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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.1 Lisboa abr. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180109 

Refugiados e saúde mental-acolher, compreender e tratar

Refugees and mental health - hosting, understand and treat

José António Pereira de Jesus Antunes1

 

1Centro de Respostas Integradas de Lisboa Ocidental - Equipe de Tratamento do Eixo Oeiras-Cascais, Divisão de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP. Lisboa, Portugal. E-mail: setuan59@hotmail.com

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O número de refugiados no mundo não tem parado de aumentar nos últimos anos. Os refugiados diferem dos outros migrantes por terem sido forçados a deixar os seus países e a eles estarem impedidos de regressar, gozando por essa razão de um estatuto garantido pelo Direito Internacional. A estes juntam-se ainda pessoas que enfrentam riscos similares mas para as quais ainda não foi apurado o seu estatuto. São populações que apresentam uma maior prevalência de problemas de Saúde Mental e que devem ter um tratamento especial. Fez-se uma pesquisa na literatura biomédica, das revisões sistemáticas publicada nos últimos dez anos, sobre Saúde Mental em Refugiados concluindo-se que estes apresentam particularidades especiais que devem ser tidas em conta pelos profissionais e serviços de saúde em termos de prevenção primária, secundária e terciária. Discutem-se questões como a barreira da língua, as diferenças culturais e o papel dos tradutores e mediadores culturais, a organização dos serviços, a intervenção em grupos especialmente vulneráveis como são as crianças, as mulheres, as grávidas e os idosos e abordam-se os problemas mais prevalentes resultantes da exposição ao trauma que assumem nos refugiados particularidades muito específicas.

Palavras-Chave: Refugiados, Saúde Mental, Trauma, Revisão

 

ABSTRACT

The number of refugees in the world has not stopped increasing in recent years. The refugees differ from other migrants because they were forced to leave their countries and they are prevented from returning, benefiting therefore, from a status guaranteed by international law. To these must be added people who face similar risks but whose status has not be yet been determined. These are populations with a higher prevalence of mental health problems and should have a special treatment. Research in biomedical literature available, systematic reviews published in the last ten years on refugee's mental health led to conclude that these have special characteristics that must be taken into account by professionals and health services in terms of primary, secondary and tertiary prevention. Issues addressed include language barriers, cultural differences and the role of translators and cultural mediators, the organization of the services, the intervention in particularly vulnerable groups such as children, women especially pregnant women and the elderly. Discussed are also the most prevalent problems resulting from exposure to trauma that assume very specific characteristics among the refugees.

Keywords: Refugees, Mental Health, Trauma, Review

 

Em meados de 2015 o número de refugiados no Mundo ultrapassou os 15 milhões, o número mais elevado dos últimos 20 anos. À Europa chegou também, um número excecionalmente elevado de refugiados e migrantes, através do Mar Mediterrâneo, a maioria dos quais oriundos da Síria e de outros países e regiões afetados por conflitos armados (UNHCR, 2015). A definição de Refugiado estabelecida pela Convenção das Nações Unidas sobre Refugiados de 1951 com o Protocolo de 1967 considera como tal qualquer pessoa que receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual, após aqueles acontecimentos não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar. Além dos refugiados a mesma Convenção considera como Requerentes de Asilo as pessoas que apresentaram pedido de asilo, que estão em procedimento de asilo, não tendo este ainda sido objeto de deliberação definitiva e define Asilo como a proteção concedida por um Estado, no seu território, à revelia da jurisdição do país de origem do refugiado, baseada no princípio de non-refoulement e que se caracteriza pelo gozo dos direitos dos refugiados reconhecidos pelo direito internacional, normalmente concedido sem limite de tempo. A estes juntam-se ainda grupos de pessoas que estando fora do seu país ou território de origem enfrentam riscos similares aos dos refugiados mas às quais por razões práticas ou outras não foi ainda apurado o seu estatuto. A Convenção distingue estes grupos dos emigrantes económicos que deixaram os seus países voluntariamente à procura de melhores oportunidades de vida.

Os refugiados têm um substancial aumento de risco, relativamente à população normal, de sofrerem de perturbações psiquiátricas relacionadas com a exposição à guerra, violência, tortura, migração forçada, exilio e incerteza quanto ao seu estatuto nos países onde buscam asilo (Kirmayer et al., 2011). Às experiências traumáticas como a tortura, prisão, cenários de guerra, permanência em campos de refugiados, perda de entes queridos, testemunho de outros sendo assassinados ou abusados sexualmente, perda de pertences e risco de perda da sua própria vida, junta-se o trauma de perderem o seu próprio país, os seus familiares e amigos, a viagem para outros países ao longo de caminhos perigosos, a incerteza da permanência e o stresse de adaptação a uma nova cultura muitas vezes feita na solidão e enfrentando a intolerância e o racismo (Buhmann, 2014). Acompanhar estas pessoas de diferentes origens e de contextos culturais diversos com uma enorme variedade de experiências traumáticas coloca desafios imensos aos serviços de saúde e aos seus profissionais em termos de resposta (Murray, Davidson, & Schweitzer, 2010). Nas últimas duas décadas, as necessidades de saúde dos refugiados e requerentes de asilo têm sido bem documentadas, no entanto existe pouca análise e avaliação da efetividade das intervenções que têm sido desenvolvidas nestas populações e poucas evidências sobre a forma de desenvolver novos serviços (Feldman, 2006). O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão da literatura publicada sobre a saúde mental em refugiados.

