. From these texts it will be carried out an analytical survey regarding some of the thematic aspects that profiled the personality in study.

Keywords language, discourse, gender, stereotype, discrimination.

 

Resumen

Maria de Lourdes Pintasilgo como Primera-Ministra del V Gobierno Constitucional. Las reacciones de la prensa

En este texto se busca hacer una exposición sucinta del conjunto de recortes periodísticos de los semanarios O Jornal e o Expresso, en los que se presenta y retrata a Maria de Lourdes Pintasilgo, con ocasión de su nombramiento como Primera-Ministra del V Gobierno Constitucional. Con base en esos textos, se hace un planteamiento analítico de algunas de las referencias temáticas que permiten perfilar la figura en cuestión

Palabras-clave lenguaje, discurso, género, estereotipo, discriminación.

 

 

Aparentemente, as coisas existem consoante os jornais falam delas.

Augusto Abelaira (1979: 9)

 

Origem e sentido do texto

Este texto emerge de uma selecção dos textos jornalísticos que perfazem o corpus referente à dissertação, «Maria de Lourdes Pintasilgo – Primeira-ministra do V Governo Constitucional. O olhar da imprensa: dois semanários, duas perspectivas», inserida no curso de mestrado ‘Questões de Género e Educação para a Cidadania’, da Universidade de Évora, durante o biénio de 2007/09.

O recurso metodológico do suporte empírico de investigação do referido trabalho assenta na Análise Crítica do Discurso, a cuja luz foi examinado o corpus seleccionado dos Semanários: O Jornal, com tiragem à sexta-feira, e o Expresso, com tiragem ao sábado. A opção por centrar a dissertação nestes dois Semanários foi feita no desenvolvimento do percurso do trabalho e assentou em algumas razões estruturais, nomeadamente, no facto de, por um lado, ambos serem semanários, o que à partida poderá possibilitar uma leitura menos imediatista, menos repentina dos acontecimentos e, por isso, facultar textos com cariz interpretativo e opinativo, e, por outro, serem entendidos como jornais de referência, mas que seguiam linhas editoriais divergentes.

Embora o mandato do Executivo de Maria de Lourdes Pintasilgo tenha tido início em Julho de 1979 e terminado em Janeiro de 1980 – «A marcha dos cem dias», como ela a cunhou – o processo de pesquisa dos Semanários levou à definição de um recorte temporal deste corpus abrangendo, exclusivamente, os cinco fins-de-semana, de 13 de Julho a 11 de Agosto de 1979.

A data de 13 de Julho justifica-se uma vez que foi nesse dia que o Presidente da República, General Ramalho Eanes, anunciou a sua decisão de marcação de eleições legislativas intercalares, de dissolução da Assembleia da República e de nomeação de uma personalidade que assumisse a chefia de um executivo ministerial, com o objectivo central de preparar o processo das eleições intercalares, a par naturalmente dos assuntos decorrentes da gestão governamental.

A justificação de 11 de Agosto para encerrar este corte temporal prende-se com o facto de ser ao longo destes cinco fins-de-semana que se observa um maior número de textos jornalísticos dedicados exclusivamente à apresentação e descrição da pessoa de Maria de Lourdes Pintasilgo. Na verdade, observou-se uma grande produção jornalística focalizada na sua figura, essencialmente, nos dois fins-de-semana imediatamente subsequentes ao conhecimento público da sua escolha para Primeira-ministra. Passada esta primeira fase, nota-se uma menor atenção à pessoa de Maria de Lourdes Pintasilgo e um desvio da atenção para assuntos políticos, nem sempre directa ou indirectamente associados à sua figura, até porque o interesse dos partidos políticos e a generalidade do acompanhamento jornalístico passa a centrar-se na campanha eleitoral, para as próximas eleições.

O texto que aqui se apresenta constitui, apenas, uma exposição introdutória da análise da totalidade dos materiais, pretendendo pôr em evidências algumas linhas de força dessa análise. Nesse sentido, far-se-á, primeiro, uma descrição analítica do conteúdo dos jornais e, na sequência, chamar-se-á a atenção para algumas questões emergentes dessa descrição que se procurará acompanhar com alguns comentários críticos. Uma pequena conclusão ensaiará uma visão de síntese.

 

Enquadramento da indigitação de Maria de Lourdes Pintasilgo para «Primeiro-ministro»

O governo de Maria de Lourdes Pintasilgo enquadra-se num contexto de crise política e na tentativa de a resolver.

O Presidente da República, General Ramalho Eanes, indigitou uma figura por si escolhida, Nobre da Costa, para assumir o cargo de Primeiro-ministro, na sequência da falta de acordos parlamentares, que em última instância, levaram à queda dos I e II Governos Constitucionais, liderados pelo então secretário-geral do Partido Socialista, Mário Soares. Contudo, Nobre da Costa não conseguiu obter o apoio partidário necessário à aprovação do seu Programa, que acabou por ser rejeitado na Assembleia da República, sendo afastado do cargo de Primeiro-ministro do III Governo Constitucional.

Na sequência, Ramalho Eanes designa Mota Pinto para liderar um novo Executivo que, de igual modo, viu rejeitada na Assembleia da República, não o seu Programa, mas uma moção de confiança. Terminava assim o IV Governo Constitucional.

Foi neste quadro que, a 13 de Julho de 1979, o Presidente da República transmite ao país, numa comunicação televisiva, a sua decisão de dissolver a Assembleia da República, de marcar eleições legislativas intercalares e de indigitar uma personalidade para o cargo de Primeiro-ministro com o objectivo primordial de preparar esse mesmo acto eleitoral.

A figura escolhida pelo General Ramalho Eanes foi Maria de Lourdes Pintasilgo.

O semanário O Jornal, na sua edição de sexta-feira, 13 de Julho, consegue apenas uma chamada de atenção, na zona de notícias de última hora, para a comunicação que o Presidente da República faria nessa noite:

 

Figura 1

Por sua vez, O Expresso, na sua edição de 14 de Julho, consegue trazer para 1.ª Página os tópicos essenciais do conteúdo da comunicação presidencial:

 

Figura 2

«Em comunicação ontem feita ao país, [13 Julho, 21 horas] o Presidente da República, General Ramalho Eanes, informou que irá dissolver a Assembleia da República, formando, no entanto, antes da dissolução um novo Governo, isento parcial e não partidário, para gerir os assuntos correntes do Estado durante os próximos três meses, Governo este cujo «Programa» será submetido à presente Assembleia da República. Esperando o Presidente que ela o não venha a inviabilizar (a este compasso de espera já chamam alguns observadores dissolução “au ralenti”)».

 

Antes, ainda, de ser público o nome da personalidade que haveria de aceitar tal mandato, o Expresso lançava a questão sobre quem poderia vir a representar a escolha do Presidente da República, General Ramalho Eanes:

 

Figura 3

 

O nome de Maria de Lourdes Pintasilgo é, entre outros, mencionado, tal como se pode ler na 1.ª Página: «Maria de Lurdes Pintassilgo, Barbosa de Melo e Jacinto Nunes são os três nomes mais insistentemente falados para o cargo de primeiro-ministro (...)».

De acordo com o que noticia o Expresso, qualquer dos três nomes não acarretaria uma recusa explícita, por parte dos partidos da esquerda. Sobre a perspectiva dos partidos da direita face a estes nomes, nada é noticiado. O nome de Maria de Lurdes Pintassilgo surge logo ligado à classificação de «Melo-antunista» abrindo espaço a leituras menos pacíficas oriundas dessa área política, e para cuja perspectiva não seria propriamente uma vitória política a escolha de uma figura próxima do «sector Melo-antunista», como se confirma nesta curta citação:

(...) Sobretudo Maria de Lurdes Pintassilgo poderia suscitar uma «ponte» no Conselho da Revolução com o chamado «sector Melo-antunista» não suscitando também objecções do PS e do PCP. Qualquer dos outros nomes não teria oposição provável de socialistas e comunistas.

Deste modo, o Expresso faz aparecer, explicitamente, o nome de Maria de Pintasilgo como alguém que se encontra dentro da concordância da política portuguesa de esquerda, e, pela omissão, permite configurar a ideia de que a política portuguesa de direita estará ausente desta concordância.

Na semana seguinte, a 19 de Julho, fica-se a saber quem é a personalidade escolhida por Ramalho Eanes para liderar o novo Executivo até às eleições legislativas intercalares.

 

Descrição analítica dos 4 conjuntos dos Semanários em análise

Nesta segunda parte do texto, vai-se proceder à apresentação de todos os conteúdos de ambos os Semanários em análise que se referem, directamente, à figura de Maria de Lourdes Pintasilgo. Ter-se-á, por isso, em consideração, quer as peças jornalísticas integralmente dedicadas à Chefe do V Governo, quer as que, não sendo sobre ela, lhe dedicam, contudo, alguma observação.

