SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 número1Qualidade de vida e suporte social em doentes com esquizofreniaRefugiados e saúde mental: acolher, compreender e tratar índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.1 Lisboa abr. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180109 

Significações atribuídas aos anabolizantes: um embate entre o desejo e o risco

Meanings of anabolic-androgenic steroids: a shock between desire and risk

Ariane de Brito1& André Faro2

 

1Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão, Sergipe, Brasil. E-mail: arianedebrito@yahoo.com.br;

2Departamento de Psicologia (DPS) e Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSI) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão, Sergipe, Brasil. E-mail: andre.faro.ufs@gmail.com

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Esta pesquisa analisou estrutura e conteúdo das significações atribuídas aos anabolizantes segundo praticantes de musculação, além de identificar os principais conceitos acerca dos anabolizantes e comparar, a depender do uso ou não uso dos anabolizantes, a composição léxica e significação desses conceitos. Participaram 584 homens em 15 academias de uma capital brasileira. Utilizou-se um roteiro de entrevista semiaberto abordando o conceito de anabolizantes, tempo de prática de musculação e uso, atual ou passado, de anabolizantes. As respostas foram analisadas com o software IRAMUTEQ, por meio das técnicas de Classificação Hierárquica Descendente e Análise Fatorial. Os resultados indicaram três principais classes de conceitos de anabolizantes. Verificou-se um discurso mais valorativo e reducionista (classes 2 e 3), especialmente entre os que não utilizam essas substâncias; e a menção aos rápidos efeitos anabólicos (classe 1) no discurso dos que utilizam ou já utilizaram anabolizantes. Ao final, discute-se que essas significações levam à discussão sobre o uso indevido dessas substâncias, mostrando-se mais relevante quando consideradas as pressões socioculturais que incentivam o belo e discriminam àqueles que fogem ao padrão de beleza.

Palavras-chave: significação, drogas, esteroides; hormônios

 

ABSTRACT

This paper analyzes the structure and content of the meanings attributed to anabolic steroids androgenic (EAA) according to bodybuilding practitioners, in addition to identifying the main concepts about anabolic and compare, depending on the use or non-use of anabolic steroids, the lexical composition and meaning of these concepts. Participated 584 men in 15 gym academies of a Brazilian capital. We used a semi-open interview, addressing the EAA concept, body building practice time and use, actual or past, of EAA. The responses were analyzed with IRAMUTEQ software, trought Descending Hierarchical Classification and Factor Analysis. The results indicated three major classes of EAA concepts. It was verified a more evaluative and reductionist discourse (classes 2 and 3), especially among those who do not use such substances; and the mention of quick anabolic effects (class 1) in the discourse of those who use or have used EAA. At the end, it discusses about the EAA improper use, being more relevant when considering the pressures sociocultural that encourages the beautiful and discriminates those who flee to the beauty standard.

Keywords: meaning, drugs, steroids, hormones

 

Alcançar o corpo ideal, com baixo custo e num curto intervalo de tempo, é o foco de investimento de muitos jovens insatisfeitos com sua aparência; mas, nem sempre isso sai barato ou sem consequências danosas. O culto à beleza, tão evidenciado em nossa sociedade, tem feito muitas pessoas se submeterem a condições extremas para alcançar suas metas, mesmo que para isso se coloque em risco a própria saúde. O uso abusivo de anabolizantes se constitui uma dessas condições, uma vez que ao mesmo tempo em que possibilita o alcance de resultados rápidos e satisfatórios com o aumento de massa corpórea, pode acarretar sérios prejuízos, chegando a levar, inclusive, à morte.

De acordo com os levantamentos realizados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2002; 2006; 2010), nos anos de 2001 e 2005, a prevalência do ‘uso na vida' de anabolizantes foi de menos de 1% entre os jovens entrevistados. No ano de 2010, observou-se um aumento do ‘uso na vida' para 1,4%. Em pesquisa de revisão sistemática da prevalência do uso de anabolizantes no Brasil, Nogueira, Souza, e Brito (2013) verificaram que o uso dessas substâncias nas academias brasileiras encontra-se exacerbado, com a estimativa de que de 8 a 55% dos praticantes de musculação utilizam anabolizantes, principalmente na região Sudeste do país.

Os anabolizantes, também chamados de hormônios esteroides anabólicos androgênicos (EAA), esteroides anabolizantes, anabolizantes ou, simplesmente, “bombas” (na linguagem popular), são substâncias sintéticas que tem como base a testosterona. Essas substâncias produzem efeitos anabólicos relativos ao crescimento músculo-esquelético e efeitos androgênicos ligados ao desenvolvimento das características sexuais secundárias masculinas (Amsterdam, Opperhuizen, & Hartgens, 2010; Brandi & Carneiro Júnior, 2010).

De acordo com Amsterdam et al., (2010), o uso de EAA entre atletas varia entre 1% e 6%. No entanto, seu uso indevido atualmente não tem se restringido apenas a esse público. Jovens do mundo inteiro, dentre eles os praticantes de musculação, cada vez mais vêm fazendo uso de EAA, a fim de melhorar a aparência com o aumento de massa e força musculares (Iriart, Chaves, & Orleans, 2009; Kanayama, Brower, Wood. Hudson, & Pope Jr., 2009a; Martins et al., 2005).

No uso clínico, os anabolizantes apresentam benefícios e são indicados para o tratamento de algumas doenças ou condições clínicas terapêuticas, tais como o hipogonadismo, distúrbios sexuais e retardo no crescimento físico (Amsterdam et al., 2010; Brandi & Carneiro Júnior, 2010). Segundo Iriart et al. (2009), os medicamentos à base de esteroides anabolizantes mais utilizados no Brasil, tanto na classe média, como nas classes populares, são o Durasteton® (propionato de testosterona) e Deca-Durabolin® (nandrolona).