 

MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa na PubMed, que é um mecanismo de busca para acesso gratuito à base de dados MEDLINE de citações e resumos da investigação biomédica, desenvolvida pela National Library of Medicine (NLM), utilizando os termos MeSH: Refugee e Mental Health selecionando as revisões sistemáticas publicadas entre Fevereiro de 2006 e Fevereiro de 2016. Para a estruturação desta análise aplicou-se o modelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses) considerado como indispensável para elaborar uma revisão sistemática ou meta-análise (Liberati et al., 2009). Os critérios de inclusão foram: serem artigos de revisão sobre saúde mental em refugiados ou requerentes de asilo, estarem redigidos em língua inglesa, terem sido publicados nos últimos dez anos. Foram critérios de exclusão: artigos duplicados, artigos de opinião ou de reflexão, artigos escritos em outras línguas que não a inglesa, artigos versando campos de detenção, campos de refugiados em cenários de guerra, intervenções em cenários de emergência, refugiados de catástrofes naturais, deslocados internos, povos indígenas, artigos de revisão baseados em casos clínicos ou tratamentos de medicina alternativa e artigos discordantes com o objetivo da revisão como por exemplo os referentes a migrantes por razões económicas.

 

RESULTADOS

A pesquisa efetuada resultou na identificação de 94 artigos e na escolha de 32 que respeitavam todos os critérios de inclusão e de exclusão. A figura 1 representa o fluxograma da seleção dos estudos.

 

DISCUSSÃO

Aspectos Gerais

Não é claro se a migração leva a um aumento ou a uma diminuição dos problemas de saúde mental, até porque os limites e a variabilidade do conceito de migrante permanecem incertos, mas diferenças significativas, no que respeita à saúde mental, foram encontradas entre diferentes grupos de migrantes, especialmente entre refugiados e trabalhadores emigrantes. Enquanto os emigrantes são puxados para fora do seu país e escolhem o seu caminho, os refugiados são empurrados para fora na maioria das vezes sem poderem escolher o seu destino. A saúde mental de trabalhadores emigrantes e dos refugiados devem ser abordados separadamente com intervenções específicas (Lindert, Ehrenstein, Priebe, Mielck, & Brahler, 2009) sabendo-se que a homogeneidade cultural dos grupos a quem se dirigem os programas de intervenção favorece a sua eficácia. Os programas de saúde mental destinados a grupos de clientes culturalmente homogéneos foram 4 vezes mais eficazes do que os dirigidos a grupos culturalmente heterogéneos de clientes. Os refugiados apresentam maiores níveis de perturbação psicológica do que a população em geral (Murray, Davidson, & Schweitzer, 2010) o que foi documentado em refugiados de diferentes culturas e em diversos contextos por muitos autores ( Nickerson, Bryant, Silove, & Steel, 2011) incluindo altas taxas de Perturbação Depressiva Major e de Perturbação Pós- Stress Traumático (PTSD) sendo esta última cerca de 10 vezes mais elevada do que na população geral (Kirmayer et al., 2010). A prevalência de outras perturbações psicológicas, incluindo as perturbações do humor e da ansiedade, parecem também ser mais elevadas entre os refugiados (Nickerson et al., 2011). É consensual que os refugiados apresentam um elevado risco em termos de saúde mental após o seu acolhimento em consequência das experiências porque passaram. A variação dos resultados encontrados nos estudos de prevalência são atribuíveis principalmente à heterogeneidade das populações, às diferenças na exposição à violência nos países de origem e às dinâmicas de acolhimento que podem incluir discriminação no país de asilo (Lindert et al., 2009). As diversas metodologias usadas, as diferentes medidas de avaliação do trauma e de outros sintomas psicológicos assim como instrumentos de avaliação culturalmente pouco sensíveis ou a variação no tamanho dos grupos estudados ajudam também a explicar as diferenças (Murray et al., 2010).

A maioria dos autores distinguem três fases no processo de refúgio (Crowley, 2010): Uma primeira fase chamada pré-migratória que respeita ao período de tempo antes dos refugiados saírem do seu país de origem caracterizada principalmente pela agitação social, caos, perturbações nos empregos, serviços e atividades escolares ocorrendo a preparação da fuga no meio de situações de violência em que a ameaça à sua segurança bem como à segurança da familiares e amigos são uma ocorrência diária. Kirmayer et al. (2011) descreve como os principais fatores que afetam a saúde mental nesta fase: o estatuto socioeconómico, educacional e ocupacional no país de origem, a disrupção do suporte social, dos papéis e das redes relacionais, o trauma no que respeita ao tipo, severidade, número de episódios e a ameaça percebida e o envolvimento politico com uma causa. A segunda fase, a de migração propriamente dita é marcada pelo abandono das suas casas e ambientes envolventes e a deslocação na busca de um novo lugar onde se possam instalar. É uma fase caracterizada pela incerteza, não só acerca do futuro mas também das necessidades básicas diárias, vivida muitas vezes entre a violência e o medo. Os fatores que mais influenciam a saúde mental nesta fase são: A trajetória em termos da sua rota e duração, a exposição a condições muito adversas por exemplo nos campos de refugiados, a rutura dos laços familiares e comunitários e a incerteza quanto ao resultado final da migração (Kirmayer et al., 2011). A terceira fase, a fase de pós-migração é aquela em que chegados ao novo país precisam de encontrar um novo lar, emprego e cuidados de saúde num ambiente cultural distinto, precisando de aprender uma outra língua e obedecer a leis e normas culturais distintas. Os fatores que mais influenciam a saúde mental nesta última fase são ainda segundo Kirmayer et al. (2011): a incerteza quanto à obtenção do estatuto de refugiado, o desemprego ou o subemprego, a perda do estatuto social, a perda da família e da rede de suporte social, a preocupação quanto à família deixada para trás, a possibilidade de reagrupamento familiar e as dificuldades na aprendizagem da língua, a aculturação e adaptação a novos papéis sociais. A cada fase estão ligados distintos desafios e riscos de trauma que importa perceber para bem cuidar.