A apresentação vai ser feita de acordo com os seguintes parâmetros:

1. Com uma perspectiva comparativa, pelo que as informações serão apresentadas em tabelas que fornecerão uma visão de cada uma das peças analisadas;

2. Com destaque para as primeiras páginas (de O Jornal, do Expresso e da respectiva Revista), pelo que se apresentarão duas tabelas: uma para as primeiras páginas e outra para o restante corpo dos periódicos:

3. Agrupando os jornais por semana, pelo que serão apresentados quatro conjuntos de tabelas, duas por cada semana;

4. Destacando, na informação citada, os seguintes dados: a) título da peça jornalística; b) autoria do texto; c) localização; d) síntese do conteúdo e algumas citações consideradas mais relevantes ou mais esclarecedoras.

 

20 e 21 de Julho – 1.ª Página

O Jornal (20 Julho) Expresso (21 Julho) Expresso-revista

 

Figura 4

 

Figura 5

Figura 6

Dedica dois terços do total da página a foto de Maria de Lourdes Pintasilgo, com o antetítulo, A primeira (grande) entrevista do novo chefe do Governo e o título citação em destaque Lurdes Pintasilgo: «Quero dialogar com o povo»

No primeiro terço na zona central, destaca-se o título, Muitos membros do Governo cessante poem [sic] sérias reticências à aceitação de convites para o V Governo constitucional. O respectivo texto desta notícia encontra-se completo na primeira página e onde se pode ler:

Capa com foto de Maria de Lourdes Pintasilgo e os títulos:

– O GOVERNO DOS 100 (ou mais?) DIAS E O SEU PRIMEIRO-MINISTRO – Porque terá Eanes escolhido PINTASSILGO?

 

• As alegadas reticências de membros do Governo cessante em integrar o Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo, assim como, as reacções de perplexidade que vários membros do Governo tiveram em pleno Conselho de Ministros: Alguns deles, (...) não se coibiram mesmo de, em voz alta, afirmarem aos colegas junto dos quais se sentavam que não alinhariam num Governo presidido por Lourdes Pintassilgo.

acompanhada do texto introdutório: Para uns, é a decisão mais enigmática de Ramalho Eanes. Para outros, é a confirmação de uma estratégia presidencial de desertificação progressiva da vida política portuguesa. Para outros ainda, é a prova do perigoso isolamento de um presidente que já se vê obrigado a recorrer aos amigos e só a eles. (...)
 

• Maria de Lourdes Pintassilgo (...) conta ainda com o clima favorável de Belém, apesar de todos os acessores [sic] do Presidente (com excepção de Silva Costa, ausente) se terem pronunciado desfavoravelmente à sua indigitação para primeiro-ministro.

 
 

• O entendimento próximo de Ramalho Eanes com Maria de Lourdes Pintasilgo visto como «uma preocupação (...) nesta fase de constituição de Governo e revelador do empenho posto pelo general Ramalho Eanes naquele que poderá vir a ser o V Governo Constitucional e III de inspiração presidencial.

 
  Coluna de texto com foto de MLP e os títulos: PORQUÊ PARA QUÊ? O GOVERNO DOS 100 (ou mais) DIAS E O SEU PRIMEIRO-MINISTRO Porque terá Eanes escolhido PINTASSILGO?  
 

Dúvidas quanto ao Executivo antes e depois da discussão do Programa na AR HISTÓRIA BREVE DE UMA INTELIGÊNCIA (PERIGOSA?)

• Do «Graal» à UNESCO

• De Marcello Caetano a Eanes

 
 

Coluna de texto sem foto 3 PERGUNTAS A M. LOURDES PINTASSILGO

O título citação: Diferença de Governo traduzirá diferença de personalidades. A frase introdutória: MARIA DE LOURDES PINTASSILGO está, por motivos vários, na ordem do dia.

 

 

 

Outras referências a Maria de Lourdes Pintasilgo no interior dos jornais (20, 21 Julho)

O Jornal (20 Julho) Expresso (21 Julho) Expresso-revista

Editorial: Golpes baixos, (p. 2).

Exposição de pontos de vista, deste semanário, ficando clara a sua crítica à decisão presidencial de marcação de eleições intercalares, sem no entanto, extravasar esse descontentamento à figura de Maria de Lourdes Pintasilgo, que é descrita como alguém com uma craveira intelectual e autoridade moral e personalidade de indiscutível honestidade, isenção e independência partidária.

Editorial: A abertura da caça, (p. 10). Texto onde se regista uma curta, mas incisiva, referência a Maria de Lourdes Pintasilgo, de modo a responsabilizar a escolha presidencial para a abertura plena das hostilidades. Porque terá Eanes escolhido Pintassilgo? Exclusão de partes não chega para explicar, (pp. 1, 2, 3). Surgem dúvidas quanto ao Executivo antes e depois da discussão do Programa na AR; «Guerra santa» de partidos não parará, (pp. 3, 4).

História breve de uma inteligência (perigosa?) chamada Maria de Lourdes Pintassilgo

   

 • Do «Graal» à UNESCO: do micro-social ao macro- -social;

• De Marcello Caetano a Eanes: da esperança frustrada à fé convicta?, (pp. 5, 6, 7).

A primeira entrevista com o novo chefe de Governo.

Maria de Lurdes Pintasilgo a «O Jornal».«Tentarei criar um Governo com estrutura mais leve.». Entrevista conduzida por Carneiro Jacinto. (pp. 2, 3, 4).

Do terceiro Governo presidencial às opções da «Aliança Democrática». (Marcelo Rebelo de Sousa), (p. 2). São inteligíveis as perspectivas de uma governação energética» a par de um acompanhamento presidencial, cujo ganho político é igualmente abordado.  
A figura da semana: Maria de Lourdes Pintasilgo, (p. 4) (não assinado). Descreve biograficamente os aspectos de maior relevância acerca da primeira mulher portuguesa, Primeira-ministra.    
A escolha do Primeiro-Ministro. Um candidato verdadeiro e seis a fingir, (Carneiro Jacinto), (p. 5).    
Pretende acentuar a vontade prévia do presidente da República na escolha de Maria de Lourdes Pintasilgo.    
Governo de gestão levanta novos ventos, (Cáceres Monteiro), (p. 5). Aborda as reacções político-partidárias à nomeação de Maria de Lourdes Pintasilgo e elogia o perfil da mesma.    
Bochechas ao poder, (p. 14) (não assinado). Partindo de uma suposta parecença física com o secretário-geral do PS, Mário Soares, este curto texto, de pretensão humorística procura denotar alguma aproximação de Maria de Lourdes Pintasilgo a este partido político.    
Nomeação de Lurdes Pintasilgo faz evoluir opinião de Soares, (C.M.) [sic], (p.40). Neste texto procura-se evidenciar a atitude do secretário-geral do P.S. face à nomeação de Maria de Lourdes Pintasilgo.    
     

 

 

27 e 28 de Julho – 1.ª Página

O Jornal (27 Julho) Expresso (28 Julho) Expresso-revista

 

Figura 7

 

Figura 8

Figura 9

Ocupa dois terços, do total da 1.ª Página, com títulos e foto: No Graal ela é Simplesmente Maria Repórteres de «O Jornal» desvendam segredos de Lurdes Pintasilgo

• A infância e juventude de uma mulher sem rótulos

• Ataques surpreendem hierarquia católica

• Uma crónica de Maria Velho da Costa

Dedica um terço, do total da 1.ª Página, a títulos em parangonas e duas pequenas fotos de Maria de Lourdes Pintasilgo. Na zona central lê-se: A ÚLTIMA TENTATIVA PRESIDENCIALISTA DE EANES? E, NOVO PARTIDO POLÍTICO DEPENDERÁ DO ÊXITO DO GOVERNO PINTASILGO

Sob o título, Lurdes Pintasilgo apresenta hoje em Belém o seu Governo completo, é possível ler a totalidade do texto na 1.ª Página do qual destaca-se a referência à presença feminina no executivo: (...) e, para já, a grande novidade do elenco governativo reside no facto de não se confirmar um número apreciável de mulheres na sua composição, ao contrário do que chegou a ser noticiado.

Ainda uma chamada para o trabalho publicado na revista: 3 depoimentos acerca de um 1.º Ministro controverso

• Joaquim Pinto Machado

• Teresa Santa Clara Gomes

• Maria João Seixas

Sob o antetítulo, A ÚLTIMA TENTATIVA PRESIDENCIALISTA DE EANES? e o título temático, NOVO PARTIDO POLÍTICO DEPENDERÁ DO ÊXITO DO GOVERNO PINTASILGO, são publicadas as leituras e interpretações de o Expresso.

 

 

Outras referências a Maria de Lourdes Pintasilgo no interior dos jornais (27, 28 Julho)

O Jornal (27 Julho) Expresso (28 Julho) Expresso-revista

Editorial: A direita perdeu a vergonha? (p. 2).