A excessiva preocupação com a aparência e a busca pelo corpo ideal, principalmente quando relacionada com o uso indevido de EAA, tem trazido consigo uma série de malefícios (Kanayama, Brower, Wood. Hudson, & Pope Jr., 2009b; Nogueira, Souza, & Brito, 2013). O uso dessas substâncias pode causar diversos efeitos físicos e/ou psicológicos, que vão desde graves problemas de saúde, como por exemplo, câncer, cardiopatias e amputações, a efeitos adversos benignos e reversíveis, tais como acnes e abcessos (Amsterdam et al., 2010; Brandi & Carneiro Junior, 2010). Além desses, o mau uso de instrumentos não esterilizados de injeção e de aplicações incorretas dos produtos, podem acarretar efeitos agudos tais como infecções, traumas e contaminações (Brandi & Carneiro Junior, 2010).

Para Silva Júnior (2013), o uso recreativo dessas substâncias parece estar relacionado a motivações estéticas, ainda que o uso de anabolizantes para estes fins seja ilegal no Brasil (CEBRID, 2003). Nesse sentido, praticantes de musculação, especialmente os homens jovens (Amsterdam et al., 2010), submetem-se a tais riscos no intuito de desenvolver massa muscular e alcançar um suposto corpo ideal. A venda ilícita de EAA em farmácias ou academias em todo país também favorece tal prática (Santos et al., 2006), uma vez que são, em geral, medicamentos vendidos apenas com retenção de receita (Amsterdam et al., 2010).

As academias de musculação são vistas como locais em que, legitimamente, expressa-se a preocupação com a aparência e o corpo, mas, também, são nelas onde podem ocorrer os primeiros contatos e motivações para o uso de EAA, a partir, principalmente, da troca de informações entre praticantes de musculação (Estevão & Bagrichevsky, 2004; Santos et al., 2006). Isso foi constatado por Iriart e Andrade (2002), com jovens fisiculturistas, visto que seus dados relevaram que o consumo de anabolizantes tem início logo após os primeiros meses de contato entre iniciantes e veteranos de musculação dentro da academia. Logo, entende-se que estudar o uso de EAA com o público das academias é uma proposta relevante, por estas se revelarem como locais, pelo menos em potencial, pertinentes à temática.

Estudos também têm revelado que, em seus discursos, os usuários de EAA não manifestam evidente preocupação quanto aos efeitos que o uso contínuo dessas substâncias possam lhes causar (Iriart & Andrade, 2002; Iriart et al., 2009). Ainda que, por vezes, tenha-se conhecimento sobre tais danos, o uso parece tornar-se alternativa primeira à adequação aos padrões de beleza vigentes, sobrepondo-se aos riscos (Santos, Mendonça, Santos, Silva, & Tavares, 2006). Assim, assentindo à ideia de que não é apenas o conhecimento acerca dos possíveis prejuízos que impede o uso indevido dos EAA, acredita-se que conhecer de que forma os indivíduos atribuem significado e função aos anabolizantes (o que é e para que serve), além dos fatores que levam a usar ou não essas substâncias, ajudam a compreender de forma mais ampla o fenômeno.

Dado o exposto, esta pesquisa objetivou: (1) analisar estrutura e conteúdo de significações atribuídas aos anabolizantes segundo praticantes de musculação; (2) identificar os principais conceitos acerca dos anabolizantes; e (3) comparar, a depender do uso ou não uso dos anabolizantes, a composição léxica e significação desses conceitos.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 584 indivíduos, todos do sexo masculino, com idade média de 26,3 anos (DP = 7,04) e praticantes de musculação há, em média, 32,5 meses (DP = 35,5). Os locais para a coleta de dados foram 15 academias de musculação de uma capital brasileira, situadas em bairros das zonas Norte, Sul, Centro, Leste e Oeste do município. Foram cinco academias por zona, sorteadas a partir do registro de seus endereços em lista telefônica ou na internet. Na coleta, buscou-se a proporcionalidade de participantes por localidade (cerca de 40 indivíduos por academia e 200 por zona).

A maioria dos indivíduos cursava ou tinha completado o ensino superior (59,8%; n = 349), seguido dos que tinham o ensino médio (37,7%; n = 220) e do ensino fundamental (2,6%; n = 15). No geral, os participantes estavam empregados (73,6%; n = 430), sendo que em menor número foram os que só estudavam (22,1%; n = 129) e os desempregados (4,3%; n = 25). Quanto ao estado civil, a maior parte foi de solteiros (76,7%; n = 448), seguido dos casados ou concubinados (20,0%; n = 117) e divorciados ou separados (3,3%; n = 19).

Material

Utilizou-se um roteiro de entrevista semiaberto, contendo a questão: “o que é, em sua opinião, um anabolizante?”. A resposta foi registrada pelo entrevistador. Além dessa questão, obtiveram-se dados sociodemográficos (idade, escolaridade, estado civil e ocupação). Questionou-se, ainda, o tempo de prática de musculação (em meses) e o uso de anabolizantes (se nunca utilizou, se utiliza ou se já utilizou e parou). Para essa questão, foi fornecido ao participante um questionário numerado à parte, respondido na ausência do entrevistador e, depois disso, depositado em um envelope, a fim de manter o sigilo da resposta.

Procedimento

Após a autorização das academias, a participação se deu por meio do convite do entrevistador (conveniência) a quem estivesse praticando musculação no momento da visita. Aos que aceitaram, apresentou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e fez-se o convite para se deslocarem até um local mais propício à entrevista, dentro da academia. Após isso, realizou-se a entrevista.