A fase de pré-migração tem sido a mais estudada, enfatizando sobretudo os danos causados pela tortura e pelo trauma. No entanto a fase de migração propriamente dita em termos da duração e das condições em que é realizada contribui decisivamente para os sintomas do trauma. Mais recentemente os investigadores viraram-se para os fatores relacionados com o acolhimento, o alvo principal das intervenções preventivas (Murray et. al., 2010). O acolhimento é fortemente influenciado pelas políticas, práticas e oportunidades fornecidas pela sociedade de acolhimento (Kirmayer, 2011). Em geral, graves problemas de saúde mental, são encontrados entre refugiados e requerentes de asilo que estiveram detidos em campos de refugiados aguardando pelo seu estatuto. Os riscos para a saúde que a detenção pode representar para o bem-estar de cada indivíduo devem ser cuidadosamente considerados (Storm & Endeberg, 2013). Em geral, os sintomas relacionados com a saúde mental, têm um padrão curvilíneo aumentando durante o início da fase de acolhimento e declinando depois ao longo do tempo (Murray et al., 2010).

Exposição a cenários de guerra e violência

O sofrimento mental e social decorrente da violência é um problema de saúde pública global. As sequelas de violência, devido à sua elevada prevalência e ao seu potencial impacto duradoiro, devem ser vistas globalmente como um desafio em termos de saúde mental implicando uma abordagem interdisciplinar não só médica e psicológica mas também social e legal de forma a poderem ser compreendidas, tratadas e prevenidas (Wenzel, Kienzler, & Wollmann, 2015). As populações afetadas por conflitos armados têm uma pior saúde mental. Diversos estudos avaliaram os fatores de risco envolvidos tais como a exposição a acontecimentos violentos e traumáticos, por exemplo o assassinato de familiares e amigos, o rapto e a violação, o ficar incapacitado devido à violência e muitas das vezes escapando à morte, a falta de acesso a bens essenciais como a comida ou a água, a falta de assistência médica na doença, o deslocamento forçado e a separação das famílias e comunidades (Roberts & Browne, 2011).

Segundo Williams Nester como citado por Wenzel et al. (2015) entre 1945 e 1988 rebentaram 269 guerras envolvendo 591 estados. Mais de 85% de todas as guerras entre 1945 e 1976 foram guerras civis e os números parecem tender a aumentar. As guerras civis estão associadas a um grande número de deslocados e refugiados. A violência é altamente prevalente em muitos países e regiões e o risco de a ela ser exposto elevado. A violência pode ter, e frequentemente tem, um impacto a longo termo sobre a saúde mental incluindo um efeito indireto, que afeta as segundas e terceiras gerações fazendo sentir o seu impacto em termos de indivíduos, grupos e sociedade podendo ser preditor de futura violência. As sequelas de violência são graves e frequentemente resistentes ao tratamento (Wenzel et al., 2015). Além de distúrbios específicos que geralmente resultam de eventos de vida extremos, especialmente a PTSD também, a depressão e outros transtornos de humor e ansiedade são igualmente mais comuns em populações expostas à violência. Complicações secundárias como o abuso de substâncias e a ideação suicida têm também uma prevalência apreciável. A violência associada ao terrorismo e à guerra está associada a um aumento de mortalidade e morbilidade por abuso de substâncias (Hirani, Payne, Mutch, & Cherian, 2015).

Os sobreviventes de tortura são frequentes nestas populações e muitas vezes passam sem uma deteção adequada (Wenzel, 2007). As sequelas incluem: PTSD, dor crónica, perturbações depressivas e sintomas reativos determinados e baseados na cultura que muitas das vezes não são suficientemente explorados. Os sintomas são frequentemente crónicos e de difícil tratamento mesmo em condições intensivas. Um fator chave que influência as perturbações psicológicas dos refugiados é a exposição a acontecimentos traumáticos na fase pré-migratória particularmente à tortura (Nickerson et al., 2011). A PSTD é a mais estudada e tem um impacto considerável nos sobreviventes (Wenzel et al., 2015) podendo atingir prevalências da ordem dos 30% como referido por Steel et al. (2009) numa meta-análise de 181 estudos levada a cabo em populações afetadas por conflitos armados. Em mulheres e crianças o problema deve ser tratado de uma forma especial pois apresenta nestas pessoas características peculiares (Montgomery, 2011; Roberts & Browne, 2011).

Perturbação Pós-Stress Traumático (PTSD)

A maioria dos estudos epidemiológicos sobre saúde mental em refugiados centra-se na PTSD mas a dificuldade em regular as emoções depois de ter sido exposto a acontecimentos traumáticas pode resultar em outras perturbações psicológicas como sejam a ideação suicida, os comportamentos auto-agressivos, o abuso de substâncias e as explosões de raiva (Nickerson et al., 2011). A depressão aparece frequentemente associada como comorbilidade com a PTSD em grupos de refugiados sendo esta associação responsável por um elevado compromisso funcional (Nickerson et al., 2011). A associação entre doença mental e o uso de tabaco e dependência de nicotina em populações afetadas por conflitos armados está significativamente associada à PTSD (Lo, Patel, & Roberts, 2015). São poucos os refugiados com PTSD que recebem tratamento efetivo devido ao estigma, à falta de recursos ou de clínicos treinados (McLean & Foa, 2011).

A discussão sobre o tratamento da PTSD em refugiados, tem sido feita por muitos investigadores, não existindo no entanto consenso sobre a melhor forma de a abordar. As intervenções multidisciplinares, ecológicas ou naturalistas têm sido as dominantes nos últimos anos (Nickerson et al., 2011) São intervenções que incluem terapia psicológica sem uma orientação definida, assistência médica, apoio social e legal de uma forma integrada, indo ao encontro das necessidades variadas dos refugiados (Van Wyk & Schweitzer, 2013). Estas intervenções baseiam-se no argumento de os refugiados precisarem de múltiplas intervenções psicossociais dirigidas não apenas aos seus problemas psicológicos originados por um vasto leque de stressores, mas também aos problemas de saúde, de acolhimento e aculturação (Nickerson et al., 2011).