Dá continuidade às críticas sobre a forma e o tom com que responsáveis no seio dos partidos da direita têm atacado a pessoa de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Editorial: Radicalização indesejável, (p. 10). Oferece a sua leitura sobre as questões políticas do momento, entendendo a instabilidade política relacionada com as decisões presidenciais.

Neste número, (pp. 16, 17), são publicados depoimentos de três personalidades próximas de Maria de Lourdes Pintasilgo: 3 depoimentos acerca de um Primeiro Ministro controverso:

• Joaquim Pinto Machado: «Civilização do amor»

• Teresa Santa Clara Gomes: Explicar (de forma simples) o que é o Graal

• Maria João Seixas: Achegas para a definição de «pessoa» e «liberdade»

Neste número publicam-se um conjunto de textos sob o título temático condutor: Lurdes Pintasilgo: quem foi, quem é, que pode esperar-se dela

De José Silva Pinto, Uma mulher sem rótulos, (pp. 2, 3), aborda-se a figura de Maria de Lourdes Pintasilgo, recorrendo a testemunhos de pessoas próximas.

De um Governo que dá que pensar ao ataque de Mário Soares a Ramalho Eanes, (Marcelo R. de Sousa), (p. 2).

Dá-se conta do grau de determinação desta mulher, assim como, da sua capacidade persuasiva e de simpatia pessoal, capaz de uma operação «charme», que em termos de ganho político para a direita não será muito vantajoso. Quase que em tom de alerta, lê-se: Relativamente a Maria de Lurdes Pintasilgo, enganar-se-ão os que pensam que ela não seria um «osso duro de roer».

A rubrica semanal ‘Gente’, (p. 32), divulga um dos cognomes associados a Maria de Lourdes Pintasilgo: MARIA DE LURDES Pintasilgo já tem o seu qualificativo político – é a Mafaldinha. (...).

Hierarquia Católica surpreendida com ataques, (p. 4), (não assinado)

Dá eco às reacções provenientes dos partidos da Aliança Democrática.

   

Profunda Cultura teológica, (A.P. [sic]), (p. 4).

Sublinha a formação teológica de Maria de Lourdes Pintasilgo, citando, por exemplo, textos de sua autoria nesta área.

   

Presidente do I Congresso da JUC (1953), (p. 5) (não assinado).

Dá conta da longa e relevante ligação de Maria de Lourdes Pintasilgo a organizações católicas.

   
Salve Maria, (Maria Velho da Costa), (p. 5). Verbalização do pensamento dominante, mas escondido ou dissimulado nos discursos dos considerados intervenientes e actores do palco político.    

Antetítulo: Cimeira do Graal à espera de Lurdes Pintasilgo

Título: Para companheiras de outros países ela é simplesmente Maria, (Pedro Vieira), (p. 6). Historial da ligação de Maria de Lourdes Pintasilgo com a promoção de o ‘Graal’, em Portugal.

   

«Primeiro» ou «primeira»?, (p. 6) (não assinado)

Reflexão sobre a questão da linguagem em relação à forma feminina ou masculina de tratamento da palavra ‘Primeiro-ministro’, ou ‘Primeira-ministra’.

   

A semana mais longa de Lurdes Pintasilgo, (C. J. [sic]), (p. 7).

Relata todo um conjunto de factores políticos e até de alguma mudança de atitude por parte de Maria de Lourdes Pintasilgo, que envolveram a preparação da equipa ministerial.

   
Regresso do Brasil, (Augusto Abelaira), (p. 9). Nesta crónica são ironizados os rótulos lançados sobre Maria de Lourdes Pintasilgo, oriundos da direita.    
Gonçalo Ribeiro Teles a «O Jornal» (Pedro Vieira), (p. 21). Este líder partidário reitera as suas críticas à decisão presidencial.    

Governo terá «executivo» central com cinco membros, (p. 39) (não assinado)

O Jornal concentra a atenção num núcleo fulcral de gestão governativa, que acredita estar em formação.

   
A rubrica ‘Discurso Directo’ (p. 17), dá eco a frases da semana. Neste caso de Lucas Pires: «Portugal está numa fase de neogonçalvismo rococó, de saias e espartilho.»    

 

 

3 e 4 de Agosto – 1.ª Página

O Jornal (3 Agosto) Expresso (4 Agosto) Expresso-revista

 

Figura 10

 

Ocupa um terço com títulos e foto Legenda relativa à foto de MLP: A primeira foto de Lurdes Pintasilgo em São Bento.A marcha dos cem dias (pelo menos) começou. Em cima da sua secretária, no gabinete de Primeiro-Ministro, Lurdes Pintasilgo colocou uma velha imagem de Santa Isabel

Na zona correspondente ao primeiro terço, lê-se o antetítulo, Entrevista/Exclusivo, e o título, Governo fala, que introduz os depoimentos de três membros do Governo e respectivas fotos:

• Teresa Santa Clara, com a legenda: É tempo de as mulheres aparecerem;

• Costa Brás, com a legenda: Garantia de isenção nas eleições

• Bruto da Costa, com a legenda: Dar voz a quem não a tem.

No segundo terço da página, uma pequena foto de Maria Elisa e o título, Jornalista da TV cuida a imagem de Lurdes Pintasilgo.

Na 1.ª Página, deste número, não se lê o nome de Maria de Lourdes Pintasilgo em nenhum título, antetítulo ou subtítulo, nem existe nenhuma imagem da Primeira-ministra indigitada. Apenas se encontram breves referências nos corpos noticiosos sob os títulos:

Posse da primeira «leva» de Secretários de Estado no princípio da semana

• (...) Estilo diferente. Entretanto logo no primeiro Conselho de Ministros presidido por Maria de Lurdes Pintasilgo foi patente uma diferença de estilo pessoal relativamente ao seu antecessor, prof. Mota Pinto. (...) Maria de Lurdes Pintasilgo revelou um estilo muito mais dinâmico, abordando duas temáticas essenciais: a preparação do Programa do Governo e a escolha dos secretários de Estado para os vários departamentos governamentais.

• Cardeal-Patriarca recebe Aliança que referencia encontro entre Maria de Lourdes Pintasilgo e o representante máximo da hierarquia católica portuguesa.

 

 

 

Outras referências a Maria de Lourdes Pintasilgo nesta semana (3 e 4 Agosto)

O Jornal (3 Agosto) Expresso (4 Agosto) Expresso-revista

Editorial: O Governo e a responsabilidade dos partidos (p. 2).

Comenta a não comparência de representantes da «aliança democrática» na cerimónia da tomada de posse do V Governo Constitucional e enaltece o percurso de Maria de Lourdes Pintasilgo.

  O papel do V Governo Constitucional (pp. 2, 3). Um reiterar de suspeição face ao presente Executivo, e em cujo texto pode ler-se: Nada mais errado, em geral, do que acreditar que o V Governo Constitucional, com este primeiro-ministro e com esta composição, está apenas a fazer figura de corpo presente, à espera que os partidos o venham substituir.

Começou a «marcha dos 100 dias», (Cáceres Monteiro), (p. 2).

Tem como ponto de partida as frequentes interpretações da direita acerca da decisão presidencial, passando por emitir considerações respeitantes à ausência de representantes dos partidos da direita na cerimónia de tomada de posse e propondo a leitura de algumas citações do discurso de Maria de Lourdes Pintasilgo.

A opção que não pode ser «mascarada», (Marcelo R. de Sousa) (p. 2).

Alerta, de novo, para os possíveis horizontes deste Executivo, cuja Primeira-ministra sente que a sua missão não se vai esgotar com a singela preparação das eleições e a passagem do testemunho aos partidos.

Partidos reagem ao Governo (p. 3). Inclui uma foto de Álvaro Cunhal e a legenda: Pintasilgo já há um ano era a candidata do PCP
Secretária de Estado-Adjunto do Primeiro Ministro, (Cáceres Monteiro), (p. 4). Expõe um depoimento de Teresa Santa Clara Gomes, sobre Maria de Lourdes Pintasilgo, como por exemplo: Ela é, acho eu, uma personalidade tão forte que parte destas reacções são de pessoas que esperavam um governo completamente silencioso e neutro, um governo que não mexesse com nada. Por isso se insurgem contra o facto de aparecer alguém com imaginação e com iniciativa. Temem o que ela venha a fazer. Nem sequer é uma posição ideológica à partida, mas o receio de que uma personalidade forte traga à governação elementos que não são conhecidos. E muita gente tem medo do desconhecido.»

Primeiro-Ministro não pretende legislar sobre o aborto, (p. 2).

Inserido na rubrica ‘Semana Nacional’ detectam-se ressonâncias de uma entrevista dada por Maria de Lourdes Pintasilgo ao Le Monde.