Análise de dados

As entrevistas foram analisadas com o auxílio do programa Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ). O IRAMUTEQ é um software para análise de dados textuais, cuja organização das informações permite apreender a estrutura discursiva por meio da avaliação de relações entre léxicos mais frequentes nos segmentos de texto. Dentre as análises constantes no programa, fez-se uso da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), do dendograma de classes e da Análise Fatorial (AF) (Camargo & Justo, 2013).

O corpus de análise foi único, constituído pelas respostas dos participantes à questão semiaberta. A técnica CHD realiza a avaliação simultânea de segmentos de texto com vocabulário similar entre si e diferente dos demais segmentos, calculando a distância e proximidade de suas relações com testes do Qui-Quadrado (Camargo & Justo, 2013). Como produto das análises, o IRAMUTEQ classifica os léxicos em um dendograma, agrupando-os segundo a frequência relativa e o valor de Qui-Quadrado do léxico correspondente na classe.

A partir do dendograma, obteve-se o conjunto de léxicos (palavras) reunidos nas classes temáticas, sendo que as de maior representatividade na classe são os que possuem valores de Qui-quadrado mais altos (maior relação de pertinência entre classe e palavra). Para cada uma das classes atribuiu-se uma nomenclatura, visando a representar o principal sentido expresso por meio do agrupamento de palavras.

A resposta quanto ao uso dos anabolizantes foi classificada em termos percentuais. Com essa classificação, conduziu-se a AF considerando 3 grupos de contraste (‘não utiliza', ‘utiliza' e ‘utilizou' anabolizantes). Com a AF, analisou-se comparativamente os principais termos agrupados no contraste, por meio valores de Qui-quadrado obtidos a partir da tendência à presença ou ausência do termo na relação entre classe do dendograma e grupo de comparação. Quanto maior o valor do Qui-quadrado (diferente de zero), mais pregnante foi a palavra no discurso dos indivíduos, sendo que o valor zero representou a ausência do léxico nas respostas.Os sinais de mais (+) e menos (-) de cada resultado de Qui-quadrado refletem a maior ou menor representatividade da palavra em cada grupo de comparação.

 

RESULTADOS

Dendograma e descrição das classes

O corpus analisado no presente estudo foi composto por 578 UCI (entrevistas), 4969 ocorrências (número de palavras), com média de 8,6 palavras por UCI. O Dendograma ficou constituído por 3 classes temáticas, estabelecidas através da semelhança entre os segmentos de texto obtidos a partir dos discursos dos entrevistados (Figura 1). Em cada classe são apresentadas as palavras mais significativas, isto é, as que tiveram frequência igual ou superior a média total ( 8,6), o percentual das mesmas em relação ao total de ocorrência dentro dos segmentos e suas respectivas associações com a classe ().

 

 

Através da análise do conjunto de léxicos agrupados, delimitaram-se diferentes conceitos dos anabolizantes, intitulando-se as classes como: (1) Substância que aumenta a massa muscular; (2) Remédio para animal que prejudica a saúde dos humanos; (3) Droga ruim que vicia e que pode levar à morte.

Classe 1: Substância que aumenta a massa muscular

Dentre as concepções acerca dos anabolizantes, a Classe 1 (Figura 1) foi a predominante entre os participantes do estudo, agrupando 262 segmentos de texto (50,7%). O conteúdo da classe refletiu, principalmente, o conceito dos anabolizantes como uma substância (ou hormônio) que estimula o aumento de massa muscular de modo rápido. A palavra mais importante dessa categoria foi muscular (X² = 65,1), seguida pela palavra massa (X² = 60,3). Isso pode ser observado nas duas respostas a seguir, que tiveram os mais altos valores de qui-quadrado na classe, sendo, portanto, as mais representativas:

“São substâncias que aumentam a massa muscular” [Participante (P) 036; Qui-quadrado () = 220,4] e “São esteroides que auxiliam no aumento de massa muscular” (P051; = 215,2).

Na primeira classe percebe-se que o conceito de anabolizantes aparece relacionado ao crescimento e/ou aumento de massa muscular de modo acelerado, ou seja, relacionado aos principais efeitos agudos anabólicos desencadeados pelo uso dessas substâncias. Esse resultado também foi encontrado por Santos et al., (2006), sendo o segundo mais mencionado em seu estudo. Este achado reitera a pregnância dessa acepção, mesmo quase 10 anos após o referido trabalho, pois passou a ser o principal conceito dentre os discursos analisados nesta pesquisa. Sobre isso, sabe-se que o uso de EAA vem sendo, ao longo do tempo, mais difundido, principalmente quanto ao uso combinado com musculação intensa e alimentação adequada, possibilitando o aumento de massa muscular muito maior e veloz, em comparação aos meios naturais ou mesmo apenas através da prática da musculação (Kanayama et al., 2009a; Silva Júnior, 2013). Tal aspecto, juntamente ao culto à beleza, parece assumir a forma de uma combinação perfeita para aqueles que buscam o corpo musculoso, dito ideal, num curto espaço de tempo (Estevão & Bagrichevsky, 2004).

Alguns autores (Amsterdam et al., 2010; Silva Júnior, 2013) consideram que as questões estéticas sejam as principais motivações para o uso de anabolizantes. Isso foi observado na pesquisa de Bueno e Araujo (2010), em que se verificou que os usuários e ex-usuários de anabolizantes tiveram como principal motivação para o uso dessas substâncias a melhoria de aparência. Logo, entende-se que o uso de anabolizantes não tem se restringido apenas a atletas que buscam melhorar seu desempenho esportivo, mas que se estende aos que estejam dispostos à busca da bela imagem corporal.