Os tratamentos focados no trauma assentam nos princípios da Terapia Comportamental Cognitiva e estão associados a descidas significativas nos sintomas da PTSD e a grandes descidas noutros sintomas como depressão, ansiedade e sintomas somáticos (Nickerson et al., 2011). Outras formas de tratamento clássicas como o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) ou a Terapia de Exposição Narrativa que gira à volta da história de vida do paciente procurando focar-se nas experiências traumáticas que iniciaram a própria PSTD também têm sido utilizados com bons resultados (Murray et al., 2010). As terapias de exposição pretendem reduzir a excessiva ansiedade procurando o confronto com as situações que provocam essa mesma ansiedade. A eficácia da Terapia de Exposição Prolongada que explora a exposição às memórias traumáticas, às imagens traumáticas e o processamento dessas memórias acompanhada de um processo psicoeducacional é apoiada por um grande número de estudos efetuados sobre variadas populações e em diversos contextos culturais (McLean & Foa, 2011). Mas o assunto é controverso havendo autores que argumentam a necessidade do tratamento inicial se concentrar em problemas da vida diária e na restauração da capacidade de enfrentamento das situações (Slobodin & de Jong, 2014). Slobodin e de Jong (2014) defendem que a Terapia Cognitivo Comportamental e a Terapia de Exposição Narrativa são as estratégias mais eficazes para estas populações concluindo não haver dados suficientes para confirmar ou refutar abordagens alternativas, como a intervenção em grupo, intervenção familiar ou abordagem multidisciplinar no trabalho com refugiados traumatizados e requerentes de asilo. Uma das hipóteses levantadas, sobre os diferentes resultados encontrados, assenta no facto de os ganhos em saúde poderem variar conforme os resultados medidos pelos diversos estudos, sendo possível que os tratamentos focados no trauma possam tratar melhor os sintomas da PTSD enquanto as abordagens multidisciplinares poderão ser mais eficazes noutros problemas de saúde experimentados (Nickerson et al., 2011). As intervenções de natureza psicoterapêutica nestas populações são sempre difíceis uma vez que, a tradução da linguagem tantas vezes necessária, faz perder as nuances da comunicação e o tempo que demora a ser feita encurta de sobremaneira as sessões (Buhmann, 2014). O tratamento farmacológico de eleição para a PTSD nestas populações são os antidepressivos do subgrupo dos Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina especialmente a Sertalina (Slobodin & de Jong, 2014).

Mulheres e questões de género

As explicações para uma mais alta prevalência de baixos níveis de saúde mental entre as mulheres são conhecidas e incluem fatores sociais como sejam o peso de serem esposas, mães e cuidadoras, mães solteiras ou viúvas e poderem sofrer adicionalmente os efeitos da violência doméstica e sexual (Roberts & Brown, 2011). Não ser casada está igualmente associado com pior saúde mental e isto pode ser atribuído à perda do parceiro ou ao peso de ser a principal cuidadora no lar sendo que a idade agrava os problemas. Estas questões colocam-se independentemente das mulheres serem ou não afetadas por conflitos armado (Roberts & Brown, 2011). Mas a guerra amplifica as desigualdades de género (Raphael, Taylor, & McAndrew, 2008). As formas com mulheres e homens enfrentam cenários de catástrofe difere consideravelmente em resultado de um entrelaçamento de fatores biológicos, sociais e genéticos. Elas são frequentemente separadas do marido, pais, irmãos ou outros apoios do sexo masculino em tempos de conflitos políticos ou de guerra e assumem o cuidado das crianças e dos idosos, o que em tempos de crise pode limitar a sua capacidade de reagir e aumentar a necessidade de recursos em épocas de escassez (Raphael et al., 2008). As mulheres refugiadas enfrentaram muitas vezes acontecimentos que lhe ameaçaram a vida e a violência sexual não só no país de origem, mas também nos campos de refugiados e até mesmo no pais anfitrião (Collins, Zimmerman, & Howard, 2011). O impacto da violência sexual e da violação em mulheres refugiadas vítimas da guerra mereceu a atenção de alguns estudos tendo-se observado depressividade, evitamento de pensamentos ou conversas acerca do trauma e ideação suicida (Levy & Sidel, 2009). A separação das crianças que ficaram para trás é também uma experiência muito angustiante para as mulheres (Collins et al., 2011).

Em algumas sociedades, as mulheres têm um estatuto inferior e menor autonomia, de forma que suas necessidades podem ser percebidos como de menor prioridade mesmo, ou especialmente, em momentos de catástrofe. As mulheres têm uma vulnerabilidade diferente para os efeitos negativos do trauma na saúde mental. As mulheres apresentam maiores taxas de PTSD, ansiedade e depressão após desastres em grande escala ou acontecimentos de terror do que os homens expostos às mesmas situações (Raphael et al., 2008). Os vários papéis e responsabilidades das mulheres refugiadas em casa e no trabalho podem dificultar o seu acesso aos serviços de saúde. As mulheres refugiadas atendidas em clinicas especializadas apresentam um elevado nível de exposição à violência e de PTSD que não foram seguidas clinicamente (Kirmayer et al., 2011).

A Depressão Pós-Parto (DPP) é uma das complicações mais frequentes da gravidez e do parto com uma prevalência que varia entre os 10 e 15% (Collins et al., 2011). Os estudos sugerem que poderá afetar cerca de 45% das mulheres migrantes. São fatores de risco associados à DPP, o baixo suporte social, acontecimentos de vida stressantes, história prévia de depressão e depressão durante a gravidez que são frequentes entre refugiadas, migrantes e requerentes de asilo. Os cuidados de saúde materna devem olhar todas as mulheres migrantes recentes como estando em alto risco, providenciando a observação e o suporte adequado a este elevado risco (Collins et al., 2011). Um estudo comparando refugiadas, requerentes de asilo e emigrantes económicos tratadas separadamente mostra que as requerentes de asilo são as mulheres em maior risco de sofrerem de DPP possivelmente por estas terem maior receio em revelar os seus sintomas psicológicos, temendo que com isso possam comprometer o seu pedido de asilo (Collins et al., 2011).