 
 

Antetítulo: Aquino de Bragança ao EXPRESSO

Título: Pintasilgo tem horizontes largos (p. 16), (não assinado).

Dá-se conta do que foi glosado toda a semana por políticos e jornalistas, de acordo com as respectivas convicções político-partidárias. Também é referenciado o entendimento deste político moçambicano sobre Maria de Lourdes Pintasilgo:

(...) Aquino de Bragança disse-nos que o contacto com Maria de Lurdes Pintasilgo «havia sido franco e que o Primeiro-Ministro, possuidor de uma mentalidade descolonizada, se mostrara disposto a perspectivar as relações com Moçambique, atendendo a horizontes muito para lá dos anos imediatos».

 
Os ministros para a «marcha dos 100 dias», (p. 6), (não assinado). Recolha de informações sobre as individualidades que integram o V Governo Constitucional Observam-se curtas referências a Maria de Lourdes Pintasilgo.    

Entrevista conduzida por Edite Soeiro a Maria Elisa, (p. 7).

Uma pequena parte desta conversa aborda a figura de Maria de Lourdes Pintasilgo:

A actual Primeiro-Ministro nada tem de fechado, misterioso, hermético, e é uma pessoa muito interessada no papel da informação no mundo actual.

   

A expectativa, (Augusto Abelaira)(p. 9).

Discorre sobre a crescente sensação de expectativa em relação a Maria de Lourdes Pintasilgo, que ainda por cima é mulher (...) reunia todas as condições para dar esperanças a um povo mais ou menos desencantado.

   

O Santo Graal e a economia portuguesa, (Remy Freire), (p. 13).

Recorrendo à carga simbólica desta busca alerta que a Premier Maria de Lurdes não pode ser Sir Galahad, não porque lhe falte tão grande coragem, espírito de abnegação ou pureza de intenções, mas porque, evidentemente, os tempos são agora outros.

   

O «abominável» homem das oito, (p. 18), (não assinado).

Texto que referencia e critica o cariz noticioso da informação de um dos colaboradores da RDP, Jorge Soares, assim como permite a leitura de algumas dessas considerações sobre o Governo e a figura de Maria de Lourdes Pintasilgo: (...) em que se lê, por exemplo: «Maria de Lourdes Pintasilgo revelou-se ontem uma mulher autoritária, gostando de ostentar as suas qualidades (...) pouco aberta às críticas apesar de afirmar o contrário». Para o autor da notícia [Jorge Soares] intitulada «Uma mulher divorciada deste «jardim à beira mar plantado» o programa que o V Governo vai apresentar estará «eivado das intenções do bloco marxista-ateu»!...

   

Sousa Franco no Governo reforça posição junto da Igreja (p. 40), (não assinado).

Texto que dá conta da importância da inclusão desta figura no V Governo, do ponto de vista da Igreja católica portuguesa.

   

 

 

10 e 11 de Agosto – 1.ª Página

O Jornal (10 Agosto) Expresso (11 Agosto) Expresso-revista

 

Figura 11

 

Figura 12

 

Mais de dois terços da página são ocupados com uma caricatura de António, acompanhada do título manchete: Eles chamam-lhe «Vasco Gonçalves de saias». Porquê?

Ainda nesta 1ª Página lê-se numa coluna de texto: Para uns, Maria de Lurdes Pintasilgo não é mais do que a expressão de um alegado projecto de «socialismo terceiromundista » do Presidente Eanes. Para outros, ela representa o advento de um «neogonçalvismo de saias e espartilho»... Estas duas expressões, qualquer delas «munições» pesadas na barragem de «fogo verbal» com que diversos dirigentes dos partidos da «Aliança Democrática» têm alvejado o Primeiro-Ministro, são sintomáticas do vigor com que PSD e CDS (e PPM, seu actual parceiro) contestam a solução governativa que, na próxima semana, enfrentará o teste parlamentar. Porquê? Embora sem chegarem a este tipo de «imagens», os líderes da «Aliança», contactados por «O Jornal», reiteram a sua desconfiança política em Maria de Lurdes Pintasilgo e no seu Governo e preparam-se para apresentar, em São Bento, uma moção de rejeição do programa do novo Executivo.

O nome de Maria de Lourdes Pintasilgo aparece no título, EANES COM NETO (E TALVEZ MACHEL) E PINTASILGO NA ONU (E TALVEZ COM O PAPA), situado no primeiro terço, junto a vários outros assuntos com antetítulos e títulos.

Ainda na 1ª Página, no último terço, sob os antetítulo e título: Programa do V Governo Constitucional Agricultura tem prioridade na parte económica

 

 

 

Outras referências a Maria de Lourdes Pintasilgo nesta semana ( 10, 11 Agosto)

O Jornal (10 Agosto) Expresso (11 Agosto) Expresso-revista

Editorial: A quem interessa «chumbar» este Governo? (p. 2).

Aborda a possibilidade de os partidos da Aliança Democrática apresentarem ou não, a moção de rejeição de que se tem falado.

Editorial: Terceiro mundismo Portugal e a Europa (p. 10). Dá conta do entendimento sobre os rótulos colados a Maria de Lourdes Pintasilgo e mais glosados neste período político e alerta: (...) O Governo diz que só durará 100 dias, mas organiza-se e actua como se estivesse para ficar 100 anos. Rubrica ‘Gente’ (p. 28). Breve referência a Maria de Lourdes Pintasilgo; Apoio a Pintasilgo na Praia do Balaia, José Manuel Galvão Teles (...) está eufórico com a solução Pintasilgo (...) e considera que o último número do EXPRESSO foi nesta matéria malevolamente devisionista [sic] ...

Guia espiritual, (Rui Osório) (p. 4).

Descreve a formação religiosa de Maria de Lourdes Pintasilgo, citando- -a mesmo na sua convicção de que «a grande empresa é mudar a vida», e conclui, acreditando que Quero mesmo apostar que esta mulher, que prefere o diálogo com todos ao anátema com alguns, será mesmo imparcial e isenta na tarefa que lhe caberá no próximo acto eleitoral.

Programa de Governo na Assembleia segunda-feira próxima (p. 2).

São noticiados os trâmites da discussão parlamentar do Programa.

 

Só colagem de Soares derrubará Lurdes Pintasilgo (p. 5), (não assinado).

Reflecte no essencial as tensões e lutas político partidárias face à apresentação do Programa do Governo na Assembleia da República. Não é tanto a pessoa de Maria de Lourdes Pintasilgo que é visada, mas sim as sinuosas concordâncias ou distâncias políticas entre partidos políticos observadas pela imprensa.

EANES COM NETO (E TALVEZ MACHEL) E PINTASILGO NA ONU (E TALVEZ COM O PAPA) (p. 6), (não assinado).

Glosa a futura ida de Maria de Lourdes Pintasilgo à ONU. Do conjunto do texto, apenas uma pequena parte referencia de facto a pessoa de Maria de Lourdes Pintasilgo.

(...) A intervenção de Lourdes Pintasilgo a nível de política externa, que era já previsível para a generalidade dos observadores e poderá já ter reflexos no Programa de Governo, parece, assim confirmar-se, levantando alguma curiosidade sobre a forma como irão processar-se as relações com o Presidente neste domínio.

 

Antetítulo: Política Externa título: Sensibilidade  da questão africana, (L. P. A. [sic]), (p. 6).

Aborda questões de política externa presentes em Maria de Lourdes Pintasilgo, servindo também como contra ponto e esclarecimento sobre o porquê de rótulos como «terceiro-mundista» e «Melo-antunista».

Pintasilgo, o irrealismo e o catolicismo (correspondência identificada), (p. 11).

Transcrição de algumas das linhas mais directamente relacionadas com o título. (...) Apresentar linhas de acção para transformar a sociedade portuguesa em três meses (ainda por cima de «praia»...) levam-me a concluir das duas uma: ou a sr.ª eng.ª perdeu completamente a noção das realidades ou então está a tentar vender gato por lebre e nesse caso fica a denúncia. (...).

 

Que tem a Aliança contra Lurdes Pintasilgo? (Fernando Antunes), (p. 8, 9).

Vai directamente ao assunto do momento, questionando as atitudes da direita que revelam receios que o novo Primeiro-Ministro se transforme numa figura carismática e dilua o impacte que os partidos da Aliança procuram transmitir (...).

   

PPM procura «lugar ao sol» (p. 9).

Analisa a integração deste partido na Aliança Democrática, acompanhado de várias citações de Gonçalo Ribeiro Teles, entre as quais é reiterada a posição definida quanto ao governo de Lurdes Pintasilgo que, aliás, não se afasta das reacções que tem despertado ao nível dos restantes parceiros.

   

Alternativas e futuro, Em vez de Lurdes Pintasilgo o quê? (p. 9).