Para Iriart e Andrade (2002) os aspectos subjetivos inerentes ao uso de anabolizantes e o desejo por corpos grandes e musculosos estão diretamente relacionados. Sendo o corpo, instrumento utilizado também na busca de construção identitária e compensação da autoestima, os anabolizantes passam a ser o meio que mais rápido contribui para o alcance do corpo ideal, afora as técnicas de cirurgias plásticas (Estevão & Bagrichevsky, 2004), o que supostamente atende a essas necessidades tanto subjetivas individuais, quanto sociais.

Destaca-se que, neste estudo, metade dos segmentos analisados fez menção a este conceito de anabolizantes, o que sugere a íntima relação entre o culto ao corpo e a rapidez com que isso é alcançado com o uso dessas substâncias. A exemplo disso, viu-se que todos os segmentos do texto da amostra que contiveram o termo rápido encontraram-se nesta classe (100%). Trata-se, assim, de uma classe consensual e pouco valorativa a respeito dos EAA, mas que exprime uma visão parcial da questão, uma vez que negligencia os efeitos colaterais e o uso terapêutico dos anabolizantes; enfatiza-se apenas uma de suas consequências. Sua aplicabilidade, nesse caso, se confunde com funcionalidade, e a busca por músculos definidos e pelo “corpo ideal de verão” parece sobrepor danos causados com o seu uso inadvertido.

Classe 2: Remédio para animal que prejudica a saúde dos humanos

A classe 2 referiu-se ao conceito de anabolizantes como remédio de uso animal que prejudica a saúde humana, com 88 segmentos de texto (17,0%). Das respostas mais representativas, têm-se os anabolizantes como sendo: “Uma substância como outra qualquer que foi feita para ser usado em animais irracionais” (P022; X² = 307,6) e “É um remédio para cavalo” (P024; X² = 287,9).

O termo central desta categoria foi animal (X² = 147,3). As respostas que contribuíram com essa classe ou categoria temática revelam a compreensão dos anabolizantes associada a remédio (X² = 55,6) ou medicação (X² = 29,6), com a ênfase do uso veterinário, mas que é utilizado pelo homem (X² = 14,9) de modo errado (X² = 17,3), uma vez que prejudica a saúde. Os termos remédio (X² = 55,6) e medicação (X² =29,6) aparecem nos discursos associadas com a ideia de prejuízo: “Uma das piores coisas que já inventaram, exceto para uso animal” (P032; X² = 268,2) e “Uma medicação utilizada em animais, que quando utilizadas por humanos, pode causar inúmeros danos” (P310; X² = 166,6).

Observa-se que essa compreensão dos anabolizantes parece, mais uma vez, equivaler-se a uma visão simplificadora da substância, atrelada ao impacto midiático provocado através do relato de casos em que os usuários sofrem severos prejuízos a sua saúde. Ao mesmo tempo em que a mídia dissemina valores e padrões estéticos de culto a beleza, ela também condena e distorce a realidade de determinadas práticas, apresentando um discurso na maioria das vezes contraditório (Cecchetto, Farias, Silva, & Corrêa, 2012).

Em geral, as respostas dessa classe se restringem ao seu uso em animais e seus malefícios no uso com seres humanos, desviando da noção de anabolizantes como medicamento de uso clínico e terapêutico em condições de saúde específicas, como por exemplo, para o tratamento de sarcopenias, tratamento do câncer, osteoporose e soropositivos em HIV (Amsterdam et al., 2010; Brandi & Carneiro Júnior, 2010), embora existam anabolizantes de uso exclusivo veterinário (Rocha, Aguiar, & Ramos, 2014). Verifica-se assim, que a visão restrita acerca das finalidades e dos efeitos dos EAA tem feito com essas substâncias passem a ser vistas também, por algumas pessoas, a partir de uma perspectiva única, associada ao uso veterinário.

Nesta mesma classe, destaca-se ainda a presença significativa dos termos vitamina (X² = 19,3) e suplemento (X² = 8,0). Sobre isso há de se considerar que essas duas substâncias não são anabólicas, e que, portanto, considerá-las como anabolizantes não só demonstra uma concepção equivocada, como também reforça a ideia de noção simplista desses discursos. O termo cavalo (X²= 44,6) também merece destaque, já que foi o animal lembrado pelos respondentes como àquele associado aos anabolizantes, tendo estado presente nessa classe, todos os segmentos de texto (100%) em que aparece. Uma dessas substâncias é um complexo vitamínico (vitaminas A, D e E), e o cavalo é o animal mais comumente associado a ela. Sobre essas substâncias, estudos (Iriart & Andrade, 2002; Iriart et al., 2009) têm indicado a preferência por produtos veterinários, especificadamente o ADE, entre fisiculturistas e usuários de academias de bairros populares, refletindo sua popularização.

Como fármacos, os anabolizantes devem, por lei, ser vendidos e utilizados apenas com prescrição médica (Amsterdam et al., 2010), o que vale também para o Brasil (Lei nº 9.965/00). O mesmo acontece com os medicamentos de uso veterinário que acabam sendo utilizados para esse fim (Art. 61º do Decreto-Lei n.º 184/97). Nesta classe, de modo generalizado, não são feitas menções sobre tal indicação, entretanto, uma pequena parcela revela esse entendimento com a presença do termo prescrição (X² = 9,6) em suas respostas. Todavia, na prática sabe-se da existência da ilegalidade presente no comércio que gira em torno dos anabolizantes, que faz com que essas substâncias sejam facilmente adquiridas, sem muitas dificuldades (Amsterdam et al., 2010; Estevão & Bagrichevsky, 2004).