Crianças e idosos

Os estudos realizados sobre a saúde mental de crianças e adolescentes refugiados apresentam uma grande variação de resultados. Mas a maioria encontra elevados índices de perturbação psicológica e depressão nestes grupos. No entanto uma meta-analise sobre saúde mental em refugiados mostrou que as crianças podem apresentar uma maior resiliência que os adultos (Antiss, Ziaian, Procter, & Arland, 2009). Ainda assim as crianças refugiadas experimentam elevados níveis de angústia psicológica documentados nos estudos que empregam métodos de diagnóstico para PSTD, depressão e problemas emocionais e comportamentais. As variáveis que parecem influenciar estes problemas são fatores demográficos como a idade e o sexo, o país de origem do jovem e as experiencias traumáticas da fase de pré-migração tais como a separação dos pais, danos corporais e vivência em campos de refugiados. A tortura ou o assassinato dos pais e de membros da família e outros stressores da fase pós–migração como o estatuto de asilo e os níveis de apoio são determinantes (Bronstein & Montgomery, 2011). Levy e Sail (2009) defendem que tanto exposição direta como a indireta a traumas de guerra aumenta o risco de problemas emocionais e comportamentais nas crianças em idade pré-escolar que muitas vezes se apresentam sob a forma de uma psicopatologia inespecífica. Crowley (2009) descreve como principais fatores de risco na fase de pré-migração e de migração a separação dos cuidadores, a exposição direta à violência ou morte, a presença em combates, a escassez de comida e de água, a morte de progenitor ou membro da família especialmente se presenciada, o desalojamento forçado ou destruição da residência, o testemunho de medo, pânico e /ou desamparo nos pais e o internamento em campo de refugiados. Na fase de pós-migração este autor enumera como fatores de risco o desemprego dos pais por mais de seis meses no país de acolhimento no primeiro ano, a dificuldade dos pais em lidar com o stresse, a incerteza sobre o estatuto de refugiado, a incapacidade física ou psíquica dos pais, a ignorância pelos país do stresse da criança, a barreira da língua, sequelas de problemas físicos que aconteceram na pré-migração ou na migração, conflitos culturais, o estatuto socioeconómico baixo e a violência racial.

Embora a maioria das crianças experimentem sofrimento intenso após a vivência de acontecimentos traumáticos apenas uma minoria desenvolve sintomas que sejam critérios para diagnóstico de PTSD (Peltonen & Punamaki, 2010). A perda de um dos progenitores está associada a maior incidência de PTSD e de depressão sendo as crianças que vivem com ambos os progenitores as que apresentam menos problemas psicológicos (Levy & Sidel, 2009). Montgomery (2011) numa revisão de estudos elaborados sobre jovens refugiados do Médio Oriente a residir na Dinamarca encontrou não propriamente PTSD especifica mas antes uma variabilidade de sintomas. À chegada 77% apresentavam perturbações de ansiedade, perturbações do sono e humor depressivo. As perturbações do sono (prevalência 34%) eram determinadas primeiramente por uma história familiar de violência. A intensidade destes problemas vai-se esbatendo ao longo do tempo. A participação escolar, a proficiência na linguagem e o nível educacional da mãe são preditores de menos problemas psicológicos a longo prazo. As crianças refugiadas, colocadas num sistema escolar desconhecido ficam numa situação difícil onde são forçadas a lidar com duas culturas: a cultura nativa e a cultura do seu novo país de acolhimento (Crowley, 2009). Especialmente nas crianças do ensino médio e adolescentes, as tensões associadas com a adaptação à escola podem ser agravadas pela discriminação por parte de outros alunos ou dos professores, problemas com a aquisição da linguagem, sentimentos de inadequação e as tensões que rodeiam amizades e namoro. Estas tensões podem colocar os alunos do ensino médio adolescentes num risco particularmente elevado de má-adaptação escolar durante a fase de pós migração (Crowley, 2009).

A mortalidade e a morbilidade em adolescentes decorrem na maior parte dos casos de causas evitáveis como acidentes lesões, abuso de substâncias, doenças de transmissão sexual e problemas de saúde mental além de doenças crónicas surgidas na infância. A maioria dos adolescentes refugiados são suficientemente resilientes mas há evidências que sugerem que alguns são mais propensos a desenvolver comportamentos desajustados (violência, agressão, sexualidade desviante e dificuldades de ligação) que podem dificultar o ajustamento escolar e social influenciando ainda mais o seu mal-estar psicológico. Os profissionais de saúde devem ter consciência das questões específicas enfrentadas por estes jovens por forma a otimizarem as possibilidades de uma vida bem-sucedida no país de acolhimento (Hiranin, Payne, Mutch, & Cherian, 2015). Espera-se frequentemente das crianças que funcionem como elo de ligação cultural com os pais, até porque adquirem competências linguísticas muito mais rapidamente, no entanto esquece-se que esta inversão de papéis e a melhor aculturação dos jovens refugiados pode ser uma fonte de stresse significativo no seio da família (Crowley, 2009).

A abordagem dos quadros psicopatológicos infantis e juvenis nas populações de refugiados deve ser sempre feita atendendo às diferenças culturais e aos pontos de vista das famílias de origem (Nadeau & Measham, 2006). A avaliação de problemas psicológicos em crianças e jovens tende habitualmente a agrupar os problemas em duas grandes categorias: disfunções por internalização e disfunções por externalização (Montgomery, 2011). A externalização compreende os conflitos com pessoas ou normas sociais marcadas pelo desafio, impulsividade, hiperatividade, agressividade e comportamento antissocial. A internalização compreende problemas dentro do próprio como ansiedade, disforia, retirada e depressão. Experiências traumáticas antes do exilio e acontecimentos stressantes no exilio são preditores de disfunções por internalização enquanto ter testemunhado violência e mudanças escolares frequentes são preditores de disfunções por externalização em crianças refugiadas (Montgomery, 2011).