Recolha de afirmações dos três dirigentes dos partidos que perfazem a Aliança Democrática:

• Sá Carneiro: Eanes sabia que a engª Pintasilgo era inaceitável, como Primeiro-Ministro, para o PSD e CDS.

• Basílio Horta: (...) não temos que recear da senhora a não ser a sua parcialidade e o facto de ter escolhido para o governo adversários quer da Aliança Democrática quer das pessoas que a constituem. (...).

• Gonçalo Ribeiro Teles: Só retiraria apoio político à Aliança se [MLP] fosse capaz de resolver problemas (...) que o País atravessa .

   

A conspiração (Augusto Abelaira) (p. 11).

Ironicamente alveja os argumentos da direita: (...) que descubro eu? Que se prepara em Portugal, perante a nossa inconsciência, uma revolução marxista conduzida pelo Presidente Eanes e executada por Maria de Lurdes Pintasilgo (...) E como foi possível esta sinistra manobra (...) Muito simplesmente (...) há muitas dezenas de anos que esta conspiração se preparava, muito antes da queda do antigo regime e preparada nas alfurjas internacionais (provavelmente com sede na UNESCO). Sob os auspícios do marxista papa João XXIII muitos outros marxistas disfarçavam-se de católicos para no momento oportuno assassinarem as  nossas liberdades. (...)

   

Rubrica ‘Discurso Directo’ (p. 14).

Destaca-se uma afirmação de Maria de Lurdes Pintasilgo à Rádio Nacional de Espanha: «Não me afecta, não me preocupa e não me tira o sono a crítica que me é feita de eu ser uma pessoa «engagée», uma pessoa empenhada na vida social.».

   
«Pax Romana» bate papo pela Rádio (p.15). Com foto de Maria de Lourdes Pintasilgo e a legenda: Durante o debate: o incolor é absurdo.    

A «Thatcher roja»... (p.15).

Informa sobre alguns ecos na imprensa estrangeira, especificamente espanhola, acerca da chegada de Maria de Lourdes Pintasilgo ao cargo de Primeira Ministra: «Sin embargo, a única coisa que a aproxima da sua colega britânica é a sua condição feminina. E a sua profissão. Mais à frente, questionada sobre o rótulo de Melo-antunista, diria: «Não, não sou meloantunista. Melo Antunes é que é «marialurdista».

   
Programa do Governo: um texto curto para defender na «oral» (Luís Pinheiro de Almeida), (p. 36). Dá conta da preparação e da data de apresentação, na assembleia da República, do Programa do Governo.    

 

Destaques e Comentários

Nesta terceira parte procurar-se-á aprofundar a análise, de alguma maneira já iniciada na parte anterior, desenvolvimento este que vai ser realizado através da configuração de algumas temáticas consideradas relevantes para a definição da figura de Maria de Lourdes Pintasilgo, enquanto Primeira-Ministra do V Governo. O destaque dessas temáticas far-se-á por meio de títulos englobantes da interpretação realizada e fundamentar-se-á nos textos e imagens dos respectivos Semanários.

 

1. Uma mulher no Governo: o embaraço da linguagem

O primeiro aspecto a destacar talvez seja o embaraço linguístico resultante da nomeação de Maria de Lourdes Pintasilgo para chefe do V Governo. Na verdade, sendo o masculino o único vocabulário disponível para a designação dos cargos políticos, faltam as palavras próprias para descrever a realidade inusitada de haver uma mulher na chefia de um Governo.

Repare-se em alguns exemplos:

• A primeira (grande) entrevista do novo chefe do Governo, (O Jornal, 20 de Julho, 1.ª Pág.)

• (…) Nesse sentido, o próprio Primeiro-Ministro irá tentar, (O Jornal, 20 de Julho, p. 5)

• (…) o Expresso analisa (…) Governo (…) do seu indigitado Primeiro-Ministro, (Expresso, 21 de Julho, 1.ª Pág.)

• (…) objecções levantadas (…) à pessoa do Primeiro-Ministro indigitado … , (Expresso – revista, 21 de Julho, p. 4)

• (…) que fora secretário de Estado (…) ascendeu a ministro dos Assuntos Sociais, (Expresso – revista, 21 de Julho, p. 6)

O que parece mais interessante relevar é o facto de a representação social sobre a ‘natural’ masculinidade da vida política ser tão dominante que leva a generalidade dos jornalistas e colunistas a não manifestarem, como grande preocupação as questões da concordância exigida pela gramática portuguesa.

Regista-se, ainda assim, um texto, não assinado, «Primeiro» ou «Primeira»? em O Jornal de 27 de Julho, (p. 6), que traz à leitura alguns exemplos referentes às regras gramaticais vigentes, acompanhados de depoimentos de estudiosos da língua. Não deixa de ser igualmente representativo do pensamento de então, a presença da afirmação de que este assunto veio trazer um problema que, não sendo importante, parece estar a preocupar muita gente. A partir desta alusão ficamos a saber duas coisas interessantes: 1. A existência de pessoas a darem-se conta do problema e a preocuparem-se com ele; 2. Esse não era o caso do autor deste texto (e até da maioria dos autores dos textos escrutinados) que, estranhamente, sendo, também, um profissional da língua não considerava importante uma questão de linguagem…

É interessante assinalar que, no que diz respeito a este corte temporal, a prosa jornalística continuou a usar as designações masculinas para os diferentes cargos políticos, quer eles fossem ocupados por homens, quer por mulheres.

Hoje, três décadas volvidas, a língua, mais do que as mentalidades, tem vindo a adaptar-se lentamente à presença das mulheres no espaço público da política, criando palavras novas ou fazendo o feminino de palavras já existentes. Contudo, Maria de Lourdes Pintasilgo representa um momento-chave na tomada de consciência da necessidade linguística de tal renovação, até porque a própria marcará a situação e denunciá-la-á.

 

2. As primeiras páginas como espelhos: esperança e aclamação versus suspeição e silêncios

No âmbito de uma análise das primeiras páginas, há que realçar o modo manifestamente discordante nas vias de abordagem à apresentação e à descrição do perfil de Maria de Lourdes Pintasilgo, quer pelo espaço dedicado à figura, quer pelos títulos manchete exibidos. Em todas estas datas, Maria de Lourdes Pintasilgo ocupa, seja na forma de fotografia, fotomontagem ou até de caricatura, a 1.ª Página de O Jornal. O Expresso, por seu lado, revela uma opção editorial notoriamente diferente. As suas primeiras páginas são ocupadas sobretudo com texto. Os destaques são feitos recorrendo a grandes títulos e subtítulos, reservando um espaço mínimo a imagens1. Para além de publicar apenas fotos de pequena dimensão em duas datas (21 e 28 Julho), não faz qualquer destaque a Maria de Lourdes Pintasilgo a 4 de Agosto, três dias após a cerimónia oficial da tomada de posse do V Governo Constitucional e a 11 de Agosto apenas se lê o nome da Primeira-ministra em um dos vários títulos que ocupam a 1.ª Página.

O interior de cada semanário dá continuidade à escolha editorial visível nas primeiras páginas. Observam-se, por isso, ecos e silêncios relativamente a eventos ocorridos durante a semana, como é o caso flagrante da ausência dos partidos da direita na cerimónia oficial da tomada de posse do V Governo Constitucional.

Conhecido o nome da personalidade para chefiar o V Governo, O Jornal (20 Julho) é assim bastante generoso quanto aos dois terços da capa dedicados a uma foto de Maria de Lourdes Pintasilgo, acompanhada do título citação, «Quero dialogar com o povo», que sustenta o carácter intencional do compromisso assumido. Do ponto de vista da linha editorial de O Jornal, tal título poderá ser revelador da sua aclamação e expectativas sobre a figura de Maria de Lourdes Pintasilgo. Na verdade, há que reconhecer neste acto de fala uma vasta gama de possibilidades de leitura. Por exemplo, o contexto semântico ligado a ‘diálogo’ parece querer enquadrar o aparecimento de Maria de Lourdes Pintasilgo no palco da alta governação com uma aura positiva, inovadora em relação à herança anterior ao 25 de Abril, e tranquilizadora no quadro da efervescência política que então se vivia. Por outro lado, a verbalização do desígnio dialogar poderá, também, transmitir uma mensagem de disponibilidade e abertura, indo ao encontro do sujeito anónimo desprovido de meios de se fazer facilmente ouvir, uma vez que, no acto de dialogar terá que ocorrer o de escutar, o de ouvir e, certamente, deixar-se interpelar por posições diferentes. Em qualquer dos casos, «Quero dialogar com o povo» parece ser uma apresentação extremamente positiva da figura da nova chefe do governo.