Segundo Estevão e Bagrichevsky (2004), as academias e farmácias se configuram locais potenciais de compra e venda ilícita de anabolizantes, uma realidade presente também a nível internacional. Amsterdam et al., (2010) ressaltam que 75% dos usuários holandeses compram anabolizantes ilegalmente via colegas de academias, instrutores e pela internet, tendo como clientes predominantes, jovens desportistas. Além disso, apontam que o comércio ilícito quando associado com outras atividades criminosas ainda costumam vender substâncias de qualidade inferior. Santos et al., (2006) também verificaram que a maioria (60%) dos participantes usuários de EAA relataram adquiriram a substância nas farmácias. Nesse sentido, percebe-se, a presença de uma contingência que ajuda não só a manter o uso recreativo e ilícito de anabolizantes, como também potencializa o tráfico, a ilegalidade e os danos causados com o uso indiscriminado dessas substâncias. O uso ilícito de anabolizantes mostra-se, assim, cada vez mais preocupante, na medida em que passa a ser inserido no cenário e contexto social e normativo das drogas ilícitas, como se vê a seguir.

Classe 3: Droga ruim que vicia e que pode levar à morte

Esta classe foi produzida por 167 segmentos de texto (32,3%). Seu principal conteúdo diz respeito ao conceito de anabolizantes como droga ruim que vicia, ilude e mata. As respostas mais significativas foram relacionadas ao termo central da classe: droga (X² = 225,2): “É uma droga que vicia” (P015; X² = 250,7) e “Uma droga que pode levar até a morte” (P089; X² = 247.6).

Percebe-se que o conteúdo da classe 3 é aquele que mais se diferencia dos demais. Nela não são considerados os aspectos farmacológicos e clínicos, nem os efeitos agudos dos anabolizantes. Nesta classe se considera apenas a visão negativa dos anabolizantes, aproximando-o das drogas ilícitas (por ex., maconha, cocaína e crack), visto que seus termos mais significativos fazem alusão a esse contexto. Todos os segmentos do texto que aparecem os termos, ruim (X² =25,7), viciar (X² = 14,9), mata (X² = 8,4) e viciante (X² = 6,3) encontram-se presentes nessa classe (100%), que, em outra configuração, reflete a ideia de anabolizantes como algo ‘Ruim, Viciante e que Mata'. Assim como já foi exposto por Santos et al., (2006), a concepção de anabolizantes como droga ilícita indica uma relevante deturpação de seu objetivo, que torna marginalizado tanto a substância, como quem a utiliza.

A presença dos termos viciar (X² = 14,9) e viciante (X² = 6,3) trazem a tona ainda a discussão acerca da dependência de EAA. De acordo com Kanayama et al., (2009b), as formas e períodos de uso dessas substâncias podem levar à dependência, que inicialmente pode se desenvolver como resultado da Dismorfia Muscular, isto é, uma das formas ou subtipos do transtorno dismórfico corporal (TDC). O TDC é caracterizado pela distorção de imagem e preocupação excessiva com o corpo, e no caso específico da Dismorfia Muscular (antes chamada de anorexia nervosa reversa), o indivíduo, geralmente homens, considera-se pequeno e fraco, apesar de grande hipertrofia muscular (Assunção,2002).

Entretanto existe uma diferença entre o uso abusivo de drogas mais conhecidas e o de EAA. No caso deste último, eles não são utilizados para alcançar um efeito imediato de intoxicação aguda, mas sim consumidos com um curso pré-planejado com o objetivo de se conseguir uma recompensa posterior de aumento da musculatura (Kanayama et al., 2009b). São os efeitos de bem-estar sentidos com o uso de anabolizantes, somado aos efeitos disfóricos de retirada, que contribuem para um quadro de dependência de EAA em alguns indivíduos (Amsterdam et al., 2010). No entanto, apesar de o discurso presente nessa classe apontar a possibilidade de vício, nele não são feitas referências a essas distinções, passando a sugerir que essa visão negativa também pode se aplicar aos indivíduos que delas fazem uso.

Vale ressaltar ainda a forma como os meios midiáticos veiculam informações sobre os danos causados com o uso abusivo de anabolizantes. As notícias geralmente retratam casos que levaram o usuário ao óbito, sendo, portanto, negligenciado os efeitos agudos e crônicos que podem ser acarretados com seu uso abusivo, por exemplo, dores de cabeça, infecções, problemas cardiovasculares (Amsterdam et al., 2010; Brandi & Carneiro Junior, 2010).

A presença do termo morte (X² = 10,6) parece refletir uma repercussão da mídia, pois geralmente o uso abusivo dessas substâncias não leva ao óbito, mas sim a efeitos de alto impacto, tais como amputações e hepatopatias graves (Brandi & Carneiro Júnior, 2010; Estevão & Bagrichevsky, 2004). Silva Júnior (2013) havia verificado, após levantamento sobre a morbidade hospitalar por EAA no Brasil, uma baixa taxa de mortalidade em relação ao número de internações. Isso sugere que os malefícios causados pelo uso de anabolizantes são mal retratados pela mídia, o que impacta sobre a visão que se tem de anabolizantes. Com efeito, a discrepância entre assinalar a morte como consequência direta e, por vezes, omitir problemas, embora mais comuns e menos trágicos em comparação ao óbito, faz com que apenas os casos menos usuais sejam destaque, enquanto que outros de elevado impacto na saúde pública e na vida dos indivíduos apareçam, de certa maneira, menos marcantes.