Todos os investigadores concordam que a exposição ao trauma é por si só suficiente para explicar os problemas de saúde mental. As exposições traumáticas têm efeitos negativos em termos do desenvolvimento cognitivo, emocional e social. O impacto de um acontecimento potencialmente traumático depende de fatores ambientais e também da fase de desenvolvimento da criança, incluindo o desenvolvimento dos órgãos sensoriais, o desenvolvimento psicomotor (A capacidade de mover-se e fugir, se necessário), o desenvolvimento da linguagem (tanto ao nível recetivo como expressivo) e das capacidades daqueles que em torno da criança podem garantir as funções de contenção e proteção (Rezzoug, Baubet, Broder, Taieb, & Moro, 2008). Mas existem partes da personalidade que permanecem conservadas e podem servir como fatores protetores. A relação entre os fatores de riscos e os fatores protetores, em crianças que estiveram submetidas a conflitos armados, joga-se não só nelas mas também nas suas relações familiares e no suporte social. A importância de melhorar o envolvimento da criança, a participação parental e os serviços multidisciplinares integrados são enfatizados como formas de intervenção pela maioria dos autores (Peltonen & Punamaki, 2010). O apoio à paternidade e à maternidade, a restauração da narrativa e da simbolização são fundamentais no processo psicoterapêutico com os pais e os filhos. As crianças nascidas nestas famílias, mesmo depois dos acontecimentos traumáticos, ficam expostas às consequências das experiências passadas e até as nascidas já no exilio ficam expostos às consequências da transmissão do trauma vivenciado pelos progenitores. A transmissão do trauma pode criar alterações nos recursos individuais destas crianças (Rezzoug et al., 2008).

As crianças e jovens separados são um subgrupo significativo dentro dos jovens refugiados A separação de um jovem dos seus cuidadores primários pode ocorrer na fase de pré-migração sendo o impacto sentido também na fase de pós-migração. A separação dos seus progenitores ou cuidadores primários é um acontecimento traumático. Na fase de pós-migração a falta dos cuidadores primários é a falta de um fator protetor (Bronstein & Montgomery, 2011).

Rousseau e Gudzer (2008) discutem a intervenção em crianças a partir das escolas. Segundo eles, devido ao facto de os refugiados utilizarem pouco os serviços de saúde mental e de as crianças estarem muito expostas à adversidade, há um grande consenso que os programas de prevenção nas escolas primárias e secundárias podem desempenhar um papel chave na promoção da saúde mental destas crianças. Os modelos ecológicos que se dirigem ao todo do ambiente escolar são muito úteis porque proporcionam uma compreensão completa dos diferentes intervenientes, devendo no entanto apoiar-se em professores treinados. As atividades dirigidas à adaptação das crianças refugiadas à sociedade de acolhimento e ao seu bem-estar desempenham um papel importante. Devem ajudar a criança a assimilar as experiências do passado e do presente apresentando-as como oportunidades de aprendizagem e promoverem o desenvolvimento dos relacionamentos entre os refugiados e as crianças e adultos da sociedade de acolhimento. Os programas de prevenção primária que usam modalidades de intervenção específicas, tais como as expressões artísticas, parecem ser muito protetores nas diversas fases do desenvolvimento das crianças porque possibilitam a transformação das adversidades do passado e do presente através de representações e metáforas criativas e favorecem a solidariedade entre as crianças. Na prevenção secundária grupos de intervenção específicos para crianças com PTSD e serviços de Medicina Escolar para crianças com problemas emocionais ou comportamentais são eficazes e bem aceites pelos pais das crianças refugiadas. As intervenções multidisciplinares baseadas na escola, combinando a perspetiva da saúde mental e da educação que promovam uma parceria constante com as organizações comunitárias, parecem ser a melhor forma de enfrentar obstáculos.

Os idosos representam uma pequena parcela na totalidade da população de refugiados. Como fatores de risco de mal-estar psicológico nestes são apontados: o ser do sexo feminino, a baixa escolaridade, o desemprego, a presença de doenças crónicas, a viuvez ou divórcio e o viver só (Kirmayer et al., 2011). Acrescentam-se a estes fatores de risco outros problemas como são, o ritmo mais lento na aprendizagem da nova linguagem e na aculturação, a separação da família alargada a que estavam habituados, a falta dos pares ao redor, a redução da rede social de suporte, o isolamento por perda da rede comunitária, a dependência aumentada dos outros por motivos da língua e da reduzida mobilidade, as poucas oportunidades de trabalho e de se sentirem produtivos e a perda do estatuto que tinham, de pessoas especialmente respeitadas na sua comunidade, no novo contexto cultural (Kirmayer et al., 2011).

Cultura, intérpretes e mediadores culturais

As questões relacionadas com a saúde mental nos refugiados colocam desafios em termos da comunicação, contexto cultural dos sintomas e dos comportamentos de doença, efeitos da estrutura da família, dos processos de aculturação, do conflito intergeracional e das questões relacionadas com a facilitação ou impedimento da adaptação e integração social por parte da sociedade de acolhimento (Kirmayer et al., 2011). A dimensão cultural afeta a vivência do mal-estar e pode influenciar profundamente a adaptação à doença incluindo as interpretações e reações aos sintomas, a explicação do adoecer, as formas de enfrentamento, a ajuda e a resposta às doenças, a adesão aos tratamentos, os estilos de expressão emocional e de comunicação e as relações entre os pacientes, as suas famílias e os profissionais de saúde (Kirmayer, 2011). O processo de aculturação, que é definido como um conjunto de mudanças que acontecem em resultado do contacto com pessoas, grupos e influências sociais culturalmente diferentes (Buhmann, 2014) representa por si só um enorme desafio que se coloca aos refugiados. Um dos resultados pode ser o chamado Síndrome da Desmoralização que se caracteriza por angústia existencial, desesperança e falta de sentido da vida acompanhado por sentimentos de pessimismo, estagnação, desamparo, falta de motivação e vontade de morrer associados ao isolamento social, alienação e ausência de apoios. Esta síndrome é muitas vezes exacerbada pela falta de rede social de apoio e pela insegurança relativamente ao trabalho, à habitação e ao seu estatuto legal no país de acolhimento (Buhmann, 2014).