Da leitura de o Expresso de 21 de Julho retira-se uma visão pouco, ou mesmo nada, empática com a figura de Maria de Lourdes Pintasilgo, sendo audível o tom duvidoso relacionado com a natureza do Governo, que se avizinha. Assim, o grande destaque de o Expresso é direccionado para as reacções oriundas de o Executivo em fim de mandato. É noticiada e comentada a reacção de elementos do Governo cessante, numa linguagem que permite inferir um global desacordo e descontentamento face à escolha de Maria de Lourdes Pintasilgo para Primeira-ministra. Desta profusão de conteúdo textual observa-se a questão do anunciado novo Executivo, de nomeação presidencial, e suas consequências envoltas na indeterminação para o futuro, dos ganhos políticos desta resolução.

Também a breve entrevista a Maria de Lourdes Pintasilgo indica um tom de desvalorização relativamente à real capacidade de acção de um Governo limitado temporalmente e na ausência do funcionamento da Assembleia da República. Fica, ainda, clara a existência de um desagrado total assumido pelos partidos da direita.

Na capa do caderno adicional – revista – o título temático e respectivos subtítulos promovem, indubitavelmente, um cenário carregado de suspeição, dúvida e desconfiança em redor de Maria de Lourdes Pintasilgo. Aliado a este ecoar receoso percepciona-se, de igual modo, incredibilidade perante a escolha presidencial. O Expresso lançava assim os indícios da sua interpretação acerca dos posicionamentos políticos do Presidente da República e de Maria de Lourdes Pintasilgo.

A 1.ª Página de O Jornal de 27 de Julho, proporciona uma fotomontagem certamente potenciadora de diversas leituras, despertando a curiosidade humana no mirar. Recorrendo a esta pré disposição do ser humano em aderir com prazer ao acto de olhar, através dos nossos mecanismos voyeuristas, sobretudo a acção de secretamente espreitar por uma fechadura, O Jornal escreve em subtítulo: Repórteres de «O Jornal» desvendam segredos de Lurdes Pintasilgo. Assumindo um exercício de leituras subjectivas, poder-se-ia, por exemplo, imaginar, aquilo que aparenta de imediato uma fechadura ser, quiçá, um cálice ao contrário. E cálice tem a ver com Graal, o movimento internacional de mulheres cristãs a que Maria de Lourdes Pintasilgo presidiu o que coloca a sugestão do mundo religioso. Mas, por outro lado, fechadura também convoca dentro e fora e, com a afirmação expressa de que Repórteres de «O Jornal» desvendam segredos de Lurdes Pintasilgo, aponta, necessariamente, para o entrar no interior de alguém. Não parece, portanto, haver dúvida que se está perante um puzzle de símbolos de cuja polissemia semântica decorre, necessariamente, a ambiguidade.

Tanto a 1.ª Página de o Expresso de 28 de Julho, como as suas peças jornalísticas, reiteram a sua linha de análise política e o traço indutor de suspeição no delinear do perfil de Maria de Lourdes Pintasilgo. O cerne da proposição deste semanário continua a ser uma apreciação muito desconfiada da actuação presidencial e suas consequências políticas para os partidos da direita interligada à personalidade audaciosa de Maria de Lourdes Pintasilgo. Estando esses partidos definitivamente divorciados do apoio prévio a Ramalho Eanes, a estratégia de o Expresso passa essencialmente por instigar cenários políticos de fraca substância democrática, nos quais o Presidente da República estaria em posição de diminuir a importância da Assembleia da República e assumir um papel de maior intervenção governativa no seio de um Executivo de sua nomeação. Daí que, para este semanário, seja importante alertar para o facto de que Maria de Lourdes Pintasilgo venha a evoluir de apenas uma escolha pessoal, um mero peão no estratagema presidencialista, a alguém com uma capacidade tenaz de fazer a diferença, e o mais alarmante ainda, com sucesso.

Após a cerimónia oficial da tomada de posse (1 Agosto) O Jornal de 3 de Agosto destaca na 1.ª Página depoimentos e fotografias de três elementos do Governo, tal como uma fotografia de Maria de Lourdes Pintasilgo acompanhada da elucidativa legenda Começou a «marcha dos 100 dias». Ao invés, o Expresso (4 Agosto) nada menciona sobre este acto protocolar. Dá conta, sim, da Posse da primeira «leva» de Secretários de Estado agendada para a semana seguinte. Poder-se-ia dizer que é caso de um ruidoso silêncio.

O Jornal noticia e comenta, não só a recusa de os dirigentes dos partidos, PSD e CDS, em reunir com a Primeira-ministra, ainda antes da sua nomeação oficial, como também a não comparência destas personalidades à cerimónia de investidura do V Governo Constitucional. De acordo com o Editorial, estes «factos moralmente graves e até inéditos revelam (...), a falta de educação cívica daqueles sectores, até que ponto são desrespeitados princípios fundamentais da democracia como os da tolerância e do diálogo». Também Cáceres Monteiro, no seu artigo «Começou a ‘marcha dos cem dias’» (O Jornal, 3 Agosto: 2), sublinha a ausência destes partidos, destacando o ambiente desta «(...) cerimónia que pela sua vivacidade e concorrência contrastou com a posse do IV Governo (...)».

Consequentemente, perguntar-se-ia sobre os motivos que levaram o Expresso a não proporcionar qualquer alusão à tomada de posse e respectivos discursos, nem à ausência dos partidos de direita, com representação parlamentar, nesta formalidade protocolar e simbólica. Não se regista sequer qualquer ressonância explicativa oriunda desses dirigentes partidários, o que poderia suscitar, por si só, matéria noticiosa. Será que, com o recurso ao mutismo esperaria este jornal anular a relevância social e política do assumir oficial deste Executivo? Ora, do ponto de vista de qualquer órgão de comunicação social, recorrer à opacidade e ao silenciamento cirúrgico pode ser sintomático de uma tomada de posição. Do mesmo modo poder-se-ia inferir que o facto de a cerimónia oficial da tomada de posse não representar matéria noticiosa de peso para relatar vai ao encontro de o entendimento dos partidos da direita sobre o actual Executivo. Ou seja, uma vez que para os dirigentes do PSD e CDS a sua ausência traduziria a assunção clara do seu posicionamento, conhecido, de total recusa, desacordo e suspeição, o mesmo se poderá depreender da ausência de qualquer referência à tomada de posse nas páginas de o Expresso. Sublinhe-se mesmo que o que se capta deste número, não são ecos da tomada de posse do Governo, mas sim o aprofundamento das suas teses relativamente aos dividendos políticos por parte do Presidente da República nesta sua intervenção e, também, ao papel que Maria de Lourdes Pintasilgo poderia desempenhar neste xadrez político, avançado pelo Expresso.

Na semana seguinte, em vésperas do debate parlamentar do Programa do Governo, a 1.ª Página de O Jornal (10 de Agosto) proporciona a ironia de uma caricatura, da autoria de António, acompanhada do título Eles chamam-lhe «Vasco Gonçalves de saias». Porquê?

A grande potencialidade da caricatura é a de causar o riso através do recurso, entre outros, ao exagero, ao absurdo, à imagem distorcida. O que poderia ser salientado neste caso é a representação do objectivo dos dirigentes dos partidos da direita face à pessoa de Maria de Lourdes Pintasilgo. O seu apelido dá o mote para revelar os intuitos mais ou menos claros desses dirigentes. Caricaturados de predadores de aves, os seus fitos seriam o de retirar Maria de Lourdes Pintasilgo do palco político e assim silenciá-la prendendo-a numa gaiola. Contudo, Maria de Lourdes Pintasilgo é demasiado grande para tal. É que de facto o pintassilgo é uma ave com apenas alguns centímetros de dimensão, precisamente o oposto de Maria de Lourdes Pintasilgo. Esta afigura-se uma personalidade de real porte, sorriso franco, resoluta no sucesso da sua tarefa até ao fim e, por isso, resistente a ser maniatada.

O título manchete recupera um dos rótulos lançado sobre Maria de Lourdes Pintasilgo, este de autoria de Lucas Pires: «Portugal está numa fase de neogonçalvismo rococó, de saias e espartilhos»» (O Jornal 27 de Julho: 17). O Jornal, mais uma vez, insurge-se contra a barragem de «fogo verbal» oriunda dos partidos da direita. Interessante será notar que a recriminação feita pelo O Jornal não expõe, nem comenta, no entanto, o preconceito sexista patente. Acaso fosse um homem a representar a escolha de Ramalho Eanes, será que se escutaria algo como ‘neogonçalvismo de calças’ por parte dos mesmos autores?

O Expresso (11 de Agosto) destaca sobretudo assuntos de campanha partidária eleitoral. A curta referência a Maria de Lourdes Pintasilgo é realizada no âmbito da sua ida às Nações Unidas e possível encontro com o Papa.

 

3. «Simplesmente Maria»: simbologia cristã e popular?