O Dendograma revela três principais classes de conceitos de anabolizantes. A maioria dos participantes deste estudo fizeram menção à classe 1, a qual representa os anabolizantes a partir dos seus efeitos anabólicos de crescimento muscular, bem como da rapidez em que se dá este crescimento. Os padrões estéticos de valorização do corpo magro e musculoso, que incentivam a prática de musculação, e por vezes, o uso indevido de anabolizantes por aqueles que querem alcançar o ‘corpo ideal' de modo rápido, aparece neste contexto associado à visão predominante de EAA. A mídia, nesse sentido, surge como meio que veicula o culto à beleza de maneira intensamente valorativa influindo nos processos de construção de significação e representação sociais. Isso pôde ser visto na análise de todas as classes, nas quais a maneira como foram representadas também revelam a fragilidade das representações.

Viu-se, também, que a ausência de clareza quanto à finalidade dos anabolizantes para o uso clínico, é um exemplo que demonstra tal fragilidade. A classe que associa os anabolizantes com medicamento para animal que é prejudicial à saúde humana (Classe 2) é a que mais se aproxima da primeira classe, mesmo sendo a visão da minoria dos participantes do estudo. A classe 3, no entanto, possui um conteúdo que se distancia das outras duas classes, nela o conceito de anabolizantes aparece associado com o de outras drogas, apresentando uma visão mais valorativa que as demais.

Análise Fatorial das Classes em relação ao Uso de Anabolizantes

Considerando o debate feito a partir do Dendograma, optou-se pela realização de uma análise fatorial da variável “uso de anabolizantes na vida” (Quadro 1), a fim de se obter os termos (palavras) mais frequentes nas respostas dos usuários que relataram que: (1) Não utilizam anabolizantes (90,6%; n = 529), (2) Utilizam anabolizantes (4,6%; n = 27), e (3) Já utilizaram anabolizantes (4,8%; n = 28). No Quadro 1, constam as palavras mais representativas de cada classe do Dendograma, com a tendência à presença (+) ou à ausência (-) nos segmentos de texto por classe, a depender do status de utilização de anabolizantes.

 

 

De acordo com o Quadro 1, as palavras mais representativas da Classe 1 presentes nos segmentos de texto das respostas dos indivíduos que utilizam anabolizantes foram: ‘Muscular', ‘Massa', ‘Rápido' e ‘Aumento', em outra organização, pode-se entender como: ‘Aumento rápido da massa muscular'. Entre os que não utilizam anabolizantes, destacaram-se como mais presentes os termos ‘Hormônio' e ‘Muscular', enquanto que entre os que já utilizaram anabolizantes, foram ‘Hormônio' e ‘Aumentar'.

Fazendo uma comparação entre os grupos, observa-se que os termos ‘Aumentar' e ‘Rápido' foram mais citados por aqueles que utilizam ou já utilizaram anabolizantes, e pouco presente no discurso dos que nunca utilizaram. Isso parece revelar que a rapidez do aumento e crescimento muscular, isto é, os efeitos anabólicos dos EAA, são mais evidenciados por aqueles já fizeram uso de anabolizantes pelo menos uma vez na vida. Isso coincide com o que é encontrado na literatura da área e já discutido anteriormente, de que o uso indevido dessas substâncias aparece associado com sua capacidade de aumento muscular de maneira rápida, na tentativa de se alcançar o tão desejado corpo ideal num curto intervalo de tempo.

A preocupação e objetivo de aumentar a massa muscular ainda são evidenciados pela frequência elevada dessas palavras nos usuários das categorias “Utiliza” e “Utilizou”. Alguns estudos mostraram resultado similar (Iriart et al., 2009; Martins et al., 2005). Constatou-se também que o termo ‘Hormônio' só não foi mencionado (X² = 0) pela categoria “Utiliza”, isto indica que os indivíduos que utilizam anabolizantes são os que menos se referem a uma propriedade real do EAA. Já o termo ‘Rápido' aparece em destaque entre os que utilizam, o que reforça a ideia de que aqueles que utilizam desconsideram a concepção de EAA como hormônios, e parecem partir somente da ideia que parece justificar seu uso: a busca pelo ganho e aumento rápido de massa muscular.

Verifica-se, então, que os termos referentes ao conceito de anabolizantes da Classe 1 são referidos de modo diferente por cada categoria da análise fatorial. Os que não utilizam citam os anabolizantes como hormônios que auxiliam no ganho de massa muscular, enquanto que os que utilizam e os que já utilizaram ressaltam principalmente seu efeito rápido de aumento da musculatura, sendo que os que utilizam não os referem como hormônios, o que foi visto entre os que já fizeram uso, ou seja, reconhecem a propriedade da substância.

Em relação aos termos da Classe 2, observou-se que todos estiveram mais frequentemente presentes nas respostas de quem não utiliza, com exceção do termo ‘Médico', mais mencionado nas categorias “Utiliza” e “Utilizou”. Tais categorias, apesar de citarem o uso clínico dos anabolizantes, parecem negligenciar seus atributos na medida em que não mencionam os termos ‘Usado', ‘Humano' e ‘Doença' (X² = 0). Tal aspecto parece revelar desconhecimento quanto aos usos adequado e inadequado de EAA (Amsterdam et al., 2010; Brandi & Carneiro Junior, 2010), especificamente entre os que fazem e já fizeram uso.

Sobre os termos presentes na Classe 3, observou-se que a concepção de anabolizantes como ‘Droga' Ruim' foi a mais frequente na categoria “Não utiliza”. Esse aspecto reforça o debate já realizado, sobre a visão simplista e marginalizada dos anabolizantes, na qual o termo ‘Droga' é concebido num sentido pejorativo, o que embora possa proteger o indivíduo do uso (no sentido de evitar), resume indiscriminadamente a potencialidade da substância.