Muitas vezes os refugiados com problemas de saúde mental atendidos nos cuidados de saúde primários apresentam-se com queixas físicas, o que pode levar a um não reconhecimento e a um não tratamento de problemas como a depressão e a ansiedade expressas por queixas físicas e linguagens corporais que demonstram o mal-estar. Este problema pode ser muito amplificado pelas barreiras linguísticas e contextos culturais. Muitos pacientes não relatam aos médicos stressores psicossociais porque pensam que essas dimensões não são assuntos que recebam atenção médica ou porque acreditam que a sua situação não será entendida pelos profissionais de saúde (Kirmayer et al., 2011). O recurso aos curandeiros e aos tratamentos tradicionais próprios da sua cultura e região de origem é comum entre migrantes, devendo inquirir-se sobre estas práticas que podem interferir com o metabolismo e a eficácia dos medicamentos prescritos e com a adesão e resposta aos tratamentos (Kirmayer et al., 2011).

A barreira da língua e a comunicação têm sido referidas por inúmeros autores como o principal obstáculo no acesso aos cuidados de saúde (Hadgkiss & Renzaho, 2014). Qualquer paciente que não seja fluente na linguagem do terapeuta deve ser encorajado a utilizar um intérprete. Intérpretes profissionais devem ser usados para facilitar a comunicação. O uso de intérpretes profissionais ao invés de tradutores ad-hoc como familiares ou amigos melhora a substancialmente a comunicação e ajuda a reduzir as disparidades no uso dos serviços médicos. Os intérpretes profissionais além de facilitarem a comunicação aumentam a revelação de sintomas psicológicos e podem ser usados para fornecer intervenção psicossocial (Kirmayer et al., 2011).

O uso de intérpretes implica um processo de colaboração que requer competências específicas. Kirmayer et al. (2011) fazem uma análise detalhada da abordagem clínica com intérpretes e mediadores culturais e descrevem os pormenores a que importa estar particularmente atento nas diversas fases da entrevista. Antes da entrevista o clínico deve encontrar-se com o intérprete para explicar os objetivos da entrevista e discutir se a posição social do intérprete no país de origem e na comunidade local podem influenciar a relação com o paciente. A necessidade de uma tradução muito precisa e próxima na avaliação do estado mental do paciente (por exemplo para determinar alterações do pensamento, adequação emocional e avaliação de risco de suicídio) deve ser explicada ao intérprete. Ao intérprete deve ser pedido para avisar quando uma pergunta ou uma resposta é de difícil tradução. Discutir questões relevantes acerca da etiqueta e das expectativas culturais é essencial. Compor o lugar de forma a criar um triângulo em que o médico esteja em frente do paciente com o intérprete ao lado deste deve ser um cuidado a ter antes de se iniciar a entrevista. Durante a entrevista o clínico deve apresentar-se a si e ao intérprete e explicar o papel de ambos. A confidencialidade deve ser assegurada e o pedido do consentimento ao doente para a presença do intérprete deve ser obtido. Na entrevista deve-se olhar o paciente e falar-lhe diretamente usando o discurso direto (você em vez de ele ou ela). Os termos técnicos e frases de construção complexa devem ser evitadas preferindo-se as expressões claras e da linguagem corrente, enquanto se fala lentamente e em unidades curtas para dar tempo ao intérprete de fazer a respetiva tradução. Não interromper o intérprete e manter o contacto visual com o paciente enquanto o intérprete fala é de grande importância. Devem clarificar-se expressões ambíguas (verbais e não verbais) e pedir o feedback ao paciente para ter a certeza de que a informação crucial foi comunicada claramente dando-lhe ainda a oportunidade de colocar questões ou explicitar preocupações que não foram inquiridas. Depois da entrevista esta deve ser discutida com o intérprete pedindo-lhe opinião sobre a abertura do paciente e o seu envolvimento. As dificuldades de tradução e os mal-entendidos serão clarificados nesta fase e qualquer comunicação que não foi traduzida ou ficou pouco clara, quer em termos verbais quer não-verbais deve ser discutida. O intérprete deve ser inquirido sobre eventuais reações emocionais ou preocupações expressas pelo paciente durante a entrevista. Esta fase serve ainda para planear futuras intervenções com o paciente que devem sempre que possível ser feitas utilizando o mesmo intérprete. Importa salientar que baixa literacia em saúde, o estigma cultural relativamente à doença mental ou crenças de saúde tradicionais podem influenciar o compromisso dos refugiados com a psicoterapia e o aconselhamento. As ferramentas de triagem e de diagnóstico podem também não ser sensíveis ou culturalmente apropriadas e isto pode conduzir a falhas de diagnóstico ou a subestimar preocupações de índole psicológica nestas populações (Hirani et al., 2015).