Talvez valha a pena salientar, também, o ambiente cristão/católico que perpassa ou contextualiza a retórica jornalística de O Jornal de 27 de Julho. De facto, quer em termos noticiosos restritos, quer numa dimensão mais sugestiva, há uma predominância de alusões ao cristianismo/catolicismo no conjunto da produção do periódico referente a Maria de Lourdes Pintasilgo. Recorde-se:

• Hierarquia Católica surpreendida com ataques

• Profunda Cultura teológica

• Presidente do I Congresso da JUC

• Cimeira do Graal à espera de Lurdes Pintasilgo

• Salve Maria

Todas estas peças jornalísticas articulam a figura de Maria de Lourdes Pintasilgo com a Igreja Católica ou, no caso da ligação ao Graal, com o Cristianismo em geral.

No caderno Expresso – revista (21 de Julho: 3), ainda que sem a mesma profusão de peças jornalísticas neste âmbito, são referenciadas as palavras do Presidente da República na escolha de Maria de Lourdes Pintasilgo: «(...) haveria que optar por uma pessoa que da justiça não tivesse apenas uma interpretação e uma razão jurídica, mas também uma vivência religiosa». E na semana seguinte, (28 Julho: 3), é relatada como, «Católica activista num país considerado tradicionalmente católico.»

Como dimensão interessante, parece ser de sublinhar esta evocação da religiosidade no contexto da caracterização de uma figura política.

Se se tiver em atenção que, na produção textual de O Jornal (27 de Julho), todas as evocações têm uma dimensão positiva – pondo em evidência ou a consistência e a coerência da vida da personagem (Presidente do I Congresso da JUC), ou a segurança do seu saber (Profunda Cultura teológica) – parece estarmos perante uma intencionalidade de credibilização. Todavia, não podemos abstrair-nos da carga de ambiguidade intrínseca que a evocação do cristianismo/catolicismo pode conter, no contexto temporal em que nos situamos. Na verdade, dada a colagem ao antigo regime por parte de largos sectores da Igreja portuguesa, uma relação directa com ela não poderia deixar de transportar uma marca negativa de suspeição. A não ser que se quisesse apelar a um certo fundo popular – supostamente religioso –, de alguma maneira já convocado em 20 de Julho com o realce dado a «Quero dialogar com o povo». Esta hipótese pode ser fortalecida com determinados destaques associados ao nome Maria – simplesmente Maria – Salve Maria –, na medida em que, por um lado, cá temos, de novo, o chamamento ao universo religioso – a Virgem Maria –, mas, por outro, Maria é igualmente um nome com uma carga muito popular – as criadas de servir são, habitualmente, Marias, por exemplo.

 

4. Ideias-força das vias de abordagem: um retrato que se define

Verifica-se, portanto, sem grande surpresa, dois pontos de vista antagónicos, quanto à apresentação e descrição da figura de Maria de Lourdes Pintasilgo. Para além da longa e esclarecedora entrevista, onde é possível ler directamente as palavras de Maria de Lourdes Pintasilgo, sobre os seus objectivos e actuação enquanto líder governativa, sobre as suas ideias em assuntos contemporâneos e, também, sobre o facto de ser a primeira mulher a ocupar tal cargo, o conjunto de textos que O Jornal (20 de Julho) publica revela um tom elogioso na descrição do perfil da figura em estudo. Como por exemplo:

• (...) figura com a craveira intelectual e autoridade moral de Maria de Lurdes Pintasilgo, personalidade de indiscutível honestidade, isenção e independência partidária (...).(Editorial: 2);

• O facto «refrescante» de se tratar de uma mulher, e de uma mulher inteligente,energética e convincente (...). (Cáceres Monteiro: 5).

De um ponto de vista global, a perspectiva veiculada por O Jornal no conjunto destes números poderia ser descrita da seguinte maneira: ainda que crítica quanto à decisão presidencial, não deixa todavia de revelar uma nítida satisfação na escolha de Maria de Lourdes Pintasilgo, para chefiar o próximo Executivo. Observa-se um desacordo relativamente à decisão de Ramalho Eanes de marcação de eleições legislativas intercalares e dissolução da Assembleia da República, porque de acordo com a interpretação de O Jornal, esta decisão resulta de pressões dos partidos da direita, mas esse desacordo é claramente demarcado da figura de Maria de Lourdes Pintasilgo que, por sua vez, aparece enquadrada por uma visão positiva.

As ressonâncias oriundas de o Expresso configuram um quadro de total desacordo relativamente às deliberações presidenciais. A produção textual deste semanário proporciona um vasto campo de críticas a Ramalho Eanes e, ao mesmo tempo, lança dúvidas e incertezas quanto a futuros cenários políticos consequentes da escolha de Maria de Lourdes Pintasilgo para Primeira-ministra.

As interpretações avançadas pelo Expresso vão desde a existência de uma eventual agenda política escondida, cujos intuitos poderiam ser, sumariamente, descritos como:

• a instauração de um sistema presidencialista, com um poder parlamentar reduzido;

• facilidades, aos partidos da esquerda, ou dificuldades eleitorais colocadas aos partidos da Aliança Democrática;

• a continuidade no poder de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Sob o olhar de o Expresso, Maria de Lourdes Pintasilgo é uma figura suficientemente carismática para suscitar uma boa dose de desconfiança na forma de a apresentar, claramente expressa na interrogação quanto à perigosidade da sua inteligência. A vida de Maria de Lourdes Pintasilgo é percorrida nas vertentes: académica, profissional, política e religiosa, sendo esse percurso acompanhado de citações da própria, feitas em tempos passados, que contribuem até para um entendimento mais alargado do seu perfil. Paralelamente o Expresso proporciona leituras e interpretações que suscitam mais reticências e suspeições do que clareza. Só duas citações exemplificativas desse espírito:

• Esta mulher com este perfil será apenas um Primeiro-Ministro de transição para as eleições, de um intervalo sem Parlamento? (Expresso – revista, 21 Julho: 7)

• É bom não subestimar o «élan» criativo de Lourdes Pintassilgo. Ele é, por si só, capaz de arrastar o espírito mais hesitante e dubitativo do mundo. Fá-lo-à com êxito? Pode ser que não. Mas poderá fazê-lo com carisma, com o carisma que tanto poderá galvanizar o país, (…). (Expresso – revista, 21 Julho: 7)

 

5. Exploração de qualidades como defeitos: tentativa de amedrontar

Constata-se, por exemplo, logo a partir das primeiras páginas, que o caminho de o Expresso vai numa direcção totalmente diferente da de O Jornal, centrando-se em absoluto nas questões estritamente políticas e acentuando as imagens inaugurais de suspeição que apresentara inicialmente sobre a nova chefe do Governo. Assim, se a 21, Maria de Lourdes Pintasilgo usufrui de uma inteligência (perigosa?), no dia 28 de Julho passa a 1º Ministro controverso, título que antecipa os depoimentos (nada controversos aliás) de personalidades próximas de Maria de Lourdes Pintasilgo (Joaquim Pinto Machado, Teresa Santa Clara Gomes, Maria João Seixas). Também aqui, o adjectivo assume uma carga de desconfiança, mais do que de clarificação, uma vez que nas palavras daquelas personalidades não se encontram formas de ambiguidade ou contradição sobre Maria de Lourdes Pintasilgo. Antes pelo contrário.

Adicionalmente relevante desta atitude são as indicações das outras peças jornalísticas, nomeadamente, os artigos de Marcelo Rebelo de Sousa que constituem um excelente exemplo de como qualidades se podem converter em defeitos, ou melhor, em perigos. De salientar como ele chama a atenção para o grau de determinação desta mulher (Expresso, 28 Julho: 2) – como se a determinação pudesse ser um risco; ressalta também o seu charme e, finalmente, alerta, no âmbito do discurso da tomada de posse, «(...) é patente que Lurdes Pintasilgo sente que a sua missão não se vai esgotar com a singela preparação das eleições e a passagem do testemunho aos partidos».(Expresso, 4 Agosto: 2)

Ou seja, agita-se a bandeira do perigo quando se permite inferir que a actuação da Primeira-ministra poderia conter algum objectivo menos claro dentro do enquadramento democrático.

 

6. Acentuação das denúncias e demarcação das águas

Retomando os ecos à tomada de posse, observa-se por parte do conjunto de textos publicados pelo O Jornal, (3 de Agosto), um destaque elogioso ao discurso de Maria de Lourdes Pintasilgo, classificando-o como «um texto e um documento de alto nível e de qualidade intelectual, cultural e humana» (Editorial: 2) e como uma «construção a que não faltou sensibilidade e até recorte literário» (Cáceres Monteiro, O Jornal, 3 Agosto: 2). O artigo de Cáceres Monteiro aplaude, ainda, a eloquência e segurança com que Maria de Lourdes Pintasilgo

(...) «estilhaçava» numa conferência de Imprensa, com a sua autenticidade e pela forma corajosa e inteligente com que respondia às perguntas dos jornalistas as teorias laboriosamente urdidas pelos chamados «analistas políticos», capaz de inverter habilmente a direcção das setas que lhe são dirigidas.