Constatou-se ainda a presença do termo ‘Morte' nas categorias “Utiliza” e “Utilizou”, e sua reduzida tendência na categoria “Não utiliza”. Isso parece indicar, principalmente, que a questão do óbito faz parte do imaginário dos que utilizam ou já utilizaram, ou seja, parece que já pensaram ou pensam nessa possibilidade. Mas, por meio da literatura da área, sabe-se o conhecimento acerca desses riscos não tem inibido continuação dessa prática entre os usuários. Alguns estudos (Iriart & Andrade, 2002; Iriart et al., 2009; Santos et al., 2006) evidenciaram esse achado e indicaram que o objetivo principal é alcançar o corpo perfeito e se adequar aos padrões de beleza. Assim, conhecer os efeitos nocivos parece não impedir que as pessoas que utilizam anabolizantes persistam no uso, justificando a interesse de se conhecer outros aspectos relevantes a eles associados. Entender como são representadas e executadas práticas a respeito do consumo de anabolizantes, bem como variáveis tais como a autoestima, status social e outras, que vão além do receio dos prejuízos, pode possibilitar uma compreensão mais ampla do fenômeno, além de viabilizar diferentes formas de intervenção.

Entre os que utilizaram anabolizantes, o resultado da Classe 3 ainda pode sugerir um temor associado à experiência de possíveis danos que podem ter sido acarretados, ou até mesmo uma insatisfação quanto aos resultados obtidos e sua manutenção. A presença do termo ‘Ilusão' (X² = 8,3) parece corroborar essa hipótese. Nas outras categorias, “Não utiliza” e “Utiliza”, o termo aparece como tendência à ausência (= 3,2) e ausente (X² = 0), respectivamente. Esse dado nos indica que os usuários que já fizeram uso de anabolizantes podem considerar essas substâncias como uma ilusão, estando relacionada à experiência vivenciada com o uso de EAA. Por outro lado, Santos et al., (2006) detectaram que a percepção dos resultados após o uso de anabolizantes foi vista pelos usuários como completamente satisfatória. Esses diferentes resultados sugerem que a satisfação completa pode ser fugaz. Isto é, o objetivo de uso, seja o da hipertrofia ou de busca por beleza e aceitação, ainda que se realize, pode não se manter ao longo do tempo, levando a uma satisfação, por hora, ilusória.

Em suma, a análise fatorial permitiu observar que os indivíduos que não utilizam anabolizantes possuem um discurso mais valorativo e reducionista, associado, principalmente, às Classes 2 e 3 do Dendograma. Sobre aqueles que utilizam, percebeu-se uma maior frequência de seus discursos na Classe 1, relacionado com a visão de anabolizantes como substância que aumenta massa muscular. A finalidade do uso dessas substâncias parece ser prioritariamente a de alcançar os resultados de seus efeitos anabólicos (crescimento de massa muscular) com rapidez. O conceito dos que já utilizaram, por sua vez, aparecem associados tanto com a Classe 1 quanto com a Classe 3, revelando uma concepção que cita sua finalidade anabólica ao mesmo tempo em que considera essas substâncias como droga que vicia, ilude e mata; um embate entre o desejo e o risco.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo se observou que os principais conceitos dos anabolizantes se referiram à rapidez de seus efeitos agudos anabólicos, a ser medicamento de uso veterinário que é prejudicial à saúde humana e, ainda, um tipo de droga que vicia e pode levar a morte. Todas as classes de conceitos levaram, respectivamente, à discussão sobre o uso indevido de anabolizantes que vem sendo cada vez mais comum, principalmente diante de um contexto sociocultural que incentiva o belo e discrimina àqueles que fogem do padrão de beleza.

A rapidez e o aumento de massa muscular aparecem como combinação perfeita para os que querem alcançar o corpo desejado através do uso indevido de EAA. A maioria dos participantes fez menção a este conceito e negligenciaram seus efeitos. O acesso a essas substâncias em locais como academias e farmácias facilita essa prática, uma vez que não há restrição na realidade quanto a sua compra e venda, isso inclui os medicamentos para animais utilizados para o mesmo fim. Além disso, o conceito de anabolizantes como droga, mencionado por alguns participantes, voltou-se para a questão da marginalização e da vulnerabilidade dos usuários para a dependência.

Aspectos valorativos foram atribuídos mais usualmente entre os que declararam não utilizar EAA. Por outro lado, a menção aos rápidos efeitos anabólicos foi referida pelos que utilizam ou já utilizaram EAA, desviando-se de sua finalidade clínica. As respostas do grupo de ex-usuários de anabolizantes diferiram um pouco dos demais grupos, sendo que a não continuação dessa prática apareceu associada tanto com os prejuízos que podem ser causados, quanto com a não satisfação dos resultados em longo prazo.

Existem limitações quanto à generalização dos resultados desse estudo. Um deles foi a escolha pela não participação de mulheres. Embora o critério de seleção de homens seja justificado por seu maior número entre usuários de EAA, entende-se que as mulheres também constituem um grupo relevante de estudo, especialmente pelo apelo dos anabolizantes em relação ao aspecto da beleza e da forma, o que fica como sugestão para novas pesquisas.Sabe-se ainda que a utilização de instrumentos de autorrelato por vezes pode inibir a participação e/ou comprometer a fidedignidade das respostas. Tentou-se controlar esse problema a partir do depósito da resposta sobre uso de anabolizantes em um envelope, mas, mesmo assim, não se pode assegurar sua eficiência em garantir ao indivíduo a segurança necessária para sua expressão. Acredita-se, portanto, que novas estratégias devam ser pensadas, buscando-se maior acurácia e fiabilidade neste quesito.