Concessão do Estatuto de Refugiado e pedidos de relatórios pelas autoridades

A concessão do estatuto de refugiado pode influenciar apoios e variáveis sociais no contexto do acolhimento. Na realidade uma pessoa a quem é reconhecido o estatuto de refugiado adquire um conjunto de direitos e benefícios em termos de oportunidades económicas, possibilidades de vida e oportunidades de educação que são incomensuravelmente maiores quando comparadas com alguém cujo pedido de asilo ainda está pendente ou alguém a quem o mesmo foi recusado (Bronstein & Montgomery, 2011). Os pedidos de relatórios médicos, por parte das autoridades de emigração, trazem um peso de responsabilidade acrescido que é frequentemente sentido como indesejável por parte dos médicos ou de outros profissionais de saúde envolvidos no processo. Uma boa história clínica, feita com sensibilidade cultural e contendo uma boa formulação dos problemas, facilita a tomada de decisões com maior probabilidade de justeza e adequação podendo evitar os impactos negativos de um processo de legalização arrastado. O processo de pedido de asilo é um direito e uma peça essencial para a obtenção dum estatuto de cidadania (Pitmann, 2010).

Serviços de Saúde

Os refugiados têm necessidades específicas em termos da saúde mental. Os refugiados e também os grupos minoritários parecem ter uma menor capacidade para procurarem cuidados de saúde do que a população geral e por vezes apresentam sintomas especiais como manifestações somáticas e delírios que são difíceis de diagnosticar pelos profissionais de saúde mental (William & Thompson, 2011). Os níveis de literacia costumam ser baixos e muitos refugiados não entendem o conceito de medicação continuada e os tratamentos a longo prazo nem conhecem a distinção entre cuidados primários e especialidades. As diferenças culturais influenciam também as experiências de acesso aos serviços de saúde e a aceitabilidade de alguns tipos de cuidados (Eckstein, 2011). Feldman (2006) que estudou a organização dos cuidados de saúde primários relativamente a estas populações no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido enumera como necessidades de saúde dos refugiados: o acesso aos cuidados de saúde primários com registo de inscrição, a informação acerca dos serviços de saúde prestados, uma avaliação apropriada e compreensiva dos problemas de saúde físicos e mentais, o acesso à tradução, interpretação e serviços de apoio numa linguagem apropriada, uma adequada resposta aos problemas de saúde mental, o acesso a serviços especializados para os sobreviventes de tortura ou da violência organizada e o aconselhamento e informação sobre promoção da saúde. Por outro lado recomenda aos serviços de cuidados de saúde primários a criação de sistemas de informação capazes de recolherem dados demográficos e caracterizar estas populações residentes na sua área de influência, o envolvimento das comunidades locais de refugiados no planeamento e na oferta de serviços, a avaliação e reconhecimento das necessidades em termos de recursos a disponibilizar em zonas com elevadas concentrações destas pessoas, o providenciar de treino e informação aos trabalhadores dos serviços de saúde (profissionais de saúde e trabalhadores de apoio como rececionistas e administrativos) sobre direitos dos refugiados e serviços especiais disponibilizados para eles e o desenvolvimento de ações coordenadas com outros serviços que também prestem apoio aos refugiados. O autor discute ainda a necessidade da existência de serviços especializados, defendendo que o ideal será a integração destas populações nos serviços de saúde gerais, com os mesmos direitos a um tratamento de qualidade como o que é oferecido aos cidadãos do país de acolhimento. No entanto admite que devido às necessidades especiais dos refugiados e requerentes de asilo podem ser necessários, durante algum tempo, serviços especializados com modelos de intervenção específicos, que deverão ser complementares e não substitutivos dos serviços gerais à semelhança do que acontece com os serviços especializados de saúde que servem a população geral.

Os serviços de saúde não devem nunca esquecer a importância das intervenções preventivas nestas populações. A evidência mostra que as intervenções baseadas na comunidade seja em escolas, residências ou grupos são efetivas na melhoria da saúde mental dos refugiados (William & Thompson. 2011) e dados obtidos de intervenções em refugiados mostram que, quanto maiores são os graus de diferença cultural maiores são os estigmas e as barreiras associadas ao uso de serviços de saúde mental, razão pela qual, as intervenções preventivas são indispensáveis por criarem vias de acesso difíceis de alcançar apenas através de intervenções clínicas (Weine, 2008).

Conclusões

O número de refugiados no Mundo não tem deixado de aumentar e a Europa confronta-se também com esta realidade em resultado de conflitos e guerras em territórios que a circundam. Os refugiados constituem um grupo especial entre todos os migrantes na medida em que foram empurrados para fora dos seus países e a eles estão impedidos de regressar. Apresentam uma maior prevalência de problemas de saúde mental do que a população em geral ou os emigrantes económicos em especial de PSTD e de Perturbação Depressiva Major sendo consensual que devem ter um tratamento especializado que entre em linha de conta com as particularidades culturais, as barreiras da língua e os cenários de exposição a violência e a guerra na fase de pré-migração. Este tratamento especializado além de profissionais de saúde bem treinados e com sensibilidade para as diferenças culturais requer muitas vezes a presença de terceiros como sejam tradutores e mediadores culturais. A expressão dos sintomas que é modelada culturalmente pode dificultar o diagnóstico sobretudo quando ele é feito com recurso a instrumentos produzidos por padrões culturais ocidentais. O trabalho com crianças, idosos e mulheres coloca questões ainda mais desafiantes. Os requerentes de asilo em virtude da incerteza acerca da concessão do estatuto apresentam vulnerabilidades especiais. As intervenções preventivas de índole comunitária são indispensáveis uma vez que os refugiados enfrentam múltiplas barreiras no acesso aos serviços de saúde. As intervenções baseadas na comunidade e envolvendo a escola parecem ser bastante eficazes sobretudo em crianças e adolescentes. Se bem que muitos autores defendam a integração destas pessoas nos serviços de saúde gerais em pé de igualdade com os cidadãos dos países de acolhimento é consensual que pelo menos durante algum tempo serviços de atendimento especializados com modelos de intervenção específicos terão de ser criados por forma a suprirem as necessidades especiais destas pessoas em termos de saúde mental.

 

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Recebido em 28 de Junho de 2016

Aceite em 24 de Janeiro de 2017

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