As setas foi a forma como este jornalista classificou a escalada do conteúdo difamatório na direcção de Maria de Lourdes Pintasilgo. Despertando medos atávicos relacionados com o comunismo, como ilustra claramente a rubrica ‘Periscópio’, onde se denúncia o conteúdo textual do colaborador da RDP, Jorge Soares, ou procurando desacreditar a própria figura da estadista, sendo de destacar, neste quadro, uma outra referência no Editorial às «condutas e afirmações que não se podem classificar de honestas – porque objectivamente falsas e/ou demagógicas». Detecta-se também uma assunção de que o que está em causa é uma perseguição do foro pessoal, já não é, tão só, o confronto de oposições políticas. O que por sua vez é igualmente testemunhado pelo depoimento de Teresa Santa Clara Gomes, «Está-se a fazer uma construção para deitar abaixo a sua personalidade.» (O Jornal, 3 Agosto: 4)

Como já referido, regista-se uma clara denúncia, por parte de O Jornal aos ataques que os partidos da direita e do centro vinham orquestrando contra Maria de Lourdes Pintasilgo. Mas, o que parece de maior relevo na posição deste semanário é a tentativa, igualmente clara, de dar suporte à figura de Maria de Lourdes Pintasilgo e ao sentido do seu governo. Essa tentativa volta a fazer-se por apoio na linha do Catolicismo – como é o caso do realce dado à nomeação de Sousa Franco para o Governo e ao agrado que tal nomeação suscitará na Igreja –, e também na explicitação do valor do carácter da Primeira-ministra, e seu Governo, como, por exemplo, sublinham as palavras de Remy Freire:

(...) tão grande coragem, espírito de abnegação ou pureza de intenções (...) importante passo para inserir Portugal numa senda de regeneração moral, de restabelecimento da justiça social (...). (O Jornal, 3 Agosto: 13)

Finalmente, esta procura de suporte a Maria de Lourdes Pintasilgo vem, de novo, pela ressonância popular (não populismo) que pode ter a declaração de Bruto da Costa: «dar voz a quem a não tem.»

 

7. A questão da mulher: modelos de estereótipos

A presença de Maria de Lourdes Pintasilgo no espaço da política, especificamente neste cargo governativo, suscitou um leque diferenciado de reacções imbuídas de uma concepção estereotipada sobre o género feminino.

Por um lado, autores como Maria Velho da Costa, Augusto Abelaira, Cáceres Monteiro, Rui Osório e Pedro Remy aclamam a sua nomeação incorporando expressões de forte regozijo e elevando-a mesmo a uma figura messiânica capaz de recuperar valores éticos, de despoletar a crença num rumo novo, enfim, despertar a fé e alavancar a acção numa transformação possível. Observam-se expressões como «aparição» (Maria Velho da Costa, O Jornal, 27 Agosto: 5), «guia espiritual» (Rui Osório, O Jornal, 10 Agosto: 4), «pendor espiritual e talvez até místico» (Remy Freire, O Jornal, 3 Agosto: 13), «milagre possível» (Augusto Abelaira, O Jornal, 3 Agosto: 9) que permitem enquadrar esta visão numa perspectiva de religiosidade solene face à mulher que agora conduz o leme.

Por outro lado, escuta-se precisamente o oposto. Para além de toda uma construção baseada na suspeição e na aversão política, a mulher Maria de Lourdes Pintasilgo traz consigo algo de desconhecido, uma dedicação resoluta, uma inédita eloquência capaz de interferir com o status quo e por isso perigosa.

Há que ter cuidado com esta mulher que já ultrapassou, brilhantemente, muitos dos obstáculos de uma sociedade tradicional, assente no poder patriarcal, que inevitavelmente colocam à ascensão e distinção de qualquer mulher. Talvez por isso alguns dos rótulos que lhe são lançados representem em essência a inépcia masculina de reconhecer nas suas concidadãs a capacidade de gerarem, não exclusivamente vida biológica, mas a aptidão de criarem conceitos, conhecimento, alternativas...

Retome-se apenas como os melhores exemplos, as designações de «neogonçalvista» ou a de «Melo-antunista» que transportam consigo, de alguma maneira, a ideia de seguimento, não a de originalidade. Isto é, espera-se do sujeito feminino quando entra no restrito palco da política, sobretudo governativa, que se integre nos preceitos já existentes, que não aspire a sulcar novos caminhos. Daí que, Maria de Lourdes Pintasilgo, sob esta perspectiva, seja delineada como ‘neo...’ ou seguidora de qualquer ‘...ismo’ já vigente. Todavia, sobre isto mesmo dirá a própria:

«Não, não sou meloantunista. Melo Antunes é que é «marialurdista» (O Jornal, 10 Agosto: 15).

Um outro exemplo ainda, poderia ser o simbólico preconceito, o último argumento à falta de melhor, por parte de um paradigma tipicamente masculino, que é o de referenciar como saias e espartilho qualquer intrusão feminina no reduto dos homens. É aqui também que se escuta o receio masculino das potencialidades femininas. Se saias e espartilhos transportam consigo alguma conotação sexual, então a mulher poderá ser apreendida na bivalência da atracção e do receio. Desejada mas temida por uma mentalidade espartilhada pelos estereótipos.

 

Epílogo

Como observado, verificam-se, sem surpresas, posições antagónicas no desenho do perfil da personalidade em estudo. Por um lado, um retrato em tom aclamatório, cujos traços enaltecem as características da figura. Por outro, uma estratégia que, impossibilitada à partida de negar os reconhecidos atributos da individualidade em questão, recorre a tácticas indutoras de reticências, de dúvidas, de suspeição que culminam com o medo do desconhecido.

A título de conclusão exemplificativa, poder-se-ia esquematizar, numa forma muito directa, algumas dessas tácticas:

• Se é católica é, mas, «catalaica» e progressista (Expresso – revista, 21 de Julho)

• Se é política é, mas integrada «(...) numa fase de neogonçalvismo rococó, de saias e espartilhos», ou com uma visão quixotesca (Marcelo Rebelo de Sousa, Expresso, 3 de Agosto: 2)

• Se é inteligente é, mas, de uma inteligência (perigosa?) (Expresso – revista, 21 de Julho)

• Se é carismática, é, mas, «É bom não subestimar o “élan” criativo de Lourdes Pintassilgo» (Expresso – revista, 21 de Julho)~

• Se é apartidária é, mas, o PS «talvez não tenha sobre Maria de Lourdes Pintassilgo o controlo que muita gente julga» (Expresso – revista, 21 de Julho)

• Se é cosmopolita é, mas, «excessivamente terceiro-mundista ou Melo-antunista» (Expresso – revista, 21 de Julho)

• É mulher, mas, solteirona, «de pelo na venta, (Expresso – revista 21Julho)

Finalmente, numa inspiração visionária, tem de se realçar o texto de Maria Velho da Costa como a pedra angular da interpretação sócio-simbólica que se vivia em Portugal. Esta autora, de forma arguta, consegue verbalizar o pensamento dominante, mas escondido ou dissimulado nos discursos dos considerados intervenientes e actores do palco político.

Ironicamente, Maria Velho da Costa coloca a nu o entendimento político que no fundo se sentia, mas não se verbalizava. A mulher – Maria de Lourdes Pintasilgo – é chamada para segurar o barco, enquanto os homens discutem de facto as decisões. São eles que detêm e continuam a conservar o poder. Em jeito de linguagem popular, parece escutar-se: ‘Oh Maria não penses lá que isto é para te habituares, mantém o lume aceso enquanto nós estudamos e preparamo-nos para ir a votos. Depois, podes continuar nos teus afazeres de cuidar dos pobres coitados’. O espaço público, sobretudo o da política, não parece estar muito disposto a abrir-se à participação feminina. É na privacidade da casa, da família que as marias devem ficar.

Que nada ou muito pouco mudes em termos de poderes e instituições, que tudo mudes em termos de atitudes. Preparar o caminho a que senhores? (Maria Velho da Costa, O Jornal, 27 Julho: 5)

 

 

Notas

1 Note-se que poder-se-á entender esta postura de o Expresso, em termos de 1.ª Página, na medida em que este semanário transporta para a capa do seu caderno adicional – revista – a opção de publicar, ou não, fotos, de maior ou menor dimensão, de acordo com a sua escolha editorial.

 

Texto recebido em Dezembro de 2009 e aceite para publicação em Fevereiro de 2010.

 

*Ana Tavares é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade de Lisboa e está a terminar o Mestrado em Questões de Género e Educação para a Cidadania, na Universidade de Évora. É Docente do Ensino Básico e Secundário.

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