Enfim, julga-se oportuna a proposta de desenvolver novas investigações que focalizem o significado dos anabolizantes em grupos específicos, tais como os adolescentes e ex-usuários, para que se possa ter uma compressão mais ampla acerca de potenciais fatores que podem facilitar ou inibir a busca por essas substâncias e os motivos que os fazem parar. Seja pela forma ou pela beleza, seus riscos permanecem e os motivos para uso ainda se mostram como um profícuo campo de estudos.

 

REFERÊNCIAS

Amsterdam, J. V., Opperhuizen, A., & Hartgens, F. (2010). Adverse health effects of anabolic–androgenic steroids. Regulatory Toxicology and Pharmacology, 57, 117–123. doi: 10.1016/j.yrtph.2010.02.001        [ Links ]

Assunção, S. S. M. (2002). Dismorfia muscular. Revista Brasileira de Psiquiatria, 24, 80-84. doi:10.1590/S1516-44462002000700018        [ Links ]

Bueno, J. P. L., & Araujo, L. G. (2010). Uso de esteroides anabólicos androgênicos por praticantes de musculação da grande Florianópolis. Universidade do Estado de Santa Catarina, curso de Educação Física, Florianópolis. Retirado de: http://www.pergamumweb.udesc.br/dados-bu/000000/000000000014/0000146C.pdf        [ Links ]

Decreto-Lei nº 184, de 26 de julho de 1997. (1997, 26 de julho). Regime jurídico dos medicamentos de uso veterinário farmacológicos. Brasília: DF: Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

Brandi, C. R., & Carneiro Júnior, M. A. (2010). Esteróides anabólicos androgênicos (EAAS): O que são e quais os seus efeitos sobre o organismo humano? EFDeportes.com, Revista Digital, 15.         [ Links ]

Camargo, B. V., & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, 21, 513-518. doi: 10.9788/TP2013.2-16        [ Links ]

CEBRID (2002). I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil:Estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país: 2001. São Paulo: UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo.         [ Links ]

CEBRID (2003). Livreto informativo sobre drogas psicotrópicas. São Paulo: UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo.         [ Links ]

CEBRID (2006). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil:Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo.         [ Links ]

CEBRID (2010). VI Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio das redes públicas e privadas de ensino nas 27 capitais no Brasil – 2010. São Paulo: UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo.         [ Links ]

Cecchetto, F. R., Farias, P. S., Silva, P. R. P., & Corrêa, J. S. (2012). Onde os fracos não têm vez: Discursos sobre anabolizantes, corpo e masculinidades em uma revista especializada. Physis, 22, 873-893. doi: 10.1590/S0103-73312012000300003        [ Links ]

Estevão, A., & Bagrichevsky, M. (2004). Cultura da corpolatria e body-building: Notas para reflexão. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, 3, 13-24.         [ Links ]

Iriart, J. A. B., & Andrade, T. M. (2002). Musculação, uso de esteróides anabolizantes e percepção de risco entre jovens fisiculturistas de um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 18, 1379-1387. doi: 10.1590/S0102-311X2002000500031        [ Links ]

Iriart, J. A. B., Chaves, J. C., & Orleans, R. G. (2009). Culto ao corpo e uso de anabolizantes entre praticantes de musculação. Cadernos de Saúde Pública, 25, 773-782. doi: 10.1590/S0102-311X2009000400008        [ Links ]

Kanayama, G., Brower, K. J., Wood, R. I., Hudson, J. I., & Pope Jr., H. G. (2009a). Anabolic–androgenic steroid dependence: An emerging disorder. Addiction, 104, 1966–1978. doi: 10.1111/j.1360-0443.2009.02734.x        [ Links ]

Kanayama, G., Brower, K. J., Wood, R. I., Hudson, J. I., & Pope Jr., H. G. (2009b). Issues for DSM-V: Clarifying the diagnostic criteria for anabolic-androgenic steroid dependence. American Journal Psychiatry, 166, 642-644. doi: 10.1176/appi.ajp.2009.08111699        [ Links ]

Lei nº 9.965, de 27 de abril 2000. (2000, 27 de abril). Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República: Casa Civil: Subchefia para Assuntos Jurídicos.

Martins, Carijó, Almeida, Silveira, Mirailh, Peixoto,…… Sholl-Franco (2005). Efeitos psicológicos do abuso de anabolizantes. Ciências & Cognição, 5, 84-91.         [ Links ]

Nogueira, F. R. S., Souza, A. A., & Brito, A. F. (2013). Prevalência do uso e efeitos de recursos ergogênicos por praticantes de musculação nas academias brasileiras: Uma revisão sistematizada. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, 18, 16-30. doi: /10.12820/2317-1634.2013v18n1p16        [ Links ]

Rocha, M., Aguiar, F., & Ramos, H. (2014). O uso de esteroides androgênicos anabolizantes e outros suplementos ergogênicos – Uma epidemia silenciosa. Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, 9, 98–105. doi:10.1016/j.rpedm.2014.09.002        [ Links ]

Santos, A. F., Mendonça, P. M. H., Santos, L. A., Silva, N. F., & Tavares, J. K. L. (2006). Anabolizantes: Conceitos segundo praticantes de musculação em Aracaju (SE). Psicologia em Estudo,11, 371-380. doi:10.1590/S1413-73722006000200016        [ Links ]

Silva Júnior, S. H. A. (2013). Morbidade hospitalar por ingestão de esteroides anabólico-androgênicos (EAA) no Brasil. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 19, 108-111. doi: 10.1590/S1517-86922013000200007        [ Links ]

 

Endereço para Correspondência

Rua Sandoval Manuel dos Santos, nº. 16, Atalaia. CEP: 49037-831, Aracaju, Sergipe, Brasil. Telf.: (079) 99900-0087. E-mail: arianedebrito@yahoo.com.br

 

Recebido em 29 de Julho de 2015

Aceite em 24 de Janeiro de 2017

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons